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CHAPEUZINHO VERMELHO para o podcast Literatura Oral

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# 20
Olá ! Você está no Literatura Oral, podcast de leitura comentada e sugestões literárias. Eu sou Sabrina Siqueira, jornalista com doutorado em literatura.
No último episódio, finalizei a leitura de Recordações do escrivão Isaías Caminha, de Lima Barreto. Em homenagem ao dia das crianças, que passou, mas ainda estamos em outubro, hoje eu vou fazer uma leitura que tem tudo a ver com o nome do podcast, Literatura Oral. Vou ler um conto de fadas que muito provavelmente vocês conhecem. Chapeuzinho Vermelho, mas na versão de Charles Perrault, que é provavelmente a primeira versão escrita do conto. Talvez a versão mais conhecida nossa seja a dos irmãos Grimm.
Charles Perrault foi um escritor e poeta francês, que viveu no século XVII. Ele estabeleceu as bases para o gênero literário que ficou conhecido como “conto de fadas”, o que lhe conferiu o título de pai da literatura infantil. São suas as seguintes histórias: “Le petit chaperon rouge” (Chapeuzinho Vermelho), “A bela adormecida”, “O gato de botas”, “Cinderela”, “Barba Azul” e “O pequeno polegar”. Ele publicou “Histórias ou contos do tempo passado com moralidade”, também chamado “Contos da velha” e “Contos da cegonha”, ficando conhecido afinal como “Contos da mamãe gansa”, em janeiro de 1697. Quer dizer, ele publicou um livro com esses contos e o próprio nome do livro foi se modificando, conforme caia no gosto popular, assim como acontece com os contos de fadas. É nessa publicação que está a versão de Chapeuzinho Vermelho que vou ler, provavelmente a primeira publicada, apesar de não se poder precisar de que ano é o conto, porque ele já circulava oralmente na França. A publicação de Perrault alcançou leitores do mundo todo. As histórias tinham em comum uma moral em forma de poesia como encerramento. Antes dessa compilação do Perrault essas histórias já eram conhecidas, contadas entre as damas, nos salões parisienses. São histórias curtas narradas de geração a geração e transmitidas pela oralidade. Por isso, tudo a ver com a ideia deste podcast.
Sabe aquele ditado “quem conta um conto, aumenta um ponto”? Por serem histórias contadas oralmente ao longo de anos, é natural que existissem diferentes versões. A variante que Perrault publicou ele teria ouvido da babá dos filhos, no final do século XVII. Em 1976, os folcloristas Paul Delarue e Marie-Louise Tenéze recolocam essa versão no livro Os contos populares franceses. As versões dos contos diferem de país para país, agregando características da cultura e folclore locais. No Brasil, uma edição da Ediouro de 1966 traz os contos populares com tradução de Aurélio Buarque de Holanda e Paulo Ronai. 
E sobre os famosos Irmãos Grimm? Os alemães Jacob Ludwig Carl e Wilheim Carl foram poetas, linguistas e escritores, tendo vivido no século XIX. Eles ganharam notoriedade registrando fábulas infantis.
No século XIX, surge na Alemanha o romantismo, o nacionalismo romântico e as tendências em valorizar a cultura popular, o que traz de volta o interesse nos contos de fadas, que haviam sido sucesso no século XVII. Os Grimm acreditavam que a identidade alemã poderia ser construída a partir do conhecimento da cultura popular e compilaram uma coleção de contos populares. Vale lembrar que a consolidação do Estado Nacional Alemão só aconteceu em 1871, e a unificação expôs várias diferenças culturais entre os habitantes das diferentes regiões. Eram diversos estados independentes que foram reunidos sob o nome de sacro Império Alemão. Os Grimm começaram a coleção com o propósito de preservar, em um trabalho acadêmico, histórias tradicionais que vinham sendo transmitidas de geração a geração e estariam ameaçadas pelas mudanças com o aumento da industrialização.
Claro que a interpretação de uma narrativa sempre depende da contextualização social. Os contos de fadas expressam a visão de mundo de quando surgiram e cada nova versão, a visão de sua época. Eles são produtos da cultura na qual estão inseridos. Muitos temas são recorrentes na maioria dos contos de fadas, porque alguns temas são universais, condizem com a realidade de todos os seres humanos, não importando a localidade em que os leitores se encontram. São contos em que a fantasia desafia a lógica. Só que os contos apresentam as orientações de moralidade de sua época e local, mudando e se transformando à medida que são reescritos.
