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ISBN — 978-85-225-1898-2
Copyright © by the University of Michigan, 2001
Título do original: The deadlock of democracy in Brazil
Direitos desta edição reservados à
EDITORA FGV
Rua Jornalista Orlando Dantas, 37
222231-010 | Rio de Janeiro, RJ | Brasil
Tels.: 0800-021-7777 | 21-3799-4427
Fax: 21-3799-4430
editora@fgv.br | pedidoseditora@fgv.br
www.fgv.br/editora
Todos os direitos reservados. A reprodução não autorizada desta publicação, no todo ou em parte,
constitui violação do copyright (Lei no 5.988)
1a edição — 2003
Revisão de originais: Luiz Alberto Monjardim
Editoração eletrônica: FA Editoração Eletrônica
Revisão: Fatima Caroni e Sandra Pássaro
Capa: Leonardo Carvalho
Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca
Mario Henrique Simonsen/FGV
Ames, Barry
Os entraves da democracia no Brasil / Barry Ames; tradução de Vera Pereira. — Rio de
Janeiro : Editora FGV, 2003.
Tradução de: The deadblock of democracy in Brazil.
Inclui bibliografia e índice analítico
1. Brasil. Congresso. 2. Eleições — Brasil. 3. Brasil — Política e governo — 1985. I.
Fundação Getulio Vargas. II. Título.
CDD-328.81
http://www.fgv.br/editora
Para Olivia e Michelle
Sumário
Agradecimentos
Glossário dos principais partidos políticos
Introdução
Parte 1: O sistema eleitoral: regras, políticos e partidos
1.As eleições e a política da geografia
2.As estratégias de campanha no sistema de representação
proporcional de lista aberta
3.A evolução dos padrões de apoio eleitoral, 1978-94
4.A história faz diferença: a interação de estrutura social e eventos
políticos
Parte 2: A arena legislativa
5.Negócios, acordos, eleitores: o que motiva os deputados?
6.As estratégias presidenciais de formação de coalizões
7.A disciplina partidária na Câmara dos Deputados
8.Procedimentos, partidos e negociações num Legislativo fragmentado
Conclusão
Referências bibliográficas
Anexos
A.Os mapas e a estatística de Moran I
B.Fontes de dados e problemas
C.A base de dados sobre as votações nominais na Assembléia
Constituinte
D.Cooperação e defecção entre os deputados
Agradecimentos
Um dia, em 1989, ouvi dizer que os votos municipais recebidos pelos
candidatos parlamentares no Brasil tinham sido registrados numa fita de
computador. Embora a fita contivesse apenas os votos dos candidatos
eleitos e cobrisse apenas duas eleições numa meia dúzia de estados, achei
que eles poderiam me ajudar a compreender o funcionamento do peculiar
sistema eleitoral brasileiro. Um passo levou a outro. O número de eleições
cresceu de dois para cinco, a cobertura foi ampliada para quase todo o país
e o comportamento dos candidatos eleitos para as legislaturas subseqüentes
passou a fazer parte do programa de pesquisa. O projeto acabou levando 10
anos; felizmente, eu já tinha um cargo estável na universidade. Depois de
tantos anos, não admira que eu tenha acumulado muitas dívidas por todo o
apoio pessoal e institucional que recebi. Sou uma pessoa desorganizada
demais para me lembrar de todos, mas aqui vai uma lista inicial.
Pela ajuda nos mais diversos aspectos dos processos eleitorais e
parlamentares, no Brasil e em outros países, agradeço a Tim Power, David
Fleischer, Shaun Bowler, David Samuels, Bolívar Lamounier, Amaury de
Souza, Maria Antônia Alonso de Andrade, Gláucio Soares, Richard Foster,
Maria Emília Freire, Teresa Haguette, João Gilberto Lucas Coelho, Gilberto
Dimenstein, Luiz Pedone, Goerge Avelino Filho, Peter Kingstone, Maria
D’Alva Kinzo, Robert Kaufman, Pedro Celso Cavalcanti, Valentina Rocha
Lima e Simone Rodrigues. Os dois primeiros, Tim e David, responderam a
centenas de perguntas durante os anos em que desenvolvi este projeto.
Nas primeiras etapas da coleta de dados eleitorais, recebi valiosa ajuda de
Benedito dos Santos Gonçalves, do Sindjus. Jalles Marques me ajudou a
trabalhar com os dados do Prodasen, centro de processamento de dados do
Senado. Com o passar dos anos, o Tribunal Superior Eleitoral se tornou o
principal depositário dos dados eleitorais. Sou especialmente grato a Carlos
Alberto Dornelles, Roberto Siqueira, Sérgio, Flávio e Conceição.
O mapeamento eleitoral foi realizado com o programa Voyager, sistema
de informações geográficas desenvolvido por Rudy Husar, da Escola de
Engenharia da Universidade de Washington, St. Louis. Rudy e Todd
Oberman me ensinaram a trabalhar com esse programa.
Várias pessoas me auxiliaram na pesquisa sobre comportamento
parlamentar: Orlando de Assis Baptista Neto, Geraldo Alckmin Filho,
Eduardo Suplicy, Edwiges, Virgínia Mesquista, Murillo de Aragão,
Marcondes Sampaio, Rosinethe Monteiro Soares, Feichas Martins, Scott
Desposato e muitos deputados e assessores.
Tim Power, David Samuels, Fabrice Lahoucq e Scott Morgenstern leram,
no todo ou em parte, a versão original e fizeram observações extremamente
úteis. Bill Keech leu tudo e fez comentários detalhados, linha por linha. O
manuscrito melhorou imensamente com leituras tão atentas. Sou também
muito grato a pareceristas anônimos da University of Michigan Press e de
várias revistas, que avaliaram o manuscrito inteiro ou capítulos separados.
Ainda que eu certamente não tenha atendido a todas as objeções, eles deram
uma enorme contribuição para este livro.
No estudo de áreas específicas de política, mantive conversas valiosas
com Edélcio de Oliveira (Inesc), Antônio Carlos Pojo do Rego, Lúcio
Reiner, Kurt Weyland, Paulo Kramer, Antônio Octávio Cintra e com os
assessores permanentes da Câmara dos Deputados Eleutério Rodriguez
Neto e Wendy Hunter.
Carmem Pérez colaborou na obtenção de documentos essenciais em
Brasília e cuidou de que eu aproveitasse bem minha longa estada na cidade.
Michelle King passou muitas horas dando ordem a documentos
empoeirados na Biblioteca do Congresso. Em Pittsburgh, Lúcio Renno e
Luciana Cozman trabalharam com eficiência como assistentes de pesquisa.
Pelas consultas acerca da atividade política nos estados, agradeço a
Consuelo Novais Sampaio, Celina Souza, Samuel Celestino e Gei
Espinhara (Bahia); Paulo Freire Vieira e Moacyr Pereira (Santa Catarina);
Antônio Lavareda e José Adalberto Pereira (Pernambuco); Antônio Carlos
de Medeiros e Geert Banck (Espírito Santo); Agerson Tabosa Pinto,
Aldenor Nunes Freire, Paulo Benavides e Judith Tendler (Ceará); Marcelo
Baquero (Rio Grande do Sul); Clóvis Borges e Denise Levy (Paraná);
Jardelino de Lucena Filho (Rio Grande do Norte); Maria Antonieta
Parahyba Leopoldi (Rio de Janeiro); José de Ribamar Chaves Caldeira
(Maranhão); e Francisco Itamí Campos (Goiás). Para obter ajuda na
articulação entre fenômenos micro e macro, sempre me socorri de dois
mestres no assunto, Wallace e Gromit.
Esta pesquisa não teria ido muito longe se eu não tivesse contado com
uma enorme quantidade de apoios institucionais. Em 1990, a National
Science Foundation financiou meu primeiro pedido de auxílio para pesquisa
de campo no Brasil. O Projeto Iris, da Universidade de Maryland (dirigido
por Mancur Olson e Christopher Clague), e o North-South Center da
Universidade de Miami financiaram a etapa de pesquisas no Congresso.
Além de minhas próprias entrevistas, Mauro Porto e Fátima Guimarães
(Departamento de Ciência Política da Universidade de Brasília) e Clécio
Dias (então na Universidade de Illinois, Urbana) também fizeram
entrevistas. A Universidade de Washington, St. Louis, e a Universidade de
Pittsburgh forneceram apoio financeiro para minhas viagens de verão. A
American Philosophical Society colaborou com um auxílio para viagens.
Em 1995/96, trabalhei como fellow do Woodrow Wilson International
Center for Scholars em Washington, D.C. Sou muito grato a Joseph Tulchin
por seu apoio e a todo o pessoal administrativo do Wilson Center por tornar
aquele ano o mais agradável de minha carreira acadêmica.
Minha dívida com Michelle King, que me deu nossa filha Olivia, está
além das palavras. Como “Miss O” é muito mais fascinante do que este
livro, foi uma sorte que ela tenha vindo ao mundo depois que boa parte do
texto já estava praticamente pronta.
Glossário dos principais partidos políticosPDC 
Partido Democrata Cristão.
PDS 
Partido Democrático Social. Sucessor da Arena, o partido de
sustentação do regime militar, juntou-se ao PDC para criar o PPR.
PDT 
Partido Democrático Trabalhista. Partido de esquerda moderada,
liderado por Leonel Brizola, político populista cuja carreira teve
início no período 1945-64.
PFL 
Partido da Frente Liberal. Saído do antigo PDS. Conservador, com
presença mais forte no Nordeste. Tem uma ala de ideologia
neoliberal e uma grande ala constituída de tipos fisiológicos e
clientelista sem ideologia.
PMDB 
Partido do Movimento Democrático Brasileiro. Partido de centro,
de base ampla, herdeiro do Movimento Democrático Brasileiro,
começou como a oposição “oficial” no regime militar. Apesar de
ser vítima de constantes deserções, ainda é o maior partido no
Congresso.
