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ISBN — 978-85-225-1898-2 Copyright © by the University of Michigan, 2001 Título do original: The deadlock of democracy in Brazil Direitos desta edição reservados à EDITORA FGV Rua Jornalista Orlando Dantas, 37 222231-010 | Rio de Janeiro, RJ | Brasil Tels.: 0800-021-7777 | 21-3799-4427 Fax: 21-3799-4430 editora@fgv.br | pedidoseditora@fgv.br www.fgv.br/editora Todos os direitos reservados. A reprodução não autorizada desta publicação, no todo ou em parte, constitui violação do copyright (Lei no 5.988) 1a edição — 2003 Revisão de originais: Luiz Alberto Monjardim Editoração eletrônica: FA Editoração Eletrônica Revisão: Fatima Caroni e Sandra Pássaro Capa: Leonardo Carvalho Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca Mario Henrique Simonsen/FGV Ames, Barry Os entraves da democracia no Brasil / Barry Ames; tradução de Vera Pereira. — Rio de Janeiro : Editora FGV, 2003. Tradução de: The deadblock of democracy in Brazil. Inclui bibliografia e índice analítico 1. Brasil. Congresso. 2. Eleições — Brasil. 3. Brasil — Política e governo — 1985. I. Fundação Getulio Vargas. II. Título. CDD-328.81 http://www.fgv.br/editora Para Olivia e Michelle Sumário Agradecimentos Glossário dos principais partidos políticos Introdução Parte 1: O sistema eleitoral: regras, políticos e partidos 1.As eleições e a política da geografia 2.As estratégias de campanha no sistema de representação proporcional de lista aberta 3.A evolução dos padrões de apoio eleitoral, 1978-94 4.A história faz diferença: a interação de estrutura social e eventos políticos Parte 2: A arena legislativa 5.Negócios, acordos, eleitores: o que motiva os deputados? 6.As estratégias presidenciais de formação de coalizões 7.A disciplina partidária na Câmara dos Deputados 8.Procedimentos, partidos e negociações num Legislativo fragmentado Conclusão Referências bibliográficas Anexos A.Os mapas e a estatística de Moran I B.Fontes de dados e problemas C.A base de dados sobre as votações nominais na Assembléia Constituinte D.Cooperação e defecção entre os deputados Agradecimentos Um dia, em 1989, ouvi dizer que os votos municipais recebidos pelos candidatos parlamentares no Brasil tinham sido registrados numa fita de computador. Embora a fita contivesse apenas os votos dos candidatos eleitos e cobrisse apenas duas eleições numa meia dúzia de estados, achei que eles poderiam me ajudar a compreender o funcionamento do peculiar sistema eleitoral brasileiro. Um passo levou a outro. O número de eleições cresceu de dois para cinco, a cobertura foi ampliada para quase todo o país e o comportamento dos candidatos eleitos para as legislaturas subseqüentes passou a fazer parte do programa de pesquisa. O projeto acabou levando 10 anos; felizmente, eu já tinha um cargo estável na universidade. Depois de tantos anos, não admira que eu tenha acumulado muitas dívidas por todo o apoio pessoal e institucional que recebi. Sou uma pessoa desorganizada demais para me lembrar de todos, mas aqui vai uma lista inicial. Pela ajuda nos mais diversos aspectos dos processos eleitorais e parlamentares, no Brasil e em outros países, agradeço a Tim Power, David Fleischer, Shaun Bowler, David Samuels, Bolívar Lamounier, Amaury de Souza, Maria Antônia Alonso de Andrade, Gláucio Soares, Richard Foster, Maria Emília Freire, Teresa Haguette, João Gilberto Lucas Coelho, Gilberto Dimenstein, Luiz Pedone, Goerge Avelino Filho, Peter Kingstone, Maria D’Alva Kinzo, Robert Kaufman, Pedro Celso Cavalcanti, Valentina Rocha Lima e Simone Rodrigues. Os dois primeiros, Tim e David, responderam a centenas de perguntas durante os anos em que desenvolvi este projeto. Nas primeiras etapas da coleta de dados eleitorais, recebi valiosa ajuda de Benedito dos Santos Gonçalves, do Sindjus. Jalles Marques me ajudou a trabalhar com os dados do Prodasen, centro de processamento de dados do Senado. Com o passar dos anos, o Tribunal Superior Eleitoral se tornou o principal depositário dos dados eleitorais. Sou especialmente grato a Carlos Alberto Dornelles, Roberto Siqueira, Sérgio, Flávio e Conceição. O mapeamento eleitoral foi realizado com o programa Voyager, sistema de informações geográficas desenvolvido por Rudy Husar, da Escola de Engenharia da Universidade de Washington, St. Louis. Rudy e Todd Oberman me ensinaram a trabalhar com esse programa. Várias pessoas me auxiliaram na pesquisa sobre comportamento parlamentar: Orlando de Assis Baptista Neto, Geraldo Alckmin Filho, Eduardo Suplicy, Edwiges, Virgínia Mesquista, Murillo de Aragão, Marcondes Sampaio, Rosinethe Monteiro Soares, Feichas Martins, Scott Desposato e muitos deputados e assessores. Tim Power, David Samuels, Fabrice Lahoucq e Scott Morgenstern leram, no todo ou em parte, a versão original e fizeram observações extremamente úteis. Bill Keech leu tudo e fez comentários detalhados, linha por linha. O manuscrito melhorou imensamente com leituras tão atentas. Sou também muito grato a pareceristas anônimos da University of Michigan Press e de várias revistas, que avaliaram o manuscrito inteiro ou capítulos separados. Ainda que eu certamente não tenha atendido a todas as objeções, eles deram uma enorme contribuição para este livro. No estudo de áreas específicas de política, mantive conversas valiosas com Edélcio de Oliveira (Inesc), Antônio Carlos Pojo do Rego, Lúcio Reiner, Kurt Weyland, Paulo Kramer, Antônio Octávio Cintra e com os assessores permanentes da Câmara dos Deputados Eleutério Rodriguez Neto e Wendy Hunter. Carmem Pérez colaborou na obtenção de documentos essenciais em Brasília e cuidou de que eu aproveitasse bem minha longa estada na cidade. Michelle King passou muitas horas dando ordem a documentos empoeirados na Biblioteca do Congresso. Em Pittsburgh, Lúcio Renno e Luciana Cozman trabalharam com eficiência como assistentes de pesquisa. Pelas consultas acerca da atividade política nos estados, agradeço a Consuelo Novais Sampaio, Celina Souza, Samuel Celestino e Gei Espinhara (Bahia); Paulo Freire Vieira e Moacyr Pereira (Santa Catarina); Antônio Lavareda e José Adalberto Pereira (Pernambuco); Antônio Carlos de Medeiros e Geert Banck (Espírito Santo); Agerson Tabosa Pinto, Aldenor Nunes Freire, Paulo Benavides e Judith Tendler (Ceará); Marcelo Baquero (Rio Grande do Sul); Clóvis Borges e Denise Levy (Paraná); Jardelino de Lucena Filho (Rio Grande do Norte); Maria Antonieta Parahyba Leopoldi (Rio de Janeiro); José de Ribamar Chaves Caldeira (Maranhão); e Francisco Itamí Campos (Goiás). Para obter ajuda na articulação entre fenômenos micro e macro, sempre me socorri de dois mestres no assunto, Wallace e Gromit. Esta pesquisa não teria ido muito longe se eu não tivesse contado com uma enorme quantidade de apoios institucionais. Em 1990, a National Science Foundation financiou meu primeiro pedido de auxílio para pesquisa de campo no Brasil. O Projeto Iris, da Universidade de Maryland (dirigido por Mancur Olson e Christopher Clague), e o North-South Center da Universidade de Miami financiaram a etapa de pesquisas no Congresso. Além de minhas próprias entrevistas, Mauro Porto e Fátima Guimarães (Departamento de Ciência Política da Universidade de Brasília) e Clécio Dias (então na Universidade de Illinois, Urbana) também fizeram entrevistas. A Universidade de Washington, St. Louis, e a Universidade de Pittsburgh forneceram apoio financeiro para minhas viagens de verão. A American Philosophical Society colaborou com um auxílio para viagens. Em 1995/96, trabalhei como fellow do Woodrow Wilson International Center for Scholars em Washington, D.C. Sou muito grato a Joseph Tulchin por seu apoio e a todo o pessoal administrativo do Wilson Center por tornar aquele ano o mais agradável de minha carreira acadêmica. Minha dívida com Michelle King, que me deu nossa filha Olivia, está além das palavras. Como “Miss O” é muito mais fascinante do que este livro, foi uma sorte que ela tenha vindo ao mundo depois que boa parte do texto já estava praticamente pronta. Glossário dos principais partidos políticosPDC Partido Democrata Cristão. PDS Partido Democrático Social. Sucessor da Arena, o partido de sustentação do regime militar, juntou-se ao PDC para criar o PPR. PDT Partido Democrático Trabalhista. Partido de esquerda moderada, liderado por Leonel Brizola, político populista cuja carreira teve início no período 1945-64. PFL Partido da Frente Liberal. Saído do antigo PDS. Conservador, com presença mais forte no Nordeste. Tem uma ala de ideologia neoliberal e uma grande ala constituída de tipos fisiológicos e clientelista sem ideologia. PMDB Partido do Movimento Democrático Brasileiro. Partido de centro, de base ampla, herdeiro do Movimento Democrático Brasileiro, começou como a oposição “oficial” no regime militar. Apesar de ser vítima de constantes deserções, ainda é o maior partido no Congresso. PPB Partido Progressista Brasileiro. Conservador, criado por meio da fusão do PPR e do Partido Progressista em 1995. O PPR surgiu da fusão do PDS com o Partido Democrata Cristão. PPR Partido Progressista Reformador. PPS Partido Popular Socialista. Novo nome do Partido Comunista Brasileiro. Antes de orientação soviética (ao contrário do Partido Comunista do Brasil, de orientação chinesa), atualmente de orientação socialista. PRN Partido da Reconstrução Nacional. Um instrumento para as ambições de Fernando Collor de Mello, presidente entre 1990 e 1992, quando de seu impeachment. PSB Partido Socialista Brasileiro. Pequeno partido de orientação socialista, vem se tornando uma alternativa para os dissidentes do PSDB e de outros partidos. PSDB Partido da Social Democracia Brasileira. Nascido em 1988, de uma dissidência de integrantes de centro-esquerda do PMDB. Aliou-se em 1994 ao PFL, partido conservador baseado no Nordeste, para garantir a eleição do candidato presidencial Fernando Henrique Cardoso. PT Partido dos Trabalhadores. Originalmente baseado no movimento sindical progressista paulista, vem mantendo um crescimento constante e se espalhando geograficamente desde sua fundação, em 1979. Suas facções vão desde a socialista moderada até a quase revolucionária. O candidato à presidência Luiz Inácio Lula da Silva perdeu as eleições de 1989, 1994 e 1998.