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APONTAMENTOS QUANTO ÀS QUESTÕES DA TUTELA DO DIREITO AO PRÓPRIO CORPO Bianca Beatriz Davanzo Marcela Sousa Camargos Resumo Este artigo abordará um dos direitos da personalidade, sendo este o direito ao próprio corpo. Será exposta a variedade de situações que estão relacionadas ao assunto, bem como, as ponderações e cautelas que devem ser levadas em conta ao se analisar os dispositivos legais que o protegem. O tema é polêmico e delicado, principalmente quando se trata de situações concretas, afinal este não é autossuficiente para a realização do indivíduo, é necessário também que outros direitos fundamentais interfiram na sua tutela. Palavras-chave: Direito fundamental; Direito da personalidade; Direito ao próprio corpo; Autonomia da vontade; Liberdade Abstract This article addresses the rights of the personality, this being the right to own body. They will be exposed to a variety of situations that refer to an object, as well as weightings and cautions that are examined in accordance with the legal provisions that guard it. The issue is controversial and delicate, especially when it comes to concrete situations, after all it is not self-sufficient for an exercise of the individual, it is also necessary that other fundamental rights interfere in their guardianship. Keywords: Fundamental law; Right of personality; Right to own body; Autonomy of the will; Freedom 2 1 INTRODUÇÃO Vive-se hoje em um mundo em constante transformação, marcado pelo avanço da tecnologia e pela imersão de novos costumes. Diante disso é fundamental que o direito acompanhe tais mudanças. Para que isso ocorra de forma efetiva, é de suma importância que os direitos da personalidade sejam garantidos integralmente, uma vez que é a partir deles que se busca tutelar a dignidade humana garantida pela Constituição. No presente artigo busca-se abordar o direito ao próprio corpo à luz do Código Civil vigente, da Constituição da República de 1988 e da obra Direitos da Personalidade de Anderson Schreiber, de forma sucinta, uma vez que o tema é muito complexo e gera infinitas polêmicas. Num primeiro momento será feita uma breve introdução aos direitos da personalidade. Na sequência versar-se-á, especificamente, sobre o direito ao próprio corpo e sua implicação na delimitação da liberdade do indivíduo em seu convívio social. 2 DIREITOS DA PERSONALIDADE Durante a passagem para a contemporaneidade, no final do século XVIII, após as Revoluções Francesa e Industrial, viu-se emergir a classe burguesa e todos os seus ideais liberais, que se infiltraram não somente na esfera econômica, mas em todos os âmbitos sociais, inclusive no jurídico propondo uma dicotomia entre o direito público e o direito privado e fazendo com que o indivíduo modificasse a forma com que se colocava perante a sociedade. Nesse cenário, os índices de desigualdade econômica e social eram ainda mais exorbitantes do que os atuais, o que levava as pessoas a se submeterem a condições sub-humanas para tentar realizar minimamente suas necessidades. Diante disso percebeu-se que seria necessário não só proteger o indivíduo do Estado e de seus semelhantes, mas também salvaguardá-lo de si mesmo. Considerando que o Direito tem como principal objetivo amenizar os conflitos sociais, este se viu diante do desafio de tutelar essa nova ordem de valores. A solução encontrada, portanto, foi a criação dos direitos da personalidade. Assim, com base nos apontamentos de Hammerschmidt “predomina a doutrina da concepção dos direitos da personalidade como poderes que o indivíduo exerce sobre sua própria pessoa – ius in se ipsum. A subsistência da identidade biológica e psíquica de determinada pessoa está condicionada à posse de determinados bens ou valores de maneira que na ausência deles, embora se pudesse falar em existir um ente com vida biológica, não há que se falar em pessoa. Esses bens, denominados bens de personalidade, são essenciais, intrínsecos à pessoa, estando