Nem sempre as fadas estão presentes nos contos de fadas. Mas sempre há a presença do maravilhoso, que é o desenvolvimento de argumentos fora da realidade conhecida ou normal, como animais falantes no conto Chapeuzinho Vermelho. A autora Regina Ribeiro Mattar, no livro Os contos de fadas e suas implicações na infância (2007), aponta que os contos de fadas são assim classificados por compartilharem uma mesma estrutura básica: “início, ruptura, confronto e superação de obstáculos e perigos, restaurações e desfecho” (p.7). 
As narrativas dos contos de fadas podem ajudar as crianças. Eles encantam e despertam criticidade não pelo potencial de representação da realidade, mas por sugerir possibilidades de aventuras e vivências que podem servir de modelos de conduta em ambiente real. Mostram dilemas existenciais, em que a estrutura pode até ser simples, mas a temática é complexa. Os contos de fadas apresentam muitos níveis de significação. A criança, dependendo do momento de maturidade e idade em que se encontra, saberá, espontaneamente e por intuição, decodificar as entrelinhas do que for assimilável pra ela naquele momento. Vale para crianças de todas as idades, porque a ludicidade dos contos de fadas nos conecta, mesmo os adultos, com a criança que há em todos nós. Ao longo de gerações, os contos de fadas ajudam a regular comportamentos e homogeneizar valores.
Vamos à leitura:
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As meninas, principalmente,/Sendo gentis e engraçadas,/ Mal andam em dar crédito a toda a gente./ Depois não é de admirar / Se o lobo vier e as papar. Os lobos/ mansinhos,/ Quietos, ternos, sossegados, / Os quais, brandos, recatados, / Vão perseguindo as donzelas / Até a casa, e às vezes até se deitam com elas. / Quem não vê, pois, que os lobos carinhosos / De todos são decerto os mais perigosos?
Na leitura de hoje vimos a versão do francês Charles Perrault para Chapeuzinho Vermelho, provavelmente a primeira versão publicada. A história é classificada como conto de fadas pelo final moralizante que essa primeira publicação possuía e desconheceu barreiras geográficas ou de tempo. Talvez seja uma história que existe desde o século XVI ou antes, e é popularmente conhecida em diferentes países. 
Essa versão que eu li destoa um pouco da versão que tu conhecia? 
O conto inicia com a mãe da menina pedindo que ela leve alimentos para a avó. A narrativa se passa em uma área de floresta, e a menina deve atravessar um espaço de floresta pra chegar à casa da avó. Quando o lobo pergunta pra onde a menina vai, ela responde sem titubear, o que nos informa da inocência da protagonista. O lobo ainda quer saber qual caminho ela vai tomar, e usa as palavras “agulhas” e “alfinetes”, que podem se referir a dois tipos diferentes de vegetação da floresta, mas também são objetos do universo feminino, considerando que a história é do século XVII e as moradoras de uma área rural deviam saber costurar. 
O vermelho do capuz simbolizava a cor das prostitutas, da libertinagem e do escândalo na época de Perrault. E também remete à menstruação, à maturidade sexual feminina, portanto. E ao sangue de um final trágico, como viria a ter Chapeuzinho. A cor é enfatizada no título e no nome da menina. O capuz vermelho que Chapeuzinho usa faz dela uma presa ainda mais fácil pro lobo, porque é uma cor que chama muita atenção na floresta, não se camufla bem no verde e marrom da vegetação. Em algumas versões do conto ela ganhou o capuz da avó, o que nos leva a pensar: a avó é uma mulher idosa, que sabe como a vida funciona e como é perigoso ser mulher naquela região, com lobos devoradores, e presenteia a neta com um capuz justo da cor a ficar mais chamativa na floresta. Essa observação sobre a cor melembra o filme “A vila”, do diretor M. Night Shyamalan, de 2004, em que o vermelho é associado a ações punitivas, e uma menina inocente deve atravessar a floresta, cheia de perigos e mistérios. Se vocês ainda não conhecem, vale a pena assistir.