* PTB Partido Trabalhista Brasileiro. Um partido populista durante o período 1945-64. Após 1979, os antigos líderes do PTB não puderam recuperar a sigla do partido, tendo então fundado o PDT. Tornou-se um aglomerado de deputados, a maioria de direita, cujo interesse preponderante é fisiológico e clientelista. * Luiz Inácio Lula da Silva elegeu-se presidente da República no segundo turno das eleições de 2002. (N. da R.) Introdução Imaginemos o seguinte enigma: um país formalmente democrático enfrenta durante anos crises de inflação, desperdício e corrupção no governo, déficits no sistema previdenciário, serviços sociais de má qualidade, violência e desigualdade social. Parcelas importantes da população apóiam os projetos destinados a combater essas crises. No Congresso, poucos parlamentares se opõem às propostas por razões programáticas ou por pressão do eleitorado. E, apesar disso, os projetos raramente saem incólumes do processo legislativo. Muitos, sem qualquer chance de aprovação, jamais chegam às portas do Congresso. Outros morrem nas comissões. Alguns acabam sendo aprovados, mas a demora na decisão e concessões de substância minam seu impacto. Raramente o Executivo pode evitar o alto preço a pagar, em benefícios clientelistas e patronagem, para obter apoio parlamentar. Esse enigma tem caracterizado nos últimos 15 anos o governo e a atividade política no Brasil, a maior democracia da América Latina. Não é raro descrever o Brasil como um país em que a governabilidade é um problema permanente. Governabilidade é um desses temas candentes, cujo sentido é difícil de determinar, mas ele contém em sua essência dois processos políticos. O primeiro diz respeito à eficiência dos poderes Legislativo e Executivo de um país na elaboração de programas e políticas públicas; o segundo relaciona-se com a capacidade do governo para levar a cabo esses programas. Este livro trata da elaboração de políticas como aspecto da governabilidade no Brasil. Mais especificamente, examina as relações entre as instituições políticas nacionais, sobretudo as regras e práticas da política eleitoral e parlamentar, e a probabilidade de que o governo federal adote novos programas e ações. Embora a análise empírica se concentre nos últimos 15 anos da vida política brasileira, incluindo o período final do regime militar, as teorias e explicações que a sustentam provêm da literatura mais geral da ciência política contemporânea, e os resultados da investigação têm implicações tanto para os países em desenvolvimento quanto para os desenvolvidos. Para se ter uma compreensão mais concreta da crise de governabilidade no Brasil, basta pensar na gestão presidencial mais recente. Quando Fernando Henrique Cardoso tomou posse como presidente da República, no início de 1995, as perspectivas de seu governo pareciam extremamente promissoras. O novo presidente contava com os louros de ser o criador do Plano Real, programa responsável pela estabilização da economia e por tirar da pobreza milhões de brasileiros. Os cinco partidos que apoiaram a candidatura de Fernando Henrique (alguns somente no segundo turno) somavam mais de 400 deputados, número suficiente para garantir a aprovação da legislação ordinária e até de emendas constitucionais. A oposição de esquerda estava completamente desorganizada, desmoralizada e sem um projeto alternativo digno de crédito. Além disso, o presidente não era um homem de poucos méritos: com efeito, um conceituado historiador estrangeiro declarou que Fernando Henrique Cardoso “podia ser considerado o chefe de Estado intelectualmente mais preparado da atualidade” (Anderson, 1994:3). Com um começo tão auspicioso, e tão incomum, supunha-se que os planos de governo de Fernando Henrique passassem com facilidade pelo Congresso e que o país poderia então dar início ao combate aos principais problemas nacionais: a pesada e onerosa máquina do Estado, a economia ineficiente e a pobreza generalizada.1 Seis anos depois da posse, o governo de Fernando Henrique fez jus aos seus inebriantes prognósticos? Êxitos houve, sem dúvida, especialmente na área econômica. A abertura da economia, dando continuidade ao que seu antecessor, Fernando Collor de Mello, havia começado, avançou rapidamente; setores importantes foram abertos ao investimento estrangeiro, grandes empresas estatais foram privatizadas e o comércio exterior foi liberalizado (Kingstone, 1999). Em outras áreas, porém, o progresso foi lento e desigual. O Congresso aprovou uma emenda constitucional permitindo a reeleição do presidente da República e de governadores e prefeitos, mas a emenda só passou depois que o Executivo fez farta e generosa distribuição de cargos e benefícios para as clientelas eleitorais de um número expressivo de deputados. Além disso, denúncias de compra de votos insinuavam que alguns governadores haviam literalmente subornado deputados para que votassem a favor da emenda da reeleição em troca do controle sobre nomeações para importantes cargos executivos nos seus estados (Kramer, 1997). Em fins de 1998, as reformas administrativa e previdenciária foram aprovadas, depois de se arrastarem por muito tempo no Congresso, e só passaram depois de substanciais concessões do governo. A reforma tributária, há muito considerada uma medida de capital importância para a modernização da economia, desaparecera da agenda do Executivo. O lento progresso das reformas previdenciária e administrativa, aliado à ausência de qualquer coisa parecida com uma nova política tributária, teve conseqüências concretas. Com a fuga em massa de capitais estrangeiros, desencadeada pela crise asiática do final do verão de 1998, banqueiros e investidores estrangeiros aproveitaram-se desses fracassos para justificar suas preocupações com o programa econômico brasileiro, e os efeitos da retraçãodos investimentos externos sobre o déficit do setor público obrigaram o governo a adotar medidas de estabilização ainda mais duras e recessivas. A dificuldade de Fernando Henrique para acelerar a tramitação no Congresso de seu programa de governo não pode ser atribuída nem à falta de sólido apoio da opinião pública nem aos princípios programáticos da oposição. Em todas essas áreas de ação (com a possível exceção da emenda da reeleição), maiorias expressivas da população apoiavam as reformas de Fernando Henrique. E, como afirmou o cientista político Bolívar Lamounier, não havia nenhuma proposta alternativa competindo pelo apoio do Congresso (“Soltando as amarras”, 1997). Se Fernando Henrique, que começara com trunfos tão favoráveis, teve todos esses problemas para fazer avançar sua agenda legislativa, imagine-se o que teria de enfrentar um presidente mais “normal”! No Brasil, o Poder Executivo muitas vezes não conta sequer com maiorias parlamentares nominais e depende de deputados que só se preocupam com sua própria sorte, com benefícios paroquiais de retorno eleitoral garantido ou em defender interesses estreitos. Além de tudo isso, os presidentes lidam com públicos extremamente insatisfeitos com o desempenho do governo em todas as esferas. Os últimos 15 anos da política brasileira, somados à experiência pluralista do período 1946-64, mostram que as instituições políticas do país criam uma permanente crise de governabilidade, de efeitos devastadores em épocas normais e capaz de debilitar até mesmo presidentes como Fernando Henrique Cardoso, que parecia ter nas mãos todos os trunfos. A observação dessa experiência me levou a concluir que o problema das instituições políticas brasileiras é que elas funcionam mal. O que significa dizer que as instituições políticas de um país funcionam mal? Mal para quem? Será por servirem apenas à elite econômica, aos ricos? As pessoas que concebem as instituições políticas sempre pertencem à elite, e as instituições não podem ser culpadas por servirem aos seus criadores. O drama do sistema brasileiro não está no fato de beneficiar as elites; o problema é que o sistema beneficia antes de tudo a ele mesmo — isto é, os políticos e os funcionários públicos que o administram. Todas as instituições têm um parti-pris contra a mudança, mas a matriz institucional brasileira torna especialmente difícil adotar políticas que se desviem do status quo. Se os líderes do governo conseguiram aprovar, pelo menos desde 1990, planos macroeconômicos que facilitaram a participação do país na economia mundial, não conseguiram levar a cabo as reformas fiscais que deveriam consolidar a estabilização. Tampouco foram capazes de conceber e implementar programas educacionais e sociais que poderiam elevar a capacitação e a produtividade da população ou aliviar os efeitos da competição internacional, e fizeram poucos progressos na redução do custo do próprio governo. O argumento de que a máquina do Estado beneficia antes de tudo os que nela ocupam funções não quer dizer — ao contrário do que sugere o discurso antigovernista dos conservadores — que os políticos são intrinsecamente ladrões. Longe disso, muitos políticos e funcionários públicos brasileiros cumprem longas jornadas de trabalho e sacrificam vantagens particulares em prol do bem público. Pelo contrário, o argumento parte da idéia de que as instituições políticas geram incentivos para os políticos. Esses incentivos motivam ações que ou facilitam ou atrapalham a adoção de políticas públicas capazes de melhorar a vida do cidadão comum. No caso brasileiro, as instituições políticas criam incentivos que estimulam os políticos a maximizar seus ganhos pessoais e a se concentrar em cavar projetos de obras públicas para eleitorados localizados ou para seus próprios patrocinadores políticos. Alguns políticos resistem a esses incentivos, mas têm de lutar para aprovar leis relativas a questões de interesse nacional e com freqüência se engajam em batalhas cada vez mais duras e geralmente malsucedidas. É preciso dar mais