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João Martins Tude Daniel Ferro Fabio Pablo Santana Tatiane Antonovz IESDE BRASIL S/A Curitiba 2016 Gestão de Políticas Públicas CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ T827g Tude, João Martins Gestão de políticas públicas / João Martins Tude , Daniel Ferro , Fabio Pablo Santana , Tatiane Antonovz. - 1. ed. - Curitiba, PR : IESDE BRASIL S/A, 2016. 196 p. : il. ; 21 cm. ISBN 978-85-387-6155-6 1. Administração pública. I. Ferro, Daniel. II. Santana, Fabio Pablo. III. Título. 16-29338 CDD: 352 CDU: 352 Direitos desta edição reservados à Fael. É proibida a reprodução total ou parcial desta obra sem autorização expressa da Fael. © 2016 – IESDE Brasil S/A. É proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo, sem autorização por escrito dos autores e do detentor dos direitos autorais. Todos os direitos reservados. IESDE BRASIL S/A. Al. Dr. Carlos de Carvalho, 1.482. CEP: 80730-200 Batel – Curitiba – PR 0800 708 88 88 – www.iesde.com.br Produção FAEL Direção de Produção Fernando Santos de Moraes Sarmento Coordenação Editorial Raquel Andrade Lorenz Revisão IESDE Projeto Gráfico Sandro Niemicz Capa Evelyn Caroline dos Santos Betim Imagem Capa Digital Storm/Shutterstock.com Arte-final Evelyn Caroline dos Santos Betim Sumário Carta ao Aluno | 5 1. Conceitos gerais de Políticas Públicas | 7 2. A elaboração de Políticas Públicas: processos de formulação, implementação e avaliação | 35 3. Controle e monitoramento social de Políticas Públicas no Brasil | 61 4. Políticas Públicas no Brasil: o caso das políticas de habitação | 87 5. Políticas Públicas no Brasil: educação, saúde, trabalho e renda, meio ambiente e moradia | 115 6. Novos campos de estudo de Políticas Públicas: a política externa enquanto Política Pública | 139 7. A crise do Estado de Bem-Estar Social com relação às políticas públicas no contexto neoliberal | 157 Gabarito | 175 Referências | 183 Carta ao aluno A preocupação com o bem-estar social marcou o Estado no seculo XX. Nesse contexto, surgiram as Políticas Públicas, enquanto meio para atender as demandas especificas da sociedade e também como disciplina acadêmica e área de estudo. Os estudos de Políticas Públicas estão difundidos em diversos países e são de grande valia para o planejamento das ações dos governos, seja em nível municipal, estadual ou federal, das empresas e até mesmo dos cidadãos comuns. Com a evolução dos estudos sobre Políticas Públicas, tal campo vem se ampliando e diversificando, englobando uma grande quantidade de conceitos e teorias. Também são diversas as áreas do conhecimento que se debruçam sobre os estudos das Políticas Públi- cas: Administração, Ciências Políticas, Direito, Relações Internacio- nais, Economia, entre outras. Tais fatos nos evidenciam a importân- cia dos estudos sobre as Políticas Públicas. Visando introduzir o aluno ao universo dos estudos das Polí- ticas Públicas, buscaremos expor conceitos e teorias gerais importan- tes para os estudos das Políticas Públicas, assim como entender quais as principais razões motivadoras de se estudar as Políticas Públicas, os diferentes tipos de atores sociais e instituições envolvidos no processo – 6 – Gestão de Políticas Públicas de formulação, implementação e avaliação das Políticas Públicas e os princi- pais tipos de políticas adotadas pelo governo. Bucaremos também explicar como funciona o policy cycle, ou seja, o ciclo das Políticas Públicas, incluindo cada uma de suas fases, e analisar quais são os elementos constituintes do mesmo que interferem no desenvolvimento desse processo. E ainda, apresentar e refletir sobre o histórico, os meios, os mecanis- mos e as limitações da participação da sociedade civil brasileira no controle/ monitoramento de Políticas Públicas. Abordaremos o caso das politicas de habitação” – objetiva-se refletir sobre a formulação e implementação de Políticas Públicas no Brasil, a partir da análise do caso das políticas habitacionais. Vale a pena ressaltar que sabe-se que a formu- lação e implementação de outros tipos de políticas, como as de saúde, de edu- cação, de distribuição e renda, entre outras, guarda especificidades. Entretanto, entendemos que, de maneira geral, a formulação e implementação das Políticas Públicas guardam grandes semelhanças na sua lógica a depender do governo e período histórico brasileiro. Na sequência, objetivamos expor a perspectiva de abertura do campo de Políticas Públicas a partir do entendimento da política externa como política pública. Veremos de que forma a expansão do campo de estudos de Políticas Públicas e os processos de globalização e redemocratização política influencia- ram as novas abordagens da política externa. Veremos quais as características particulares da política externa como campo de estudos e como objeto do jogo político no seio do Estado, buscaremos analisar também de que maneira é possí- vel entendê-la enquanto política pública semelhante as políticas públicas domés- ticas, e analisaremos o caso brasileiro buscando compreender como esse processo de politização da política externa se desenvolveu em nosso país. Finalizando o material, serão abordados o conceito Bem-Estar Social e o papel do Estado como provedor dos direitos mínimos para os cidadãos, discu- tindo os diferentes modelos e fundamentos, também como alguns países apli- cam ou aplicaram o Estado de Bem-Estar Social, incluindo os países Latino Americanos, com ênfase nas práticas observadas no Brasil. Outro tema é o Neo- liberalismo, conceitos, evolução no contexto do capitalismo, a relação com o conceito de Bem-Estar Social e de suas principais práticas, e, por último, vere- mos os fundamentos da atual crise do Neoliberalismo. Conceitos gerais de Políticas Públicas 1.1 As Políticas Públicas e o seu estudo O estudo do papel e das ações do Estado não é novidade na história humana. Desde os filósofos e pensadores da Antiguidade que a humanidade debruça-se na reflexão sobre o que o Estado “faz ou deixa de fazer”, sobre como são tomadas as decisões políticas e sobre quais as obrigações e direitos dos governantes e governados. Mas, no decorrer dos séculos, essas perspectivas foram se modifi- cando em decorrência do próprio desenvolvimento político das sociedades e das formas de governo que iam se consolidando ao longo do tempo. 1 Gestão de Políticas Públicas – 8 – Nos séculos XVIII e XIX, por exemplo, as principais funções do Estado restringiam-se à manutenção da segurança pública interna e da preservação da propriedade privada e à defesa das fronteiras em caso de ataque externo advindo de outros Estados. No século seguinte, com o adensamento e expan- são cada vez mais crescente da democracia, as responsabilidades e funções do Estado também se diversificaram e expandiram. O século XX é marcado pelo surgimento de uma nova e importante função do Estado, a promoção do bem-estar social. Essa nova demanda social, o bem-estar, requer do Estado uma atuação diferenciada e mais diretamente ligada aos problemas cotidia- nos da sociedade. É nesse contexto que surgem as Políticas Públicas, com o objetivo de dar respostas a demandas específicas da sociedade. Enquanto disciplina acadêmica e área do conhecimento, as Políticas Públicas têm sua origem nos Estados Unidos em meados do século XX. Políticas Públicas, tradicionalmente, compreendem o conjunto das deci- sões e ações propostas geralmente por um ente estatal, em uma determinada área (saúde, educação, transportes, reforma agrária etc.), de maneira discri- cionária ou pela combinação de esforços com determinada comunidade ou setores da sociedade civil. Contudo, destaca-se que o conceito de Políticas Públicas tem evoluído ao longo do tempo, sobretudona Ciência Política. Inicialmente, considera- vam-se as Políticas Públicas quase exclusivamente como outputs do sistema político, ou seja, as ações executadas por um ente estatal a partir de demandas captadas, negociadas e transformadas da sociedade; sendo que a ciência polí- tica se preocupava em estudar somente os inputs, que eram essas demandas da sociedade responsáveis pela formação desses outputs. Entretanto, com a evolução desta ciência, as Políticas Públicas começa- ram a ser concebidas como unidade de análise, sendo estudado o seu processo como um todo (inputs + outputs). Dessa forma, os estudos nessa temática pas- saram a se ocupar em entender desde a origem até a formação final das Políticas Públicas, abordando todos os atores envolvidos para o seu desenvolvimento. De Faria (2003) faz uma interessante análise da evolução do conceito de Políticas Públicas que evidencia a complexificação do processo por conta da participação de novos atores frente ao mesmo. Ela argumenta que inúmeros trabalhos científicos têm apontado para diversas formulações desse conceito. – 9 – Conceitos gerais de Políticas Públicas Segundo ela, os processos cada vez mais complexos, bem como a participação de novos atores nesses processos teriam deixado os modelos tradicionais de análise incapazes de interpretar essa nova realidade. A seguir é destacado um trecho importante em que se encontra esse pensamento: Nas duas últimas décadas, porém, os estudos acerca da interação entre os atores estatais e privados no processo de produção das Políticas Públicas têm sofrido significativas formulações. Uma grande varie- dade de pesquisas empíricas e de ensaios de natureza teórico-concei- tual tem demonstrado a incapacidade dos modelos tradicionais de interpretação dos mecanismos de intermediação de interesses, como o pluralismo, o corporativismo, o marxismo, em suas várias derivações, de dar conta da diversificação e da complexificação desses processos, muitas vezes marcados por interações não hierárquicas e por um baixo grau de formalização no intercâmbio de recursos e informações, bem como pela participação de novos atores, como, por exemplo, organi- zações não governamentais de atuação transnacional e redes de espe- cialistas. (DE FARIA, 2003, p. 21) Na atualidade, diante da diversidade de conceitos de Políticas Públicas, destaca-se o de Teixeira (2002). Ele desenvolve um conceito que aborda ele- mentos de uma definição clássica (alocação de recursos públicos e desenvol- vimento de ações a partir de regras definidas pelo Estado e sociedade), mas atenta também para a omissão em determinadas ações que fazem parte das Políticas Públicas. Dessa maneira, para Teixeira (2002, p. 3) Políticas Públicas [...] são diretrizes, princípios norteadores de ação do Poder Público; regras e procedimentos para as relações entre Poder Público e sociedade, mediações entre atores da sociedade e do Estado. São, nesse caso, polí- ticas explicitadas, sistematizadas ou formuladas em documentos (leis, programas, linhas de financiamentos) que orientam ações que normal- mente envolvem aplicações de recursos públicos. Nem sempre, porém, há compatibilidade entre as intervenções e declarações de vontade e as ações desenvolvidas. Devem ser consideradas também as “não ações”, as omissões, como formas de manifestação de políticas, pois representam opções e orientações dos que ocupam cargos. Os estudos de Políticas Públicas estão difundidos em diversos países e são de grande valia para o planejamento das ações dos governos, seja em nível municipal, estadual ou federal, das empresas e até mesmo dos cidadãos comuns. Neste capítulo buscaremos entender quais as principais razões motiva- doras de se estudar as Políticas Públicas e os diferentes tipos de atores sociais Gestão de Políticas Públicas – 10 – e instituições que se ocupam de sua análise. Posteriormente passaremos ao esforço de conceituação e discussão semântica do termo “política” e suas diver- sas dimensões interpretativas, e especificamente do termo “Políticas Públicas”. Veremos, ainda, as diferenças entre os diversos atores envolvidos nos processos de formulação, implementação e avaliação de Políticas Públicas. Analisaremos os principais tipos de políticas adotadas pelo governo classificando-as de acordo com suas consequências tanto no processo de formulação como no processo de implementação e, por fim, verificaremos as interpretações das diversas correntes teóricas que se ocupam desse campo de estudos. 1.2 Por que estudar Políticas Públicas? Diversas são as razões que impulsionam os diferentes atores sociais a se debruçarem sobre os estudos de Políticas Públicas, mas dentre elas destaca- mos três razões principais: razões científicas (universidades, grupos de pes- quisa, acadêmicos etc.), razões profissionais (organizações sindicais, empresas e corporações comerciais e industriais, técnicos e especialistas em diversos segmentos sociais etc.) e razões políticas (lideranças comunitárias, lideranças políticas, organizações não governamentais etc.). 1.2.1 Razões científicas As razões científicas para o estudo das Políticas Públicas devem-se à importância adquirida por essa matéria principalmente nas democracias oci- dentais modernas. A possibilidade de prever os impactos da ação do Estado sobre a sociedade movimenta cientistas, notadamente do campo das ciên- cias humanas (cientistas políticos, sociólogos, administradores, antropólogos, economistas etc.) que têm por objetivo criar modelos que possam auxiliar tanto o Estado quanto a sociedade no processo de formulação, implementa- ção e avaliação de Políticas Públicas, além de fornecer instrumental explica- tivo dos fenômenos sociais que envolvem esse campo. Assim entendemos que, [...] o pressuposto analítico que regeu a constituição e a consolidação dos estudos sobre Políticas Públicas é o de que, em democracias está- veis, aquilo que o governo faz ou deixa de fazer é passível de ser (a) – 11 – Conceitos gerais de Políticas Públicas formulado cientificamente e (b) analisado por pesquisadores indepen- dentes. A trajetória da disciplina, que nasce como subárea da ciência política, abre o terceiro grande caminho trilhado pela ciência polí- tica norte-americana no que se refere ao estudo do mundo público. (SOUZA, 2006, p. 22) Uma análise científica das Políticas Públicas passa pela verificação de pelo menos duas variáveis explicativas: uma variável dependente e uma vari- ável independente. 2 Variável dependente: refere-se a quais forças sociais e quais carac- terísticas do sistema político influenciam o conteúdo das políticas. 2 Variável independente: refere-se aos impactos das Políticas Públicas sobre a sociedade e sobre o sistema político. 1.2.2 Razões profissionais As razões profissionais para o estudo das Políticas Públicas geralmente relacionam-se com a utilização dos conhecimentos adquiridos para resolução de problemas práticos. O estudo das Políticas Públicas é muito importante para tomada de decisões e planejamento das empresas e corporações comer- ciais e industriais, pois estas se utilizam dos estudos de Políticas Públicas para prever os impactos das ações do Estado sobre a sociedade e assim planejar suas ações no curto e médio prazo principalmente. Além das questões relacionadas à economia, os estudos de Políticas Públicas dão base para a ação de profissionais responsáveis por prover solu- ções imediatas para problemas sociais: técnicos em segurança pública, técni- cos em planejamento sanitário, técnicos em planejamento urbano, técnicos em saúde pública, técnicos em educação etc. 1.2.3 Razões políticas A principal razão política para o estudo das Políticas Públicas está em elevar o grau de conscientização da sociedade em torno das interferências do Estado na vida social e, dessa maneira, aumentara qualidade das Políticas Públicas. Através da explanação detalhada das políticas adotadas pelo Estado, o estudo das Políticas Públicas proporciona o instrumental necessário para Gestão de Políticas Públicas – 12 – acender a discussão política e, dessa forma, tornar mais eficaz o resultado das Políticas Públicas, além de aproximar através da informação a sociedade das ações do Estado. 1.3 Conceitos centrais no estudo das Políticas Públicas A análise de Políticas Públicas passa necessariamente pelo entendimento dos diversos conceitos imbricados nessa matéria multidisciplinar e multiface- tada das ciências humanas. De acordo com Frey (2000), o termo “política” em língua inglesa possui três dimensões de significação: uma dimensão insti- tucional (polity), uma dimensão processual (politics) e uma dimensão material (policy/policies). 2 A dimensão institucional (polity): como o próprio termo já diz, essa dimensão do conceito de “política” na língua inglesa se refere ao ordenamento institucional do sistema político, às disposições jurídicas a que está sujeito e à estrutura institucional do sistema político-administrativo. 