ligados a ela de modo íntimo e necessário, e de uma forma tal que se pode afirmar que tão fundamentais são eles, que a pessoa não tem condições de sem eles se desenvolver e exercer seu potencial, vindo a definhar. Por esse raciocínio, esses bens “são coisas que pertencem aos 3 correspondentes sujeitos, que delas têm de se valer necessariamente para lograr normal desenvolvimento de vivência social”.1 Atualmente, no Brasil, esse rol de direitos abarca matérias que dispõem da honra, da imagem, do nome e da identidade pessoal, da privacidade e do corpo do indivíduo. Todo o exposto é imprescindível para a efetivação da dignidade humana, prevista no art. 1º da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988: “Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: [...] III – a dignidade da pessoa humana”. 3 DIREITO AO PRÓPRIO CORPO No Brasil, a CF e o Código Civil de 2002 asseguram a proteção da integridade psicofísica do ser humano, porém, infelizmente, ela é restrita apenas a questão da disposição ao próprio corpo. Acerca do tema, discorre Pereira: “No conceito de proteção à integridade física inscreve-se o direito ao corpo, no que se configura a disposição de suas partes, em vida ou para decisão da morte, para finalidades científicas ou humanitárias, subordinando conteúdo à preservação da própria vida ou de sua deformidade”. 2 Cabe salientar ainda que atualmente fala-se em uma autonomia do sujeito perante o próprio corpo, porém vale ressaltar que esta é limitada, ou mesmo ilusória, uma vez que a sociedade ainda se vê presa a alicerces dogmáticos religiosos e morais. 3.1 ART. 13 DO CÓDIGO CIVIL O art. 13 do Código Civil busca regulamentar a questão da disposição do próprio corpo: “Art. 13. Salvo por exigência médica, é defeso o ato de disposição do próprio corpo, quando importar diminuição permanente da integridade física, ou contrariar os bons costumes”. 3.1.1 A VAGA QUESTÃO DOS “BONS COSTUMES” Tal dispositivo limita a autonomia da vontade do indivíduo. Uma vez que certas atitudes são condenadas, por exemplo, por contrariar os bons costumes. Tal expressão por ser tão mutável acaba por se tornar vaga, visto que não há uma única e definitiva interpretação acerca do que os caracteriza. Além disso, é fato que os “bons costumes” sempre foram um meio de controle social impregnado de tabus históricos, que muitas vezes criminalizam determinadas condutas que destoam 1 HAMMERSCHMIDT, Denise. Intimidade Genética & Direito da Personalidade. Curitiba: Juruá, 2007, p. 114-115. 2 PEREIRA, Caio Mario da Silva. Instituições de direito civil. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 250. 4 da ordem tradicional e da moral vigente. Isso é o que ocorre, por exemplo, nos artigos 122 e 187 do Código Civil3. Partindo dessa perspectiva, tem-se a problemática de que o indivíduo a todo o momento coloca sua integridade física em risco, contrariando a interpretação literal do artigo 13, contudo, certas atitudes são socialmente aceitas, tornando o artigo parcialmente ineficaz. É o que explicita Carlos Alberto Bittar: “embora riscos enormes existam, tanto para saúde, como para a própria vida, a aceitação pela sociedade e pelos participantes acabou por legitimar a sua existência, recebendo, inclusive, cada qual, regulamentação própria (assim, as corridas de automóvel, as lutas de boxe e demais esportes em que o perigo e a violência são elementos intrínsecos). Com a adesão aos seus regulamentos e a prática correspondente, a pessoa fica por, pois, sujeita aos riscos advindos, podendo, conssentidamente, sofrer as consequências em seu físico, em sua saúde ou em sua mente (exposição consentidaao perigo de lesão), mas que com as cautelas que cercam a respectiva prática e os limites de ação delineados para cada tipo. As mesmas ponderações cabem com relação ao exercício de funções ou de trabalhos perigosos, em que a pessoa perde a outrem a sua energia mental e física, em contrapartida à remuneração ajustada, expondo-se aos riscos inerentes