substância ao argumento de que as instituições políticas brasileiras funcionam de modo deficiente. Do ponto de vista dos poderes formais, os presidentes brasileiros estão entre os mais poderosos da América Latina. Mas, na realidade, eles carecem de um partido político que tenha o controle de uma maioria parlamentar. Raras vezes os chefes do Executivo no Brasil podem contar com essa base de sustentação. Em vez disso, a autoridade do presidente — e, às vezes, sua própria sobrevivência no poder — depende da distribuição de convênios de obras públicas e nomeações de puro interesse político para importantes governadores, prefeitos, deputados e senadores. No começo dos seus mandatos, todos os presidentes proclamam elevados propósitos de evitar a troca de favores a que seus antecessores se entregaram tão acintosamente. Mas a necessidade política logo se impõe. Infelizmente, mesmo depois de uma farta distribuição de verbas e nomeações, tudo o que a maioria dos presidentes pode esperar do Congresso — talvez o máximo a que os presidentes podem aspirar — é uma anuência limitada, e não uma participação ativa no processo legislativo. Como o Congresso não tem agilidade para deliberar rapidamente sobre as proposições de iniciativa do Executivo, alguns presidentes brasileiros governam principalmente por meio da edição de decretos de emergência ou medidas provisórias (MP). Desde 1988, mais de mil desses decretos foram enviados ao Congresso. De acordo com a Constituição, as medidas provisórias tinham vigência imediata, mas, decorridos 30 dias, perdiam validade se não fossem aprovadas pelo Congresso. Como a Presidência da República não tem o monopólio nem da sabedoria nem da virtude, quando os decretos se tornavam públicos muitos deles exibiam imediatamente graves falhas jurídicas ou de conteúdo e eram simplesmente abandonados. Em muitos outros casos, o Congresso perdia o prazo e o presidente da República apenas reeditava a medida. Algumas efetivamente se converteram em leis permanentes, mas raramente sobreviveram intactas à tramitação pelo Congresso. Significativamente, as versões finais dessas leis incluíam importantes concessões que com freqüência refletiam as demandas clientelistas de certos políticos ou partidos, enquanto outras refletiam a influência de parlamentares comprometidos com interesses de grupos econômicos. De modo geral, as medidas provisórias eram uma forma de contornar a obstrução parlamentar, mas criavam mais um obstáculo a uma participação relevante do Legislativo na elaboração de políticas. Recente emenda constitucional estendeu o prazo de discussão dos decretos de 30 para 45 dias. Ao mesmo tempo, a emenda bloqueia a votação de qualquer outra legislação, caso a MP não seja votada no novo prazo. Ainda falta ver de que maneira essa mudança vai afetar o uso de medidas provisórias pelo Executivo. O Congresso tem sido fraco demais para legislar por iniciativa de seus membros em questões de interesse nacional, tanto na fase atual da experiência democrática (iniciada em 1985) quanto nos períodos anteriores (de 1947 a 1964).2 Essa fraqueza foi especialmente sentida em 1988, quando o Senado e a Câmara dos Deputados se reuniram na Assembléia Constituinte. A assembléia produziu uma Constituição de 160 páginas, que inclui dispositivos tão bizarros quanto a concessão de estabilidade no emprego para os burocratas e a determinação de um teto para a taxa de juros, mas deixou para futuros legisladores a decisão sobre importantes problemas nas áreas da saúde e educação. Não admira que as legislaturas subseqüentes não tenham decidido coisa alguma, limitando-se a processar as numerosas medidas provisórias assinadas pelos presidentes Fernando Collor, Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso. Na verdade, embora os serviços sociais públicos no Brasil sejam os piores entre os grandes países da América Latina, o Congresso votou pouquíssimos projetos de iniciativa dos parlamentares nos setores de educação, saúde e habitação desde quea nova Constituição entrou em vigor, em 1988. A estabilização macroeconômica foi, sem dúvida, o grande problema econômico da América Latina no início da década de 90 do século passado. O Brasil foi o último país da região a adotar e manter um programa exeqüível de estabilização. Embora há tempos houvesse o entendimento de que a inflação desestimula a empresa produtiva e os investimentos estrangeiros, mesmo quando se tornou evidente que os principais prejudicados eram os mais pobres (Cacciamali, 1997; “Um choque na desigualdade”, 1996), os políticos brasileiros não conseguiram chegar a um acordo. Moderados e conservadores acabaram aceitando, em 1994, o programa de Fernando Henrique, mas só o fizeram quando a única opção parecia ser a vitória de um candidato de esquerda, Luiz Inácio Lula da Silva (Dimenstein & Souza, 1994). Mesmo nessas circunstâncias, a bancada ruralista da Câmara dos Deputados negociou importantes concessões em troca do seu voto. Da ordem de bilhões de dólares, essas concessões não representavam acordos políticos, mas compensações financeiras pessoais.3 Por que as instituições políticas brasileiras são tão ineficazes? Consideremos o sistema partidário e o Legislativo. Partidos importantes e eleitoralmente bem-sucedidos se distribuem por todo o espectro ideológico. Alguns abraçam opiniões muito afastadas, até hostis; outros abrigam deputados sem nenhuma afinidade ideológica. A liderança dos partidos tem escasso controle sobre seus filiados, e muitos deputados, talvez a maioria, passam boa parte do tempo cavando nomeações e projetos de interesse específico dos seus redutos eleitorais.4 No Brasil, os partidos raramente se congregam em torno de questões de interesse nacional, e, em conseqüência, o Congresso quase nunca investe seriamente nos problemas econômicos e sociais mais graves. Os presidentes brasileiros pouco se beneficiam com a fraqueza programática do Congresso. Contando com uma escassa chance de respaldo parlamentar estável, o Executivo se defronta com governadores politicamente independentes, com um calendário eleitoral abarrotado, com municípios cuja sobrevivência depende da prodigalidade do governo federal e com um importante núcleo de deputados que se preocupam, em primeiro lugar, com suas finanças particulares, em segundo lugar, com a reeleição, e num remoto terceiro lugar, com as políticas públicas.5 Como a inflação tem sido o principal problema da economia brasileira desde o fim do regime militar, os novos presidentes chegam ao poder com planos macroeconômicos mirabolantes, mas raramente trazem projetos que vão mais longe do que isso. E como o respaldo parlamentar tem de ser construído sobre uma ampla base multipartidária, o gabinete tende a incluir ministros cujas lealdades se prendem muito mais às próprias carreiras políticas do que ao programa de governo do presidente. Uma abordagem institucional Quais as causas desses malogros políticos? Como se pode entender a política brasileira? Este livro tem um enfoque institucional.6 Douglass North define instituições como “as regras do jogo numa sociedade ou, em termos mais formais (…) as restrições inventadas pelo homem para modelar a interação humana” (1990:3). Apesar de aceitar essa definição de North, o foco deste livro converge para as instituições em um sentido mais limitado — isto é, procuro iluminar a influência das estruturas formais da política no desempenho dos políticos e nos resultados do processo político. As principais instituições da política brasileira incluem o sistema eleitoral, a Presidência da República e o Legislativo.7 Conforme demonstrará este livro, essas instituições são indissoluvelmente ligadas: o sistema eleitoral influi ao mesmo tempo nos tipos de candidatos que concorrem às eleições, em suas estratégias de campanha e na maneira como se conduzem no poder. As regras eleitorais também afetam o número de partidos políticos viáveis e sua coesão e disciplina. É claro que as preferências dos deputados têm muita influência nos resultados do processo legislativo, e o presidente tem de lutar permanentemente para reunir apoio dentro do Congresso. Adotar um enfoque institucional significa entender que as instituições têm vida própria e são mais do que pretendiam os atores que as criaram. Mas não surgem do nada; são criadas por pessoas. Se as instituições são produtos de criação consciente, por que não tratá-las simplesmente como agentes de seus criadores? Por que, por exemplo, o Estado capitalista não é o mero comitê executivo da burguesia, para usar a célebre frase marxista? O argumento de que as instituições são mais do que agentes de seus criadores apóia-se em várias tradições de pesquisa. As instituições têm sido analisadas seja como organizações que têm procedimentos operacionais rotinizados, seja como arenas de luta burocrática. O velho ditado burocrático americano de que “o lado em que você está depende de onde você senta” reflete a tendência dos membros da burocracia, do Legislativo e do Judiciário para a defesa de interesses puramente organizacionais (Allison, 1971). Outra linha tradicional de pesquisa enfatiza os horizontes curtos dos políticos. Quando eleitos, preocupam-se principalmente com as conseqüências imediatas dos seus atos; se não o fizerem, põem em risco seu futuro político.8 Os novos arranjos institucionais acarretam conseqüências que somente se tornam visíveis no longo prazo, mesmo que resultem de decisões que visam resolver problemas políticos imediatos. Processos sociais complexos também geram conseqüências imprevistas. Quanto mais complexa é a instituição e maior o número de atores envolvidos, mais provável é que os políticos não consigam prever os resultados finais. Mesmo quando as instituições produzem resultados muito diferentes das intenções dos seus criadores, a mudança é lenta. As instituições dependem de sua trajetória histórica, ou seja, são path dependent. Na terminologia de North (1990:94), path dependence significa que “a conseqüência de pequenos acontecimentos e circunstâncias fortuitas pode determinar