2 A dimensão processual (politics): refere-se ao processo político como comumente entendemos, às relações conflituosas entres os diversos atores políticos, partidos e agentes do governo, diz respeito aos objetivos a serem alcançados, aos conteúdos e às decisões de distribuição de poderes. 2 A dimensão material (policy): faz referência ao que entendemos como políticas (no plural), ou mais especificamente Políticas Públi- cas. São os conteúdos concretos da ação política, isto é, o resultado material dos chamados programas políticos ou planos de governo, são as resoluções do Estado para os problemas técnicos e mais ime- diatos da sociedade em sua concepção mais material. Apesar da importância teórica desses conceitos para a compreensão mais clara do que são as Políticas Públicas, na prática eles não podem ser dissocia- dos. Temos sempre de levar em conta que todas essas dimensões estão inter- -relacionadas e emergem de modo mais ou menos acentuado na ação política sempre entrelaçadas e influenciando-se mutuamente. – 13 – Conceitos gerais de Políticas Públicas O que veremos agora é a conceituação geral de cada uma dessas dimen- sões além de outros conceitos essenciais para compreensão das Políticas Públi- cas, sejam eles: politics, polity e policy/policies, policy network, policy arena e policy cycle. 1.3.1 Politics A politics pode ser entendida como a dimensão processual da política. É o âmbito dos caminhos (e descaminhos) pelos quais uma decisão política tem de passar, representa as instâncias decisórias do processo político, é nesse âmbito onde os diversos atores envolvidos no processo decisório possuem maiores pos- sibilidades de intervenção, tanto os policy makers (formuladores de políticas) quanto os demais atores sociais interessados nas decisões políticas. 1.3.2 Polity A polity seria a dimensão institucional da política. O conjunto de procedi- mentos, nos mais diversos níveis, formais e informais, que expressam relações de poder e que têm por objetivo a resolução dos conflitos no seio do Estado (entre diversas instâncias do poder) para melhor alocação dos recursos públicos. Podemos entender instituições políticas como, [...] padrões regularizados de interação, conhecidos, praticados e em geral reconhecidos e aceitos pelos atores sociais, se bem que não necessariamente por eles aprovados.[...] São produtos de processos políticos de negociação antecedentes, refletem as relações de poder existentes e podem ter efeitos decisivos para o processo político e seus resultados. (PRITTWITZ apud FREY, 2000, p. 232). 1.3.3 Policy/policies É no conceito de policy/policies que iremos encontrar a definição mais equivalente ao que entendemos como Políticas Públicas, ou mesmo “políti- cas” no plural. As policies são outputs (saídas), resultantes da atividade política, da dimensão procedimental da política (politics): faz referência aos conteúdos mais objetivos da política, ou seja, à materialização das propostas inseridas Gestão de Políticas Públicas – 14 – nos programas políticos, relaciona-se com os problemas técnicos e com o conteúdo material das decisões políticas. 1.3.4 Policy network A policy network pode ser entendida como o processo de inter-relações entre os diversos atores envolvidos na formulação/implementação de Políticas Públicas, são as redes que interligam esses atores e por onde a discussão política transita. De acordo com Miller, 1994, p. 379 (apud FREY, 2000, p. 221), Conforme uma definição de Heclo, entende-se por um “policy network” as “interações das diferentes instituições e grupos tanto do executivo, do legislativo como da sociedade na gênese e na implemen- tação de uma determinada policy” [Heclo, 1978, p. 102]. Segundo Miller, trata-se no caso de “policy networks” de redes de relações sociais que se repetem periodicamente, mas que se mostram menos formais e delineadas do que relações sociais institucionalizadas, nas quais é prevista uma distribuição concreta de papéis organizacionais. Todavia, essas redes sociais evidenciam-se suficientemente regulares, para que possa surgir confiança entre seus integrantes e se estabelecer opiniões e valores comuns. [MILLER, 1994, p. 379 apud FREY, 2000, p. 221]. 1.3.5 Policy arena A policy arena refere-se aos processos de conflitos e consensos entre os atores nas diversas arenas políticas. Envolve uma série de negociações e bar- ganhas que têm por objetivo maximizar os ganhos políticos nos processos de formulação/implementação de Políticas Públicas. Essas arenas de discussão podem ser subdividas de acordo com as suas consequências: políticas distri- butivas, políticas redistributivas, políticas regulatórias e políticas constituti- vas. Frey (2000, p. 223) argumenta que, A concepção da “policy arena” foi originalmente introduzida no debate científico por Lowi (1972). Ela parte do pressuposto de que as reações e expectativas das pessoas afetadas por medidas políticas têm um efeito antecipativo para o processo político de decisão e de imple- mentação. Os custos e ganhos que as pessoas esperam de tais medi- das tornam-se decisivos para a configuração do processo político. O modelo da “policy arena” refere-se, portanto, aos processos de conflito e de consenso dentro das diversas áreas de política, as quais podem ser distinguidas de acordo com seu caráter distributivo, redistributivo, regulatório ou constitutivo. – 15 – Conceitos gerais de Políticas Públicas 1.3.6 Policy cycle A policy cycle corresponde às fases ou ciclos pelos quais as Políticas Públi- cas transitam antes de se concretizarem materialmente na sociedade. Esses ciclos correspondem a uma ordem sequencial que guia o processo político- -administrativo e possuem fases que vão desde a formulação, passando pela implementação até a avaliação das consequências das políticas adotadas. Frey (2000) propõe uma subdivisão mais sofisticada dessas fases que estaria repre- sentada pelas seguintes etapas: 2 Fase da percepção e definição de problemas – a grande questão envolvida nesse elemento concerne ao fato de como entre uma infi- nidade de demandas políticas, uma demanda específica converte-se em um problema público que acaba por gerar um policy cycle. 2 Fase da agenda setting – nessa fase é decidido se determinado tema fará parte da agenda política ou será excluído ou adiado para um período posterior. 2 Fase de elaboração de programas e de decisão – é nesse cenário que se decide qual das alternativas de ação é a mais apropriada para resolução da problemática social em questão. 2 Fase da implementação de políticas – seria a fase imediatamente posterior à da elaboração de programas e de decisão, corresponde-ria à concretização da alternativa escolhida entre as diversas dispo- níveis transformando-a em ação política concreta. 2 Fase da avaliação de políticas e correção da ação – nessa fase é quando ocorre a avaliação das políticas adotadas. Nela é possível refletir a relação custo X benefício empreendida na política pública e tentar contornar possíveis falhas de formulação ou execução. 1.3.7 Atores de Políticas Públicas Diversos são os atores sociais interessados na discussão das Políticas Públicas, seja na formulação, na implementação ou na avaliação. Esses atores, cada um a sua maneira, procuram influenciar esse processo dentro do jogo político e podem ser divididos em atores estatais e atores privados. Passare- Gestão de Políticas Públicas – 16 – mos agora à distinção desses atores e sua forma de atuação na discussão das Políticas Públicas. 1.3.8 Atores estatais O que entendemos por atores estatais são aqueles atores diretamente ligados à Administração Pública, que estão envolvidos na burocracia estatal ou ocupando cargos legislativos e executivos, sendo os políticos os principais representantes dos atores estatais. Os políticos são eleitos com base em suas propostas de políticas apre- sentadas para a população durante o período eleitoral e buscam tentar realizá-las. As Políticas Públicas são definidas no Poder Legislativo, o que insere os parlamentares (vereadores e deputados) nesse processo. Entretanto, as propostas das Políticas Públicas partem do Poder Exe- cutivo, e é esse Poder que efetivamente as coloca em prática. Cabe aos servidores públicos (a burocracia) oferecer as informações necessárias ao processo de tomada de decisão dos políticos, bem como operacio- nalizar as Políticas Públicas definidas. Em princípio, a burocracia é politicamente neutra, mas frequentemente age de acordo com interes- ses pessoais, ajudando ou dificultando as ações governamentais. Assim, o funcionalismo público compõe um elemento essencial para o bom desempenho das diretrizes adotadas pelo governo. (SEBRAE/ MG, 2008, p. 8-9) 1.3.9 Atores privados Os atores privados são aqueles que, diferentemente dos atores estatais, não estão diretamente ligados à Administração Pública, mas procuram par- ticipar das decisões do Estado principalmente através do que é comumente conhecido como lobby político. Como exemplo desses atores temos: 2 organizações não governamentais (ONGs); 2 as mídias em geral; 2 movimentos sociais; 2 sindicatos; 2 corporações empresariais; 2 associações da sociedade civil; 2 grupos políticos; – 17 – Conceitos gerais de Políticas Públicas 2 entidades representativas etc. Entre os atores privados de relevância, com grande capacidade de influir em Políticas Públicas, estão incluídos os empresários, que detêm os meios de produção, controlam parcelas de mercado e a oferta de empregos. Através dos sindicatos, os trabalhadores podem, de forma organizada, articular e expressar seu poder e força políticos, tanto no setor privado quanto público. (IIDAC, 2003, p. 2) 1.4 Tipos de Políticas Públicas Depois de verificados os diversos conceitos envolvidos no estudo das Políticas Públicas e as razões e justificativas para seu estudo, passaremos agora à análise dos principais tipos de Políticas Públicas. É certo que os modelos que iremos apresentar não representam o conjunto total dos tipos de Políticas Públicas existentes, nem que cada política encaixe-se somente em um modelo, mas eles são importantes, pois buscam simplificar e esclarecer o nosso enten- dimento em torno do tema, nos ajudam a identificar aspectos relevantes das problemáticas políticas e a direcionar nosso olhar para compreender melhor o campo das Políticas Públicas. Inseridos no que definimos anteriormente como policy arena, podemos dividir em quatro os principais tipos de Políticas Públicas: políticas distribu- tivas, políticas redistributivas, políticas regulatórias e políticas constitutivas. 1.4.1 Políticas Públicas distributivas As chamadas políticas distributivas não consideram a limitação dos recursos públicos e buscam privilegiar não a sociedade como um todo, mas uma parcela da população. Um risco iminente advindo das políticas distribu- tivas é a ocorrência do que conhecemos como clientelismo. As políticas distributivas são caracterizadas por um baixo grau de con- flito dos processos políticos, visto que políticas de caráter distributivo só parecem distribuir vantagens e não acarretam custos − pelo menos diretamente percebíveis − para outros grupos. Essas “policy arenas” são caracterizadas por “consenso e indiferença amigável” [Windhoff- -Héritier, 1987, p. 48]. Em geral, políticas distributivas beneficiam um grande número de destinatários, todavia em escala relativamente pequena; potenciais opositores costumam ser incluídos na distribui- ção de serviços e benefícios. (FREY, 2000, p. 223) Gestão de Políticas Públicas – 18 – 1.4.2 Políticas Públicas redistributivas Diferente das políticas distributivas, as políticas redistributivas procuram atingir grandes contingentes sociais, mas consequentemente acarretam quase que equitativamente perdas e ganhos que muitas vezes representam um jogo que resulta em soma zero, tornando assim as políticas adotadas ineficazes. As políticas redistributivas, ao contrário [das políticas distributivas], são orientadas para o conflito. O objetivo é “o desvio e o desloca- mento consciente de recursos financeiros, direitos ou outros valores entre camadas sociais e grupos da sociedade” [Windhof f-Héritier, 1987, p. 49]. O processo político que visa a uma redistribuição cos- tuma ser polarizado e repleto de conflitos. (FREY, 2000, p. 224) 1.4.3 Políticas Públicas regulatórias Dentre os principais tipos de Políticas Públicas, as políticas regulatórias são as mais facilmente reconhecidas e envolvem prioritariamente os policy makers, a administração pública e a burocracia estatal, além dos grupos de interesse. As políticas regulatórias trabalham com ordens e proibições, decre- tos e portarias. Os efeitos referentes aos custos e benefícios não são determináveis de antemão; dependem da configuração concreta das políticas. Custos e benefícios podem ser distribuídos de forma igual e equilibrada entre os grupos e setores da sociedade, do mesmo modo como as políticas também podem atender a interesses particulares e restritos. Os processos de conflito, de consenso e de coalizão podem se modificar conforme a configuração específica das políticas. (FREY, 2000, p. 224) 1.4.4 Políticas Públicas constitutivas As Políticas Públicas constitutivas incorporariam em si os outros três tipos de políticas e seriam responsáveis pelos procedimentos necessários para que as outras políticas entrem em vigor. As políticas constitutivas (“constituent policy”) [Lowi, 1972] ou polí- ticas estruturadoras − Beck fala de “políticas modificadoras de regras” [Beck, 1993, p. 17] − determinam as regras do jogo e com isso a estrutura dos processos e conflitos políticos, isto é, as condições gerais sob as quais vêm sendo negociadas as políticas distributivas, redistri- butivas e regulatórias. (FREY, 2000, p. 224) – 19 – Conceitos gerais de Políticas Públicas 1.5 Abordagens teóricas sobre as Políticas Públicas No campo das ciências especializadas nos estudos de Políticas Públicas, notadamente a Ciência Política e a Administração, muitos são os modelos teóricos utilizados na análise das Políticas Públicas. Destacaremos a seguir os principais modelos teóricos utilizados e as questões que guiam sua aná- lise em torno da resolução das problemáticas que envolvem os estudos de Políticas Públicas. 1.5.1 Institucionalismo (neoinstitucionalismo) A Escola Institucionalista da Ciência Política tem origem nos Estados Unidos em meados do século XX, tendo como principais representantesJoseph Schumpeter, Robert Alan Dahl, Giovanni Sartori, entre outros. O principal pressuposto institucionalista evidencia que o desenho organizacio- nal das instituições é primordial no desdobramento do jogo político, rele- gando à participação dos cidadãos um caráter secundário. Aprofundando um pouco mais as contribuições do chamado [insti- tucionalismo] neo-institucionalismo para a área de Políticas Públicas, sabemos que, de acordo com os vários ramos desta teoria, instituições são regras formais e informais que moldam o comportamento dos atores. Como as instituições influenciam os resultados das Políticas Públicas e qual a importância das variáveis institucionais para explicar resultados de Políticas Públicas? A resposta está na presunção de que as instituições tornam o curso de certas políticas mais fáceis do que outras. Ademais, as instituições e suas regras redefinem as alternativas políticas e mudam a posição relativa dos atores. (SOUZA, 2006, p. 40) Existem, no mínimo, três grandes diferenças entre as instituições do Estado (ou governo) e as organizações privadas no que tange às Políticas Públi- cas, são elas: 2 é o estado que dá legitimidade às Políticas Públicas, são apenas as polí- ticas governamentais que estão submetidas às obrigatoriedades legais; 2 o objetivo das políticas governamentais está em atender a sociedade como um todo, em caráter universal; 2 somente o Estado possui a prerrogativa da coerção. Gestão de Políticas Públicas – 20 – Como já afirmamos anteriormente, o desenho organizacional das insti- tuições pode influenciar de modo decisivo o encaminhamento de um processo político e a implementação das Políticas Públicas. Esse desenho pode, em alguns casos, acelerar e desobstruir a execução de algumas políticas, mas pode também, em alguns casos, emperrar totalmente a execução de um projeto. Apesar dessa capacidade de mudar os rumos de um processo político, as alterações no desenho institucional das instituições devem ser feitas com cautela, pois muitas vezes essas mudanças são ineficazes, ou até mesmo pre- judiciais, quando não acompanhadas de mudanças na conjuntura social, eco- nômica e política. 