à atividade, para o entretenimento de outrem (como circos, em teatros, em arenas e em outros meios), ou, mesmo, para a produção de bens ou de serviços à coletividade (nos serviços e nas atividades perigosas em geral, por natureza, ou em função dos meios utilizados, como os de bombeiro e de empresas e entidades que operam com explosivos, eletricidade, material radioativo, mineração). Nesses casos, compete ao responsável tomar todas as providências tendentes a evitar ou a minimizar os riscos, na proteção da higidez física e mental desenvolvidas, com a adoção de dispositivos de segurança aptos (prevendo a legislação de acidentes do trabalho, para as indústrias em geral, mecanismos próprios para cada setor, sob o controle das autoridades estatais da área)”. 4 Em contrapartida, no que tange a comportamentos “desviantes” existem muitas limitações, tabus e rotulações. Têm-se como exemplos as questões de body art, body modification e a cirurgia de mudança de sexo5, que quando são limitadas afetam a integridade psíquica dos indivíduos. As dimensões física e psíquica de um indivíduo são uma unidade, dessa maneira, o artigo 13 falha ao tutelar especificamente a integridade física sem considerar os efeitos que a mesma gera na integridade psíquica. 3 Art. 122. São lícitas, em geral, todas as condições não contrárias à lei, à ordem pública ou aos bons costumes; entre as condições defesas se incluem as que privarem de todo efeito o negócio jurídico, ou o sujeitarem ao puro arbítrio de uma das partes; Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes. 4 BITTAR, Carlos Alberto. Os direitos da Personalidade. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2006, p. 75-76. 5 STJ, Recurso Especial 2004/0098083-5, Relator Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, julgado em 22/03/2007. 5 Quanto a isso, discorre Pietro Perlingieri: “[...] a integridade da pessoa tem uma unidade problemática, dado que único é o bem ou interesse protegido. Seja o perfil físico, seja aquele psíquico, ambos constituem componentes indivisíveis da pessoa humana. A tutela de um desses perfis traduz-se naquela da pessoa no seu todo, e a disciplina na qual consiste essa tutela é, de regra, utilizável também para cada um de seus aspectos”. 6 3.1.2 A PROBLEMÁTICA DA EXPRESSÃO “EXIGÊNCIA MÉDICA” Outro aspecto a ser questionado no art. 13 diz respeito à determinação de que a violação permanente à integridade física é autorizada por meio de “exigência médica”. Tal termo é insuficiente, pois pode significar tanto um rigor terapêutico quanto uma mera recomendação, o que gera insegurança diante da multiplicidade de situações que ocorrem na sociedade. Em situações como a da implantação de próteses de silicone, se a expressão fosse interpretada a luz do primeiro sentido, tratar-se-ia de um procedimento ilícito, uma vez que se trata apenas de um aspecto estético. Todavia, atualmente tratamentos estéticos permanentes, como esse, são cada vez mais comuns. Cabe ressaltar ainda que o artigo eleva a exigência médica a um patamar superior às premissas éticas e jurídicas, tratando a questão da autodisposição do corpo, algo extremamente íntimo e subjetivo, como um rigor puramente técnico. Nesse sentido é válido o exemplo das cirurgias de mudança de sexo, que só podem ser autorizadas por profissionais médicos exigindo-se o diagnóstico de “disforia de gênero” a fim de tratar “casos de transexualismo”. Lamentavelmente, fica clara a divisão entre o âmbito físico e psíquico feita pelo artigo 13, sendo que este último não é considerado relevante num caso que diz respeito puramente a garantia da dignidade humana. Quanto a isso, observa Agacinski: “Aquele – ou aquela – que pretende “mudar de sexo”, isto é, encomendar a um, cirurgia a confecção de um sexo físico de acordo com o seu “verdadeiro gênero”, para substituir aquele que lhe foi conferido ao nascer, leva a divisão física ao nível mais íntimo da alma. Ele experimenta o caráter imperioso e inato de sua identidade profunda: sua “alma”, ele diz, é uma alma de mulher em um corpo de homem – ou vice-versa. Ele parece considerar que as almas são mais imperativamente sexuadas do que os corpos. Mas através de uma demanda de transformação física, os transexuais revelam, por vezes de maneira patética, sua necessidade de definição sexual, tanto psíquica quanto anatômica e social: eles precisam se ornar 6 PERLINGIERI, Pietro. Perfis do Direito Civil: Introdução ao Direito Civil Constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2007, p. 159. 