PPB 
Partido Progressista Brasileiro. Conservador, criado por meio da
fusão do PPR e do Partido Progressista em 1995. O PPR surgiu da
fusão do PDS com o Partido Democrata Cristão.
 PPR 
Partido Progressista Reformador.
PPS 
Partido Popular Socialista. Novo nome do Partido Comunista
Brasileiro. Antes de orientação soviética (ao contrário do Partido
Comunista do Brasil, de orientação chinesa), atualmente de
orientação socialista.
PRN 
Partido da Reconstrução Nacional. Um instrumento para as
ambições de Fernando Collor de Mello, presidente entre 1990 e
1992, quando de seu impeachment.
PSB 
Partido Socialista Brasileiro. Pequeno partido de orientação
socialista, vem se tornando uma alternativa para os dissidentes do
PSDB e de outros partidos.
PSDB 
Partido da Social Democracia Brasileira. Nascido em 1988, de
uma dissidência de integrantes de centro-esquerda do PMDB.
Aliou-se em 1994 ao PFL, partido conservador baseado no
Nordeste, para garantir a eleição do candidato presidencial
Fernando Henrique Cardoso.
PT 
Partido dos Trabalhadores. Originalmente baseado no movimento
sindical progressista paulista, vem mantendo um crescimento
constante e se espalhando geograficamente desde sua fundação,
em 1979. Suas facções vão desde a socialista moderada até a quase
revolucionária. O candidato à presidência Luiz Inácio Lula da
Silva perdeu as eleições de 1989, 1994 e 1998.*
PTB 
Partido Trabalhista Brasileiro. Um partido populista durante o
período 1945-64. Após 1979, os antigos líderes do PTB não
puderam recuperar a sigla do partido, tendo então fundado o PDT.
Tornou-se um aglomerado de deputados, a maioria de direita, cujo
interesse preponderante é fisiológico e clientelista.
* Luiz Inácio Lula da Silva elegeu-se presidente da República no segundo turno das eleições de
2002. (N. da R.)
Introdução
Imaginemos o seguinte enigma: um país formalmente democrático
enfrenta durante anos crises de inflação, desperdício e corrupção no
governo, déficits no sistema previdenciário, serviços sociais de má
qualidade, violência e desigualdade social. Parcelas importantes da
população apóiam os projetos destinados a combater essas crises. No
Congresso, poucos parlamentares se opõem às propostas por razões
programáticas ou por pressão do eleitorado. E, apesar disso, os projetos
raramente saem incólumes do processo legislativo. Muitos, sem qualquer
chance de aprovação, jamais chegam às portas do Congresso. Outros
morrem nas comissões. Alguns acabam sendo aprovados, mas a demora na
decisão e concessões de substância minam seu impacto. Raramente o
Executivo pode evitar o alto preço a pagar, em benefícios clientelistas e
patronagem, para obter apoio parlamentar.
Esse enigma tem caracterizado nos últimos 15 anos o governo e a
atividade política no Brasil, a maior democracia da América Latina. Não é
raro descrever o Brasil como um país em que a governabilidade é um
problema permanente. Governabilidade é um desses temas candentes, cujo
sentido é difícil de determinar, mas ele contém em sua essência dois
processos políticos. O primeiro diz respeito à eficiência dos poderes
Legislativo e Executivo de um país na elaboração de programas e políticas
públicas; o segundo relaciona-se com a capacidade do governo para levar a
cabo esses programas. Este livro trata da elaboração de políticas como
aspecto da governabilidade no Brasil. Mais especificamente, examina as
relações entre as instituições políticas nacionais, sobretudo as regras e
práticas da política eleitoral e parlamentar, e a probabilidade de que o
governo federal adote novos programas e ações. Embora a análise empírica
se concentre nos últimos 15 anos da vida política brasileira, incluindo o
período final do regime militar, as teorias e explicações que a sustentam
provêm da literatura mais geral da ciência política contemporânea, e os
resultados da investigação têm implicações tanto para os países em
desenvolvimento quanto para os desenvolvidos.
Para se ter uma compreensão mais concreta da crise de governabilidade
no Brasil, basta pensar na gestão presidencial mais recente. Quando
Fernando Henrique Cardoso tomou posse como presidente da República, no
início de 1995, as perspectivas de seu governo pareciam extremamente
promissoras. O novo presidente contava com os louros de ser o criador do
Plano Real, programa responsável pela estabilização da economia e por tirar
da pobreza milhões de brasileiros. Os cinco partidos que apoiaram a
candidatura de Fernando Henrique (alguns somente no segundo turno)
somavam mais de 400 deputados, número suficiente para garantir a
aprovação da legislação ordinária e até de emendas constitucionais. A
oposição de esquerda estava completamente desorganizada, desmoralizada
e sem um projeto alternativo digno de crédito. Além disso, o presidente não
era um homem de poucos méritos: com efeito, um conceituado historiador
estrangeiro declarou que Fernando Henrique Cardoso “podia ser
considerado o chefe de Estado intelectualmente mais preparado da
atualidade” (Anderson, 1994:3). Com um começo tão auspicioso, e tão
incomum, supunha-se que os planos de governo de Fernando Henrique
passassem com facilidade pelo Congresso e que o país poderia então dar
início ao combate aos principais problemas nacionais: a pesada e onerosa
máquina do Estado, a economia ineficiente e a pobreza generalizada.1
Seis anos depois da posse, o governo de Fernando Henrique fez jus aos
seus inebriantes prognósticos? Êxitos houve, sem dúvida, especialmente na
área econômica. A abertura da economia, dando continuidade ao que seu
antecessor, Fernando Collor de Mello, havia começado, avançou
rapidamente; setores importantes foram abertos ao investimento
estrangeiro, grandes empresas estatais foram privatizadas e o comércio
exterior foi liberalizado (Kingstone, 1999). Em outras áreas, porém, o
progresso foi lento e desigual. O Congresso aprovou uma emenda
constitucional permitindo a reeleição do presidente da República e de
governadores e prefeitos, mas a emenda só passou depois que o Executivo
fez farta e generosa distribuição de cargos e benefícios para as clientelas
eleitorais de um número expressivo de deputados. Além disso, denúncias de
compra de votos insinuavam que alguns governadores haviam literalmente
subornado deputados para que votassem a favor da emenda da reeleição em
troca do controle sobre nomeações para importantes cargos executivos nos
seus estados (Kramer, 1997). Em fins de 1998, as reformas administrativa e
previdenciária foram aprovadas, depois de se arrastarem por muito tempo
no Congresso, e só passaram depois de substanciais concessões do governo.
A reforma tributária, há muito considerada uma medida de capital
importância para a modernização da economia, desaparecera da agenda do
Executivo. O lento progresso das reformas previdenciária e administrativa,
aliado à ausência de qualquer coisa parecida com uma nova política
tributária, teve conseqüências concretas. Com a fuga em massa de capitais
estrangeiros, desencadeada pela crise asiática do final do verão de 1998,
banqueiros e investidores estrangeiros aproveitaram-se desses fracassos
para justificar suas preocupações com o programa econômico brasileiro, e
os efeitos da retraçãodos investimentos externos sobre o déficit do setor
público obrigaram o governo a adotar medidas de estabilização ainda mais
duras e recessivas.
A dificuldade de Fernando Henrique para acelerar a tramitação no
Congresso de seu programa de governo não pode ser atribuída nem à falta
de sólido apoio da opinião pública nem aos princípios programáticos da
oposição. Em todas essas áreas de ação (com a possível exceção da emenda
da reeleição), maiorias expressivas da população apoiavam as reformas de
Fernando Henrique. E, como afirmou o cientista político Bolívar
Lamounier, não havia nenhuma proposta alternativa competindo pelo apoio
do Congresso (“Soltando as amarras”, 1997).
Se Fernando Henrique, que começara com trunfos tão favoráveis, teve
todos esses problemas para fazer avançar sua agenda legislativa, imagine-se
o que teria de enfrentar um presidente mais “normal”! No Brasil, o Poder
Executivo muitas vezes não conta sequer com maiorias parlamentares
nominais e depende de deputados que só se preocupam com sua própria
sorte, com benefícios paroquiais de retorno eleitoral garantido ou em
defender interesses estreitos. Além de tudo isso, os presidentes lidam com
públicos extremamente insatisfeitos com o desempenho do governo em
todas as esferas.
Os últimos 15 anos da política brasileira, somados à experiência
pluralista do período 1946-64, mostram que as instituições políticas do país
criam uma permanente crise de governabilidade, de efeitos devastadores em
épocas normais e capaz de debilitar até mesmo presidentes como Fernando
Henrique Cardoso, que parecia ter nas mãos todos os trunfos. A observação
dessa experiência me levou a concluir que o problema das instituições
políticas brasileiras é que elas funcionam mal.
O que significa dizer que as instituições políticas de um país funcionam
mal? Mal para quem? Será por servirem apenas à elite econômica, aos
ricos? As pessoas que concebem as instituições políticas sempre pertencem
à elite, e as instituições não podem ser culpadas por servirem aos seus
criadores. O drama do sistema brasileiro não está no fato de beneficiar as
elites; o problema é que o sistema beneficia antes de tudo a ele mesmo —
isto é, os políticos e os funcionários públicos que o administram. Todas as
instituições têm um parti-pris contra a mudança, mas a matriz institucional
brasileira torna especialmente difícil adotar políticas que se desviem do
status quo. Se os líderes do governo conseguiram aprovar, pelo menos
desde 1990, planos macroeconômicos que facilitaram a participação do país
na economia mundial, não conseguiram levar a cabo as reformas fiscais que
deveriam consolidar a estabilização. Tampouco foram capazes de conceber
e implementar programas educacionais e sociais que poderiam elevar a
capacitação e a produtividade da população ou aliviar os efeitos da
competição internacional, e fizeram poucos progressos na redução do custo
do próprio governo.