1.5.2 Grupos de interesse A teoria dos grupos de interesse estabelece que grupos com atitudes próximas ou semelhantes tendem a se unir e reivindicar interesses comuns sobre outros grupos constitutivos da sociedade. Essa perspectiva compreende a política como a disputa entre os diversos grupos sociais pela influência nas ações do Estado, nas Políticas Públicas. O sistema político seria o responsável por equilibrar essas disputas e gerenciar os conflitos inter-grupais através de quatro disposições básicas: 2 estabelecer sob que regras esses grupos disputariam sua influência sob o processo político; 2 balancear os interesses divergentes e estabelecer os compromissos entre as partes; 2 fazer valer os compromissos e materializá-los em Políticas Públicas; 2 garantir a efetividade desses compromissos e sua permanência para sociedade. As Políticas Públicas representariam o equilíbrio mínimo alcançado na disputa dos grupos de interesse pelo poder político. Os policy makers (formuladores de políticas) ficariam então responsáveis em dar uma res- posta às demandas dos diversos grupos sociais que os pressionam atra- vés de barganha, negociação e concessões frente às petições de grupos de influência concorrentes. – 21 – Conceitos gerais de Políticas Públicas 1.5.3 Teoria das elites Sendo uma das teorias mais influentes na Ciência Política moderna a teoria das elites possui também uma interpretação das Políticas Públicas e de como elas se conformam. A teoria das elites surgiu no final do século XIX tendo como fundador o filósofo e pensador político italiano, Gaetano Mosca (1858-1941). Em seu livro Elementi di Scienza Política (1896), Mosca estabeleceu os pressupostos do elitismo ao salientar que em toda sociedade, seja ela arcaica, antiga ou moderna, existe sempre uma minoria que é detentora do poder em detrimento de uma maioria que dele está pri- vado. Os poderes econômicos, ideológicos e políticos são igualmente importantes, mas em seus escritos Mosca deu ênfase à força política das elites. O restrito grupo de pessoas que a detém também pode ser denominado de classe dirigente. (CANCIAN, 2009, p. 1) De acordo com a perspectiva elitista, as elites possuíram historicamente maior poder de influência sobre o processo de formulação/implementação das Políticas Públicas que as massas, isso em decorrência de sua efetiva capa- cidade de organização e seu alto grau de consenso, dificilmente encontrado nas massas. Como consequência disso podemos delinear alguns pontos que caracterizariam as Políticas Públicas influenciadas pelas elites políticas. 2 as elites tendem a impor seus valores nas inovações e mudanças das Políticas Públicas que passam a perder seu caráter de alcance universal; 2 a perspectiva de inflexão (revolução) nas Políticas Públicas é substi- tuída por uma perspectiva incremental e reformista; 2 as reformas efetuadas através das Políticas Públicas podem servir somente para manutenção do status quo da elite dominante no momento; 2 na perspectiva elitista, a responsabilidade pela promoção do bem- -estar é das elites e não das massas, não que necessariamente somente as primeiras venham se beneficiar dos resultados das Polí- ticas Públicas; 2 o processo de participação política democrática na formulação/ implementação das Políticas Públicas adquiriria um caráter mera- mente simbólico já que essa prerrogativa estaria restrita somente a uma minoria. Gestão de Políticas Públicas – 22 – 1.5.4 Racionalismo Outra corrente teórica de grande relevância nas ciências em geral e nas ciências humanas especificamente, o racionalismo possui grande influência na formulação das Políticas Públicas. Dizer que uma política é racional sig- nifica afirmar que todos os valores essenciais para consecução dessa política foram amplamente difundidos e conhecidos e que, caso um desses valores tenha de ser sacrificado imediatamente, deve ser compensado por outro capaz de proporcionar o mesmo resultado. No campo prático da formulação/implementação das Políticas Públi- cas, essa racionalidade absoluta é praticamente impossível de ser alcançada devido à complexidade dos problemas sociais e da grande diversidade de fatores imprevisíveis contidos nesses problemas. Para resolução de tais ques- tões, Simon (1957) introduziu no campo de estudos das Políticas Públicas o conceito de racionalidade limitada dos policy makers (decisores públicos) argumentando que, [...] a limitação da racionalidade poderia ser minimizada pelo conhe- cimento racional. Para Simon, a racionalidade dos decisores públicos é sempre limitada por problemas tais como informação incompleta ou imperfeita, tempo para a tomada de decisão, autointeresse dos decisores etc., mas a racionalidade, segundo Simon, pode ser maxi- mizada até um ponto satisfatório pela criação de estruturas (conjunto de regras e incentivos) que enquadre o comportamento dos atores e modele esse comportamento na direção de resultados desejados, impedindo, inclusive, a busca de maximização de interesses próprios. (SOUZA, 2006, p. 23) Uma política racional estará sempre pautada na relação custo (valor dos inputs) X benefício (valor dos outputs), ou seja, sempre priorizando a eficiên- cia. Quanto maior for o cálculo racional inserido numa política, maior será sua eficiência prática. No processo de formulação/implementação de Políticas Públicas racio- nais, os policy makers necessitam seguir alguns pressupostos básicos: 2 é necessário possuir o conhecimento de todas as preferências dos diversos grupos demandantes da sociedade e seus pesos relativos; 2 é necessário ter claramente quais as alternativas possíveise viáveis para consecução de determinada política; – 23 – Conceitos gerais de Políticas Públicas 2 é preciso ter um diagnóstico antecipado das consequências de cada política alternativa que pode ser adotada; 2 é indispensável estabelecer a relação custo X benefício (valores aten- didos e valores sacrificados) para cada política alternativa; 2 dentre as alternativas apresentadas, deve-se escolher a que for mais eficiente, ou seja, a que minimize os custos e maximize os ganhos para sociedade. 1.5.5 Incrementalismo No campo das Políticas Públicas, o incrementalismo é a teoria concor- rente da teoria racionalista, visto que, a primeira considera as Políticas Públi- cas um continuum das políticas adotadas no passado efetuando-se apenas pequenas modificações. O incrementalismo considera a perspectiva raciona- lista irrealista e humanamente inviável, entendendo que seus pressupostos básicos requereriam uma capacidade de cálculo, conhecimento e previsão de fatos sociais que estariam além do escopo intelectual e técnico humano. Segundo Anthony Downs, os economistas analisam, planejam e deci- dem racionalmente. Dessa forma, creem poder prever as decisões, já que serão sempre tomadas aquelas consideradas mais razoáveis para se alcançar as metas previstas. Portanto, o homem racional sempre age de acordo com os seguintes critérios: (i) consegue tomar uma decisão quando confrontado com várias alternativas; (ii) classifica todas as alternativas em ordem de preferência; (iii) seu ranking de preferências é transitivo, ou seja, pode ser mudado; (iv) a escolha recai sempre sobre a primeira preferência; (v) a decisão sempre é a mesma quando são dadas as mesmas preferências. Downs ainda afirma que as decisões nem sempre serão racionais por- que os homens sempre visam algum fim e os benefícios devem sempre superar os custos. Assim, também se pode dizer que os políticos visam, primeiramente, a reeleição (seu maior benefício), logo, suas decisões serão sempre de acordo com seus fins e nem sempre racionais. O Homo economicus possui uma lógica diferente do Homo politicus. Além disso, “o comportamento racional requer uma ordem social previsível”. Nesse sentido, fica claro o quanto o comportamento racional se torna algo impossível nas relações políticas, pois, a imprevisibilidade da ordem social é um elemento, comprovadamente, presente na engenharia polí- tica. Se, geralmente, o resultado é o aumento das incertezas, torna-se muito difícil a racionalidade das decisões. (FERREIRA, 2003, p. 1) Gestão de Políticas Públicas – 24 – Com isso podemos sintetizar as críticas do incrementalismo ao modelo de Políticas Públicas pautadas na perspectiva racionalista nos seguintes pontos: 2 não há disponibilidade de tempo, verbas públicas, capacidade inte- lectual etc. que possibilitem a investigação de todas as alternativas possíveis na formulação/implementação das Políticas Públicas; 2 não há como prever todas as consequências possíveis das novas políticas adotadas; 2 não seria interessante desperdiçar investimentos já efetuados em função de políticas passadas, mesmo que estas não estejam aten- dendo com total eficiência as demandas a que foram destinadas; 2 a disputa política inviabiliza a implementação de uma política estritamente racional; 2 há uma predisposição humana em buscar a satisfação de suas demandas individuais e não a maximização dos ganhos sociais; 2 é impossível estabelecer um consenso dos objetivos sociais. 1.5.6 Teoria dos jogos A teoria dos jogos utilizada no campo das Políticas Públicas pode ser conceituada como o estudo das decisões racionais dos atores políticos quando postos em situações nas quais, interagindo com outros atores, têm que fazer opções e o resultado dessas escolhas depende das escolhas feitas por cada um dos atores envolvidos. A teoria dos jogos tem a finalidade de prever os movimentos dos outros jogadores, sejam eles concorrentes ou aliados, através dessa teoria os jogadores se posicionam da melhor forma para obter o resul- tado desejado. O objetivo da teoria dos jogos é entender a lógica na hora da decisão e ajudar a responder se é possível haver colaboração entre os jogado- res, em quais circunstâncias o mais racional é não colaborar e quais estratégias devem ser adotadas para garantir a colaboração entre os jogadores. (ALMEIDA, 2006, p. 1) A teoria dos jogos não possui a capacidade de descrever como os atores realmente fazem suas escolhas, mas como eles fariam se fossem totalmente – 25 – Conceitos gerais de Políticas Públicas racionais. É uma espécie de aplicação da teoria racionalista aplicada a situa- ções competitivas. Um exemplo muito conhecido de aplicação da teoria dos jogos é o dilema do prisioneiro, que funciona da seguinte forma: Dois suspeitos, A e B, são presos pela polícia. A polícia tem provas insuficientes para os condenar, mas, separando os prisioneiros, oferece a ambos o mesmo acordo: se um dos prisioneiros, confessando, tes- temunhar contra o outro e esse outro permanecer em silêncio, o que confessou sai livre enquanto o cúmplice silencioso cumpre 10 anos de sentença. Se ambos ficarem em silêncio, a polícia só pode condená-los a 6 meses de cadeia cada um. Se ambos traírem o comparsa, cada um leva 5 anos de cadeia. Cada prisioneiro faz a sua decisão sem saber que decisão o outro vai tomar, e nenhum tem certeza da decisão do outro. (GALUCIO, 2014) A grande questão resultante é “de que forma os prisioneiros irão reagir a esse dilema?” Do ponto de vista individual, o dilema do prisioneiro pode ser sinteti- zado na relação proposta na tabela abaixo: Prisioneiro “B” nega Prisioneiro “B” delata Prisioneiro “A” nega Ambos são condenados a 6 meses. “A” é condenado a 10 anos; “B” sai livre. Prisioneiro “A” delata “A” sai livre; “B” é condenado a 10 anos. Ambos são condenados a 5 anos. 1.5.7 Teoria dos sistemas A teoria dos sistemas utilizada como ferramenta para resolução das pro- blemáticas das Políticas Públicas preconiza que os diversos sistemas sociais estão em constante interação e, por isso, não devem ser considerados isolada- mente, mas sim nas suas relações de interdependência mesmo que sejam estes extremamente heterogêneos. A partir dessa perspectiva podemos entender que para resolução dos problemas sociais deve haver uma interação entre os policy makers e a socie- Fonte: GALUCIO, 2014. Gestão de Políticas Públicas – 26 – dade civil, num processo de troca de conhecimentos e experiências para con- secução dos objetivos das Políticas Públicas formuladas. Nesse processo a teo- ria dos sistemas propõe algumas questões essenciais que caracterizariam uma Política Pública sistêmica. 2 Quais dimensões significativas do sistema social que acarretam em demandas sobre o sistema político? 2 Quais características significativas do sistema político geram a possibilidade de transformação das demandas sociais em Políticas Públicas? 2 De que maneira os inputs da sociedade afetam as características específicas do sistema político? 2 De que modo essas características específicas do sistema político influem no conteúdo das Políticas Públicas adotadas? 2 Como as demandas e pressões sociais influenciam no conteúdo das Políticas Públicas? 2 De que maneira a Política Pública influencia, através de feedback, o ambiente social e as características específicas do sistema político? Neste capítulo vimos que o estudo de Políticas Públicas segue uma linha evolutiva ao longo do tempo, sempre em sintonia com o desenvolvimento do sistema político e social e do que é considerado no momento responsabilida- des do Estado. Vimos, também, as razões que motivam o estudo em torno das Políticas Públicas, tanto as científicas, profissionais, quanto as razões políticas. Realizamos um esforçoem conceituar o termo “política” para assim definir o termo “Políticas Públicas” e observamos as diversas dimensões contidas nesses termos: uma dimensão institucional, uma dimensão processual e uma dimen- são material. Analisamos as distinções existentes entre os modos de atuação dos diversos atores envolvidos nos processos de formulação, implementação e avaliação de Políticas Públicas, atores públicos e atores privados. Vimos, também, a classificação dos diversos tipos de Políticas Públicas de acordo com suas consequências: políticas distributivas, políticas redistributivas, políticas regulatórias e políticas constitutivas, e verificamos que apesar dessa distinção elas não podem ser entendidas na prática separadamente, mas sim em um movimento de influência mútua. E, por fim, analisamos as diferentes aborda- – 27 – Conceitos gerais de Políticas Públicas gens teóricas que se debruçam sobre o estudo das Políticas Públicas e de que maneira elas podem nos ajudar a compreender melhor as ações do Estado sobre a sociedade. Ampliando seus conhecimentos Reflexões leigas para a formulação de uma agenda de pesquisa em Políticas Públicas (REIS, 2003) No contexto do tema geral desse evento – Ciência Polí- tica e Justiça Social – parece-me oportuno lembrar algumas questões que permeiam toda a prática da ciência social e, em particular, da ciência política. Quero, contudo, pensar isso no caso específico da subárea de Políticas Públicas. O tema é importante demais para ser reservado exclusivamente aos especialistas. Considero as questões a serem discutidas tão centrais que sinto-me à vontade para refletir sobre alguns pontos, ainda que, pessoalmente, eu não seja uma pesqui- sadora dessa área e sim uma consumidora de seus resultados de pesquisa. Como ponto de partida, quero chamar atenção para o fato de que “Políticas Públicas” é uma das especializações que responde mais diretamente ao imperativo da relevância na prática das ciências sociais. Seja analisando a formulação, a implementação ou os resultados de policies, os especialistas podem ver de maneira bastante clara e imediata como suas análises interpelam situações concretas, examinam tecnica- mente problemas empíricos específicos e podem servir para legitimar ou deslegitimar as escolhas políticas efetivas. É preci- samente esse aspecto da relevância prática que mais me atrai nessa área. Ou seja, o fato de que, em princípio, ela não se Gestão de Políticas Públicas – 28 – furta ao imperativo da utilidade social e que, mesmo quando adota uma postura crítica, ela o faz apostando na possibi- lidade de cursos de ação alternativos. Em outras palavras, trata-se de uma área propositiva, pelo menos em tese. [...] Nesse sentido, o primeiro ponto que eu lembraria para uma agenda de pesquisas em Políticas Públicas é que os proje- tos tenham uma sustentação teórica. Isso parece demasiado óbvio para requerer atenção. Contudo, na prática vemos que com muita frequência descuramos desse princípio. Tal- vez o problema seja mais agudo na prática do ensino do que na da pesquisa em Políticas Públicas, mas em ambos os casos vale a pena enfatizar que nós nos beneficiamos