soluções que, ao adquirirem primazia, nos levam a um determinado caminho”. As instituições podem trazer embutidas barreiras à reforma, obstáculos deliberadamente criados por atores políticos que imaginavam somente ser capazes de constranger seus adversários se constrangessem a si mesmos (Pierson, 1996). Atores beneficiados com mudanças institucionais anteriores tendem a resistir a tentativas de reformas. E à medida que as instituições se consolidam, os atores vão assumindo compromissos que geram custos irreversíveis. Como os atores ficam amarrados aos arranjos correntes, o custo de evadir-se aumenta. Dadas essas explicações para a decisão de tratar as instituições como distintas dos seus criadores, passo agora a examinar as diversas tradições de análise institucional. Existem pelo menos quatro linhas de análise englobadas no epíteto “institucionalista” — refiro-me aqui à terminologia de Hall e Taylor (1994).9 Os adeptos da teoria organizacional, notadamente March e Olsen (1989), destacam os papéis e as práticas institucionais rotineiras, bem como os deveres e as obrigações. Para March e Olsen, as instituições são em si mesmas atores políticos. Tratar instituições como atores pressupõe naturalmente que as instituições sejam coerentes. Esses autores reconhecem que a coerência institucional varia, mas acreditam que em alguns casos é possível analisar coletividades como se agissem de modo coerente (1989:18). Um segundo grupo de teóricos, do qual fazem parte economistas como Ronald Coase (1937), Douglass North (1981) e Oliver Williamson (1983), relaciona os custos de transação com a eficiência econômica e o formato organizacional da firma. Entre os custos de transação em contextos políticos ou de policy-making incluem-se os que dizem respeito à negociação de acordos, ao controle do cumprimento dos acordos, ao uso de intermediários, à punição dos que descumprem os acordos e à criação de assentimento quase-voluntário (Levi, 1988:23). Os teóricos da escolharacional, como Kenneth A. Shepsle (1987), definem as instituições como “jogos extensivos”, cujas regras coagem o comportamento dos atores. A quarta tradição, a da sociologia histórica, em que se incluem Theda Skocpol, Peter B. Evans e Dietrich Rueschemeyer (1985) e Kathleen Thelen e Sven Steinmo (Steinmo, Thelen & Longstreth, 1992), focaliza a sincronia e a seqüência das mudanças institucionais na medida em que influem sobre áreas importantes das políticas públicas. Esses teóricos às vezes designam a si próprios como “novos institucionalistas” ou “institucionalistas históricos”. Embora seu trabalho seja em boa parte uma resposta a uma tradição mais antiga que enfatizava os fatores socioculturais e a luta de classes, eles mantêm o foco desses estudos anteriores nos processos de mudança a longo prazo. Que abordagens são úteis para um estudo das instituições brasileiras? As análises organizacionais não podem ter um papel significativo porque não se adaptam bem ao Brasil: instituições como o Congresso brasileiro, por exemplo, são demasiado incoerentes para ser tratadas como atores unitários, e um sistema eleitoral é uma instituição que tem um sentido mais abstrato do que March e Olsen supõem. Se as análises centradas nos custos de transação podem ser eficientes para explicar o desenvolvimento de uma determinada política, tal como a arrecadação de impostos (Levi, 1988), são limitadas demais como base teórica para minha argumentação. Apesar disso, os custos de transação têm clara influência no desenvolvimento de certas instituições, inclusive nos partidos e nas comissões parlamentares (Weingast & Marshall, 1988). Este livro adota a perspectiva dos teóricos da escolha racional (ER), adicionando-lhe um pouco do institucionalismo histórico. Para explicar essa fusão teórica, começo com uma breve exposição dos princípios básicos da abordagem da ER. Tomando emprestado a terminologia de Geddes (1994b), as teorias da ER têm em comum quatro princípios. O primeiro é o individualismo metodológico — isto é, o princípio de que todos os fenômenos sociais devem ser explicados em termos de ações de indivíduos que procuram maximizar seus objetivos em determinadas condições de restrição. Segundo, os atores, seus objetivos e preferências são identificados explicitamente. Terceiro, as instituições e outras características contextuais que determinam as opções dos atores também são explicitamente identificadas, junto com seus custos e benefícios. E, quarto, as hipóteses se originam de uma lógica dedutiva — ou seja, as teorias submetidas a teste são causais, refutáveis e internamente congruentes (King, Keohane & Verba, 1994). Os teóricos da ER enfatizam as restrições e os incentivos de curto prazo que as estruturas da política impõem aos atores. Sem negar a relevância dos valores, eles sugerem que as preferências estratégicas são determinadas pelas regras formais da própria política. E, sobretudo, os institucionalistas da teoria da escolha racional sustentam que o comportamento muda, quaisquer que sejam as atitudes culturais subjacentes, quando as instituições mudam.10 Como acontece com todo enfoque teórico novo, as abordagens da ER prometem mais do que cumprem. Suas hipóteses são com freqüência arbitrárias e tendenciosas, e as instituições são geralmente descritas numa linguagem genérica. Mas a crítica tantas vezes ouvida de que a teoria da escolha racional ignora as instituições não é correta. Pelo contrário, George Tsebelis (1990:40) sublinha que “a abordagem da escolha racional focaliza as limitações impostas aos atores racionais — pelas instituições de uma sociedade. (…) As instituições vigentes (as regras do jogo) determinam o comportamento dos atores, o qual, por sua vez, gera efeitos políticos ou sociais”. Quanto ao institucionalismo histórico, a questão é determinar em que ele se diferencia do enfoque da escolha racional. Thelen e Steinmo (Steinmo, Thelen & Longstreth, 1992) citam pontos de convergência e de divergência. As abordagens da escolha racional têm em comum com o institucionalismo histórico (IH) a preocupação com o modo como as instituições modelam as estratégias e influenciam as conseqüências políticas. Mas, para os teóricos da ER, as instituições são importantes como aspectos de um contexto estratégico porque impõem restrições às condutas voltadas para o exclusivo interesse pessoal. As instituições políticas e econômicas definem ou restringem as estratégias usadas pelos atores políticos na tentativa de fazer valer seus interesses pessoais. Na opinião dos partidários do IH, as instituições proporcionam “o contexto em que os atores políticos definem suas estratégias e perseguem seus interesses” (1992:7). Como as instituições contribuem para moldar as próprias preferências, seu papel na política é muito mais amplo no quadro do IH do que num modelo estreito de escolha racional. É claro que a abrangência do IH se presta facilmente à dedução de argumentos teórica ou empiricamente vagos. Uma segunda diferença entre os institucionalistas históricos e os teóricos da escolha racional está em seus pressupostos básicos. Para os estudiosos da IH, as hipóteses da escolha racional são estreitas demais. Os atores políticos, na maioria das vezes, não são maximizadores oniscientes e racionais. Não ficam o tempo todo parando para pensar como podem maximizar seus interesses. Ao contrário, eles seguem regras, obedecem a regras definidas pela sociedade mesmo quando elas não maximizam diretamente seu interesse pessoal. Mas, nesse ponto, os partidários do IH exageram as críticas. Conforme Tsebelis deixa claro, o uso da racionalidade como um modelo de comportamento não implica que todas as pessoas ajam o tempo inteiro como maximizadoras de utilidade. Na verdade, a racionalidade é um modelo apropriado quando “a identidade e os objetivos dos atores estão estabelecidos e as regras da interação são precisas e conhecidas pelos agentes” (1990:32). Tsebelis propõe quatro argumentos em defesa do pressuposto da maximização de utilidades. Sugere que o comportamento se molda a princípios maximizadores quando os interesses em jogo são altos e quando há maior quantidade de informações disponíveis. Atores capazes de aprender por ensaio e erro tendem a um comportamento ótimo. Mesmo que somente uma pequena percentagem de atores maximize utilidades, o resultado social disso muitas vezes equivale ao obtido caso todos os atores maximizassem. E a seleção natural favorece os que maximizam, porque as estratégias de maximização são recompensadas.11 Em suma, a idéia da maximização de utilidades ainda é uma hipótese útil para o estudo do comportamento dos atores políticos. A escolha racional e o institucionalismo histórico também divergem sobre como interpretar preferências. Na visão dos teóricos da primeira, as preferências são mais pressupostas do que explicadas. Os defensores da segunda entendem que as preferências, especialmente aquelas relacionadas com definições de interesse pessoal, devem ser explicadas. Thelen e Steinmo deixam essa distinção bem clara: os institucionalistas históricos sustentam que os contextos institucionais forjam os objetivos dos atores. Os interesses de classe, por exemplo, são muito mais uma função das posições de classe, mediadas por instituições como os partidos e os sindicatos, do que de uma escolha individual. Para os institucionalistas históricos, somente análises fundamentadas na história podem apontar os objetivos que os atores buscam maximizar e explicar por que eles destacam determinados objetivos e não outros. A distinção entre as duas abordagens não está apenas no caráter exógeno ou endógeno das preferências. Os institucionalistas históricos acreditam que as preferências sofrem influência não só das instituições, mas também de outros fatores, como novas idéias (o keynesianismo, por exemplo), e das lideranças políticas. Se os institucionalistas históricos e os teóricos da escolha racional não discordam quanto à questão da maximização de utilidades, divergem no que diz respeito à amplitude doque procuram predizer e explicar. Os