O argumento de que a máquina do Estado beneficia antes de tudo os que
nela ocupam funções não quer dizer — ao contrário do que sugere o
discurso antigovernista dos conservadores — que os políticos são
intrinsecamente ladrões. Longe disso, muitos políticos e funcionários
públicos brasileiros cumprem longas jornadas de trabalho e sacrificam
vantagens particulares em prol do bem público. Pelo contrário, o argumento
parte da idéia de que as instituições políticas geram incentivos para os
políticos. Esses incentivos motivam ações que ou facilitam ou atrapalham a
adoção de políticas públicas capazes de melhorar a vida do cidadão comum.
No caso brasileiro, as instituições políticas criam incentivos que estimulam
os políticos a maximizar seus ganhos pessoais e a se concentrar em cavar
projetos de obras públicas para eleitorados localizados ou para seus
próprios patrocinadores políticos. Alguns políticos resistem a esses
incentivos, mas têm de lutar para aprovar leis relativas a questões de
interesse nacional e com freqüência se engajam em batalhas cada vez mais
duras e geralmente malsucedidas.
É preciso dar mais substância ao argumento de que as instituições
políticas brasileiras funcionam de modo deficiente. Do ponto de vista dos
poderes formais, os presidentes brasileiros estão entre os mais poderosos da
América Latina. Mas, na realidade, eles carecem de um partido político que
tenha o controle de uma maioria parlamentar. Raras vezes os chefes do
Executivo no Brasil podem contar com essa base de sustentação. Em vez
disso, a autoridade do presidente — e, às vezes, sua própria sobrevivência
no poder — depende da distribuição de convênios de obras públicas e
nomeações de puro interesse político para importantes governadores,
prefeitos, deputados e senadores. No começo dos seus mandatos, todos os
presidentes proclamam elevados propósitos de evitar a troca de favores a
que seus antecessores se entregaram tão acintosamente. Mas a necessidade
política logo se impõe. Infelizmente, mesmo depois de uma farta
distribuição de verbas e nomeações, tudo o que a maioria dos presidentes
pode esperar do Congresso — talvez o máximo a que os presidentes podem
aspirar — é uma anuência limitada, e não uma participação ativa no
processo legislativo.
Como o Congresso não tem agilidade para deliberar rapidamente sobre as
proposições de iniciativa do Executivo, alguns presidentes brasileiros
governam principalmente por meio da edição de decretos de emergência ou
medidas provisórias (MP). Desde 1988, mais de mil desses decretos foram
enviados ao Congresso. De acordo com a Constituição, as medidas
provisórias tinham vigência imediata, mas, decorridos 30 dias, perdiam
validade se não fossem aprovadas pelo Congresso. Como a Presidência da
República não tem o monopólio nem da sabedoria nem da virtude, quando
os decretos se tornavam públicos muitos deles exibiam imediatamente
graves falhas jurídicas ou de conteúdo e eram simplesmente abandonados.
Em muitos outros casos, o Congresso perdia o prazo e o presidente da
República apenas reeditava a medida. Algumas efetivamente se
converteram em leis permanentes, mas raramente sobreviveram intactas à
tramitação pelo Congresso. Significativamente, as versões finais dessas leis
incluíam importantes concessões que com freqüência refletiam as demandas
clientelistas de certos políticos ou partidos, enquanto outras refletiam a
influência de parlamentares comprometidos com interesses de grupos
econômicos. De modo geral, as medidas provisórias eram uma forma de
contornar a obstrução parlamentar, mas criavam mais um obstáculo a uma
participação relevante do Legislativo na elaboração de políticas. Recente
emenda constitucional estendeu o prazo de discussão dos decretos de 30
para 45 dias. Ao mesmo tempo, a emenda bloqueia a votação de qualquer
outra legislação, caso a MP não seja votada no novo prazo. Ainda falta ver
de que maneira essa mudança vai afetar o uso de medidas provisórias pelo
Executivo.
O Congresso tem sido fraco demais para legislar por iniciativa de seus
membros em questões de interesse nacional, tanto na fase atual da
experiência democrática (iniciada em 1985) quanto nos períodos anteriores
(de 1947 a 1964).2 Essa fraqueza foi especialmente sentida em 1988,
quando o Senado e a Câmara dos Deputados se reuniram na Assembléia
Constituinte. A assembléia produziu uma Constituição de 160 páginas, que
inclui dispositivos tão bizarros quanto a concessão de estabilidade no
emprego para os burocratas e a determinação de um teto para a taxa de
juros, mas deixou para futuros legisladores a decisão sobre importantes
problemas nas áreas da saúde e educação. Não admira que as legislaturas
subseqüentes não tenham decidido coisa alguma, limitando-se a processar
as numerosas medidas provisórias assinadas pelos presidentes Fernando
Collor, Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso. Na verdade, embora
os serviços sociais públicos no Brasil sejam os piores entre os grandes
países da América Latina, o Congresso votou pouquíssimos projetos de
iniciativa dos parlamentares nos setores de educação, saúde e habitação
desde quea nova Constituição entrou em vigor, em 1988.
A estabilização macroeconômica foi, sem dúvida, o grande problema
econômico da América Latina no início da década de 90 do século passado.
O Brasil foi o último país da região a adotar e manter um programa
exeqüível de estabilização. Embora há tempos houvesse o entendimento de
que a inflação desestimula a empresa produtiva e os investimentos
estrangeiros, mesmo quando se tornou evidente que os principais
prejudicados eram os mais pobres (Cacciamali, 1997; “Um choque na
desigualdade”, 1996), os políticos brasileiros não conseguiram chegar a um
acordo. Moderados e conservadores acabaram aceitando, em 1994, o
programa de Fernando Henrique, mas só o fizeram quando a única opção
parecia ser a vitória de um candidato de esquerda, Luiz Inácio Lula da Silva
(Dimenstein & Souza, 1994). Mesmo nessas circunstâncias, a bancada
ruralista da Câmara dos Deputados negociou importantes concessões em
troca do seu voto. Da ordem de bilhões de dólares, essas concessões não
representavam acordos políticos, mas compensações financeiras pessoais.3
Por que as instituições políticas brasileiras são tão ineficazes?
Consideremos o sistema partidário e o Legislativo. Partidos importantes e
eleitoralmente bem-sucedidos se distribuem por todo o espectro ideológico.
Alguns abraçam opiniões muito afastadas, até hostis; outros abrigam
deputados sem nenhuma afinidade ideológica. A liderança dos partidos tem
escasso controle sobre seus filiados, e muitos deputados, talvez a maioria,
passam boa parte do tempo cavando nomeações e projetos de interesse
específico dos seus redutos eleitorais.4 No Brasil, os partidos raramente se
congregam em torno de questões de interesse nacional, e, em conseqüência,
o Congresso quase nunca investe seriamente nos problemas econômicos e
sociais mais graves.
Os presidentes brasileiros pouco se beneficiam com a fraqueza
programática do Congresso. Contando com uma escassa chance de respaldo
parlamentar estável, o Executivo se defronta com governadores
politicamente independentes, com um calendário eleitoral abarrotado, com
municípios cuja sobrevivência depende da prodigalidade do governo federal
e com um importante núcleo de deputados que se preocupam, em primeiro
lugar, com suas finanças particulares, em segundo lugar, com a reeleição, e
num remoto terceiro lugar, com as políticas públicas.5 Como a inflação tem
sido o principal problema da economia brasileira desde o fim do regime
militar, os novos presidentes chegam ao poder com planos
macroeconômicos mirabolantes, mas raramente trazem projetos que vão
mais longe do que isso. E como o respaldo parlamentar tem de ser
construído sobre uma ampla base multipartidária, o gabinete tende a incluir
ministros cujas lealdades se prendem muito mais às próprias carreiras
políticas do que ao programa de governo do presidente.
Uma abordagem institucional
Quais as causas desses malogros políticos? Como se pode entender a
política brasileira? Este livro tem um enfoque institucional.6 Douglass
North define instituições como “as regras do jogo numa sociedade ou, em
termos mais formais (…) as restrições inventadas pelo homem para modelar
a interação humana” (1990:3). Apesar de aceitar essa definição de North, o
foco deste livro converge para as instituições em um sentido mais limitado
— isto é, procuro iluminar a influência das estruturas formais da política no
desempenho dos políticos e nos resultados do processo político. As
principais instituições da política brasileira incluem o sistema eleitoral, a
Presidência da República e o Legislativo.7 Conforme demonstrará este
livro, essas instituições são indissoluvelmente ligadas: o sistema eleitoral
influi ao mesmo tempo nos tipos de candidatos que concorrem às eleições,
em suas estratégias de campanha e na maneira como se conduzem no poder.
As regras eleitorais também afetam o número de partidos políticos viáveis e
sua coesão e disciplina. É claro que as preferências dos deputados têm
muita influência nos resultados do processo legislativo, e o presidente tem
de lutar permanentemente para reunir apoio dentro do Congresso.
Adotar um enfoque institucional significa entender que as instituições
têm vida própria e são mais do que pretendiam os atores que as criaram.
Mas não surgem do nada; são criadas por pessoas. Se as instituições são
produtos de criação consciente, por que não tratá-las simplesmente como
agentes de seus criadores? Por que, por exemplo, o Estado capitalista não é
o mero comitê executivo da burguesia, para usar a célebre frase marxista?