e muito ao adotar uma postura atenta aos parâmetros teóricos que modelam nossas análises, por mais empíricas que sejam. O problema inverso deve nos preocupar igualmente. Pesqui- sas e cursos que são rotulados como análises de Políticas Públi- cas, na realidade, apenas se referem a policies, sem tratá-las de forma específica e sistemática. Em muitos casos, a indignação moral é tomada como justificativa teórica. Para alguém, como eu, que tem uma visão de fora da área, quais seriam os temas candentes? Que temáticas privilegiar nessa agenda? Sem dúvida, a gama de temas e problemas a serem investigados é imensa e são vários os critérios ordenadores que poderiam ser invocados para se elaborar as prioridades de pesquisa. O que é que esperaríamos ver enfatizado pelos especialistas? De fato, parece-me que a comunidade acadêmica tem respondido bem aos desafios do momento e a prova disso pode ser vista no próprio programa desse evento. [...] Acho proveitoso partir da constatação de que as relações entre recursos de autoridade e recursos de mercado, por um lado, e entre critérios de auto- ridade e critérios de solidariedade, por outro, passaram por modificações profundas no período histórico recente. No caso do primeiro polo, o surpreendente revival do libe- ralismo a que assistimos levou a uma súbita erosão da legitimi- – 29 – Conceitos gerais de Políticas Públicas dade do Estado como agente econômico no Segundo e no Terceiro mundo. O que mais me impressiona aqui é a rapidez com que crenças firmemente estabelecidas no âmbito da aca- demia e no âmbito dos governos foram suplantadas quase da noite para o dia. Subitamente, por exemplo, os livros sobre desenvolvimento e planejamento caducaram, deixando anô- micos os especialistas no assunto. No caso dos países ex-socialistas, as tendências mais recentes sugerem que tanto o governo quanto o mercado começam a dar sinais de se reequilibrarem, mas busca-se avidamente um arcabouço teórico e ideológico capaz de sistematizar novos arranjos. Já no caso da América Latina, se a situação econô- mica e social é menos animadora, não deixa de ser claro que o eclipse do Estado desenvolvimentista deixou um enorme vazio ideológico que introduz aqui e ali novas incertezas polí- ticas. Nesse novo contexto, a análise e a discussão de Políticas Públicas pode ser vítima de um tecnicismo exagerado, e isso é o que muitas vezes se critica nas análises dos economistas. O problema inverso é também bastante disseminado, ou seja, a negação dos constrangimentos técnicos em favor de uma adesão a-crítica a ideais doutrinários no mais das vezes arcaicos e anacrônicos. Pois bem, a nós cientistas políticos, sociólogos e antropólogos caberia o empenho de analisar policies como práticas políticas, práticas essas onde a interação entre interes- ses, valores e normas merece tanta consideração quanto os critérios técnicos e as restrições orçamentárias. Lembraria também que a erosão do ideário planificador (socia- lista ou capitalista) deu ensejo a uma situação nova onde a for- mulação de policies constitui causa e efeito das mudanças polí- tico-institucionais em curso. Poucas conjunturas são tão propícias a evidenciar a dinâmica interativa entre instituições e motivações individuais. Um programa de pesquisa amplo que se dedicasse a explorar essa questão, comparando tanto as diversas formas institucionais quanto as motivações variáveis de atores estratégi- Gestão de Políticas Públicas – 30 – cos que atuam nelas, ou com elas, seria extremamente relevante não só em termos teóricos, mas também práticos. Quero enfatizar aqui tanto o foco simultâneo na instituição e no ator, como o recurso à comparação. O primeiro aspecto permite-nos captar o jogo entre constrangimento e liberdade, entre limitações paramétricas e voluntarismo. Mas é o segundo, a comparação sistemática, que nos faculta as condições para checarmos o alcance de nossas explicações e interpretações. Nunca é demais insistir que a comparação é nossa melhor proxi a uma situação experimental. Esses seriam, portanto, na minha opinião, os elementos preliminares de uma agenda de pesquisa em Políticas Públicas. É preciso assumir o compromisso de arti- cular as perspectivas individualista e institucional. Isso me parece o desafio crucial, desafio que é tanto teórico como prático. Vol- temos à linha central de meu argumento, a ideia segundo a qual as relações entre autoridade, mercado e solidariedade passam por mudanças profundas no momento atual. No que diz res- peito à interação entre autoridade e solidariedade, as transforma- ções não são menos relevantes. Assim, por exemplo, as trans-formações recentes nas relações entre o Estado e a nação são igualmente dignas de nota: identidades coletivas são redefinidas por toda parte, cruzando fronteiras e desafiando autoridades nacionais. Mas, na medida em que a Política Pública continua sendo definida no contexto dos Estados nacionais, quero me deter apenas em outra dimensão desse relacionamento entre autoridade e solidariedade, o que concerne às organizações voluntárias – ONGs, instituições filantrópicas etc. Também aqui observamos um movimento notável em escala mundial que cria um novo tipo de ator relevante para a prática da Política Pública, o chamado Terceiro Setor, reino da solidariedade. Em síntese, é necessário reexaminarmos as relações do Estado com o mercado, por um lado, e com a sociedade civil, por outro. No primeiro caso, parece-me que à área de Políticas Públicas compete, por exemplo, analisar como é que o Estado – 31 – Conceitos gerais de Políticas Públicas age e/ou poderia agir para assegurar a provisão de bens públi- cos que não são mais produzidos e/ou distribuídos pelo setor público. Nesse sentido, a análise das agências de regulação é um dos objetos de estudo cruciais. Como são concebidas essas novas instituições? Quais suas atribuições? Como vêm desem- penhando seu papel de articuladoras entre a autoridade pública e o mercado provisor de bens públicos? De que maneira suas atribuições e prerrogativas constituem obstáculos ou recursos para a eficácia de Políticas Públicas específicas? Enfim, há toda uma série de questões da maior relevância para a análise de Polí- ticas Públicas que, para serem respondidas, precisam que o for- mato institucional e a prática dessas agências sejam esclarecidos. Com relação ao binômio autoridade/solidariedade, seria de extrema relevância pesquisar os novos padrões de funciona- mento da política social, que conta mais e mais com o volun- tariado. Noções como “democracia participativa”, “capital social”, “inclusão social”, “governança” e tantas outras que incorporamos ao nosso léxico nas décadas recentes têm, certamente, inspirado estudos de grande interesse e impor- tância. Mas, é oportuno lembrar que a componente virtuosa associada a cada um desses conceitos não nos dispensa do exame crítico, sem o qual a prática da análise política perde sua dimensão científico-reflexiva para tornar-se prática política. Cabe examinar, por exemplo, as consequências do recurso cada vez mais utilizado à atuação da sociedade civil em contextos onde a extrema desigualdade torna difícil postular uma sociedade civil no singular. Se os custos de organização e de participação são tão desiguais dentro de um país, faz sentido falar de uma sociedade coincidente com o Estado nacional? Não é só a globalização que coloca desafios ao Estado nacional. Interage estreitamente com ela um paralelismo entre setores sociais que experimentam condições e oportunidades de vida tão desiguais. Nesse contexto, o próprio engajamento da sociedade civil pode implicar novas formas de oligarquização de recursos. Gestão de Políticas Públicas – 32 – Ou seja, onde os custos e as oportunidades de participa- ção dos cidadãos são tão desiguais, os que já estão incluídos podem vir a aumentar suas vantagens relativas em relação aos excluídos. A lógica do capital social pode comportar tanta formação de monopólios quanto a do mercado. O que estou sugerindo é que a agenda de pesquisa em Políticas Públicas deveria incluir entre suas preocupações o exame crítico da interação entre o ator público e o voluntariado na execução de policies. Não se trata de demonizar esse ator, mas simples- mente de adotar uma postura crítica e analítica ante um ator ainda pouco estudado pela área. Também gostaria de ressaltar a importância de se inserir no quadro geral de orientações a modelar uma agenda de pes- quisa em Políticas Públicas a questão das tensões e possíveis contradições entre os princípios orientadores da ação. Uni- versalismo e ação focalizada, afirmação da igualdade e afir- mação das diferenças são termos que povoam os discursos de teóricos e práticos sobre a afirmação da cidadania. No entanto, a discussão a respeito disso poucas vezes se volta para a análise sistemática de resultados a curto ou a longo prazo de políticas sociais que privilegiem um ou outro dos termos dessas disjuntivas. Aqui, poder-se-ia abrir um amplo leque de estudos extremamente importantes, tanto no inte- rior da área de Políticas Públicas como no âmbito da ciência política como um todo. Isto é, essa discussão diz respeito ao próprio escopo da cidadania hoje, tema que se situa no cerne da teoria social e política. Atividades 1. De acordo com a evolução dos estudos de Políticas Públicas, é correto afirmar que: a. No século XX e início do século XXI as principais funções do Es- tado restringem-se à manutenção da segurança pública interna e à – 33 – Conceitos gerais de Políticas Públicas preservação da propriedade privada além da defesa das fronteiras em caso de ataque externo advindo de outros Estados. Isso explica o elevado interesse nos estudos de Políticas Públicas. b. Enquanto disciplina acadêmica e área do conhecimento as Po- líticas Públicas têm sua origem na Europa Ocidental em finais do século XX. A globalização e o desenvolvimento da ideologia neoliberal foram cruciais para que os estudos de Políticas Públicas se sedimentassem. c. Atualmente, os estudos de Políticas Públicas estão difundidos em diversos países e são de grande valia para o planejamento das ações dos governos, seja em nível municipal, estadual ou federal, das empresas e até mesmo dos cidadãos comuns. d. O estudo do papel e das ações do Estado é recente na história hu- mana e data de fins da Idade Média. Foi somente no contexto do declínio do regime feudal que os pensadores, filósofos e cientistas passaram a investigar e refletir sobre o que o Estado “faz ou deixa de fazer”. 2. Quais as principais dimensões conceituais inseridas na definição de “política”, qual delas é a que mais se aproxima do que conhecemos comumente como Políticas Públicas e quais as implicações dessa se- paração metodológica? 3. Quais as principais diferenças entre a abordagem racionalista e a abordagem incrementalista das Políticas Públicas? A elaboração de Políticas Públicas: processos de formulação, implementação e avaliação A elaboração de Políticas Públicas consiste em um ciclo de fases sequenciais através do qual as demandas políticas são percebi- das e analisadas e são projetados e implantados os meios para que essas demandas sejam supridas. Geralmente, “o estudo das políti- cas é baseado no conceito de ‘ciclo da política’ (policy cycle), que se desenvolve a partir da decomposição do processo de elaboração da política” nos momentos de formulação, implementação e avaliação de resultados, dos quais “participam atores que tomam decisões, escolhem entre cursos possíveis e alcançam resultados característi- cos”. (CAVALCANTI, 2007, p. 177). Devido à abrangência e à relevância do conceito de policy cycle, existem diferentes teorias que explicam seus aspectos. Na ten- tativa de compreendê-lo e explicar suas etapas, os estudiosos das Políticas Públicas desenvolveram diversos modelos explicativos que apresentam conteúdos dessemelhantes decorrentes do modo de abordagem de cada autor. 2 Gestão de Políticas Públicas – 36 – As principais explicações sobre o policy cycle decorrem das teorias conhe- cidas como racionalismo e incrementalismo, as quais tratam dos aspectos da criação de Políticas Públicas de acordo com o grau de racionalidade e a ação dos fatores de ordem política presentes nas etapas de elaboração. No entanto, essas duas teorias apresentam um conteúdo limitado por se basearem em um modelo idealizado do processo de elaboraçãoque negligencia aspectos fun- damentais da real estrutura da sociedade e do funcionamento do Estado. Em decorrência dessas restrições, surgem as abordagens denominadas teoria dos jogos e teoria dos sistemas que tratam da elaboração de Políticas Públicas de um modo mais sistemático e, por conseguinte, conseguem abarcar aspectos mais densos do processo de elaboração. Tendo em vista que as Políticas Públicas são elaboradas com o objetivo fundamental de suprir as demandas sociais, o tema da elaboração de Políticas Públicas ganha uma importância significativa para o nosso estudo, uma vez que nos permite observar as características que ao longo do policy cycle determi- nam a eficácia ou fracasso das soluções apresentadas pelas políticas adotadas. Este capítulo tem por objetivo explicar como funciona o policy cycle, como ocorrem cada uma de suas fases e quais são os elementos constituintes do mesmo que interferem no desenvolvimento do processo. Para atender a tal objetivo, assim como para facilitar a explicação das etapas do policy cycle, este capítulo se divide em duas partes principais. A primeira parte se atém a explicar os momentos de formulação e implementação das Políticas Públi- cas, caracterizando seus atores e procedimentos e enfatizando os aspectos que influenciam no resultado dessas políticas. A segunda parte apresenta a etapa de avaliação, o momento final do ciclo da política, onde são ilustrados os con- ceitos e diferenças entre a avaliação e a análise de Políticas Públicas e também são apresentadas as principais características dessa etapa. 2.1 Formulação e implementação de Políticas Públicas 2.1.1 A formulação de Políticas Públicas As Políticas Públicas são elaboradas essencialmente com o objetivo de suprir as demandas sociais, sendo assim, o fato de que existem diversos problemas sociais nos permite deduzir que existem diferentes segmentos da – 37 – A elaboração de Políticas Públicas: processos de formulação, implementação e avaliação sociedade onde as Políticas Públicas podem atuar na tentativa de solucionar esses problemas. Independente do tipo de política adotada e do segmento ou problema social ao qual ela se direciona, todas as Políticas Públicas que seguem o modelo do policy cycle têm seu início na etapa de formulação. De acordo com Cavalcanti (2007), “a formulação se inicia quando os atores políticos, Estado, instituições etc., ‘conjuntamente’ [...] definem qual assunto fará parte da agenda política e sofrerá interferência por parte do setor público tornando necessária a formulação de alternativas de política.” Nesse sentido, podemos definir como primeira etapa da formulação de uma Política Pública o estágio onde as problemáticas sociais são analisadas e inseridas ou não na agenda política. Essa última afirmação nos remete ao seguinte ques- tionamento: por que alguns problemas sociais são considerados importantes e outros são deixados de lado? As demandas sociais são analisadas de acordo com a sua relevância enquanto problema de interesse público. “Somente a convicção de que um problema social precisa ser dominado política e administrativamente o trans- forma em um problema de policy”. (FREY, 2000, p. 227 apud WINDHOFF- -HÉRITLER, 1987, p. 58). Sobre isso Cavalcanti (2007) nos traz a seguinte afirmação: A construção da agenda ou mais propriamente a inclusão ou não de um determinado assunto na agenda de governo revela o fato de que em função da assimetria existente na distribuição do poder, nem todas as questões se transformam em assuntos que serão objeto da ação governamental. Em outras palavras, nem todos os assuntos são introduzidos na agenda e elaborados a fim de darem lugar a uma polí- tica a ser implementada. (CAVALCANTI, 2007, p. 181) A percepção e definição de quais problemas serão solucionados pela política a ser elaborada é o que dá início ao policy cycle, no qual a fase de formulação corresponde ao momento onde são definidos quais serão as alter- nativas de ação e os instrumentos utilizados para solucionar os problemas percebidos durante a prospecção das demandas. Sobre os processos desenvolvidos na etapa de formulação, Cavalcanti (2007) nos apresenta a seguinte declaração: A formulação da política é o momento em que se estabelece uma ‘fór- mula’; onde se ordenam alternativas; onde se prescreve “o como”, “o Gestão de Políticas Públicas – 38 – quando”, “o porquê”; e se exprimem os resultados que se espera da política. Em outras palavras, é o momento no qual se estabelece como o “assunto” escolhido será abordado e como será solucionado. É o momento da “formulação” de alternativas para a solução do “problema público”. Não obstante, deve-se considerar que ainda que o assunto tenha sido “incluído” como merecedor de uma intervenção existirá uma variedade de maneiras para resolvê-lo. (CAVALCANTI, 2007, p. 178). Nessa afirmação de Cavalcanti (2007) percebe-se claramente que o momento de formulação das políticas é marcado por um intenso período de tomada de decisões. É muito importante compreender o modo como essas decisões são tomadas, quais são os atores envolvidos no processo, assim como quais são os fatores que influenciam essa tomada de decisão. Essas observa- ções são imprescindíveis uma vez que as decisões tomadas nessa etapa servem de base para orientar as políticas ao longo de todo o ciclo político e impactam diretamente nos seus resultados. “A tomada de decisão é considerada como o processo de responder ao assunto mediante a busca de alternativas para solucioná-lo” (CAVALCANTI, 2007, p. 193). É importante ressaltar que o processo decisório não ocorre de forma ordenada e racional, e que por isso “ele é diferente em cada sistema político e regido por forças diversas (negociação, relações de poder, novas oportunidades etc.) [...]