segundos tendem a focalizar o comportamento dos políticos ou das organizações políticas em geral, como as comissões parlamentares ou os partidos.12 Por isso os argumentos dos teóricos da escolha racional tendem a ser probabilísticos, e não deterministas. Sugerem, por exemplo, que nos sistemas majoritários os partidos são mais convergentes em seus princípios programáticos do que nos sistemas proporcionais. Os teóricos do IH, por sua vez, voltam seus argumentos para as conseqüências mais gerais do comportamento estratégico dos políticos ou dos partidos. Esta pesquisa se filia ao ramo da ER chamado de escolha racional branda. Não apresento derivações matemáticas e procuro explicar instituições políticas reais, e não imaginárias. Acompanhando a maioria dos estudiosos da escolha racional, parto da hipótese de que as motivações básicas dos atores políticos provavelmente têm mais a ver com objetivos pessoais, inclusive aspirações de reeleição e de patrimônio pessoal, do que com o interesse público. Embora em muitos dos meus argumentos a centralidade dos objetivos pessoais esteja pressuposta, em vários momentos apresento dados que confirmam a suposição e faço uma distinção mais refinada entre objetivos públicos e objetivos pessoais. Mais especificamente, mostro que se alguns membros do Congresso procuram maximizar suas rendas provenientes da política e outros têm objetivos maiores, voltados para o interesse nacional, muitos têm a única ambição de ajudar empresas privadas, determinados setores econômicos ou até grupos de trabalhadores especializados. Em certas partes da argumentação, as teses da escolha racional contribuem com outras coisas além de hipóteses. Várias tradições de pesquisa fundamentam os modelos empíricos. Nos capítulos que tratam do sistema eleitoral, por exemplo, a discussão teórica se inicia com a literatura sobre credit claiming* (Mayhew, 1974). O argumento também se baseia em estudos sobre o comportamento dos candidatos nos sistemas de representação proporcional (Cox, 1990a). Nos capítulos que tratam do processo legislativo, a discussão começa pela controvérsia entre as perspectivas “distributiva” e “informacional”13 na literatura sobre o Congresso dos Estados Unidos. O papel dos partidos brasileiros na negociação parlamentar — partidos que não têm programas ou vínculos estreitos com os eleitores — é investigado com referência ao surgimento dos partidos nos primórdios do Congresso americano (Aldrich, 1995). Embora muitos dos meus argumentos se apliquem a políticos e partidos “genéricos”, minha preocupação é entender o comportamento de atores políticos num país específico durante um período específico. Resultados mais gerais — a vitória ou derrota de campanhas individuais, a formação ou dissolução de coalizões parlamentares, a aprovação ou rejeição de projetos pelo Congresso — tornam-se parte intrínseca da explicação, porque a vida política de um país real não é feita de fatos genéricos, mas de conseqüências reais das estratégias e das lutas entre atores políticos reais. Da mesma maneira, uma narrativa que simplesmente “supõe” preferências é muito limitativa. Idéias, lideranças e acontecimentos fortuitos repercutem não só nas preferências dos atores por certas políticas econômicas e sociais, mas também em seus modos de pensar sobre as próprias instituições políticas. A verdade é que não é possível tomar preferências como dados; ao contrário, o que se tem de fazer é descobrir tudo o que for possível sobre elas. Uma visão geral da política brasileira: excesso de veto-players Em qualquer sistema político, a adoção de uma nova linha de ação governamental que se desvia do status quo requer a concordância de determinados atores. Quando o número absoluto desses atores com poder de obstrução de mudanças, ou veto-players, é grande, a inovação política se torna muito difícil. Meu argumento é que o surgimento de um grande número desses atores cruciais é inerente à estrutura institucional brasileira. Em conseqüência disso, o poder central tem enorme dificuldade para introduzir políticas inovadoras. A idéia de que o número de veto-players influi consideravelmente nas chances de aprovação de novos planos de governo é recente na ciência política. Na opinião de Tsebelis (1995), que criou o termo veto-player, uma das vantagens desse modelo é reunir várias teorias tipológicas. Essas teorias geralmente tomam a forma de dicotomias: presidencialismo versus parlamentarismo, sistemas bipartidários versus sistemas pluripartidários, e assim por diante. Algumas têm implicações para as políticas de governo: os regimes presidencialistas, por exemplo, são considerados mais susceptíveis a golpes militares do que os parlamentaristas (Shugart & Carey, 1992). Muitas vezes, porém, as implicações dessas teorias somente podem ser compreendidas se combinadas com outras tipologias: sistemas bipartidários com regimes presidencialistas, por exemplo. Quando se compara um pequeno número de países, essas combinações levam à sobredeterminação: em outras palavras, as variáveis superam o número das observações. A perspectiva teórica dos veto-players, que põe em foco a mudança, oferece ao mesmo tempo um marco de referência geral e abrangente e um conjunto bem claro de previsões.14 Seja um governo presidencialista ou parlamentarista, tenda ao bipartidarismo ou ao pluripartidarismo, seja o Legislativo bicameral ou unicameral, a lógica dos veto-players gera uma previsão inequívoca quanto à probabilidade da mudança política, em comparação com um sistema alternativo. O argumento, portanto, é que um maior número de atores com poder de obstrução sobre as mudanças aumenta a policy stability*. Vejamos qual é a lógica fundamental do argumento.15 Sempre que é preciso optar entre políticas exclusivas, cada ator tem uma política preferida ou um ponto ideal. Os atores são indiferentes a políticas igualmente distantes do seu ponto ideal; preferem as mais próximas de suas preferências. Usando a linguagem da modelagem espacial, as curvas de indiferença são circulares. Conforme se pode ver na figura 1 — extraída de Tsebelis (1995) —, quando as curvas de indiferença são traçadas de forma a cortar a posição do status quo e as decisões são tomadas por maioria simples, quaisquer dois atores podem derrotar o status quo. As áreas que indicam isso (sombreadas na figura) constituem o winset** do status quo. Quanto maiores essas áreas, mais provável se torna a mudança, e mais essa mudança tenderá a ser substancial em vez de tímida. Se a mudança exigir a concordância de mais atores, o tamanho do winset do status quo não poderá aumentar — aliás, geralmente diminui. De fato, na figura 1, uma decisão que necessita da concordância dos três atores resulta em nenhuma ação. FIGURA 1 WINSET DO STATUS QUO COM TRÊS ATORES EM DUAS DIMENSÕES Com o aumento das distâncias (representado pela dispersão dos pontos ideais) entre os atores cuja concordância é necessária, o winset encolhe e a estabilidade do status quo aumenta. Divergências ideológicas representam uma forma de distância espacial. Como Tsebelis (2000) demonstra, o winset do status quo se reduz à medida que aumenta a distância entre os atores. Os veto-players podem ser indivíduos, mas na maioria das vezes são partidos, facções ou grupos. Entre esses atores coletivos geralmente há indivíduos cujos pontos ideais variam; em outras palavras, as posições políticas de atores coletivos não são perfeitamente coerentes. À medida que aumenta a amplitude de posições entre esses atores — isto é, conforme diminui a coerência — o winset do status quo cresce. Esse resultado é muito importante; significa que a probabilidade de adotar uma nova política é maior, dado um determinado número de atores com poder de obstrução da mudança, quando seus pontos de vista políticos são menos coerentes ou eles são menos unidos.16 Como definir e contar o número desses atores cruciais? Numa acepção ampla, veto-players podem ser os militares, os capitalistas industriais, ou qualquer outro grupocuja concordância seja necessária para a aprovação de políticas públicas. Neste livro, limito o conceito aos atores do Poder Legislativo e do Poder Executivo. Entre os atores “institucionais” incluo o presidente da República, o Senado e a Câmara dos Deputados. Atores “partidários” são os partidos políticos com representação no Congresso. Embora, para os meus propósitos, uma contagem geral e abrangente de veto-players seja mais simples, na realidade o número desses atores pode variar de acordo com o assunto em discussão. Taxas de juros, por exemplo, são decididas no âmbito do Poder Executivo sem a participação do Congresso, enquanto projetos de lei ordinária devem ser aprovados pelas duas casas legislativas. Igualmente importante é a possibilidade de haver requisitos de maiorias extraordinárias, principalmente no caso brasileiro. Como a aprovação de emendas constitucionais exige três quintos de votos favoráveis do total de membros de cada Casa do parlamento, enquanto para a legislação ordinária basta uma maioria simples ou absoluta, o número de partidos necessários para a aprovação de matérias constitucionais pode ser maior, dependendo do tamanho dos partidos.17 A principal forma de contar o número de veto-players é a regra de absorção. Suponhamos que a análise se limite a duas dimensões de políticas e que um ator crucial esteja localizado no Pareto set dos demais — isto é, esse ator se situa dentro do polígono formado pela conexão dos pontos ideais dos demais atores.18 Tsebelis (2000, anexo) mostra formalmente que não faz diferença alguma se esse ator é incluído na contagem ou não. Disso se conclui que se o presidente da República vem de um partido coeso e disciplinado, que faz parte de uma maioria estável, o presidente é absorvido como um veto-player — ou seja, não é preciso contá-lo. Do mesmo modo, um partido pode ser absorvido numa das câmaras de um parlamento bicameral, quando faz parte da maioria da outra Casa. No caso dos Estados Unidos, onde as maiorias são instáveis e os partidos são incoerentes do