O argumento de que as instituições são mais do que agentes de seus
criadores apóia-se em várias tradições de pesquisa. As instituições têm sido
analisadas seja como organizações que têm procedimentos operacionais
rotinizados, seja como arenas de luta burocrática. O velho ditado
burocrático americano de que “o lado em que você está depende de onde
você senta” reflete a tendência dos membros da burocracia, do Legislativo e
do Judiciário para a defesa de interesses puramente organizacionais
(Allison, 1971). Outra linha tradicional de pesquisa enfatiza os horizontes
curtos dos políticos. Quando eleitos, preocupam-se principalmente com as
conseqüências imediatas dos seus atos; se não o fizerem, põem em risco seu
futuro político.8 Os novos arranjos institucionais acarretam conseqüências
que somente se tornam visíveis no longo prazo, mesmo que resultem de
decisões que visam resolver problemas políticos imediatos. Processos
sociais complexos também geram conseqüências imprevistas. Quanto mais
complexa é a instituição e maior o número de atores envolvidos, mais
provável é que os políticos não consigam prever os resultados finais.
Mesmo quando as instituições produzem resultados muito diferentes das
intenções dos seus criadores, a mudança é lenta. As instituições dependem
de sua trajetória histórica, ou seja, são path dependent. Na terminologia de
North (1990:94), path dependence significa que “a conseqüência de
pequenos acontecimentos e circunstâncias fortuitas pode determinar
soluções que, ao adquirirem primazia, nos levam a um determinado
caminho”. As instituições podem trazer embutidas barreiras à reforma,
obstáculos deliberadamente criados por atores políticos que imaginavam
somente ser capazes de constranger seus adversários se constrangessem a si
mesmos (Pierson, 1996). Atores beneficiados com mudanças institucionais
anteriores tendem a resistir a tentativas de reformas. E à medida que as
instituições se consolidam, os atores vão assumindo compromissos que
geram custos irreversíveis. Como os atores ficam amarrados aos arranjos
correntes, o custo de evadir-se aumenta.
Dadas essas explicações para a decisão de tratar as instituições como
distintas dos seus criadores, passo agora a examinar as diversas tradições de
análise institucional. Existem pelo menos quatro linhas de análise
englobadas no epíteto “institucionalista” — refiro-me aqui à terminologia
de Hall e Taylor (1994).9 Os adeptos da teoria organizacional, notadamente
March e Olsen (1989), destacam os papéis e as práticas institucionais
rotineiras, bem como os deveres e as obrigações. Para March e Olsen, as
instituições são em si mesmas atores políticos. Tratar instituições como
atores pressupõe naturalmente que as instituições sejam coerentes. Esses
autores reconhecem que a coerência institucional varia, mas acreditam que
em alguns casos é possível analisar coletividades como se agissem de modo
coerente (1989:18). Um segundo grupo de teóricos, do qual fazem parte
economistas como Ronald Coase (1937), Douglass North (1981) e Oliver
Williamson (1983), relaciona os custos de transação com a eficiência
econômica e o formato organizacional da firma. Entre os custos de
transação em contextos políticos ou de policy-making incluem-se os que
dizem respeito à negociação de acordos, ao controle do cumprimento dos
acordos, ao uso de intermediários, à punição dos que descumprem os
acordos e à criação de assentimento quase-voluntário (Levi, 1988:23). Os
teóricos da escolharacional, como Kenneth A. Shepsle (1987), definem as
instituições como “jogos extensivos”, cujas regras coagem o
comportamento dos atores. A quarta tradição, a da sociologia histórica, em
que se incluem Theda Skocpol, Peter B. Evans e Dietrich Rueschemeyer
(1985) e Kathleen Thelen e Sven Steinmo (Steinmo, Thelen & Longstreth,
1992), focaliza a sincronia e a seqüência das mudanças institucionais na
medida em que influem sobre áreas importantes das políticas públicas.
Esses teóricos às vezes designam a si próprios como “novos
institucionalistas” ou “institucionalistas históricos”. Embora seu trabalho
seja em boa parte uma resposta a uma tradição mais antiga que enfatizava
os fatores socioculturais e a luta de classes, eles mantêm o foco desses
estudos anteriores nos processos de mudança a longo prazo.
Que abordagens são úteis para um estudo das instituições brasileiras? As
análises organizacionais não podem ter um papel significativo porque não
se adaptam bem ao Brasil: instituições como o Congresso brasileiro, por
exemplo, são demasiado incoerentes para ser tratadas como atores unitários,
e um sistema eleitoral é uma instituição que tem um sentido mais abstrato
do que March e Olsen supõem. Se as análises centradas nos custos de
transação podem ser eficientes para explicar o desenvolvimento de uma
determinada política, tal como a arrecadação de impostos (Levi, 1988), são
limitadas demais como base teórica para minha argumentação. Apesar
disso, os custos de transação têm clara influência no desenvolvimento de
certas instituições, inclusive nos partidos e nas comissões parlamentares
(Weingast & Marshall, 1988).
Este livro adota a perspectiva dos teóricos da escolha racional (ER),
adicionando-lhe um pouco do institucionalismo histórico. Para explicar essa
fusão teórica, começo com uma breve exposição dos princípios básicos da
abordagem da ER. Tomando emprestado a terminologia de Geddes (1994b),
as teorias da ER têm em comum quatro princípios. O primeiro é o
individualismo metodológico — isto é, o princípio de que todos os
fenômenos sociais devem ser explicados em termos de ações de indivíduos
que procuram maximizar seus objetivos em determinadas condições de
restrição. Segundo, os atores, seus objetivos e preferências são identificados
explicitamente. Terceiro, as instituições e outras características contextuais
que determinam as opções dos atores também são explicitamente
identificadas, junto com seus custos e benefícios. E, quarto, as hipóteses se
originam de uma lógica dedutiva — ou seja, as teorias submetidas a teste
são causais, refutáveis e internamente congruentes (King, Keohane &
Verba, 1994).
Os teóricos da ER enfatizam as restrições e os incentivos de curto prazo
que as estruturas da política impõem aos atores. Sem negar a relevância dos
valores, eles sugerem que as preferências estratégicas são determinadas
pelas regras formais da própria política. E, sobretudo, os institucionalistas
da teoria da escolha racional sustentam que o comportamento muda,
quaisquer que sejam as atitudes culturais subjacentes, quando as instituições
mudam.10
Como acontece com todo enfoque teórico novo, as abordagens da ER
prometem mais do que cumprem. Suas hipóteses são com freqüência
arbitrárias e tendenciosas, e as instituições são geralmente descritas numa
linguagem genérica. Mas a crítica tantas vezes ouvida de que a teoria da
escolha racional ignora as instituições não é correta. Pelo contrário, George
Tsebelis (1990:40) sublinha que “a abordagem da escolha racional focaliza
as limitações impostas aos atores racionais — pelas instituições de uma
sociedade. (…) As instituições vigentes (as regras do jogo) determinam o
comportamento dos atores, o qual, por sua vez, gera efeitos políticos ou
sociais”.
Quanto ao institucionalismo histórico, a questão é determinar em que ele
se diferencia do enfoque da escolha racional. Thelen e Steinmo (Steinmo,
Thelen & Longstreth, 1992) citam pontos de convergência e de divergência.
As abordagens da escolha racional têm em comum com o institucionalismo
histórico (IH) a preocupação com o modo como as instituições modelam as
estratégias e influenciam as conseqüências políticas. Mas, para os teóricos
da ER, as instituições são importantes como aspectos de um contexto
estratégico porque impõem restrições às condutas voltadas para o exclusivo
interesse pessoal. As instituições políticas e econômicas definem ou
restringem as estratégias usadas pelos atores políticos na tentativa de fazer
valer seus interesses pessoais. Na opinião dos partidários do IH, as
instituições proporcionam “o contexto em que os atores políticos definem
suas estratégias e perseguem seus interesses” (1992:7). Como as
instituições contribuem para moldar as próprias preferências, seu papel na
política é muito mais amplo no quadro do IH do que num modelo estreito
de escolha racional. É claro que a abrangência do IH se presta facilmente à
dedução de argumentos teórica ou empiricamente vagos.
Uma segunda diferença entre os institucionalistas históricos e os teóricos
da escolha racional está em seus pressupostos básicos. Para os estudiosos da
IH, as hipóteses da escolha racional são estreitas demais. Os atores
políticos, na maioria das vezes, não são maximizadores oniscientes e
racionais. Não ficam o tempo todo parando para pensar como podem
maximizar seus interesses. Ao contrário, eles seguem regras, obedecem a
regras definidas pela sociedade mesmo quando elas não maximizam
diretamente seu interesse pessoal. Mas, nesse ponto, os partidários do IH
exageram as críticas. Conforme Tsebelis deixa claro, o uso da racionalidade
como um modelo de comportamento não implica que todas as pessoas ajam
o tempo inteiro como maximizadoras de utilidade. Na verdade, a
racionalidade é um modelo apropriado quando “a identidade e os objetivos
dos atores estão estabelecidos e as regras da interação são precisas e
conhecidas pelos agentes” (1990:32).
Tsebelis propõe quatro argumentos em defesa do pressuposto da
maximização de utilidades. Sugere que o comportamento se molda a
princípios maximizadores quando os interesses em jogo são altos e quando
há maior quantidade de informações disponíveis. Atores capazes de
aprender por ensaio e erro tendem a um comportamento ótimo. Mesmo que
somente uma pequena percentagem de atores maximize utilidades, o
resultado social disso muitas vezes equivale ao obtido caso todos os atores
maximizassem. E a seleção natural favorece os que maximizam, porque as
estratégias de maximização são recompensadas.11 Em suma, a idéia da
maximização de utilidades ainda é uma hipótese útil para o estudo do
comportamento dos atores políticos.
A escolha racional e o institucionalismo histórico também divergem
sobre como interpretar preferências. Na visão dos teóricos da primeira, as
preferências são mais pressupostas do que explicadas. Os defensores da
segunda entendem que as preferências, especialmente aquelas relacionadas
com definições de interesse pessoal, devem ser explicadas. Thelen e
Steinmo deixam essa distinção bem clara: os institucionalistas históricos
sustentam que os contextos institucionais forjam os objetivos dos atores. Os
interesses de classe, por exemplo, são muito mais uma função das posições
de classe, mediadas por instituições como os partidos e os sindicatos, do
que de uma escolha individual. Para os institucionalistas históricos, somente
análises fundamentadas na história podem apontar os objetivos que os
atores buscam maximizar e explicar por que eles destacam determinados
objetivos e não outros.