6 com todos atributos reais ou simbólicos do gênero que querem ter.... Ou melhor, que eles querem ser, tamanha a sua necessidade de uma identidade sexual única”. 7 3.1.3 DESPROTEÇÃO DE PARTES REGENERÁVEIS DO CORPO Ao referir-se a lesão corporal permanente, o artigo 13 prioriza a tutela das partes irrecuperáveis, deixando as partes regeneráveis, como o sangue e a saliva, desamparadas legalmente. Isso é extremamente perigoso, visto que é cada vez maior o número de procedimentos que se utilizam desses materiais, como a fecundação in vitro, exames de DNA e mapeamento genético. Outro aspecto importante a ser considerado é o referente à doação de órgãos em vida. Apesar de tratar-se de um procedimento que causa lesão corporal definitiva, ele é protegido por uma legislação especial. A Lei 9.434/97, regulamentada pelo decreto 2.268/97, em seu artigo 9º estabelece: “Art. 9o. É permitida à pessoa juridicamente capaz dispor gratuitamente de tecidos, órgãos e partes do próprio corpo vivo, para fins terapêuticos ou para transplantes em cônjuge ou parentes consanguíneos até o quarto grau, inclusive, na forma do § 4o deste artigo, ou em qualquer outra pessoa, mediante autorização judicial, dispensada esta em relação à medula óssea. [...] § 3º Só é permitida a doação referida neste artigo quando se tratar de órgãos duplos, de partes de órgãos, tecidos ou partes do corpo cuja retirada não impeça o organismo do doador de continuar vivendo sem risco para a sua integridade e não represente grave comprometimento de suas aptidões vitais e saúde mental e não cause mutilação ou deformação inaceitável, e corresponda a uma necessidade terapêutica comprovadamente indispensável à pessoa receptora”. É relevante também o parágrafo 4º do art. 199 da CF que proíbe a comercialização de qualquer parte do corpo, a fim de combater o chamado Mercado Humano: “§ 4º A lei disporá sobre as condições e os requisitos que facilitem a remoção de órgãos, tecidos e substâncias humanas para fins de transplante, pesquisa e tratamento, bem como a coleta, processamento e transfusão de sangue e seus derivados, sendo vedado todo tipo de comercialização”. 3.2 ART. 14 DO CÓDIGO CIVIL O art. 14 tutela a disposição do próprio corpo post mortem: “Art. 14. É válida, com objetivo científico, ou altruístico, a disposição gratuita do próprio corpo, no todo ou em parte, para depois da morte. Parágrafo único. O ato de disposição pode ser livremente revogado a qualquer tempo”. 7 AGACINSKI, Sylviane. Política dos Sexos. Oeiras: Celta, 1998, p 17. 7 Esse dispositivo torna parcialmente ineficaz a Lei 10.211/2001 que dispõe sobre a remoção de partes do corpo humano para fins de transplante e tratamento, eera interpretada de forma que, mesmo quando o falecido deixasse autorização expressa para o transplante, deveria haver assentimento dos familiares. Tal determinação é contra o valor constitucional da dignidade humana, uma vez que impede a realização plena da autonomia da vontade do indivíduo. Nesse contexto, o artigo 14 traz uma proposta mais eficiente e justa ao promover de forma mais efetiva a dignidade humana, afinal ele abre a possibilidade de que a vontade do morto seja plenamente respeitada.8 Contudo, a perspectiva patrimonialista do Código Civil ainda persiste em algumas vertentes da doutrina, pois, embora não seja legal, tem-se a ideia de que o corpo morto é propriedade da família e a vontade da mesma é que deve ser respeitada. Todavia, é preciso ressaltar