. Para compreender como se dá o processo de decisão é necessário considerá-lo como algo extremamente complexo, sem princípio, meio e fim, cujos limites e resultados são incertos” (LINDBLON, 1981, p. 10 apud CAVALCANTI, 2007, p.193). Os critérios comumente adotados para analisar o processo decisório derivam de diversos modelos teóricos. Para guiar o nosso estudo, apresenta- -se abaixo uma tabela comparativa contendo as principais características dos modelos teóricos mais utilizados. Tabela 1 – Tabela comparativa dos modelos teóricos mais utilizados para análise do processo de tomada de decisão Modelo racional Nesse modelo, o ator ou decisor (individual ou coletivo) atua utili- zando critérios de racionalidade. É um modelo descritivo e prescri- tivo, que pressupõe que o ator dispõe de todas as decisões necessárias para a tomada de decisão e, diante disso, pode escolher e prescrever qual a melhor opção dentre as demais. – 39 – A elaboração de Políticas Públicas: processos de formulação, implementação e avaliação Essas perspectivas teóricas nos permitem compreender em que funda- mentos se baseiam as decisões tomadas na formulação das políticas. Seguindo o fluxo do policy cycle, analisaremos agora como as proposições definidas na formulação são implementadas. 2.1.2 A implementação de Políticas Públicas O processo de implementação é a etapa onde as decisões tomadas na fase de formulação são aplicadas na prática; é o momento onde se podem observar os resultados finais das políticas adotadas e pode-se mensurar se ela obteve sucesso ou fracasso na consecução de seus objetivos. Sobre essa visão do momento de implementação, Cavalcanti (2007) nos traz algumas considerações importantes ao afirmar que: Modelo de racionalidade limitada É um modelo que sugere que o conhecimento nunca abrange a totalidade, sendo assim, o decisor não dispõe de todas as infor- mações e, por isso, utiliza-se daquelas que estão disponíveis. Modelo de escolha pública Nesse modelo cada ator políticotoma decisões de acordo com seus interesses estritamente pessoais. Os indivíduos são vistos como instrumentos racionais capazes de escolher ações apropria- das aos objetivos que pretendem alcançar. Modelo de análises de redes É um modelo que compreende o processo de tomada de decisão explicado através das características das estruturas de interação (redes) nas quais tem lugar o processo de formulação de políti- cas, esse processo é entendido como uma troca de recursos entre agentes que, além de terem um papel ativo na materialização de deveres públicos, tentam satisfazer seus próprios interesses. Modelo incremental Esse modelo se baseia na premissa de que não existe uma expli- cação racional no processo de tomada de decisão, seja ela global ou limitada. A tomada de decisão no modo incremental é um resultado de pressões, compromisso, coalizões entre atores que se encontram numa relação de interdependência. Fonte: CAVALCANTI, 2007. Gestão de Políticas Públicas – 40 – Nem todas as políticas definidas são realmente implementadas. E, mesmo as que são implementadas, podem alcançar resultados dife- rentes daqueles que foram originalmente idealizados. Isso ocorre por- que muitas coisas falham entre o momento da formulação e aquele em que são produzidos os resultados. [...] O processo de implemen- tação é um momento especialmente problemático. Momento esse em que se pretende transformar as intenções expressas em planos ou programas em ações, e onde se materializam as decisões. Também é um momento que emergem as negociações que não foram levadas a termo entre os atores políticos ou que foram propositadamente dei- xadas em suspenso. O que denota o caráter dinâmico e complexo do processo de implementação. (CAVALCANTI, 2007, p. 218). Para explicar a fase de implementação há duas vertentes teóricas básicas: as teorias consideradas tradicionais – as chamadas Visão Clássica da Imple- mentação e Visão da Implementação como Processo – e a teoria moderna, chamada Visão da Implementação como Jogo; as quais apresentam caracte- rísticas distintas e abordam o momento de implementação segundo o modo como cada uma concebe o ciclo da política (policy cicle). Na Visão Clássica da teoria tradicional, o policy cycle não é conceituado como um processo (figura 1). Essa visão considera que a fase de implemen- tação se separa da fase de formulação e que tais etapas ocorrem de cima para baixo (top down)1. Diante disso, é possível fazer uma analogia entre essa visão e a manufatura: a “construção de políticas” se dá em dois momentos distin- tos, a concepção – realizada pelos altos funcionários públicos – e a execução – realizada pelos funcionários públicos com menor nível hierárquico. Nessa perspectiva, a administração pública aparece como um mecanismo opera- tivo perfeito onde seria possível assegurar que um projeto proposto na fase de formulação seria fielmente reproduzido na sua etapa de implementação. Todavia, inúmeras são as críticas feitas a essa visão ingênua da administra- ção pública, porque além de fornecer um panorama demasiado simplista da realidade, não considera os aspectos relativos à implementação como fatores importantes no âmbito das Políticas Públicas. 1 O modelo “de cima para baixo” (top-down) parte do pressuposto de que a responsabilidade pela a implementação da política repousa quase que exclusivamente na atuação dos burocratas de “alto- -nível” que “comandam” aqueles situados nos níveis “mais baixos”. (CAVALCANTI, 2007, p. 222) – 41 – A elaboração de Políticas Públicas: processos de formulação, implementação e avaliação Figura 1 – Visão Clássica do policy cycle. Formulação de políticas Implementação de políticas Resultados Fonte: SILVA; MELO, 2000. A outra vertente da teoria tradicional decorre de uma visão mais abran- gente da administração pública, a qual considera a implementação um pro- cesso (figura 2) e suas eventualidades são incorporadas à análise do mesmo. Essa teoria é mais ampla na medida em que considera os aspectos relacio- nados à capacidade institucional dos agentes implementadores, assim como os problemas de natureza política e a possibilidade de resistências e boicotes de grupos negativamente afetados pela política. Entretanto, tais ocorrências – ou seja, fatos ocorridos diferentemente do que foi planejado – ainda são entendidos como problemas, os quais são responsáveis por “desvios de rota”. Ou seja, esses problemas irão retroalimentar o processo de formulação que deverão readequar o planejamento para que possa, então, ser implementado de uma nova maneira. Figura 2 – A visão do policy cycle como um processo simples e linear. Formulação de políticas Implementação de políticas Retroalimentação/monitoramento Fonte: SILVA; MELO, 2000, p. 6. As críticas feitas a essa teoria referem-se à prioridade que ela ainda con- fere ao processo de formulação e por desconsiderar a capacidade dos respon- sáveis pela implementação da Política Pública em formular no momento da ação/execução dessa política. Além dessas duas visões da teoria tradicional existe uma concepção do processo de implementação entendido como um jogo, a chamada Teoria Moderna. Essa suposição considera os contextos importantes nos processos de Gestão de Políticas Públicas – 42 – implementação das Políticas Públicas, nos quais são evidenciados a existência de um cenário político caracterizado por troca, a negociação e a barganha, a ambiguidade de objetivos e os problemas de coordenação intergovernamental; um cenário completamente diferente daquele que considerava a administração pública como um sistema operativo perfeito. Nessa visão se considera ainda que: os recursos para implementação são limitados, a informação na fase de formulação é escassa e existe uma grande limitação cognitiva por parte dos for- muladores (policy makers). É ressaltada também, nessa visão, a impossibilidade de se controlar as eventualidades, uma vez que os formuladores de políticas não controlam e muito menos têm condições de prever as contingências que podem afetar o policy environment (ambiente político) no futuro. Para os teóricos dessa visão, os elementos que ocorrem na implementa- ção que acontecem diferentemente do que havia sido planejado são formas de aprendizagem que contribuem para evolução e adaptação das Políticas Públi- cas. A existência dos “elos críticos”2 são responsáveis pelo redirecionamento das políticas, no qual as redes de agentes políticos desenvolvem a aprendiza- gem coletiva. Há nessa visão, portanto, a recusa à noção de implementação como uma etapa subsequente à formulação. Todas essas considerações criam uma visão bastante estratégica dos problemas de implementação; esse processo passa a ser percebido como uma decisão política que decorre da interação entre atores políticos (stakeholders) e é eliminada a tendência de isolar a Política Pública do jogo político mais amplo, uma ideia que tem efetivamente se mostrado irrealista e pouco democrática. Esse contexto nos permite conceber uma ideia de policy cycle como um processo constituído por etapas, onde ao longo de cada uma delas as Políticas Públicas passam por um ciclo de reedição constante, e onde cada etapa tem o papel fundamental de retroalimentar o ciclo de forma que as experiências aprendidas ao longo dessa trajetória possam ser usadas como aprendizado e, 2 Elos críticos” representam os pontos no tempo onde questões referidas ao processo de sus- tentação política e a capacidade de mobilizar recursos se conjugam. Nesse momento se produz uma espécie de crise e há uma tomada de decisão crítica por um ator estratégico que impele o programa em uma direção nova. Esse momento de crise representa um momento de aprendi- zado na dinâmica do programa. (FREY, 2000, p.14) – 43 – A elaboração de Políticas Públicas:processos de formulação, implementação e avaliação com isso, passem a ser consideradas como estratégias para a avaliação e aper- feiçoamento da intervenção estatal (figura 3). Figura 3 – A implementação como aprendizagem e tomada de decisão. Implementação como aprendizado e tomada de decisão Nós críticos Stakeholders Fonte: SILVA; MELO, 2000, p. 14. 2.1.3 As etapas do processo de formulação e implementação de Políticas Públicas Independente do modelo de implementação de Políticas Públicas ado- tado, esse processo segue uma série de etapas que, em linhas gerais, estão presentes na quase totalidade das Políticas Públicas. Essas etapas não são necessariamente sequenciais nem mesmo apresentam- -se como conjunto integrado em todas as Políticas Públicas, mas a ordem apresen- tada a seguir, bem como a quantidade de fases que estaremos expondo, represen- tam o que pode ser considerado como uma Política Pública ideal. 1.ª etapa: definir o problema em seus aspectos normativos e definir as suas causas Essa etapa compreende o esforço de definir com clareza qual o pro- blema a ser resolvido, significa tornar extremamente explícita a demanda social a ser atendida pela Política Pública acordada. Ademais, nessa etapa são definidas também as causas do problema em questão, cabendo aos gestores e técnicos responsáveis pela resolução dessa problemática pes- quisar em todas as hipóteses possíveis quais os fatores determinantes Gestão de Políticas Públicas – 44 – daquele problema e, dessa forma, utilizar a estratégia mais acertada para cada causa em busca da resolução do problema público. 2.ª etapa: subdividir o problema Nessa etapa, os responsáveis pela condução da Política Pública adotada devem, a partir da definição do problema na etapa anterior, decompor o mesmo para que a percepção em torno de suas causas dire- tas e indiretas e possíveis soluções seja mais evidente. Isso é importante, pois quando um problema público é demasiado complexo geralmente as tentativas de solucioná-lo diretamente são falhas, pois, devido à sua complexidade, as estratégias de solução direta por vezes não atingem a real causa do problema. Daí a importância de subdividi-lo, para que, a partir de problemáticas menores, possa-se pensar em soluções específicas para as subquestões. 3.ª etapa: demonstrar as opções de tratamento para o problema e identificar as soluções alternativas A terceira etapa do processo de implementação de Políticas Públi- cas compreende a exposição das opções possíveis e viáveis para solução do problema, das que já estão sendo implantadas e das soluções alterna- tivas caso as soluções em curso não demonstrem capacidade de obtenção de resultado efetivo. Em termos práticos, significa inverter as causas do problema de funções negativas para funções positivas. 4.ª etapa: fazer a projeção dos resultados esperados A estimativa dos resultados esperados na fase de implementação de Políticas Públicas é fator essencial para obtenção de um bom resultado no todo. Isso se deve ao fato de que, mesmo não sendo um cálculo que assegure perfeita exatidão em um resultado futuro, a projeção dos resul- tados pode indicar quais problemas são passíveis de solução no tempo desejado e com os recursos disponíveis, assim evitando o desperdício de esforços com uma política que seria ineficiente ou reformulando os objetivos para que os resultados esperados sejam alcançados. – 45 – A elaboração de Políticas Públicas: processos de formulação, implementação e avaliação 5.ª etapa: definir as estratégias de implementação Por fim, a quinta etapa do processo de implementação de Políticas Públicas compreende a medida prática de todo o processo. Ela corresponde aos meios técnicos que serão utilizados para resolução do problema social em questão. Essas estratégias são fruto de análise de especialistas e técnicos que possuem o know-how para indicar quais os meios são viáveis para execução da Política Pública adotada, mas também da discussão política e das negociações com os grupos de pressão, os quais influenciam nesse processo final da imple- mentação das Políticas Públicas. Figura 4 – Esquema das etapas do processo de implementação de Políticas Públicas. 1 – Definir o problema em seus aspectos nor- mativos e definir as suas causas. 2 – Subdividir o problema. Fonte: João Martins Tude. 3 – Demonstrar as opções de tratamento para o problema e identificar as soluções alternativas. 4 – Fazer a projeção dos resultados esperados. 