A distinção entre as duas abordagens não está apenas no caráter exógeno
ou endógeno das preferências. Os institucionalistas históricos acreditam que
as preferências sofrem influência não só das instituições, mas também de
outros fatores, como novas idéias (o keynesianismo, por exemplo), e das
lideranças políticas.
Se os institucionalistas históricos e os teóricos da escolha racional não
discordam quanto à questão da maximização de utilidades, divergem no que
diz respeito à amplitude doque procuram predizer e explicar. Os segundos
tendem a focalizar o comportamento dos políticos ou das organizações
políticas em geral, como as comissões parlamentares ou os partidos.12 Por
isso os argumentos dos teóricos da escolha racional tendem a ser
probabilísticos, e não deterministas. Sugerem, por exemplo, que nos
sistemas majoritários os partidos são mais convergentes em seus princípios
programáticos do que nos sistemas proporcionais. Os teóricos do IH, por
sua vez, voltam seus argumentos para as conseqüências mais gerais do
comportamento estratégico dos políticos ou dos partidos.
Esta pesquisa se filia ao ramo da ER chamado de escolha racional
branda. Não apresento derivações matemáticas e procuro explicar
instituições políticas reais, e não imaginárias. Acompanhando a maioria dos
estudiosos da escolha racional, parto da hipótese de que as motivações
básicas dos atores políticos provavelmente têm mais a ver com objetivos
pessoais, inclusive aspirações de reeleição e de patrimônio pessoal, do que
com o interesse público. Embora em muitos dos meus argumentos a
centralidade dos objetivos pessoais esteja pressuposta, em vários momentos
apresento dados que confirmam a suposição e faço uma distinção mais
refinada entre objetivos públicos e objetivos pessoais. Mais
especificamente, mostro que se alguns membros do Congresso procuram
maximizar suas rendas provenientes da política e outros têm objetivos
maiores, voltados para o interesse nacional, muitos têm a única ambição de
ajudar empresas privadas, determinados setores econômicos ou até grupos
de trabalhadores especializados.
Em certas partes da argumentação, as teses da escolha racional
contribuem com outras coisas além de hipóteses. Várias tradições de
pesquisa fundamentam os modelos empíricos. Nos capítulos que tratam do
sistema eleitoral, por exemplo, a discussão teórica se inicia com a literatura
sobre credit claiming* (Mayhew, 1974). O argumento também se baseia em
estudos sobre o comportamento dos candidatos nos sistemas de
representação proporcional (Cox, 1990a). Nos capítulos que tratam do
processo legislativo, a discussão começa pela controvérsia entre as
perspectivas “distributiva” e “informacional”13 na literatura sobre o
Congresso dos Estados Unidos. O papel dos partidos brasileiros na
negociação parlamentar — partidos que não têm programas ou vínculos
estreitos com os eleitores — é investigado com referência ao surgimento
dos partidos nos primórdios do Congresso americano (Aldrich, 1995).
Embora muitos dos meus argumentos se apliquem a políticos e partidos
“genéricos”, minha preocupação é entender o comportamento de atores
políticos num país específico durante um período específico. Resultados
mais gerais — a vitória ou derrota de campanhas individuais, a formação ou
dissolução de coalizões parlamentares, a aprovação ou rejeição de projetos
pelo Congresso — tornam-se parte intrínseca da explicação, porque a vida
política de um país real não é feita de fatos genéricos, mas de
conseqüências reais das estratégias e das lutas entre atores políticos reais.
Da mesma maneira, uma narrativa que simplesmente “supõe” preferências é
muito limitativa. Idéias, lideranças e acontecimentos fortuitos repercutem
não só nas preferências dos atores por certas políticas econômicas e sociais,
mas também em seus modos de pensar sobre as próprias instituições
políticas. A verdade é que não é possível tomar preferências como dados;
ao contrário, o que se tem de fazer é descobrir tudo o que for possível sobre
elas.
Uma visão geral da política brasileira: excesso de veto-players
Em qualquer sistema político, a adoção de uma nova linha de ação
governamental que se desvia do status quo requer a concordância de
determinados atores. Quando o número absoluto desses atores com poder de
obstrução de mudanças, ou veto-players, é grande, a inovação política se
torna muito difícil. Meu argumento é que o surgimento de um grande
número desses atores cruciais é inerente à estrutura institucional brasileira.
Em conseqüência disso, o poder central tem enorme dificuldade para
introduzir políticas inovadoras.
A idéia de que o número de veto-players influi consideravelmente nas
chances de aprovação de novos planos de governo é recente na ciência
política. Na opinião de Tsebelis (1995), que criou o termo veto-player, uma
das vantagens desse modelo é reunir várias teorias tipológicas. Essas teorias
geralmente tomam a forma de dicotomias: presidencialismo versus
parlamentarismo, sistemas bipartidários versus sistemas pluripartidários, e
assim por diante. Algumas têm implicações para as políticas de governo: os
regimes presidencialistas, por exemplo, são considerados mais susceptíveis
a golpes militares do que os parlamentaristas (Shugart & Carey, 1992).
Muitas vezes, porém, as implicações dessas teorias somente podem ser
compreendidas se combinadas com outras tipologias: sistemas bipartidários
com regimes presidencialistas, por exemplo. Quando se compara um
pequeno número de países, essas combinações levam à sobredeterminação:
em outras palavras, as variáveis superam o número das observações.
A perspectiva teórica dos veto-players, que põe em foco a mudança,
oferece ao mesmo tempo um marco de referência geral e abrangente e um
conjunto bem claro de previsões.14 Seja um governo presidencialista ou
parlamentarista, tenda ao bipartidarismo ou ao pluripartidarismo, seja o
Legislativo bicameral ou unicameral, a lógica dos veto-players gera uma
previsão inequívoca quanto à probabilidade da mudança política, em
comparação com um sistema alternativo.
O argumento, portanto, é que um maior número de atores com poder de
obstrução sobre as mudanças aumenta a policy stability*. Vejamos qual é a
lógica fundamental do argumento.15 Sempre que é preciso optar entre
políticas exclusivas, cada ator tem uma política preferida ou um ponto ideal.
Os atores são indiferentes a políticas igualmente distantes do seu ponto
ideal; preferem as mais próximas de suas preferências. Usando a linguagem
da modelagem espacial, as curvas de indiferença são circulares. Conforme
se pode ver na figura 1 — extraída de Tsebelis (1995) —, quando as curvas
de indiferença são traçadas de forma a cortar a posição do status quo e as
decisões são tomadas por maioria simples, quaisquer dois atores podem
derrotar o status quo. As áreas que indicam isso (sombreadas na figura)
constituem o winset** do status quo. Quanto maiores essas áreas, mais
provável se torna a mudança, e mais essa mudança tenderá a ser substancial
em vez de tímida. Se a mudança exigir a concordância de mais atores, o
tamanho do winset do status quo não poderá aumentar — aliás, geralmente
diminui. De fato, na figura 1, uma decisão que necessita da concordância
dos três atores resulta em nenhuma ação.
FIGURA 1
WINSET DO STATUS QUO COM TRÊS ATORES EM DUAS DIMENSÕES
Com o aumento das distâncias (representado pela dispersão dos pontos
ideais) entre os atores cuja concordância é necessária, o winset encolhe e a
estabilidade do status quo aumenta. Divergências ideológicas representam
uma forma de distância espacial. Como Tsebelis (2000) demonstra, o winset
do status quo se reduz à medida que aumenta a distância entre os atores.
Os veto-players podem ser indivíduos, mas na maioria das vezes são
partidos, facções ou grupos. Entre esses atores coletivos geralmente há
indivíduos cujos pontos ideais variam; em outras palavras, as posições
políticas de atores coletivos não são perfeitamente coerentes. À medida que
aumenta a amplitude de posições entre esses atores — isto é, conforme
diminui a coerência — o winset do status quo cresce. Esse resultado é
muito importante; significa que a probabilidade de adotar uma nova política
é maior, dado um determinado número de atores com poder de obstrução da
mudança, quando seus pontos de vista políticos são menos coerentes ou eles
são menos unidos.16
Como definir e contar o número desses atores cruciais? Numa acepção
ampla, veto-players podem ser os militares, os capitalistas industriais, ou
qualquer outro grupocuja concordância seja necessária para a aprovação de
políticas públicas. Neste livro, limito o conceito aos atores do Poder
Legislativo e do Poder Executivo. Entre os atores “institucionais” incluo o
presidente da República, o Senado e a Câmara dos Deputados. Atores
“partidários” são os partidos políticos com representação no Congresso.
Embora, para os meus propósitos, uma contagem geral e abrangente de
veto-players seja mais simples, na realidade o número desses atores pode
variar de acordo com o assunto em discussão. Taxas de juros, por exemplo,
são decididas no âmbito do Poder Executivo sem a participação do
Congresso, enquanto projetos de lei ordinária devem ser aprovados pelas
duas casas legislativas. Igualmente importante é a possibilidade de haver
requisitos de maiorias extraordinárias, principalmente no caso brasileiro.
Como a aprovação de emendas constitucionais exige três quintos de votos
favoráveis do total de membros de cada Casa do parlamento, enquanto para
a legislação ordinária basta uma maioria simples ou absoluta, o número de
partidos necessários para a aprovação de matérias constitucionais pode ser
maior, dependendo do tamanho dos partidos.17
A principal forma de contar o número de veto-players é a regra de
absorção. Suponhamos que a análise se limite a duas dimensões de políticas
e que um ator crucial esteja localizado no Pareto set dos demais — isto é,
esse ator se situa dentro do polígono formado pela conexão dos pontos
ideais dos demais atores.18 Tsebelis (2000, anexo) mostra formalmente que
não faz diferença alguma se esse ator é incluído na contagem ou não. Disso
se conclui que se o presidente da República vem de um partido coeso e
disciplinado, que faz parte de uma maioria estável, o presidente é absorvido
como um veto-player — ou seja, não é preciso contá-lo. Do mesmo modo,
um partido pode ser absorvido numa das câmaras de um parlamento
bicameral, quando faz parte da maioria da outra Casa. No caso dos Estados
Unidos, onde as maiorias são instáveis e os partidos são incoerentes do
ponto de vista programático, presidentes e partidos com representação em
cada Câmara continuam sendo veto-players distintos.