que o cadáver é um objeto não patrimonial do direito privado, o que faz com que, dependendo da situação, seja necessário que pessoas que não pertencem ao âmbito familiar possam intervir na reconstrução da vontade do falecido. Porém, costumeiramente os parentes mais próximos, como o cônjuge, é que são consultados em razão do respeito aos laços afetivos envolvidos. Sabe-se, no entanto, que de acordo com o artigo 1º da CF, a dignidade humana foi eleita como princípio basilar para qualquer outra norma. Dessa maneira, mesmo que não haja uma manifestação escrita do falecido, deve-se buscar reconstruir sua vontade e efetivamente realizá-la independente de qual seja a finalidade (científica, artística e cultural; doação de órgãos...) de acordo com as normas de saúde pública. 3.3 ART. 15 DO CÓDIGO CIVIL O artigo 15 versa sobre a autonomia da vontade perante o direito a vida: “Art. 15. Ninguém pode ser constrangido a submeter-se, com risco de vida, a tratamento médico ou a intervenção cirúrgica”. 3.3.1 AUTONOMIA DA VONTADE E RECUSA DE TRATAMENTO Diante do exposto, observa-se uma falha no momento em que o legislador sugere que quando não há risco de vida para o paciente, ele deve ser submetido ao tratamento, ferindo a dignidade humana e, consequentemente, a ideia original do artigo, que é a de preservar a autonomia da vontade do indivíduo. Contudo, é fato que esse tipo de conduta não se faz legalmente presente no ordenamento brasileiro. 8 TJRJ, Apelação 00576066120128190001, Relatora Des. Ines da Trindade Chaves de Melo, julgado em 13/06/2012. 8 Partindo dessa perspectiva, desde situações em que o tratamento vai contra os valores ético-religiosos-morais do paciente, até casos extremos em que a tentativa de cura é extremamente degradante, a submissão a este cabe somente ao enfermo, desde que este esteja consciente das consequências de seus atos. Quanto a isso, “[...] em uma época consciente, mais que nunca, dos limites do científico e das ameaças de atentado à dignidade humana, a obstinação terapêutica surge como um ato profundamente anti-humano e atentatório à dignidade da pessoa e a seus direitos mais fundamentais”. 9 3.3.2 EUTANÁSIA, ORTOTANÁSIA E DISTANÁSIA A eutanásia no Brasil é ilegal. Para Coelho, “o termo eutanásia, hodiernamente passou a ser utilizado para designar a morte deliberada de uma pessoa que sofre de enfermidade incurável ou muito penosa, tendo vista como meio para suprir a agonia demasiadamente longa e dolorosa do, então chamado, paciente terminal”.10 Visto isso, independente da situação a eutanásia é comparada ao homicídio tipificado no art. 121 do Código Penal vigente. Vale ressaltar que pode ocorrer também a ortotanásia, também chamada de eutanásia passiva, que não provoca diretamente a morte do paciente, uma vez que este processo já está em desenvolvimento. Isto é, o médico contribui para o seguimento natural da morte. 11 Em oposição ao que acaba de ser exposto, a distanásia é o prolongamento artificial do processo da morte inevitável, que pode ou não provocar maior sofrimento ao enfermo, sem a mínima certeza de que o quadro será revertido. 12 3.2.3 TESTAMENTO BIOLÓGICO E A GARANTIA À MORTE DIGNA O testamento biológico é o meio pelo qual uma pessoa deixa sua vontade de se submeter ou não a determinados tratamentos médicos, registrada, antecipadamente, buscando evitar que terceiros decidam por ela numa situação extrema e de inconsciência. 13 No ordenamento brasileiro, quando o indivíduo está em tal situação e não deixa nenhum estamento biológico, cabe, normalmente, a seus familiares decidir o que deve ser feito. O correto 9 BORGES, Roxana Cardoso Brasileiro. Eutanásia, ortonátanasia e distanásia: breves considerações a partir do biodireito brasileiro. Teresina: Jus Navigandi, 2005. 10 COELHO, Milton Schmitt. Eutanásia: uma análise a partir de princípios éticos e constitucionais. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=2412>. Acesso em: 08 dez 2016. 