ponto de vista programático, presidentes e partidos com representação em cada Câmara continuam sendo veto-players distintos. Como fica o Brasil em relação a outros países latino-americanos do ponto de vista do número de veto-players em cada gestão presidencial?19 Para fazer essa comparação, eliminei os regimes provisórios e autoritários (civis e militares) e incluí apenas atores partidários — partidos e presidentes da República. A inclusão de partidos depende de sua coerência programática e disciplina parlamentar. Já que as pesquisas correntes sobre os partidos latino-americanos não têm critérios estabelecidos para a avaliação da coerência e disciplina, justifica-se empregar um método de contagem que determina limites superiores e inferiores para o número de veto-players.20 O primeiro método, a absorção total, inclui todos os presidentes da República e também partidos de nomes similares nos legislativos bicamerais, isto é, eles somente são contados uma vez. O segundo método de contagem, a absorção parcial, inclui os partidos e os presidentes somente nos casos em que os estudiosos consideram que os primeiros são coesos e disciplinados: Argentina, Chile, Colômbia (só entre 1958 e 1974), Costa Rica, México, Uruguai e Venezuela.21 Desde 1900, o número médio de veto-players no conjunto da América Latina é de 1,95 pelo método de absorção total e de 2,79 pela contagem de absorção parcial. Usando o primeiro método, o Uruguai surge como o país de maior média (3,05), seguido pelo Brasil (2,74) e pelo Chile (2,65).22 Pelo método da absorção parcial, o Brasil é de longe o líder, com 4,43. Como a política brasileira ficou muito mais competitiva depois de 1945, vale a pena repetir a comparação no pós-guerra. De 1946 a 1998, as médias globais da região são 2,09 (absorção total) e 2,93 (absorção parcial). Pelo primeiro método, o Brasil ocupa o primeiro lugar, com 3,40, seguido pelo Equador com 2,88 e o Chile com 2,75. Usando o método da absorção parcial, o Brasil também ocupa a liderança na região, com 5,13, seguido pelo Equador com 4,50 e a Bolívia com 3,88. Qualquer que seja o método, portanto, o Brasil está na liderança em número médio de veto-players em cada gestão. Além disso, de 1986 a 1999, o número médio desses atores decisivos no Brasil foi de 4,6 pelo critério da absorção total, e de 6,5 pela absorção parcial. A comparação com outros países latino-americanos mostra as conseqüências de altos escores na escala de veto-players. O Uruguai ultrapassou a marca de três atores somente entre 1967 e 1971, quando havia quatro. Nesse período, a democracia uruguaia começou a entrar em rápida decadência até que, em 1973, sofreu um golpe militar. O Chile só teve mais de três veto-players durante o governo do presidente Carlos Ibañez (1952- 58), que tentou governar o país sem o apoio de um partido político. Em face do crescimento da inflação, Ibañez tentou pôr em prática as recomendações de consultores americanos, mas o Congresso chileno recusou-se a aprovar um projeto de tributação das grandes fortunas. No fim do governo Ibañez, como afirmou Stallings (1978:33), “a indecisão inicial do governo Ibañez e tentativas posteriores de seguir as recomendações [dos consultores] parecem ter convencido os eleitores chilenos de que a solução para os problemas do Chile não estaria em um líder ‘acima da política’”.23 A Bolívia é um caso em que o número de veto-players variou muito. Antes de 1982, nunca foram mais de dois. Com a restauração da democracia em 1982, a Bolívia alcançou em média cerca de 2,5 veto-players pelo método de absorção total e cinco sem esse critério. A não ser que os partidos bolivianos atuem de modo disciplinado e programático (sugerindo que um número menor de veto-players é mais apropriado), a situação parece tender a grande instabilidade.24 Resumindo: a teoria dos veto-players permite fazer importantes descobertas sobre a América Latina em geral e o Brasil em particular.25 Tanto o excesso quanto a maior distância ideológica entre esses atores com poder de fogo reduzem as chances de aprovação de importantes matérias legislativas. A exigência de maiorias extraordinárias, comum no caso de emendas constitucionais, tem o mesmo efeito. Por último, o controle da agenda é importante. Nos sistemas presidencialistas, o Congresso controla a pauta legislativa. Como é lá que as leis são elaboradas e modificadas, e o Congresso tem poder para derrubar vetos presidenciais, ele controla a pauta. Uma vez que, no Brasil, os partidos não podem controlar seus membros, e são os indivíduos ou grupos que negociam sua cooperação em troca de vantagens ou concessões particularistas, o controle da agenda legislativa significa que a maioria das leis inclui um componente de fisiologismo. É importante notar, porém, que o argumento de que o Brasil padece de um excesso de veto-players não equivale a dizer que o Brasil tem um excesso de partidos. Embora haja realmente muitos partidos, e só esse fato já frustre a adoção de políticas inovadoras, a contagem geral do número de veto-players baseada puramente nos partidos é uma simplificação que decorre da agregação de questões diversas. Num determinado assunto, os veto-players podem incluir os governadores e as bancadas estaduais no Congresso, as “bancadas de interesse” (como a dos banqueiros ou a dos ruralistas) ou parlamentares isolados. Disso se conclui, ademais, que as ideologias ou motivações desses atores individuais ou coletivos também influem no desfecho das lutas políticas. As origens do problema institucional do Brasil O excesso de veto-players cria dificuldades para os regimes democráticos e é evidente que, por qualquer critério, o Brasil padece desse excesso. Este livro argumenta que a razão de ser essencial do número elevado desses atores cruciais no Brasil é a estrutura institucional do país, especialmente o sistema eleitoral. Contudo, as instituições não caem do céu; são criações das elites econômicas e políticas. Dois fatores, o federalismo e a disseminaçãodo empreguismo e do fisiologismo, são especialmente importantes na escolha de instituições; além disso, determinados acontecimentos históricos enclausuraram o Brasil em padrões institucionais específicos. Na história brasileira recente, o federalismo e a difusão do clientelismo e do fisiologismo variam de forma e relevo, mas são sempre muito importantes.26 Discutirei esses dois fatores pela ótica da escolha racional, mas suas origens são tão remotas na história do país que eles podem ser tomados logicamente como dados. Federalismo Estados e prefeituras, as subunidades da Federação brasileira, têm sido atores políticos importantes desde os tempos da colônia. Atividades governamentais essenciais, inclusive serviços sociais como a educação fundamental e secundária, são de responsabilidade dos estados e municípios. Essas subunidades elegem seus governantes e têm fontes fiscais próprias; os títulos que emitem dependem apenas da aprovação do Senado, que é uma câmara legislativa de base territorial. Poderes residuais não relacionados na Constituição cabem aos estados. De maneira geral, o sistema federativo brasileiro satisfaz os famosos critérios de Riker (1964): dois níveis de governo regem a mesma terra e o mesmo povo, cada qual com uma esfera bem definida de autoridade e com a garantia de autonomia dentro dessa esfera. No âmbito nacional, os sistemas federativos geralmente representam os territórios em uma das casas legislativas e a população na outra. Contando com três senadores por estado, o Senado brasileiro dá a Roraima, com uma população que não chega a 250 mil pessoas, uma representação igual a São Paulo, que tem mais de 30 milhões de habitantes. Um voto em Roraima tem um peso 144 vezes maior do que um voto em São Paulo, de modo que senadores que representam 13% da população brasileira podem bloquear uma legislação que 87% apóiam.27 Mas a desvantagem das regiões mais populosas também está na Câmara dos Deputados: nenhum estado pode ter menos de oito e mais de 70 representantes. Considerando apenas o tamanho da população, os oito deputados de Roraima deviam reduzir-se a um; os 70 de São Paulo deviam ser 115. Por que o Brasil adotou o federalismo? Historicamente, não restou alternativa ao país. Portugal era fraco demais para manter uma burocracia em condições de controlar a colônia; por isso d. João III (1521-57) dividiu o país em capitanias hereditárias e entregou-as a proprietários de terra bastante ricos para arcar com os custos de sua defesa e colonização (Carvalho, 1993). Apesar de o sistema de capitanias ter sido abolido pelo marquês de Pombal no século XVIII, Portugal não foi capaz de centralizar o governo da colônia; teve então de apoiar-se na descentralização da burocracia política e administrativa e no poder privado fundado na grande propriedade rural e na escravidão. A reforma constitucional de 1834, pouco depois da independência política de Portugal, inaugurou um novo centralismo em torno do imperador do Brasil. Os produtores de café, concentrados na província do Rio de Janeiro, pagavam a maior parte dos impostos do governo central e aliaram- se aos burocratas e exportadores para defender uma monarquia central forte.28 No século XIX, a centralização foi impulsionada pela influência da monarquia no meio rural e pelo receio de abalar a sociedade escravocrata e dividir o país. Entre os defensores da descentralização estavam os profissionais liberais e os fazendeiros que produziam para o mercado interno. Embora o cultivo do café tivesse, de início, estimulado a centralização, sua difusão em São Paulo favoreceu a descentralização. Os paulistas achavam que um sistema centralizado acabaria por transferir recursos para as províncias mais atrasadas. Mas a resistência ao poder central também contou com um componente oligárquico: o federalismo deu sustentação ao poder privado, à desigualdade e à hierarquia. Em 1889, quando a monarquia foi extinta, os estados brasileiros eram bem mais fortes do que no México e na Argentina. No Brasil, os estados tinham autonomia para elaborar seus