Como fica o Brasil em relação a outros países latino-americanos do ponto
de vista do número de veto-players em cada gestão presidencial?19 Para
fazer essa comparação, eliminei os regimes provisórios e autoritários (civis
e militares) e incluí apenas atores partidários — partidos e presidentes da
República. A inclusão de partidos depende de sua coerência programática e
disciplina parlamentar. Já que as pesquisas correntes sobre os partidos
latino-americanos não têm critérios estabelecidos para a avaliação da
coerência e disciplina, justifica-se empregar um método de contagem que
determina limites superiores e inferiores para o número de veto-players.20 O
primeiro método, a absorção total, inclui todos os presidentes da República
e também partidos de nomes similares nos legislativos bicamerais, isto é,
eles somente são contados uma vez. O segundo método de contagem, a
absorção parcial, inclui os partidos e os presidentes somente nos casos em
que os estudiosos consideram que os primeiros são coesos e disciplinados:
Argentina, Chile, Colômbia (só entre 1958 e 1974), Costa Rica, México,
Uruguai e Venezuela.21
Desde 1900, o número médio de veto-players no conjunto da América
Latina é de 1,95 pelo método de absorção total e de 2,79 pela contagem de
absorção parcial. Usando o primeiro método, o Uruguai surge como o país
de maior média (3,05), seguido pelo Brasil (2,74) e pelo Chile (2,65).22
Pelo método da absorção parcial, o Brasil é de longe o líder, com 4,43.
Como a política brasileira ficou muito mais competitiva depois de 1945,
vale a pena repetir a comparação no pós-guerra. De 1946 a 1998, as médias
globais da região são 2,09 (absorção total) e 2,93 (absorção parcial). Pelo
primeiro método, o Brasil ocupa o primeiro lugar, com 3,40, seguido pelo
Equador com 2,88 e o Chile com 2,75. Usando o método da absorção
parcial, o Brasil também ocupa a liderança na região, com 5,13, seguido
pelo Equador com 4,50 e a Bolívia com 3,88. Qualquer que seja o método,
portanto, o Brasil está na liderança em número médio de veto-players em
cada gestão. Além disso, de 1986 a 1999, o número médio desses atores
decisivos no Brasil foi de 4,6 pelo critério da absorção total, e de 6,5 pela
absorção parcial.
A comparação com outros países latino-americanos mostra as
conseqüências de altos escores na escala de veto-players. O Uruguai
ultrapassou a marca de três atores somente entre 1967 e 1971, quando havia
quatro. Nesse período, a democracia uruguaia começou a entrar em rápida
decadência até que, em 1973, sofreu um golpe militar. O Chile só teve mais
de três veto-players durante o governo do presidente Carlos Ibañez (1952-
58), que tentou governar o país sem o apoio de um partido político. Em face
do crescimento da inflação, Ibañez tentou pôr em prática as recomendações
de consultores americanos, mas o Congresso chileno recusou-se a aprovar
um projeto de tributação das grandes fortunas. No fim do governo Ibañez,
como afirmou Stallings (1978:33), “a indecisão inicial do governo Ibañez e
tentativas posteriores de seguir as recomendações [dos consultores]
parecem ter convencido os eleitores chilenos de que a solução para os
problemas do Chile não estaria em um líder ‘acima da política’”.23 A
Bolívia é um caso em que o número de veto-players variou muito. Antes de
1982, nunca foram mais de dois. Com a restauração da democracia em
1982, a Bolívia alcançou em média cerca de 2,5 veto-players pelo método
de absorção total e cinco sem esse critério. A não ser que os partidos
bolivianos atuem de modo disciplinado e programático (sugerindo que um
número menor de veto-players é mais apropriado), a situação parece tender
a grande instabilidade.24
Resumindo: a teoria dos veto-players permite fazer importantes
descobertas sobre a América Latina em geral e o Brasil em particular.25
Tanto o excesso quanto a maior distância ideológica entre esses atores com
poder de fogo reduzem as chances de aprovação de importantes matérias
legislativas. A exigência de maiorias extraordinárias, comum no caso de
emendas constitucionais, tem o mesmo efeito. Por último, o controle da
agenda é importante. Nos sistemas presidencialistas, o Congresso controla a
pauta legislativa. Como é lá que as leis são elaboradas e modificadas, e o
Congresso tem poder para derrubar vetos presidenciais, ele controla a pauta.
Uma vez que, no Brasil, os partidos não podem controlar seus membros, e
são os indivíduos ou grupos que negociam sua cooperação em troca de
vantagens ou concessões particularistas, o controle da agenda legislativa
significa que a maioria das leis inclui um componente de fisiologismo.
É importante notar, porém, que o argumento de que o Brasil padece de
um excesso de veto-players não equivale a dizer que o Brasil tem um
excesso de partidos. Embora haja realmente muitos partidos, e só esse fato
já frustre a adoção de políticas inovadoras, a contagem geral do número de
veto-players baseada puramente nos partidos é uma simplificação que
decorre da agregação de questões diversas. Num determinado assunto, os
veto-players podem incluir os governadores e as bancadas estaduais no
Congresso, as “bancadas de interesse” (como a dos banqueiros ou a dos
ruralistas) ou parlamentares isolados. Disso se conclui, ademais, que as
ideologias ou motivações desses atores individuais ou coletivos também
influem no desfecho das lutas políticas.
As origens do problema institucional do Brasil
O excesso de veto-players cria dificuldades para os regimes democráticos
e é evidente que, por qualquer critério, o Brasil padece desse excesso. Este
livro argumenta que a razão de ser essencial do número elevado desses
atores cruciais no Brasil é a estrutura institucional do país, especialmente o
sistema eleitoral. Contudo, as instituições não caem do céu; são criações das
elites econômicas e políticas. Dois fatores, o federalismo e a disseminaçãodo empreguismo e do fisiologismo, são especialmente importantes na
escolha de instituições; além disso, determinados acontecimentos históricos
enclausuraram o Brasil em padrões institucionais específicos. Na história
brasileira recente, o federalismo e a difusão do clientelismo e do
fisiologismo variam de forma e relevo, mas são sempre muito
importantes.26 Discutirei esses dois fatores pela ótica da escolha racional,
mas suas origens são tão remotas na história do país que eles podem ser
tomados logicamente como dados.
Federalismo
Estados e prefeituras, as subunidades da Federação brasileira, têm sido
atores políticos importantes desde os tempos da colônia. Atividades
governamentais essenciais, inclusive serviços sociais como a educação
fundamental e secundária, são de responsabilidade dos estados e
municípios. Essas subunidades elegem seus governantes e têm fontes fiscais
próprias; os títulos que emitem dependem apenas da aprovação do Senado,
que é uma câmara legislativa de base territorial. Poderes residuais não
relacionados na Constituição cabem aos estados. De maneira geral, o
sistema federativo brasileiro satisfaz os famosos critérios de Riker (1964):
dois níveis de governo regem a mesma terra e o mesmo povo, cada qual
com uma esfera bem definida de autoridade e com a garantia de autonomia
dentro dessa esfera.
No âmbito nacional, os sistemas federativos geralmente representam os
territórios em uma das casas legislativas e a população na outra. Contando
com três senadores por estado, o Senado brasileiro dá a Roraima, com uma
população que não chega a 250 mil pessoas, uma representação igual a São
Paulo, que tem mais de 30 milhões de habitantes. Um voto em Roraima tem
um peso 144 vezes maior do que um voto em São Paulo, de modo que
senadores que representam 13% da população brasileira podem bloquear
uma legislação que 87% apóiam.27 Mas a desvantagem das regiões mais
populosas também está na Câmara dos Deputados: nenhum estado pode ter
menos de oito e mais de 70 representantes. Considerando apenas o tamanho
da população, os oito deputados de Roraima deviam reduzir-se a um; os 70
de São Paulo deviam ser 115.
Por que o Brasil adotou o federalismo? Historicamente, não restou
alternativa ao país. Portugal era fraco demais para manter uma burocracia
em condições de controlar a colônia; por isso d. João III (1521-57) dividiu o
país em capitanias hereditárias e entregou-as a proprietários de terra
bastante ricos para arcar com os custos de sua defesa e colonização
(Carvalho, 1993). Apesar de o sistema de capitanias ter sido abolido pelo
marquês de Pombal no século XVIII, Portugal não foi capaz de centralizar o
governo da colônia; teve então de apoiar-se na descentralização da
burocracia política e administrativa e no poder privado fundado na grande
propriedade rural e na escravidão.
A reforma constitucional de 1834, pouco depois da independência
política de Portugal, inaugurou um novo centralismo em torno do imperador
do Brasil. Os produtores de café, concentrados na província do Rio de
Janeiro, pagavam a maior parte dos impostos do governo central e aliaram-
se aos burocratas e exportadores para defender uma monarquia central
forte.28 No século XIX, a centralização foi impulsionada pela influência da
monarquia no meio rural e pelo receio de abalar a sociedade escravocrata e
dividir o país. Entre os defensores da descentralização estavam os
profissionais liberais e os fazendeiros que produziam para o mercado
interno.
Embora o cultivo do café tivesse, de início, estimulado a centralização,
sua difusão em São Paulo favoreceu a descentralização. Os paulistas
achavam que um sistema centralizado acabaria por transferir recursos para
as províncias mais atrasadas. Mas a resistência ao poder central também
contou com um componente oligárquico: o federalismo deu sustentação ao
poder privado, à desigualdade e à hierarquia.