11 OLIVEIRA, Lilian Carla de; JAPAULO, Maria Paula. Eutanásia e o direito à vida. Disponível em: <http://ultimainstancia.uol.com.br/ensaios/ler_noticia.php?idNoticia=19041>. Acesso em: 08 dez 2016. 12 DODGE, Raquel Elias Ferreira. Eutanásia – Aspectos Jurídicos. Disponível em: <http://www.portalmedico.org.br/revista/bio1v7/eutaspectos.htm>. Acesso em: 08 dez 2016. 13 SCHREIBER, Anderson. Direitos da Personalidade. São Paulo: Atlas, 2011, p. 61. 9 seria que se tentasse reconstruir ao máximo a vontade do paciente a partir de suas perspectivas de vida, porém, muitas vezes, motivados por conflitos de valores e interesses patrimoniais isso não ocorre. O que é indiscutível, portanto, é que se deve, em todas as situações, preservar a dignidade humana prevista constitucionalmente. Dessa maneira, o que se busca não é um direito à vida, mas sim um direito à vida digna e consequente à morte digna. Tem-se ainda a problemática de que como a questão da dignidade é algo muito subjetivo e destarte, conforme busca defender o art. 15, o que deve prevalecer é a autonomia da vontade do indivíduo perante a disposição de seu próprio corpo. 4 CONCLUSÃO Por meio da análise outrora feita é possível verificar a necessidade da existência de limitações para a disposição do próprio corpo. Afinal, não se deve levar em conta apenas o direito fundamental à liberdade do indivíduo, mas também o direito à vida e, sobretudo, o princípio da dignidade humana. O Código Civil ao tentar ponderar esses alicerces fundamentais, transgride-os ora por excesso, ora por insuficiência. O artigo 13 exemplifica bem essa situação, uma vez que restringe muito o uso do corpo baseando-se em costumes e exigências médicas, ao mesmo tempo em que afasta sua tutela das partes regeneráveis do corpo. Uma possível solução para essa dubiedade seria equilibrar os direitos norteadores da disposição do próprio corpo utilizando-se de dispositivos claros, para evitar interpretações errôneas, e também flexíveis, para acompanhar as constantes transformações sociais. O desafio do legislador é, portanto, alcançar esse feito garantindo a segurança jurídica ao invés de perpetuar a vagância dos conceitos. Vale ressaltar que o presente exposto não esgota o tema devido sua complexidade e variedade. Aquele busca, na verdade, instigar o leitor a aprofundar seus estudos e explorar soluções para os problemas referentes à temática. Embora possa surgir uma sensação de impotência ao ver-se imerso nessa totalidade de problemas, é importante que ela seja, de fato, usada como um ponto de propulsão para os interessados, para que mudanças efetivas possam acontecer no cenário jurídico brasileiro. 10 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AGACINSKI, Sylviane. Política dos Sexos. Oeiras: Celta, 1998. BITTAR, Carlos Alberto. Os direitos da Personalidade. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2006. BORGES, Roxana Cardoso Brasileiro. Eutanásia, ortonátanasia e distanásia: breves consideraçõesa partir do biodireito brasileiro. Teresina: Jus Navigandi, 2005. COELHO, Milton Schmitt. Eutanásia: uma análise a partir de princípios éticos e constitucionais. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=2412>. Acesso em: 08 dez 2016. DODGE, Raquel Elias Ferreira. Eutanásia – Aspectos Jurídicos. Disponível em: <http://www.portalmedico.org.br/revista/bio1v7/eutaspectos.htm>. Acesso em: 08 dez 2016. HAMMERSCHMIDT, Denise. Intimidade Genética & Direito da Personalidade. Curitiba: Juruá, 2007. OLIVEIRA, Lilian Carla de; JAPAULO, Maria Paula. Eutanásia e o direito à vida. Disponível em: <http://ultimainstancia.uol.com.br/ensaios/ler_noticia.php?idNoticia=19041>. Acesso em: 08 dez 2016. PEREIRA, Caio Mario da Silva. Instituições de direito civil. Rio de Janeiro: Forense, 2008. PERLINGIERI, Pietro. Perfis do Direito Civil: Introdução ao Direito Civil Constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2007. SCHREIBER, Anderson. Direitos da Personalidade. São Paulo: Atlas, 2011.
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