próprios códigos civis, contratar empréstimos externos e vender títulos fora do país (Love, 1993:187). Nas décadas de 20 e 30 do século passado, os estados produtores de café impuseram suas taxas de câmbio preferenciais — favoráveis à desvalorização — a todo o resto do país. Essa política impôs perdas aos consumidores, importadores e ao governo central, que tinha de honrar os empréstimos externos com uma moeda fraca. Os estados brasileiros também mantinham numerosos contingentes militares. Entre 1925 e 1926, por exemplo, São Paulo tinha um exército de 14 mil homens, sua própria academia militar e uma missão militar no exterior (Love, 1993:202). Mesmo no período de centralização do primeiro governo Vargas e do Estado Novo (1937-45), os estados conservaram notável poder. Os impostos estaduais representavam 55,9% dos impostos federais entre 1931 e 1937, e 55,7% entre 1938 e 1945. Nos mesmos anos, na Federação mexicana, os mesmos impostos correspondiam a 22,7% e 17,3%, respectivamente (Love, 1993:218). A propriedade da terra era a base tradicional do poder local; apesar de o desenvolvimento econômico do século XX ter enfraquecido os latifundiários, eles nunca perderam sua força política, especialmente no campo. Com grandes extensões de terras disponíveis, populações dispersas e poucas estradas transitáveis, estados e municípios desenvolveram bases independentes de poder. O federalismo também se originou da forte tradição regionalista do Brasil. As regiões têm diferentes condições sociais, culturais, econômicas e políticas. O Nordeste compreende cerca de 30% da população brasileira, mas produz apenas 14% do PIB nacional. O açúcar produzido no Nordeste já foi o principal produto da economia do país, mas desde 1800 essa atividade perdeu importância. A pobreza, o ciclo repetitivo das secas e a constante influência dos “coronéis” contribuíram para tornar o Nordeste dependente da transferência de recursos do governo federal. O resultado é que a atividade política quase sempre gira em torno da troca de apoio por benefícios particularistas arrancados do Executivo ou do Congresso. Programas de ajuda ao Nordeste resultaram em incontáveis projetos de construção de represas e hidroelétricas, a maioria beneficiando fazendeiros ricos e caciques locais. Empresas localizadas nas regiões mais ricas sustentam a ajuda ao Nordeste, ainda que os impostos provenientes dessas regiões financiem tais projetos, porque são as empresas das regiões mais prósperas que constroem as barragens e estradas. Em suma, o Nordeste é o Mezzogiorno brasileiro. O Norte e o Centro-Oeste são regiões de fronteira, com populações pouco numerosas mas em rápido crescimento. Na falta de tradicionais famílias de latifundiários, redes políticas baseadas no clientelismo relacionam os mais importantes atores políticos. Essas redes incluem membros das bancadas parlamentares federais e estaduais, órgãos administrativos do estado e dos governos municipais. Nessas regiões, os estados dependem do governo federal, de modo que as alianças disputam o controle das administrações locais e, por intermédio destas, dos recursos federais e estaduais de patronagem. O Sudeste abriga o grosso da produção industrial nacional. Os lucros do café financiaram os primeiros empreendimentos industriais de São Paulo e hoje o estado domina a indústria avançada. Rio de Janeiro e Minas Gerais também são estados fortemente industrializados. Recebendo maciça imigração das regiões mais pobres (especialmente do Nordeste), Rio de Janeiro e São Paulo tornaram-se megacidades, acossadas por serviços sociais flagrantemente deficientes, problemas de poluição e elevados níveis de criminalidade. A região Sul é basicamente agrícola. Contando com sólida base econômica e uma distribuição de renda relativamente equilibrada, a política não é a única atividade econômica rentável. Por conseguinte, a corrupção é um pouco menor, a burocracia é mais competente e as condições de saúde e educação são melhores.Considerando as variações regionais de renda e a longa tradição do federalismo, não admira que as relações entre governo e sociedade variem entre os estados. Em alguns, a política é, por tradição, uma atividade lucrativa monopolizada por umas poucas famílias que se apóiam em grandes grupos econômicos, como as dos usineiros de açúcar ou dos criadores de gado. Em outros estados, principalmente no Sul e no Sudeste, os interesses econômicos são mais diversificados. Os vínculos entre os eleitores e seus representantes são mais diretos, e os políticos são uma classe menos voltada para seus próprios interesses. Na Bahia, por exemplo, 40% dos deputados que integravam a bancada estadual no Congresso em 1991-94 tinham um parente próximo em um cargo político. Em São Paulo, apenas 5% dos deputados pertenciam a famílias de políticos. O federalismo brasileiro tem seguido um padrão pendular, tendendo à centralização sob regime autoritário. Durante os governos militares, de 1964 a 1985, o governo central ampliou muito seu poder em detrimento dos estados. Não admira, portanto, que a atual Constituição democrática fortaleça os estados e municípios, concedendo-lhes novas fontes de recursos fiscais. Embora a Constituição não tenha conseguido transferir a responsabilidade pela implementação de programas, junto com os novos recursos, os estados vêm assumindo gradualmente a execução de programas anteriormente conduzidos pelo governo federal. A União tem procurado acelerar esse processo de lenta e desorganizada troca de responsabilidades retendo transferências para os estados e municípios, como parte do programa de estabilização econômica, o Plano Real, criado em 1994.29 Embora o federalismo brasileiro satisfaça a definição de Riker, a estrutura federativa do país, como acontece na maioria dos sistemas nominalmente federativos, é muito mais complexa, incluindo jurisdições sobrepostas e interligadas. Além disso, o federalismo brasileiro está longe de atender aos padrões que Montinola, Qian e Weingast (1995) estabelecem em seu conceito de “federalismo que preserva o mercado”. O Brasil é reprovado nesse teste mais rigoroso em muitos aspectos: os governos das subunidades não têm autoridade econômica direta dentro de suas áreas de jurisdição e evitam pesadas restrições orçamentárias tomando empréstimos, a repartição da receita é extensiva, e a União tem o direito de alterar, por decisão unilateral, a alocação de poderes e responsabilidades entre os níveis de governo. Weingast e seus colaboradores afirmam que sua versão de federalismo promove o crescimento econômico pelo auxílio de um mecanismo de descentralização à moda de Tiebout (1956). Num sistema político efetivamente descentralizado, os governantes locais competem por fontes móveis de receitas, evitando regulamentações depauperadoras, bem como o confisco das fortunas particulares. Quando as autoridades não conseguem executar políticas eficazes, mão-de-obra e capital se retraem. No âmbito nacional, o governo federal deve permanecer suficientemente fraco para não confiscar a riqueza privada, mas forte o suficiente para fazer cumprir contratos e prover bens públicos. Na prática, as condições políticas que embasam a teoria do federalismo que preserva o mercado são difíceis de alcançar.30 Proprietários ricos, mas de capital investido em bens imóveis, exercem uma mobilidade de facto e assim aumentam as desigualdades entre os territórios jurisdicionais porque se mantêm entrincheirados em seus próprios municípios. Sem acesso a fontes de receita, municípios pobres e marginalizados ficam sem alternativa à obtenção de verbas e subsídios do governo federal. Os administradores locais, tanto em contextos democráticos quanto autoritários, muitas vezes atendem mais às demandas do capital imóvel do que às do capital móvel ou do trabalho. Nas democracias, os governantes não respondem somente aos interesses do capital, mas também aos desafios eleitorais, de modo que os donos de interesses imóveis podem ser estimulados a se organizar eleitoralmente. Essa breve resenha histórica permite ver que, em certas fases, o federalismo brasileiro se aproximou de um modelo de federalismo que preserva o mercado, especialmente depois da queda do Império, em 1889, havendo também fases em que o poder central predominou. O saldo dessas experiências não é positivo. As vantagens asseguradas pelo dinheiro e pelos laços tradicionais de clientela favoreceram enormemente os latifundiários. No plano estadual, o câmbio foi desvalorizado, beneficiando os cafeicultores mas causando enormes prejuízos para a grande maioria dos consumidores. Governos estaduais obtiveram acordos de perdão de dívidas que beneficiaram um outro setor de interesse imóvel, os donos de engenho do Nordeste. Dirigentes municipais e estaduais disseminaram um sistema de distribuição de convênios para obras públicas e nomeações de puro interesse político. Em suma, como o federalismo brasileiro originou-se da incapacidade dos governos centrais de controlar a totalidade do território nacional, acabou fortalecendo os interesses locais, especialmente os detentores de capital fixo. O federalismo deu garantias às oligarquias locais. Em vez de facilitar o crescimento da economia pela adoção de programas eficientes, o federalismo promoveu os interesses dos grupos econômicos mais atrasados e aumentou as disparidades econômicas regionais. Qual a situação do Brasil em comparação com outros sistemas federativos? O federalismo sempre restringe as maiorias nacionais. Num estudo fundamental, Alfred Stepan (1999) mede o caráter majority- constraining (restritivo da maioria) de 12 democracias federativas, considerando quatro dimensões: o grau de sobrerepresentação da câmara territorial, a abrangência da competência legislativa dessa câmara, a extensão das atribuições legislativas delegadas pela Constituição às subunidades da Federação, e o alcance nacional das orientações e dos esquemas de incentivos do sistema partidário.31 Depois da Argentina, o Brasil tem a maior taxa de sobre-representação entre os 12 países estudados