Em 1889, quando a monarquia foi extinta, os estados brasileiros eram
bem mais fortes do que no México e na Argentina. No Brasil, os estados
tinham autonomia para elaborar seus próprios códigos civis, contratar
empréstimos externos e vender títulos fora do país (Love, 1993:187). Nas
décadas de 20 e 30 do século passado, os estados produtores de café
impuseram suas taxas de câmbio preferenciais — favoráveis à
desvalorização — a todo o resto do país. Essa política impôs perdas aos
consumidores, importadores e ao governo central, que tinha de honrar os
empréstimos externos com uma moeda fraca. Os estados brasileiros
também mantinham numerosos contingentes militares. Entre 1925 e 1926,
por exemplo, São Paulo tinha um exército de 14 mil homens, sua própria
academia militar e uma missão militar no exterior (Love, 1993:202).
Mesmo no período de centralização do primeiro governo Vargas e do
Estado Novo (1937-45), os estados conservaram notável poder. Os impostos
estaduais representavam 55,9% dos impostos federais entre 1931 e 1937, e
55,7% entre 1938 e 1945. Nos mesmos anos, na Federação mexicana, os
mesmos impostos correspondiam a 22,7% e 17,3%, respectivamente (Love,
1993:218).
A propriedade da terra era a base tradicional do poder local; apesar de o
desenvolvimento econômico do século XX ter enfraquecido os
latifundiários, eles nunca perderam sua força política, especialmente no
campo. Com grandes extensões de terras disponíveis, populações dispersas
e poucas estradas transitáveis, estados e municípios desenvolveram bases
independentes de poder. O federalismo também se originou da forte
tradição regionalista do Brasil. As regiões têm diferentes condições sociais,
culturais, econômicas e políticas.
O Nordeste compreende cerca de 30% da população brasileira, mas
produz apenas 14% do PIB nacional. O açúcar produzido no Nordeste já foi
o principal produto da economia do país, mas desde 1800 essa atividade
perdeu importância. A pobreza, o ciclo repetitivo das secas e a constante
influência dos “coronéis” contribuíram para tornar o Nordeste dependente
da transferência de recursos do governo federal. O resultado é que a
atividade política quase sempre gira em torno da troca de apoio por
benefícios particularistas arrancados do Executivo ou do Congresso.
Programas de ajuda ao Nordeste resultaram em incontáveis projetos de
construção de represas e hidroelétricas, a maioria beneficiando fazendeiros
ricos e caciques locais. Empresas localizadas nas regiões mais ricas
sustentam a ajuda ao Nordeste, ainda que os impostos provenientes dessas
regiões financiem tais projetos, porque são as empresas das regiões mais
prósperas que constroem as barragens e estradas. Em suma, o Nordeste é o
Mezzogiorno brasileiro.
O Norte e o Centro-Oeste são regiões de fronteira, com populações
pouco numerosas mas em rápido crescimento. Na falta de tradicionais
famílias de latifundiários, redes políticas baseadas no clientelismo
relacionam os mais importantes atores políticos. Essas redes incluem
membros das bancadas parlamentares federais e estaduais, órgãos
administrativos do estado e dos governos municipais. Nessas regiões, os
estados dependem do governo federal, de modo que as alianças disputam o
controle das administrações locais e, por intermédio destas, dos recursos
federais e estaduais de patronagem.
O Sudeste abriga o grosso da produção industrial nacional. Os lucros do
café financiaram os primeiros empreendimentos industriais de São Paulo e
hoje o estado domina a indústria avançada. Rio de Janeiro e Minas Gerais
também são estados fortemente industrializados. Recebendo maciça
imigração das regiões mais pobres (especialmente do Nordeste), Rio de
Janeiro e São Paulo tornaram-se megacidades, acossadas por serviços
sociais flagrantemente deficientes, problemas de poluição e elevados níveis
de criminalidade.
A região Sul é basicamente agrícola. Contando com sólida base
econômica e uma distribuição de renda relativamente equilibrada, a política
não é a única atividade econômica rentável. Por conseguinte, a corrupção é
um pouco menor, a burocracia é mais competente e as condições de saúde e
educação são melhores.Considerando as variações regionais de renda e a longa tradição do
federalismo, não admira que as relações entre governo e sociedade variem
entre os estados. Em alguns, a política é, por tradição, uma atividade
lucrativa monopolizada por umas poucas famílias que se apóiam em
grandes grupos econômicos, como as dos usineiros de açúcar ou dos
criadores de gado. Em outros estados, principalmente no Sul e no Sudeste,
os interesses econômicos são mais diversificados. Os vínculos entre os
eleitores e seus representantes são mais diretos, e os políticos são uma
classe menos voltada para seus próprios interesses. Na Bahia, por exemplo,
40% dos deputados que integravam a bancada estadual no Congresso em
1991-94 tinham um parente próximo em um cargo político. Em São Paulo,
apenas 5% dos deputados pertenciam a famílias de políticos.
O federalismo brasileiro tem seguido um padrão pendular, tendendo à
centralização sob regime autoritário. Durante os governos militares, de
1964 a 1985, o governo central ampliou muito seu poder em detrimento dos
estados. Não admira, portanto, que a atual Constituição democrática
fortaleça os estados e municípios, concedendo-lhes novas fontes de recursos
fiscais. Embora a Constituição não tenha conseguido transferir a
responsabilidade pela implementação de programas, junto com os novos
recursos, os estados vêm assumindo gradualmente a execução de programas
anteriormente conduzidos pelo governo federal. A União tem procurado
acelerar esse processo de lenta e desorganizada troca de responsabilidades
retendo transferências para os estados e municípios, como parte do
programa de estabilização econômica, o Plano Real, criado em 1994.29
Embora o federalismo brasileiro satisfaça a definição de Riker, a
estrutura federativa do país, como acontece na maioria dos sistemas
nominalmente federativos, é muito mais complexa, incluindo jurisdições
sobrepostas e interligadas. Além disso, o federalismo brasileiro está longe
de atender aos padrões que Montinola, Qian e Weingast (1995) estabelecem
em seu conceito de “federalismo que preserva o mercado”. O Brasil é
reprovado nesse teste mais rigoroso em muitos aspectos: os governos das
subunidades não têm autoridade econômica direta dentro de suas áreas de
jurisdição e evitam pesadas restrições orçamentárias tomando empréstimos,
a repartição da receita é extensiva, e a União tem o direito de alterar, por
decisão unilateral, a alocação de poderes e responsabilidades entre os níveis
de governo.
Weingast e seus colaboradores afirmam que sua versão de federalismo
promove o crescimento econômico pelo auxílio de um mecanismo de
descentralização à moda de Tiebout (1956). Num sistema político
efetivamente descentralizado, os governantes locais competem por fontes
móveis de receitas, evitando regulamentações depauperadoras, bem como o
confisco das fortunas particulares. Quando as autoridades não conseguem
executar políticas eficazes, mão-de-obra e capital se retraem. No âmbito
nacional, o governo federal deve permanecer suficientemente fraco para
não confiscar a riqueza privada, mas forte o suficiente para fazer cumprir
contratos e prover bens públicos.
Na prática, as condições políticas que embasam a teoria do federalismo
que preserva o mercado são difíceis de alcançar.30 Proprietários ricos, mas
de capital investido em bens imóveis, exercem uma mobilidade de facto e
assim aumentam as desigualdades entre os territórios jurisdicionais porque
se mantêm entrincheirados em seus próprios municípios. Sem acesso a
fontes de receita, municípios pobres e marginalizados ficam sem alternativa
à obtenção de verbas e subsídios do governo federal. Os administradores
locais, tanto em contextos democráticos quanto autoritários, muitas vezes
atendem mais às demandas do capital imóvel do que às do capital móvel ou
do trabalho. Nas democracias, os governantes não respondem somente aos
interesses do capital, mas também aos desafios eleitorais, de modo que os
donos de interesses imóveis podem ser estimulados a se organizar
eleitoralmente.
Essa breve resenha histórica permite ver que, em certas fases, o
federalismo brasileiro se aproximou de um modelo de federalismo que
preserva o mercado, especialmente depois da queda do Império, em 1889,
havendo também fases em que o poder central predominou. O saldo dessas
experiências não é positivo. As vantagens asseguradas pelo dinheiro e pelos
laços tradicionais de clientela favoreceram enormemente os latifundiários.
No plano estadual, o câmbio foi desvalorizado, beneficiando os
cafeicultores mas causando enormes prejuízos para a grande maioria dos
consumidores. Governos estaduais obtiveram acordos de perdão de dívidas
que beneficiaram um outro setor de interesse imóvel, os donos de engenho
do Nordeste. Dirigentes municipais e estaduais disseminaram um sistema
de distribuição de convênios para obras públicas e nomeações de puro
interesse político. Em suma, como o federalismo brasileiro originou-se da
incapacidade dos governos centrais de controlar a totalidade do território
nacional, acabou fortalecendo os interesses locais, especialmente os
detentores de capital fixo. O federalismo deu garantias às oligarquias locais.
Em vez de facilitar o crescimento da economia pela adoção de programas
eficientes, o federalismo promoveu os interesses dos grupos econômicos
mais atrasados e aumentou as disparidades econômicas regionais.