5 – Definir as estratégias de implementação. Essas cinco etapas caracterizam, de modo geral, o processo de implemen- tação de Políticas Públicas, mas sem a existência de um conjunto de condições específicas necessárias para que essas etapas se processem de modo adequado, as quais acabam por tornarem-se ineficazes e incapazes de cumprir os objetivos a que foram destinadas. A seguir verificaremos quais as condições mínimas neces- sárias para que as Políticas Públicas respondam às demandas sociais e solucio- nem ou amenizem as problemáticas sociais. Gestão de Políticas Públicas – 46 – 2.1.4 Condições gerais para implementação de Políticas Públicas Desde o início dos anos 1970 que os estudiosos de Políticas Públicas questionam-se sobre o “elo perdido” existente entre o processo de formulação e avaliação de Políticas Públicas: o processo de implementação (RUA, 1995, p. 13-14). Apesar de importante, a separação entre esses três processos possui muito mais validade analítica do que prática, pois no processo de formulação de Políticas Públicas muitas vezes leva-se em conta as possibilidades de se implementar ou não determinada política, da mesma forma que ocorre na avaliação, quando a análise das políticas adotadas considera em que condições essas foram implementadas. Dentre os três principais processos constituintes das Políticas Públicas, o processo de implementação talvez seja o mais complexo em termos de apli- cabilidade prática. Essa complexidade eleva-se ainda mais na medida em que determinada política for de caráter mais abrangente, ou seja, que envolva diversos níveis e setores da administração pública (federal, estadual, munici- pal, distrital etc.). Portanto, para que uma Política Pública seja implementada com efetividade e venha representar respostas às demandas sociais é neces- sário considerar algumas condições gerais básicas3 que guiem o processo de implementação de Políticas Públicas. De acordo com Rua (1995, p. 13-14), os principais estudos nesse âmbito consideram no mínimo dez pré-condições essenciais para a implementação de políticas, as quais descreveremos a seguir: 2 A agência responsável pela implementação de determinada polí- tica deve estar isenta, dentro das possibilidades máximas, de imposições e restrições advindas do meio externo para que esta não se desvirtue. Esse ponto é particularmente complicado, pois mesmo após efe- tivado o acordo no processo de formulação sobre qual política deve ser adotada, ainda assim algumas agências, departamentos e setores da administração pública, além de entes privados, procu- ram exercer influência no modo como a política escolhida deve ser implementada. 3 Essas condições variam de governo e de Estado, mas servem como parâmetro para uma com- preensão geral das principais condições necessárias para um bom resultado das Políticas Públicas. – 47 – A elaboração de Políticas Públicas: processos de formulação, implementação e avaliação 2 O programa político adotado dever ser pensado considerando os recursos financeiros disponíveis e o tempo hábil para consecução da política adotada. Isso nem sempre é possível, pois as projeções econômicas e técnicas não são perfeitamente exatas, mas é necessário ainda assim buscar inserir a implementação da política adotada numa margem de erromínima para que esta não fuja ao seu objetivo inicial. 2 É necessário que em cada etapa da implementação a combinação de recursos esteja disponível. O cálculo dos custos globais da imple- mentação deve ser pensado não de maneira uniforme, mas sim para cada estágio da implementação, além de sua manutenção. A não observação desse ponto implica quase sempre na paralisação da política adotada antes da sua conclusão ou em curta durabili- dade, visto que muitas das políticas são pensadas somente até o estágio de sua implementação não levando-se em conta o cálculo de custos globais para sua manutenção. 2 Ao se implementar uma determinada política deve-se ter em mente qual o seu real objetivo, a que demanda ela deve atender e em que medida. Deve-se pensar na relação de causa (qual problema deve ser solucionado e o que está ocasionando) e efeito (qual a solução está sendo proposta e até onde ela pode solucionar o problema). A observação desse ponto evita muitas vezes o desperdício de recur- sos públicos no processo de implementação de Políticas Públicas, pois a partir do momento que não se tem clara consciência dos objetivos gerais e específicos de determinada política esta pode con- verter-se em solução para problemas as quais não estava destinada e assim perder a sua validade enquanto resposta a demandas sociais. 2 A relação exposta no ponto anterior entre causa e efeito não deve sofrer intervenções externas, e se essas mesmo assim ocorrerem devem ser mínimas. Isso evita que se retorne ao estágio da discussão em torno de uma política já acordada e em processo de implementação. Gestão de Políticas Públicas – 48 – 2 A agência responsável pela implementação de determinada política deve possuir alto grau de independência frente às outras agências da administração pública, principalmente no aspecto da liberação de recursos financeiros. A participação de diversas agências ou mesmo um alto grau de depen- dência existente entre diversas agências responsáveis pela implemen- tação de determinadas políticas por vezes emperra a implementação prática da política adotada e faz com que a mesma perca sua capaci- dade de responder às demandas para as quais foi destinada. 2 É indispensável o conhecimento mais amplo possível e o máximo de consenso quanto aos objetivos a serem alcançados, não somente no início do processo de implementação, mas em todas as etapas posteriores. A compreensão completa dos objetivos a serem alcançados e o con- senso entre os responsáveis evitam falhas de execução na imple- mentação das políticas adotadas e facilitam a resolução de possíveis problemas durante o processo. 2 No decorrer do processo de implementação e em todas as etapas que se seguem em direção dos objetivos previamente acordados, é necessário especificar detalhadamente todas as tarefas restantes e as responsabilidades de cada participante determinante para consecu- ção da política adotada. Cada responsável pela implementação de determinada política, além de todo o grupo, deve ter em mente, com clareza de detalhes, suas responsabilidades nesse processo para que, em caso de falhas de execução, possa-se detectar facilmente de onde provém o pro- blema e dessa maneira corrigi-lo com mais eficiência. 2 Faz-se indispensável um sistema de comunicação efetivo e uma coordenação ativa entre os diversos elementos envolvidos na imple- mentação da Política Pública adotada. Falhas na comunicação podem comprometer todo o processo de implementação de Políticas Públicas, é indispensável que as infor- – 49 – A elaboração de Políticas Públicas: processos de formulação, implementação e avaliação mações sejam passadas com clareza e de modo abrangente para que todos aqueles envolvidos no processo de implementação possam executar as atividades dentro das especificidades predeterminadas. 2 É necessário que a relação entre os comandantes e comandados seja bem-definida e que não haja conflitos no núcleo responsável pela implementação das políticas adotadas. Esse último ponto engloba as principais questões levantadas nos pontos anteriores como a importância do consenso, da homogenei- dade, do foco nos objetivos, da boa comunicação etc. É certo que esses pontos não são consensuais e suficientes para que as políticas formuladas sejam implementadas em sua plena capa- cidade, mas são extremamente importantes para que as políticas acordadas cumpram minimamente seus objetivos e assim possam responder às demandas da sociedade. 2.2 Avaliação de Políticas Públicas Os estudos científicos sobre Políticas Públicas desenvolveram-se como uma consequência do constante questionamento, por parte dos investiga- dores sociais, sobre a efetividade das ações de intervenção social praticadas pelas políticas governamentais ao longo dos anos. Essa perspectiva de análise cresce progressivamente e justifica-se pelo surgimento de uma necessidade de construção de um agir público pautado na dinamização e reforma do Estado. Nessa mesma perspectiva, surge, posteriormente, a concepção de ava- liação de Políticas Públicas, que se vincula a uma necessidade de mensuração e apreciação dos resultados das intervenções da gestão pública na sociedade. Esse tipo de avaliação oferece um panorama de informações que permite uma análise dos resultados concretos e das limitações dos projetos governamentais. Hoje em dia, são elaboradas constantemente novas pesquisas sobre a ver- tente investigativa da avaliação de Políticas Públicas, todavia, a conceituação e a diferenciação desta em relação a outras práticas de aferição de resultados ainda se encontram em estado incipiente. Essa percepção gera um questiona- mento inevitável, afinal o que é a avaliação de Políticas Públicas? Gestão de Políticas Públicas – 50 – De acordo com Ala-Harja e Helgason (2000) não existe consenso quanto ao que seja uma avaliação de Políticas Públicas, pois o conceito admite múlti- plas definições, algumas delas contraditórias. Esse fato explica-se justamente porque a área de Políticas Públicas é perpassada por uma variedade de abor- dagens, disciplinas, instituições e executores, abrangendo diversas questões, necessidades e pessoas. Devido a isso, formular um conceito para avaliação de Políticas Públicas implica em defini-lo e categorizá-lo em relação a suas propriedades, caracte- rísticas e seu objeto de estudo. Com o objetivo de auxiliar em uma conceituação geral da avaliação de Políticas Públicas se faz necessário, então, compreender primeiramente em que consiste a ideia de “avaliação”. De acordo com Ferreira (1999), ava- liar significa determinar a valia de algo, atribuir um valor. Observa-se uma abordagem mais específica na definição proposta por Ala-Harja e Helgason (2000, p. 8) que mencionam o termo como referente à “avaliação dos resul- tados de um programa em relação aos objetivos propostos.” Garcia (2001, p. 31) baseado na combinação de definições de vários autores consegue ser ainda mais específico e define avaliação como: Uma operação na qual é julgado o valor de uma iniciativa orga- nizacional, a partir de um quadro referencial ou padrão compara- tivo previamente definido. Pode ser considerada, também, como a operação de constatar a presença ou a quantidade de um valor desejado nos resultados de uma ação empreendida para obtê-lo, tendo como base um quadro referencial ou critérios de aceitabili- dade pretendidos. A avaliação pode ser percebida então enquanto instrumento capaz de fornecer informações úteis sobre o desempenho dos projetos e programas de Políticas Públicas, e ainda fornece através da mensuração dos resultados, informações cruciais para o processo de tomada de decisões. Após esse breve enquadramento conceitual sobre “avaliação”, apresenta- -se a seguir uma análise comparativa das definições de avaliação de Políticas Públicaspropostas por diferentes autores. O primeiro conceito de avaliação de Políticas Públicas a ser analisado é o proposto por Geva-May e Pal (1999) que afirmam que: – 51 – A elaboração de Políticas Públicas: processos de formulação, implementação e avaliação The evaluation of public policy could be understood as the whole process of checking afterwards how far policy objectives have been achieved and how effectively and economically. Evaluation frequently relates to existent, measurable and most often segmental aspects of the policy process. However, subjective values are admissible in some cases. Evaluations try to provide answers to casual questions (impact or efficiency), and are conducted post facto [after the event].4 Geva-May e Pal (1999), ao longo de sua definição sobre “avaliação de Políticas Públicas”, abordam a necessidade de diferenciação entre esta e o conceito de “análise de Políticas Públicas” (ver tabela 2). A conceituação pro- posta pelos autores compreende a avaliação como um subgrupo ou uma fase do processo de análise. E acrescentam ainda que a avaliação difere da análise, uma vez que a primeira fornece respostas para as perguntas causais como questões sobre impacto e eficiência e se concentra nos processos e problemas orçamentários; enquanto a segunda é a responsável pelo passo seguinte, ou seja, predizer resultados e demonstrar quais redirecionamentos necessitam ser implantados para que o projeto consiga atingir sua finalidade. Na definição de Dunn, 1994 (apud CAVALCANTI, 2007, p. 234): O termo avaliação é sinônimo de palavras como julgamento, valo- ração, classificação, que de algum modo sugerem esforços para ana- lisar resultados de políticas em termos de um conjunto de valores. De maneira mais específica, a avaliação evoca a produção de infor- mação sobre algum tipo de comparação entre os resultados obtidos pela política e o conjunto de valores que levou à sua formulação. Vista dessa forma, a avaliação é um empenho para determinar a “utilidade social” de uma política ou programa, e não simplesmente um esforço para coletar informações sobre os resultados, previstos ou não, da implementação. (DUNN, 1994 apud CAVALCANTI, 2007, p. 234) 4 (Tradução) A avaliação de Políticas públicas pode ser entendida como o processo completo de checagem da consecução dos objetivos das políticas adotadas, levando-se em consideração parâmetros econômicos e de efetividade. A avaliação na maioria das vezes relaciona-se ao que existe e que pode ser mensurado e frequentemente diz respeito aos aspectos segmentários do ciclo político. Porém, valores subjetivos são admissíveis em alguns casos. As avaliações tentam prover respostas a perguntas casuais (impacto ou eficiência) e são administradas post facto (depois do evento). Gestão de Políticas Públicas – 52 – Tabela 2 – Comparação entre as abordagens de avaliação e análise de Políticas Públicas Análise de Políticas Públicas Avaliação de Políticas Públicas Construção do problema, formulação, tomada de decisão, implementação e avaliação Implementação e resultados Relação de poder entre os atores Não focaliza relações de poder Atores dominantes Não se indaga sobre o poder dos atores Projetos políticos conflitantes Não considera o projeto político dos atores Analista atento para a dimensão política (politics) da política Avaliador assume posição neutra Foco no processo de elaboração da política Foco nos resultados da imple- mentação da política Fonte: SILVA, 2008. Outra abordagem conceitual sobre avaliação de Políticas Públicas aparece na obra de Faria (2005, p. 1) que a conceitua como uma “(a) atividade destinada a aquilatar os resultados de um curso de ação cujo ciclo de vida se encerra; (b) a fornecer elementos para o desenho de novas intervenções ou para o aprimora- mento de políticas e programas em curso; e (c) como parte da prestação de contas e da responsabilização dos agentes estatais.” Embora sua definição apresente uma visão mais política sobre a avaliação, o autor procura esclarecer que esse conceito é percebido atualmente por uma visão mais normativa e técnica, onde é enfatizada sua função principal como instrumento gerencial. – 53 – A elaboração de Políticas Públicas: processos de formulação, implementação e avaliação Seguindo o viés de definição de avaliação de Políticas Públicas abordando o conceito de um modo mais politizado, Cavalcanti (2009) afirma que “a avaliação de Políticas Públicas não é simplesmente um instrumento de aperfeiçoamento ou de redirecionamento dos programas empreendidos pelo governo, mas, e espe- cialmente, uma ferramenta capaz de prestar contas à sociedade das ações gover- namentais.” Nessa perspectiva, o conceito envolve o diálogo público e o controle social na sua dinâmica, pois a qualidade dos programas só aumenta quando a participação dos usuários é intensificada e efetivamente acontece. Neste capítulo decorremos ao longo de todo o ciclo de elaboração de uma Política Pública (ver figura 5), observamos os momentos em que são definidas as problemáticas que farão parte da agenda política, assim como o processo de seleção dos instrumentos que estarão presentes na fase de implementação da mesma. Transcorremos sobre as etapas do processo implementação de uma Polí- tica Pública, onde foram elucidadas as condições específicas requeridas para que a implementação ocorra de forma adequada. E, por fim, analisamos a última fase do ciclo da política, a fase de avaliação, na qual foram abordados alguns conceitos sobre o processo de avaliação das Políticas Públicas e delineamos uma visão mais abrangente do mesmo. Figura 5 – Policy Cycle (Ciclo de Política). • Análise das problemáti- cas sociais • Descrição e determinação de políticas • Avaliação dos impactos e resultados • Realização e disseminação da política Percepção e definição de problemas Formulação de políticas Avaliação de políticas Implementação de políticas Fonte: João Martins Tude. Gestão de Políticas Públicas – 54 – Ampliando seus conhecimentos Análise da implementação de Políticas Públicas educacionais na Bahia (TEIXEIRA, 2008) Objetivos da pesquisa O objetivo deste artigo é analisar as relações entre a imple- mentação de duas Políticas Públicas educacionais deflagradas pelo Governo da Bahia na virada para o século XXI: a certi- ficação ocupacional de dirigentes escolares e o planejamento estratégico das unidades de ensino. As análises estatísticas deste artigo, que focam a dimensão do grau de independên- cia das escolas na implementação dos seus instrumentos de planejamento estratégico, revelam de que forma a certificação ocupacional dos dirigentes pode estar contribuindo para o fortalecimento da capacidade local de planejamento, assim como mostram que não é o domínio de uma ou de outra competência isoladamente que faz a diferença no âmbito da referida dimensão, mas sim o domínio delas em conjunto no contexto da certificação. Texto introdutório São muitas as definições para o que é Política Pública, sendo que várias delas se apropriam da noção das ações dos gover- nos. Dye (1992), por exemplo, procurando entender o que os governos fazem, por que o fazem e que diferença isso faz, declara que Política Pública é tudo aquilo que os governos escolhem ou não fazer, de maneira que a inação governa- mental pode causar um impacto na sociedade tão expressivo quanto a própria ação. Este é o conceito de Política Pública que foi selecionado para os fins do presente artigo. No entendimento de Souza (2002, 2003), alguns fatores ajudaram a aumentar o interesse em torno da análise de Polí- – 55 – A elaboração de Políticas Públicas: processos de formulação, implementação e avaliação ticas Públicas nos últimos anos, por exemplo,as restrições orçamentárias que afetam principalmente os governos dos países em vias de desenvolvimento. A propósito, a expressão análise de Políticas Públicas foi introduzida por Laswell (1936 apud SOUZA, 2002), fruto da sua preocupação em conci- liar a produção empírica dos governos com o conhecimento científico. Para esse último autor, a análise de Políticas Públicas envolve a busca de respostas para as questões sobre quem ganha o quê, por que e que diferença isso faz. Dye (1992), por sua vez, argumenta que, tradicionalmente, a estrutura institucional do governo sempre foi o foco principal dos cientistas políticos, ao invés das políticas propriamente ditas. Somente muito recentemente é que a atenção dos estu- diosos se voltou para a análise das Políticas Públicas, isto é, para a descrição e explicação das causas e consequências da atividade governamental. Souza (2002; 2003) propõe uma abordagem holística para o tema das Políticas Públicas, não no sentido de um esva- ziamento teórico e metodológico, mas sim no de comportar múltiplos entendimentos. Ela entende que a área do conhe- cimento das Políticas Públicas engloba unidades diversas em um todo organizado e possibilita abordagens muito distintas. A visão holística sugerida por Souza (2002, 2003) admite o uso de técnicas quantitativas e modelos diversos, como os da econometria, da economia, além da sociologia, por exem- plo, no contexto da análise das Políticas Públicas. A autora, na verdade, argumenta que essa área de estudo comporta a utilização de distintos modelos analíticos, não necessariamente restritos ao contexto da Ciência Política. O raciocínio acima é fundamental para analisar uma Política Pública quando ela é posta em ação, isto é, quando é ela implementada, conforme objetivo deste artigo. A implementa- ção é a etapa do ciclo da Política Pública que tem sido menos investigada na academia, assim como a que tem recebido menos atenção dos governantes. Gestão de Políticas Públicas – 56 – Esta seção termina aqui, depois de apresentar os fundamentos da literatura especializada sobre análise de Políticas Públicas. Esses fundamentos são importantes para entendimento dos resultados que serão apresentados adiante. Resultados da pesquisa A principal associação que esta investigação procurou desven- dar envolve a situação do diretor em relação ao processo de certificação e o grau de independência da escola na execução do seu planejamento estratégico. Os dados revelaram uma cor- relação moderada e estatisticamente significativa (γ = 0,450) entre essas variáveis, indicando uma tendência da execução do PDE ser mais independente, ou seja, demandar menos auxílio de especialistas externos à escola, se os diretores desses estabe- lecimentos forem certificados vis à vis os casos que contam com diretores em processo de certificação ou suspensos; o mesmo tende a ocorrer comparando as ocorrências de diretores em processo ou suspensos com aquelas de dirigentes não inscritos na certificação. A literatura ajuda a interpretar a correlação em discussão, na medida em que a própria definição de certificação ocupacio- nal a reconhece como uma alternativa para atestar o domínio das competências básicas para o exercício de uma profissão. Há que se acrescentar a inclusão do planejamento estratégico no conjunto de atribuições do diretor escolar, em um contexto de gestão participativa com um viés de mercado. A noção de competência concatena os argumentos teóricos em torno da seguinte lógica: a fim de cumprir uma demanda inerente ao seu papel à frente da unidade de ensino, relacionada com a lide- rança e coordenação da execução do planejamento estratégico, o diretor certificado se motiva e combina adequadamente os conhecimentos, habilidades e atitudes que ele domina e que são requeridos para a “entrega desse produto” (PDE executado com independência de especialistas externos). – 57 – A elaboração de Políticas Públicas: processos de formulação, implementação e avaliação A estatística foi utilizada neste trabalho como uma linguagem para compreender a lógica central do estudo, ou seja, o γ = 0,450 indica que provavelmente a certificação ocupacional está contribuindo para o desenvolvimento da capacidade local de planejamento, entendendo como local o nível da escola e ressaltando que existem 5 chances em 100 desse resultado decorrer de erro de amostragem. Essa é a principal contribuição deste estudo em termos de criação de conhecimento sobre a implementação das Políticas Públicas de certificação ocupacio- nal de dirigentes escolares e de planejamento estratégico nas escolas da rede pública estadual. As outras três associações investigadas neste estudo derivaram da primeira relação. Tais associações complementares envolve- ram, de um lado, o escore obtido por um candidato em um determinado padrão de competência aferido pelo processo de certificação e, de outro lado, a independência na execução do PDE. Não foram encontradas correlações estatisticamente significati- vas a partir dos testes realizados quando estavam envolvidos os seguintes padrões de competência: visão e planejamento estratégico e desenvolvimento da equipe. Com o padrão de competência em administração escolar, a situação foi diferente. A ausência de tais correlações significativas indica que prova- velmente o domínio isolado dessa ou daquela competência não faz diferença quando se trata da independência da escola na implementação do planejamento estratégico. É preciso o domínio de um conjunto de competências e motivação para as colocar em prática. Entretanto, a associação entre o desempenho na competência em administração escolar e a independência na execução do PDE produziu um resultado estatisticamente significativo, ainda que se trate de uma correlação fraca. A interpretação dessa medida pode ser, stricto sensu, que existe uma tendência de que quanto maior for a competência do diretor em administração escolar, maior será Gestão de Políticas Públicas – 58 – a independência na execução do PDE. Recomenda-se, contudo, cautela no uso desse resultado, porque o coeficiente é fraco e outras associações significativas não foram observadas para as demais competências tomadas isoladamente. Para encerrar o presente estudo, é importante apresentar as suas limitações. Uma primeira constatação está relacionada com o reconhecimento de que a implementação do processo de planejamento estratégico envolve outras etapas além da execução do PDE. Uma investigação mais completa da imple- mentação dessa política pode considerar não somente a exe- cução do plano, como a sua concepção e a prestação de con- tas de eventuais recursos recebidos a título de financiamento de algumas ações estratégicas. Outra limitação deste trabalho se refere à constatação de que o desempenho dos diretores no processo de certificação é medido em tempo de execução desse processo, enquanto que a combinação adequada das competências para exercício das atividades profissionais ocorre quando esses indivíduos já estão trabalhando e liderando a implementação do plane- jamento estratégico. No meio, se encontra a atitude de moti- vação, que pode ser tratada em outro estudo, que explore a associação da competência com o planejamento estratégico com esse viés (de iniciativa dos profissionais). Concluindo, foi explicitado que os trabalhos acadêmicos que abordam a implementação de Políticas Públicas são raros. Eles são mais raros ainda na Bahia, um estado sem tradição nessa área. Também foi reportado que em cenários de limitações fiscais, conhecer detalhes de implementação de Políticas Públi- cas pode ser muito interessante para quem as formula, imple- menta e avalia. Aí se enquadra a contribuição deste estudo, que, com base em evidências, procura ajudar a compreender a realidadeda execução da certificação ocupacional e do pla- nejamento estratégico nas escolas públicas baianas. – 59 – A elaboração de Políticas Públicas: processos de formulação, implementação e avaliação Atividades 1. Quais são as etapas existentes no ciclo de elaboração de uma Política Pública? Apresente um conceito resumido e as principais característi- cas de cada uma delas. 2. Para que servem as Políticas Públicas e quais são os problemas que elas se propõem a resolver? 3. De que modo os problemas sociais são percebidos e solucionados através das Políticas Públicas? Controle e monitoramento social de Políticas Públicas no Brasil Resultado de um intenso processo de luta entre a sociedade civil brasileira contra um Estado autoritário, a Constituição Federal de 1988 marca um novo momento na vida política do país. Diver- sos foram os mecanismos criados no bojo da nova carta magna que permitiram a consolidação e intensificação da participação da socie- dade civil brasileira na gestão pública. 3 Gestão de Políticas Públicas – 62 – A partir de então, surge neste país uma democracia representativa e participativa, na qual os processos de controle e monitoramento social apa- recem como algumas das várias formas de intervenção da sociedade nas Políticas Públicas. A participação da sociedade na elaboração, implemen- tação e avaliação de Políticas Públicas passa então a ser uma temática em voga, seja na comunidade acadêmica, na sociedade civil organizada ou entre gestores públicos. Nesse sentido, este capítulo se propõe a apresentar e refletir sobre o his- tórico, os meios, os mecanismos e as limitações da participação da sociedade civil brasileira no controle/monitoramento de Política Públicas. Este capítulo se estrutura em três partes principais: a primeira, intitulada “Democracia e par- ticipação política no Brasil”, visa construir de maneira sintética um histórico da participação da sociedade civil na política brasileira, assim como apresentar os diferentes instrumentos democráticos criados com a promulgação da Cons- tituição Federal de 1988; a parte seguinte, intitulada “Controle e monitora- mento social de Políticas Públicas”, objetiva refletir sobre os conceitos de con- trole social e monitoramento social de Políticas Públicas, entendendo de que maneira esses conceitos evoluem e se modificam com o passar do tempo; por fim, na última parte, chamada “Conselhos gestores de Políticas Públicas”, será apresentado o arranjo político que por excelência visa ser um espaço de con- trole/monitoramento social de Políticas Públicas no Brasil. 3.1 Democracia e participação política no Brasil Segundo Evelina Dagnino (2002), a sociedade civil brasileira ressurgiu (ou até mesmo nasceu, para alguns autores) durante a ditadura militar, como reação contra o Estado autoritário que, sob domínio de militares a partir de 1964, utilizou-se principalmente da violência para governar. Contudo, como afirma Ruth Cardoso (2004), não se pode dizer que a sociedade civil se inicia do nada, como se de repente os movimentos sociais surgissem espontaneamente, sem que houvesse aí inseridos agentes políticos, por exemplo, “um velho militante que tinha sido de uma associação de não sei quando, que tinha participado do Partido Comunista nos anos 1950 e que estava num bairro mobilizando pessoas” (CARDOSO, 2004, p. 85). – 63 – Controle e monitoramento social de Políticas Públicas no Brasil De fato, não se pode negar a presença da sociedade civil organizada no Brasil antes de 1964. Isso pode ser observado, por exemplo, com o movimento operário, que “cresceu como categoria social nas duas primeiras décadas do século XX”, organizados em sindicatos e sobre forte influência do anarquismo. Essas organizações trabalhistas iniciaram a confecção de publicações operárias e a realização de greves a partir de 1891, chegando a promover uma greve geral em São Paulo no ano de 1917 e forçando o Estado Brasileiro a criar a Comis- são de Legislação Social, encarregada de redigir leis específicas de “proteção” aos trabalhadores (KOSHIBA; PEREIRA, 1996, p. 261). Entretanto, devido ao seu baixo nível de institucionalização, a sociedade civil brasileira se vê manipulada e controlada por uma série de governos populis- tas, que se iniciam em 1930 e vão até o golpe militar. O Estado populista obteve sucesso em manipular a sociedade civil enquanto conseguia atender parte de suas exigências, mas falhou no momento que reformas estruturais foram exigidas por movimentos sociais cada vez mais autônomos e radicais. É nesse momento de radicalização que ocorre o golpe militar (KOSHIBA; PEREIRA, 1996). Dessa maneira, deve-se inverter o raciocínio: não foi por causa do golpe militar que a sociedade civil “ressurge”, mas por causa da maior instituciona- lização e força da sociedade civil que surge o golpe militar. Não seria estranho que o período em que a sociedade civil foi mais reprimida e violentada fosse justamente aquele em que esta “desabrochou”? Contudo, não se pode negar que no Brasil, durante a ditadura mili- tar, os mais diversos segmentos sociais (associações, movimentos sociais de vários tipos, sindicatos, universidades, igrejas, imprensa, ONGs etc.) se unificaram para combater o Estado autoritário e restabelecer o regime demo- crático, incorporando neste uma cidadania participativa (DAGNINO, 2002; GÓMEZ, 2003). Como ensina Guedes (2008): Neste sentido e em oposição ao autoritarismo estatal, as organiza- ções da sociedade civil colaboraram na tentativa de democratizar e expandir as esferas públicas oficiais, especialmente a partir de 1985. A crescente aglutinação sobre questões institucionais e políticas como censura à imprensa, anistia, pluripartidarismo e tortura de presos polí- ticos convergiu no grande movimento das “Diretas Já” que, impulsio- nado por princípios democráticos e potenciado com a utilização da mídia, buscou construir outras formas de convivência e sociabilidade Gestão de Políticas Públicas – 64 – na relação da sociedade com o Estado. [...] Esses atores que lutaram contra o autoritarismo dos militares e a favor de mudanças na cultura política do país conseguiram restabelecer a democracia e instituciona- lizar instrumentos participativos através da Constituição Federal de 1988 (GUEDES, 2008, p. 53-54). Uma perspectiva de democracia representativa e participativa1 surge no Brasil a partir da promulgação da Constituição Federal de 1988, a qual incor- pora a sociedade civil na administração pública do país, se caracterizando como um marco formal do processo democratizante. Diversos foram os mecanismos criados a partir da promulgação da Constituição Federal vigente que permitem a participação social, como: ple- biscito, referendo popular, iniciativa popular legislativa, audiência pública, tribuna popular, orçamento participativo e conselhos (municipais, estaduais e federais) gestores de Políticas Públicas. Mecanismos criados no Brasil para a participação social Plebiscito e referendo popular São mecanismos democráticos de consulta popular. Como ensina Baltazar (2005) “a diferença principal entre estes insti- tutos é que o plebiscito é convocado com anterioridade ao ato legislativo ou administrativo, cabendo ao povo, pelo voto, apro- var ou denegar o que lhe tenha sido submetido. O referendo é convocado com posterioridade ao ato legislativo ou adminis- trativo, cumprindo ao povo a respectiva ratificação ou rejeição.” Ou seja, em um plebiscito o Estado delega aos cidadãos a tomada de decisão sobre algum assunto de importância nacio- nal para que, após a decisão tomada, se constitua a norma jurídica; já no referendo popular, o governo toma a decisão 1 A democracia representativa ocorre quando cidadão escolhem representantes, normalmente, por meio de eleição, para tomar decisõese gerir a coisa pública durante certo tempo. Já a democracia participativa constitui-se num modele democrático que combina a democracia re- presentativa e a participação da sociedade civil no processo de deliberação política e regulação da vida coletiva. – 65 – Controle e monitoramento social de Políticas Públicas no Brasil – constitui a norma jurídica – e então consulta os cidadãos, os quais devem ou não ratificá-la. Iniciativa popular legislativa Por meio desse instituto um conjunto de cidadãos pode iniciar um processo legislativo (elaborar um projeto de lei) o qual irá ser submetido à apreciação do Poder Legislativo (GUEDES, 2008). Audiência pública É uma “instância no processo de tomada da decisão adminis- trativa ou legislativa, através da qual a autoridade competente abre espaço para que todas as pessoas que possam sofrer os reflexos dessa decisão tenham oportunidade de se manifestar antes do desfecho do processo” (SOARES, 2002). Tribuna popular Tribuna popular é um espaço destinado aos cidadãos manifesta- rem suas ideias e posicionamentos no Poder Legislativo (munici- pal, estadual ou federal). “O objetivo da tribuna popular é ser um canal de expressão da comunidade, devendo ser utilizada para o debate de assuntos que, direta ou indiretamente, digam respeito a interesses da comunidade” (CÂMARA MUNICIPAL DE ITÁPOLIS, 2009). Orçamento participativo É um instrumento da democracia participativa que permite aos cidadãos participarem das decisões orçamentárias, geralmente, de municípios. Ou seja, por meio de assembleias abertas e perí- odicas, a sociedade civil, em negociação direta com o governo, decide o alocamento de parte dos recursos municipais. Conselhos gestores de Políticas Públicas Os conselhos gestores de Políticas Públicas são espaços públi- cos compostos por membros oriundos da sociedade civil e do Gestão de Políticas Públicas – 66 – Estado, no geral, de maneira paritária, que possuem a função de controlar e deliberar sobre determinadas Políticas Públicas (TATAGIBA, 2002). 