Vale destacar a ausência de nomes próprios em Chapeuzinho Vermelho. As personagens são nomeadas de acordo com a sua posição na família, a mãe e a avó, e a protagonista é representada pela vestimenta que lhe cobre a cabeça e boa parte do corpo. Ou seja, ela é a personagem coberta de vermelho, com a cabeça tomada de sangue e sexo. 
Essa versão de Perrault é explícita quanto ao assassinato da avó pelo lobo. Notem que, tanto nessa versão quanto na dos Irmãos Grimm, o lobo tem acesso fácil tanto à garota, na floresta, quanto a entrar na casa da avó, mas ele não machuca, ou come, ou mata Chapeuzinho na floresta. Nas duas versões ele faz questão de pegar a menina sem que ela saiba que é com ele que está falando, nas duas versões ele está travestido de vovó. Então pro lobo, não bastava pegar a garota, ele queria ganhar a sua confiança e por isso ele ocupa o lugar da avó, pra travar um diálogo com a garota antes do desfecho. O lobo representa todos os perigos que a floresta guardava, que aquele ambiente não totalmente conhecido oferecia aos moradores das redondezas. O lobo de Perrault não se contenta em matar a avó, mas ele some com o corpo, corta a carne em fatias e despeja o sangue numa garrafa, numa cena quase de sadismo. Pelo visto o caminho dos alfinetes, tomado por ele, é bem mais curto, pelo tempo que o lobo teve de agir. A mensagem aqui é que o perigo é astuto e anda rápido.
Disfarçado de avó, o lobo oferece a carne e o vinho para a criança, e espera que ela se alimente da vovó enquanto fica deitado, com o pijama da velha senhora. Então o lobo mata a vovó não pra comer a sua carne, porque a carne está ali ainda. O objetivo dele é a menina. E vinho oferecido pra criança? 
Enquanto a menina está comendo a carne e bebendo do sangue da avó, um gatinho a adverte sobre o erro do canibalismo. Ele chama a Chapeuzinho de “menina perdida”, que também é uma expressão usada pra mulheres que de alguma forma desobedecem as regras do patriarcado, dão as suas vidas um rumo diferente do esperado pela sociedade. Mas o gato não a avisa do lobo disfarçado, só critica a criança. Chapeuzinho não escuta o gato ou não entende, porque não faz nenhuma indagação ao que ele disse. A minha leitura partiu do livro Poéticas do mal, a literatura do medo no Brasil (1840-1920), de Júlio França, edição de 2017. França aponta, na pág. 43, que a função desse gato na narrativa parece ser a de se certificar que o ouvinte compreendeu o horror da situação.
Depois de alimentada da carne e do sangue da avó, a garota é convidada pelo lobo, que ela pensa que é a vovó, a tirar a roupa e deitar junto dele. Chapeuzinho pergunta onde colocar as peças de roupa que vai tirando, mas não questiona porque deve tirar a roupa ou porque pode queimá-las e não vai mais precisar delas, conforme o que o lobo diz. Ela vai tirando peça por peça, como em um striptease. Essa cena tem um teor sexualizado, sendo que se trata de uma criança fazendo o striptease. Por isso, pode ser uma leitura um tanto perturbadora. O erotismo dessa cena de pedofilia culmina em um assassinato, ou em um estupro, ou nos dois crimes. Mas vejam bem: não há indicação no conto, ou nessa tradução ao menos, da idade da Chapeuzinho, se ela é criança ou uma jovem mulher. Só que a mãe pede à menina para levar pão e leite à avó. Está no nosso imaginário, a partir da versão dos Grimm, que ela é criança. A versão de Perrault contempla o erotismo provavelmente por se destinar não a crianças, mas às damas adultas, freqüentadoras dos salões parisienses, que gostavam de narrar esses contos populares e essa versão chocante poderia fazer mais sucesso com esse público. Ainda nessa versão o corpo feminino está constantemente em perigo, seja o da jovem ou o da velha. E isso não mudou muito, apesar da distância espaço/tempo que estamos da sociedade em que viveu Charles Perrault: o corpo feminino precisa estar em constante alerta.