Qual a situação do Brasil em comparação com outros sistemas
federativos? O federalismo sempre restringe as maiorias nacionais. Num
estudo fundamental, Alfred Stepan (1999) mede o caráter majority-
constraining (restritivo da maioria) de 12 democracias federativas,
considerando quatro dimensões: o grau de sobrerepresentação da câmara
territorial, a abrangência da competência legislativa dessa câmara, a
extensão das atribuições legislativas delegadas pela Constituição às
subunidades da Federação, e o alcance nacional das orientações e dos
esquemas de incentivos do sistema partidário.31 Depois da Argentina, o
Brasil tem a maior taxa de sobre-representação entre os 12 países estudados
nesse trabalho. O Senado tem competência sobre todas as áreas legislativas
que cabem à Câmara dos Deputados e mais algumas de que esta carece. A
Constituição brasileira é extremamente detalhada, e para um grande número
de assuntos a introdução de mudanças relevantes requer emendas
constitucionais que exigem três quintos de votos favoráveis nas duas
câmaras legislativas. O sistema eleitoral, que será analisado na primeira
parte deste livro, impõe pesadas barreiras ao desenvolvimento de partidos
nacionais.
A disseminação da patronagem e do fisiologismo
Desde o começo do século XIX, boa parte da política brasileira se
concentra nas tentativas dos políticos de nomear aliados para cargos
burocráticos e de prover bens públicos individualizados ou geograficamente
específicos, que os americanos chamam de pork barrel.32 Não há dúvida de
que em toda sociedade pratica-se a troca de apoio político por cargos no
governo e contratos de obras públicas, mas o caso brasileiro é ímpar na
disseminação dessas trocas e na tendência a usá-las em detrimento de um
processo decisório baseado em princípios ideológicos ou programáticos
mais amplos. O fisiologismo e o empreguismo privatizam a formação de
políticas. Os políticos não se sustentam como tais cuidando da prosperidade
de suas regiões e da provisão de bens públicos, mas distribuindo verbas,
serviços e empregos a indivíduos.
A ênfase que estou dando ao fisiologismo e à patronagem não é apenas
um outro rótulo para o clientelismo político. Evito propositadamente o
termo clientelismo por duas razões. A primeira é que a prática corrupta de
comprar votos, normalmente denominada clientelista, é muito mais uma
conseqüência do que uma precondição da estrutura institucional brasileira.
A segunda razão é que os debates sobre o clientelismo muitas vezes se
perdem numa tradição intelectual equivocada ou enganosa. Na
antropologia, o clientelismo geralmente diz respeito a trocas individuais de
bens privados entreatores desiguais, chamados de patrões e clientes
(Greenfield, 1977). A origem dessas relações é vinculada à sociedade rural
“tradicional”, aos laços entre latifundiário e camponês fundados na
reciprocidade, confiança e lealdade. A sociedade moderna rejeita, implícita
ou explicitamente, esse tipo de relações em troca de vínculos ideológicos ou
de grupo.
Como deixa claro um estudo recente de Geert Banck (1999), o conceito
antropológico de clientelismo não é facilmente transposto para o mundo da
política. Confiança e lealdade não são valores fundamentais nas práticas
contemporâneas de patronagem e fisiologismo justamente porque estes são
“negócios” ajustados entre comerciantes no mercado político. Compradores
e vendedores têm de comprovar a qualidade e a confiabilidade dos bens e
dos compromissos que negociam. Lealdade e confiança são irrelevantes. E
uma vez que o Estado, como fonte dos recursos, faz parte intrínseca da
transação, a patronagem e o fisiologismo têm raízes tanto rurais quanto
urbanas.
A análise anterior sobre o federalismo mostrou que, no século XIX, os
proprietários de bens de raiz desejavam um governo forte e centralizado.
Apenas um governo central poderoso teria condições de garantir a ordem e,
numa sociedade escravista de riqueza nitidamente desigual, a ordem era a
preocupação primordial.33 Por outro lado, os proprietários de terras
operavam dentro de uma estrutura política formal em que as eleições,
apesar de restritas a uma pequena parcela da população masculina
proprietária, eram importantes. O imperador e seu gabinete ocupavam o
cume do sistema, mas a Câmara dos Deputados, eleita indiretamente, tinha
de ratificar as decisões do gabinete. Portanto, o gabinete imperial precisava
do apoio dos deputados.
Os partidos Conservador e Liberal, que dominaram a Câmara dos
Deputados durante todo o século XIX, eram fundamentalmente canais de
transmissão de relações de clientela, negociando cargos no governo por
votos. Tanto na Câmara quanto nas assembléias locais, partido significava
apenas uma filiação, e não um compromisso duradouro com um programa
ou uma linha de ação política. Até o final do Império, em 1889, partidos se
formavam, se dissolviam e voltavam a se unir assumindo posições
aparentemente contraditórias sobre questões de relevo. Entre os eleitores, os
laços pessoais, e não considerações ideológicas, é que determinavam as
divisões políticas. Graham (1990:148-9) mostra que a rivalidade e a
violência da política local muitas vezes não nasciam de partidos distintos,
mas de facções que se diziam pertencentes ao partido então no poder. O
gabinete aspirava ao apoio eleitoral da fração local do partido com mais
chances de vencer. Do ponto de vista do ministério, a legenda partidária era
irrelevante.
O gabinete controlava os deputados concedendo ou negando recursos de
patronagem aos caciques locais. Citando as palavras de Graham
(1990:148): “o poder fluía simultaneamente ‘para baixo’, a partir do
gabinete, por intermédio do presidente da província, e ‘para cima’, dos
manda-chuvas locais para o presidente e o gabinete”. Os políticos que
disputavam cargos burocráticos empenhavam-se na preservação ou
melhoria de suas posições e justificavam seus pedidos nos termos da rígida
hierarquia da sociedade brasileira, alegando posição social, deferência e
firme lealdade. Graham (1990:217) revela que quem intermediava
empregos eram senadores e deputados, mais do que outras autoridades. Os
pedidos dos políticos eram dirigidos principalmente ao primeiro-ministro e
aos ministros da Justiça, da Agricultura e Obras Públicas, e da Guerra.
Com o tempo, a disseminação da patronagem afetou a qualidade do
funcionalismo público, sua conduta e o próprio conteúdo dos programas. As
nomeações passaram a basear-se mais em critérios políticos do que de
mérito e isso não se limitou ao nível do ministro ou do secretário-geral, mas
estendeu-se a cinco, seis ou mais degraus abaixo na escala burocrática.34 Os
partidos políticos queriam nomear correligionários para cargos de natureza
eminentemente técnica, e as principais disputas se relacionavam com a
“justa divisão” das sobras (Geddes, 1994a). A rotatividade dos ocupantes de
postos técnicos sempre foi muito grande, pois todo novo governo substitui
os afilhados dos antecessores. Como a maioria dos funcionários de alto
escalão geralmente sonha em concorrer a postos eletivos, eles usam seus
cargos para criar prosélitos particulares. Os políticos não põem muito
empenho em tornar a burocracia menos opressiva e distante porque se
aproveitam da mediação dos burocratas entre os eleitores e o funcionalismo
público malconceituado.
A queda do Império em 1899 e a instalação da República tiveram poucos
efeitos na centralidade da patronagem. No entanto, com a expansão do
Estado durante o século XIX, os políticos criaram nova fonte de recursos,
as obras públicas: represas, estradas, infra-estrutura etc. Desde a década de
1930 e principalmente a partir dos anos 1950, os governos brasileiros
adotaram uma política de industrialização por substituição de importações
(ISI). Caracterizada pelo crescimento voltado para dentro, a ISI incluiu
legislação alfandegária, cotas de importação, proibição da exploração de
minérios pelo capital estrangeiro, nacionalização dos serviços públicos e
supervalorização da moeda (para facilitar a importação de bens de capital).
O governo investiu em áreas “estratégicas”, como ferro e aço,
processamento de metais alcalinos, fabricação de motores para aviação e
caminhões, desenvolvimento de bacias hidrográficas.
A política baseada na patronagem adapta-se facilmente a uma
industrialização dirigida pelo Estado.35 Chubb (1981) usa claramente esse
argumento na sua análise sobre o sul da Itália. No Brasil, ante o desafio de
conciliar diferentes interesses econômicos e regionais, cuja cooperação era
indispensável, o Estado resolveu politizar seus programas e aliciar esses
interesses mediante sua expansão e a concessão de subsídios. Em 1950, a
administração pública absorvia 3% da população economicamente ativa;
em 1990, esse índice alcançava 5% (Brasil, 1990). Políticos regionais,
grandes fazendeiros, industriais, quem quer que tivesse suficiente influência
e poder tinha subsídios à disposição.36
No interior da máquina do Estado, o ímpeto expansionista privilegiava a
própria burocracia. Os bancos estatais ofereciam aos seus empregados
melhores taxas de retorno para as formas de investimentos disponíveis para
o grande público. Professores universitários aposentavam-se na faixa dos 40
anos com generosas aposentadorias. É bem verdade que privilégios
irracionais podem ser encontrados em órgãos do governo de qualquer país,
mas no Brasil a extensão da liberalidade é fora do comum. A combinação
de expansionismo estatal e patronagem gerou não apenas um aumento da
corrupção interna ou de viés privatista, mas também um monstro
hipertrofiado.37
A importância que atribuo à patronagem e ao fisiologismo não implica
que faltem no Brasil políticos devotados a objetivos programáticos. Existe
no Congresso Nacional um sólido contingente de deputados e senadores
cujos interesses convergem para a formulação de leis de interesse do
conjunto da sociedade. Mas este livro pretende demonstrar com clareza que
esses políticos de orientação essencialmente programática são uma minoria.
Políticos que orientam suas carreiras para a oferta de contratos de obras
públicas e de nomeações para cargos burocráticos predominavam nas
assembléias que redigiram as constituições brasileiras, e esse mesmo tipo de
parlamentares prevaleceu nas câmaras legislativas que essas mesmas
constituições criaram. Tais parlamentares têm enorme dificuldade em ver
benefícios políticos na legislação que fortalece os partidos ou minimiza os
incentivos para a distribuição de benefícios particularistas.
Continuidades históricas e suas conseqüências
Três continuidades históricas são importantes para compreender o nexo
entre, de um lado, o federalismo e a difusão da patronagem aliada ao
fisiologismo, e, de outro

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