nesse trabalho. O Senado tem competência sobre todas as áreas legislativas que cabem à Câmara dos Deputados e mais algumas de que esta carece. A Constituição brasileira é extremamente detalhada, e para um grande número de assuntos a introdução de mudanças relevantes requer emendas constitucionais que exigem três quintos de votos favoráveis nas duas câmaras legislativas. O sistema eleitoral, que será analisado na primeira parte deste livro, impõe pesadas barreiras ao desenvolvimento de partidos nacionais. A disseminação da patronagem e do fisiologismo Desde o começo do século XIX, boa parte da política brasileira se concentra nas tentativas dos políticos de nomear aliados para cargos burocráticos e de prover bens públicos individualizados ou geograficamente específicos, que os americanos chamam de pork barrel.32 Não há dúvida de que em toda sociedade pratica-se a troca de apoio político por cargos no governo e contratos de obras públicas, mas o caso brasileiro é ímpar na disseminação dessas trocas e na tendência a usá-las em detrimento de um processo decisório baseado em princípios ideológicos ou programáticos mais amplos. O fisiologismo e o empreguismo privatizam a formação de políticas. Os políticos não se sustentam como tais cuidando da prosperidade de suas regiões e da provisão de bens públicos, mas distribuindo verbas, serviços e empregos a indivíduos. A ênfase que estou dando ao fisiologismo e à patronagem não é apenas um outro rótulo para o clientelismo político. Evito propositadamente o termo clientelismo por duas razões. A primeira é que a prática corrupta de comprar votos, normalmente denominada clientelista, é muito mais uma conseqüência do que uma precondição da estrutura institucional brasileira. A segunda razão é que os debates sobre o clientelismo muitas vezes se perdem numa tradição intelectual equivocada ou enganosa. Na antropologia, o clientelismo geralmente diz respeito a trocas individuais de bens privados entreatores desiguais, chamados de patrões e clientes (Greenfield, 1977). A origem dessas relações é vinculada à sociedade rural “tradicional”, aos laços entre latifundiário e camponês fundados na reciprocidade, confiança e lealdade. A sociedade moderna rejeita, implícita ou explicitamente, esse tipo de relações em troca de vínculos ideológicos ou de grupo. Como deixa claro um estudo recente de Geert Banck (1999), o conceito antropológico de clientelismo não é facilmente transposto para o mundo da política. Confiança e lealdade não são valores fundamentais nas práticas contemporâneas de patronagem e fisiologismo justamente porque estes são “negócios” ajustados entre comerciantes no mercado político. Compradores e vendedores têm de comprovar a qualidade e a confiabilidade dos bens e dos compromissos que negociam. Lealdade e confiança são irrelevantes. E uma vez que o Estado, como fonte dos recursos, faz parte intrínseca da transação, a patronagem e o fisiologismo têm raízes tanto rurais quanto urbanas. A análise anterior sobre o federalismo mostrou que, no século XIX, os proprietários de bens de raiz desejavam um governo forte e centralizado. Apenas um governo central poderoso teria condições de garantir a ordem e, numa sociedade escravista de riqueza nitidamente desigual, a ordem era a preocupação primordial.33 Por outro lado, os proprietários de terras operavam dentro de uma estrutura política formal em que as eleições, apesar de restritas a uma pequena parcela da população masculina proprietária, eram importantes. O imperador e seu gabinete ocupavam o cume do sistema, mas a Câmara dos Deputados, eleita indiretamente, tinha de ratificar as decisões do gabinete. Portanto, o gabinete imperial precisava do apoio dos deputados. Os partidos Conservador e Liberal, que dominaram a Câmara dos Deputados durante todo o século XIX, eram fundamentalmente canais de transmissão de relações de clientela, negociando cargos no governo por votos. Tanto na Câmara quanto nas assembléias locais, partido significava apenas uma filiação, e não um compromisso duradouro com um programa ou uma linha de ação política. Até o final do Império, em 1889, partidos se formavam, se dissolviam e voltavam a se unir assumindo posições aparentemente contraditórias sobre questões de relevo. Entre os eleitores, os laços pessoais, e não considerações ideológicas, é que determinavam as divisões políticas. Graham (1990:148-9) mostra que a rivalidade e a violência da política local muitas vezes não nasciam de partidos distintos, mas de facções que se diziam pertencentes ao partido então no poder. O gabinete aspirava ao apoio eleitoral da fração local do partido com mais chances de vencer. Do ponto de vista do ministério, a legenda partidária era irrelevante. O gabinete controlava os deputados concedendo ou negando recursos de patronagem aos caciques locais. Citando as palavras de Graham (1990:148): “o poder fluía simultaneamente ‘para baixo’, a partir do gabinete, por intermédio do presidente da província, e ‘para cima’, dos manda-chuvas locais para o presidente e o gabinete”. Os políticos que disputavam cargos burocráticos empenhavam-se na preservação ou melhoria de suas posições e justificavam seus pedidos nos termos da rígida hierarquia da sociedade brasileira, alegando posição social, deferência e firme lealdade. Graham (1990:217) revela que quem intermediava empregos eram senadores e deputados, mais do que outras autoridades. Os pedidos dos políticos eram dirigidos principalmente ao primeiro-ministro e aos ministros da Justiça, da Agricultura e Obras Públicas, e da Guerra. Com o tempo, a disseminação da patronagem afetou a qualidade do funcionalismo público, sua conduta e o próprio conteúdo dos programas. As nomeações passaram a basear-se mais em critérios políticos do que de mérito e isso não se limitou ao nível do ministro ou do secretário-geral, mas estendeu-se a cinco, seis ou mais degraus abaixo na escala burocrática.34 Os partidos políticos queriam nomear correligionários para cargos de natureza eminentemente técnica, e as principais disputas se relacionavam com a “justa divisão” das sobras (Geddes, 1994a). A rotatividade dos ocupantes de postos técnicos sempre foi muito grande, pois todo novo governo substitui os afilhados dos antecessores. Como a maioria dos funcionários de alto escalão geralmente sonha em concorrer a postos eletivos, eles usam seus cargos para criar prosélitos particulares. Os políticos não põem muito empenho em tornar a burocracia menos opressiva e distante porque se aproveitam da mediação dos burocratas entre os eleitores e o funcionalismo público malconceituado. A queda do Império em 1899 e a instalação da República tiveram poucos efeitos na centralidade da patronagem. No entanto, com a expansão do Estado durante o século XIX, os políticos criaram nova fonte de recursos, as obras públicas: represas, estradas, infra-estrutura etc. Desde a década de 1930 e principalmente a partir dos anos 1950, os governos brasileiros adotaram uma política de industrialização por substituição de importações (ISI). Caracterizada pelo crescimento voltado para dentro, a ISI incluiu legislação alfandegária, cotas de importação, proibição da exploração de minérios pelo capital estrangeiro, nacionalização dos serviços públicos e supervalorização da moeda (para facilitar a importação de bens de capital). O governo investiu em áreas “estratégicas”, como ferro e aço, processamento de metais alcalinos, fabricação de motores para aviação e caminhões, desenvolvimento de bacias hidrográficas. A política baseada na patronagem adapta-se facilmente a uma industrialização dirigida pelo Estado.35 Chubb (1981) usa claramente esse argumento na sua análise sobre o sul da Itália. No Brasil, ante o desafio de conciliar diferentes interesses econômicos e regionais, cuja cooperação era indispensável, o Estado resolveu politizar seus programas e aliciar esses interesses mediante sua expansão e a concessão de subsídios. Em 1950, a administração pública absorvia 3% da população economicamente ativa; em 1990, esse índice alcançava 5% (Brasil, 1990). Políticos regionais, grandes fazendeiros, industriais, quem quer que tivesse suficiente influência e poder tinha subsídios à disposição.36 No interior da máquina do Estado, o ímpeto expansionista privilegiava a própria burocracia. Os bancos estatais ofereciam aos seus empregados melhores taxas de retorno para as formas de investimentos disponíveis para o grande público. Professores universitários aposentavam-se na faixa dos 40 anos com generosas aposentadorias. É bem verdade que privilégios irracionais podem ser encontrados em órgãos do governo de qualquer país, mas no Brasil a extensão da liberalidade é fora do comum. A combinação de expansionismo estatal e patronagem gerou não apenas um aumento da corrupção interna ou de viés privatista, mas também um monstro hipertrofiado.37 A importância que atribuo à patronagem e ao fisiologismo não implica que faltem no Brasil políticos devotados a objetivos programáticos. Existe no Congresso Nacional um sólido contingente de deputados e senadores cujos interesses convergem para a formulação de leis de interesse do conjunto da sociedade. Mas este livro pretende demonstrar com clareza que esses políticos de orientação essencialmente programática são uma minoria. Políticos que orientam suas carreiras para a oferta de contratos de obras públicas e de nomeações para cargos burocráticos predominavam nas assembléias que redigiram as constituições brasileiras, e esse mesmo tipo de parlamentares prevaleceu nas câmaras legislativas que essas mesmas constituições criaram. Tais parlamentares têm enorme dificuldade em ver benefícios políticos na legislação que fortalece os partidos ou minimiza os incentivos para a distribuição de benefícios particularistas. Continuidades históricas e suas conseqüências Três continuidades históricas são importantes para compreender o nexo entre, de um lado, o federalismo e a difusão da patronagem aliada ao fisiologismo, e, de outro
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