Ao contrário da versão dos Irmãos Grimm, em que a mãe alerta a menina para não falar com estranhos e ela morre porque desobedeceu, tendo conversado com o lobo no caminho, aqui a menina não descumpriu nenhum conselho. Seu erro foi ser imprudente e não ter sido crítica, não ter sido mais esperta em não responder ao lobo, ou mentir sobre o caminho, ou estranhar a avó. França entende que o conto termina com a constatação de que o mundo é extremamente perigoso. “Os contos populares mapeavam os caminhos do mundo e demonstravam a loucura de se esperar qualquer coisa, além de crueldade, da natureza e da ordem social. O que esses contos retratam, em última instância, são experiências de horror”. Esse conto, como muitos dos contos populares, nos passam a percepção de que o mundo era brutal e de que a vida era uma constante luta contra a morte. E será que isso mudou? A luta pode ter mudado, o lobo pode ter mudado, mas o bagulho continua doido!
Os Irmãos Grimm atenuaram a versão de Perrault. Como já foi mencionado, na versão deles, a mãe da garota que usa o capuz vermelho alerta para que ela leve os bolinhos pra vovó sem parar para conversar com ninguém, e que também não use a trilha da floresta, porque é muito perigoso. E Chapeuzinho desobedece a mãe, escolhendo caminhar pela trilha. Na versão deles existe uma explicação de porque o lobo não poderia atacar a menina ali, na floresta: porque o local estava cheio de lenhadores, que ouviriam os gritos dela e viriam em seu socorro. Por isso, ele precisava atacar em ambiente fechado, como a casa da vovó. Na versão dos Grimm, o lobo não pergunta qual caminho ela irá tomar, só pergunta onde é a casa da vovó. A Chapeuzinho não come nada e também não é convidada a tirar toda roupa. Mas a maior diferença em relação à versão de Perrault é o final: um lenhador estranha os roncos do lobo vindos da casa da vovó e abre a barriga do lobo com uma tesoura, retirando lá de dentro, intactas e vivas, a vovó e a menina. Livres do lobo, as duas sentam então para tomar um chá e aí vem a moral da história, com a vovó reforçando a lição da narrativa de nunca conversar com desconhecidos, se desviar do caminho ou desobedecer a mamãe. 
A Chapeuzinho de Perrault condensa os atributos do que era o ideal de mulher da sociedade em que estava inserido o escritor. Ela é vivaz e angelical. A sua vivacidade está representada na rebeldia de falar e dar informações ao lobo, o que também informa sobre seu lado angelical ou ingênuo. A trama mostra que a mulher que se comportasse dessa forma, apesar de atender a um ideal que a faria interessante, atraente, poderia resultar em punição com morte violenta. A personagem de Perrault é submissa e obediente em relação ao ser masculino, metaforizado na figura do lobo. A submissão feminina era uma característica normalizada na sociedade patriarcal do século XVII. O conto alerta sobre a necessidade de mulheres controlarem seus impulsos naturais, representado na narrativa pelo apreciar inocentemente o passeio pela floresta, conversar despreocupadamente com alguém que se aproxima, ser honesta, confiar, porque lobos amigáveis podem se revelar homens perversos, capazes de destruir a honra e a vida das mulheres que não estiverem constantemente alertas. De forma sutil, o conto ensina a moralidade.
Dentre os textos que eu pesquisei pra fazer o roteiro do episódio de hoje, utilizei a dissertação de mestrado “Releituras de Chapeuzinho Vermelho: Era uma vez... em outras vozes”, de Histávina Duarte Pereira, da UF de Goiás, campus Catalão, de 2014. Essa dissertação está acessível a todos no banco de dissertações e teses da Capes. Como sugestão literária, sugiro a leitura do conto Chapeuzinho Vermelho, do brasileiro Rubem Alves, de 2004.
No episódio de hoje li Chapeuzinho Vermelho, de Charles Perrault. No próximo episódio, vou trazer outra leitura ou alguma sugestão literária. Aguardem! Fiquem bem, usem máscara,álcool gel, não deem mole pra desconhecidos e não se desviem do caminho! Ou deem mole pra desconhecidos e conheçam novos caminhos, mas usem máscara! Um abraço!

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