3.2 Controle social e monitoramento social de Políticas Públicas: definições e convergências A intensificação da participação política ocorrida no Brasil após a pro- mulgação da Constituição Federal de 1988, somada ao agravamento dos pro- blemas sociais e a crise do setor público, levaram aos questionamentos sobre “o padrão centralizador, autoritário e excludente que vem marcando a relação entre as agências estatais e os beneficiários das Políticas Públicas” e a capa- cidade do Estado em responder às demandas sociais (TATAGIBA, 2002, p. 47). Tais questionamentos são compreensíveis dado que a distância existente entre sociedade civil e Estado – o qual se vê muitas vezes influenciado por interesses privados – leva à formulação de Políticas Públicas distantes dos interesses da sociedade, portanto inócuas ou mesmo prejudiciais. Essa situação vem motivando a sociedade civil organizada a – cada vez mais – buscar o controle/monitoramento social do Estado e de suas Políticas Públi- cas. Com isso, a sociedade civil busca influenciar os processos de formulação e implementação de Políticas Públicas, tornando-as assim mais democráticas e eficientes. Tal eficiência seria alcançada por meio da existência de: maior transparência dos processos, lógica mais democrática na alocação dos recursos públicos e pela dificultação da confusão entre interesses públicos e privados. Posto isso, uma série de questionamentos emergem: o que é controle social? E o que é monitoramento social? Quais as diferenças entre esses conceitos? Refle- tir sobre tais conceitos é o que iremos empreender nesta parte do texto. Como ensina Alvarez (2004, p. 168) “não é tarefa promissora, no campo das Ciências Sociais, tentar estabelecer um significado unívoco para determi- nados conceitos ou noções”, sendo que tentativas nesse sentido estão previa- mente condenadas ao fracasso ou ao exercício acadêmico estéril. Tal enten- dimento deve ser considerado na discussão sobre o significado de controle social, já que essa expressão foi utilizada portando significados diferentes por pensadores como Hobbes, Locke, Rosseau, Marx, Gramsci, Durkheim, Fou- cault, entre outros. – 67 – Controle e monitoramento social de Políticas Públicas no Brasil De acordo com Correia (2008, p. 67): Na teoria política, o significado de controle social é ambíguo, podendo ser concebido em sentidos diferentes a partir de concepções de Estado e de sociedade civil distintas. Tanto é empregado para designar o controle do Estado sobre a sociedade quanto para designar o controle da socie- dade (ou de setores organizados na sociedade) sobre as ações do estado. Dessa maneira, cabe destacar que não é nosso objetivo buscar um sen- tido unívoco para a expressão “controle social”, nem recuperar os seus dife- rentes significados presentes ao longo dos debates realizados nas Ciências Sociais; mas sim refletir no sentido de como tal expressão vem sendo utilizada no atual contexto brasileiro para subsidiar discussões e práticas sobre a parti- cipação social nas Políticas Públicas. Nesse sentido, percebe-se que o uso da expressão “controle social” se intensifica a partir do período de redemocratização do país, quando ainda predominava uma visão dicotômica entre Estado e sociedade civil, na qual a sociedade civil era entendida como formada por setores progressistas, popu- lares e democráticos e o Estado como autoritário e elitista, sendo, portanto, necessário o controle do primeiro sobre o segundo. Assim, controle social seria, como explica Carvalho (1995, p. 8), uma “expressão de uso recente e corresponde a uma moderna compreensão de relação Estado-sociedade, onde a esta cabe estabelecer práticas de vigilância e controle sobre aquele.” Outro conceito que vai nesse sentido é o adotado pelo Fundo de Fortale- cimento da Escola – Fundescola, no qual controle social de Políticas Públicas corresponde “ à participação da sociedade no acompanhamento e verificação das ações da gestão pública na execução das Políticas Públicas, avaliando obje- tivos, processos e resultados”. Verifica-se nos conceitos de controle social apresentados até então um entendimento sobre a necessidade de uma divisão efetiva entre os papéis do Estado e da sociedade civil, na qual ao primeiro caberia a formulação e a implementação de uma determinada Política Pública e ao segundo competi- ria o processo de acompanhamento e avaliação desta política. Entretanto, com o passar do tempo e a intensificação dos processos de participação, tal entendimento dicotômico sobre Estado e sociedade civil, Gestão de Políticas Públicas – 68 – assim como o da necessidade de divisão de papéis entre estes, foi arrefecendo e dando lugar a um entendimento que Estado e sociedade civil deveriam atuar de forma conjunta no processo de formulação, acompanhamento, avaliação e mesmo implementação de Políticas Públicas. A partir de então, buscou-se um novo termo para batizar esse processo, chegando-se à expressão “monito- ramento social” de Políticas Públicas. Para compreendermos melhor a razão de substituição de termos, cabe refletirmos sobre o conteúdo semântico das palavras “controlar” e “monito- rar”. Segundo o Dicionário Aurélio, a palavra monitorar significa “acompa- nhar e avaliar” e deriva da palavra monitor que, por sua vez, significa “aquele que dá conselhos, lições, que admoesta”. Por sua vez, controlar significa “exer- cer o controle de; submeter a controle”, e deriva da palavra controle que significa ”fiscalização exercida sobre as atividades de pessoas, órgãos, departa- mentos, ou sobre produtos etc., para que tais atividades, ou produtos, não se desviem das normas preestabelecidas”. Por meio dessa análise semântica, pode-se perceber diferenças entre essas palavras. Enquanto controlar dáuma ideia de submeter alguém ou algo a um poder para obrigá-lo a agir de forma correta, monitorar nos transmite a ideia de que o poder não só irá “controlar”, mas buscará uma maior participação no processo através de propostas e discussões. Nesse sentido, Santos Júnior define monitoramento social de Políticas Públicas como: [...] um conjunto de práticas que visa ao acompanhamento e ao con- trole sistemático de uma determinada intervenção do Poder Público, com o objetivo expresso de (i) garantir Políticas Públicas de enfren- tamento das desigualdades no acesso aos serviços e equipamentos públicos; (ii) ampliar os espaços de planejamento participativo, isto é, democratizar as decisões sobre os investimentos realizados; e (iii) verificar ou mesmo estabelecer a correlação entre o planejamento e a execução, através de um programa de reformas técnico-administrati- vas necessárias à criação das bases materiais para uma gestão pública democrática em todos os níveis de governo. Esse controle sistemático deve assegurar aos diversos grupos sociais a capacidade política de intervir em todos os componentes e subcomponentes dos projetos e/ ou programas em curso. (SANTOS JR., 2003, p. 1) Telia Negrão (2003) reforça que a concepção de monitoramento social de Políticas Públicas não diverge da de controle social, mas a amplia, na medida – 69 – Controle e monitoramento social de Políticas Públicas no Brasil em que o monitoramento não significa somente fiscalização ou reivindicação. Para Negrão (2003, p. 15), o monitoramento social é um processo que inclui: Formação e capacitação de quem monitora por meio de um processo de socialização de informações e do debate de ideias sobre temas de interesse [...]; comunicação – para orientar e posicionar o discurso [...] frente ao contexto político e econômico (ajuste estrutural, por ex.), através de dossiês de informações à mídia e à imprensa dos movimentos sociais, à produção de materiais como cartilhas e textos analíticos de maior profundidade; interação e articulação – com os setores da população direta ou indiretamente envolvidos com os pro- gramas, projetos, ações e serviços que estão sendo foco do monitora- mento; definição de um foco: o que se busca monitorar; elaboração de metodologias apropriadas (pesquisas, consultas, inserção em redes, debates, seminários, audiências públicas etc.) e de estratégias (como utilizar essas possibilidades, que aliados buscar, a quem sensibilizar prioritariamente, advocacy2 etc.). (NEGRÃO, 2003, p.15) Ao observar o discurso de algumas organizações da sociedade civil envol- vidas em processos de participação social, percebe-se que muitas já incor- poraram a expressão “monitoramento social de Políticas Públicas” e o seu significado ampliado. O instituto socioambiental, associação fundada em 1994 com a mis- são de “defender bens e direitos sociais, coletivos e difusos relativos ao meio ambiente, ao patrimônio cultural, aos direitos humanos e dos povos”, ao monitorar as Políticas Públicas objetiva: [...] acompanhar, participar e influenciar a elaboração e implantação de programas e políticas governamentais relacionados aos temas povos e terras indígenas, florestas, biodiversidade, recursos hídricos, áreas prote- gidas, populações tradicionais e locais, programas de desenvolvimento regional sustentável. (INSTITUTO SOCIOAMBIENTAL, 2009) Contudo, nota-se ainda uma incipiência na formulação dos conceitos de controle social e monitoramento social de Políticas Públicas, podendo esses serem encontrados com frequência como sinônimos, o que não prejudica os seus aspectos práticos. 2 Segundo Azevedo (2003), o termo advocacy significa a busca de apoio para os direitos de pes- soas ou para uma causa. Seu conceito está muito atrelado à capacidade de influenciar Políticas Públicas. Gestão de Políticas Públicas – 70 – Nesse sentido, observa-se o conceito de controle social cunhado por Correia (2008) e o utilizado pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome referente ao programa Bolsa Família: A participação social nas Políticas Públicas foi concebida na perspec- tiva do “controle social” no sentido de os setores organizados da socie- dade participarem desde as suas formulações – planos, programas e projetos –, acompanhamento de suas execuções até a definição da alocação de recursos para que estas atendam aos interesses da coletivi- dade. (CORREIA, 2008, p. 69) [Controle Social] é a participação da sociedade civil no planejamento, execução, acompanhamento e avaliação, e fiscalização do Programa. Trata-se de uma ação conjunta entre estado e sociedade, em que os eixos centrais são: compartilhar responsabilidades, a fim de aumentar a eficácia e efetividade do Programa; proporcionar transparência às ações do Poder Público local; e garantir o acesso das famílias mais pobres às transferências condicionadas de renda (BRASIL, 2009). Para Santos Júnior (2003, p. 1), a informação é um dos componen- tes centrais no processo de monitoramento social de Políticas Públicas, “na medida em que subsidia (i) o diagnóstico da realidade social sobre a qual essas políticas atuam e (ii) a avaliação das prioridades contidas nas interven- ções públicas”. Como explica esse autor, é comum a apresentação de informações por parte do Estado em linguagem técnica e dura, dificultando a compreensão da população em geral e, por sua vez, trazendo empecilhos ao processo de monitoramento social de Políticas Públicas. Nesse processo se faz impera- tivo o acesso popular a informações claras, precisas e em linguagem acessí- vel, que possibilitem a compreensão sobre o quadro de carências sociais que incidirá determinada Política Pública, e como tal política afetará tal carência. Por exemplo, como se poderá realizar um processo de monitoramento social de uma Política Pública de combate ao analfabetismo em uma determinada localidade se não se possui informações sobre sua população alfabetizada? Além do que, deve-se buscar compreender também os métodos e os critérios para a construção de informações já que indicadores que tratam sobre uma mesma questão podem chegar a diferentes resultados, como é, por exemplo, o caso dos índices de desemprego formulados pelo IBGE e Dieese que, por utilizarem diferentes metodologias, chegam sempre a resultados distintos. – 71 – Controle e monitoramento social de Políticas Públicas no Brasil Na atual estrutura democrática brasileira, os espaços privilegiados de controle/monitoramento social de Políticas Públicas são os milhares de con- selho gestores de Políticas Públicas existentes nos três âmbitos da União, mas especialmente em nível municipal, verificando-se a existência desses espaços na quase totalidade dos municípios brasileiros. 3.3 Conselhos gestores de Políticas Públicas Os conselhos, enquanto espaços de participação social, tomada de deci- sões colegiadas e organização de grupos da sociedade civil, não representam novidade. Como ensina Guedes (2008, p. 72-73), [...] historicamente, alguns conselhos se destacaram pela mobilização, influência e ação que tiveram na tentativa de construção de um poder autogerido, de uma nova concepção de política e Estado, constituindo- -se como formas efetivas de participação direta nas atividades políticas. Segundo Bobbio (1995, p. 236), os conselhos são originários da experi- ência dos Conselhos Operários Sovietes, os quais nasceram durante a Revo- lução Russa de 1905 como uma “resposta a uma situação de insuficiência e/ou crise de legitimidade dos organismos de representação sindical [...]”. Entretanto, germes de conselhos já existiam mesmo antes, como durante a primeira fase da Revolução Francesa (1789) e na Comuna de Paris (1871). Conselhos também tiveram grande importância durante a Revolução Húngara (1919), a Revolução Italiana (1919-1920), a RevoluçãoAlemã (1918-1919), a Revolução Espanhola (1936-1937), a Revolução Polonesa (1980), entre vários outros momentos. Na história recente do Brasil também se verifica a existência de diversos tipos de conselhos (conselhos comunitários, conselhos populares, conselhos administrativos e conselho de notáveis), mas nenhum com as características que possuem os atuais conselhos gestores de Políticas Públicas. Diferentes tipos de conselhos no Brasil Conselhos de notáveis São conselhos formados por especialistas em determinado assunto e, no geral, possuem finalidade consultiva. Gestão de Políticas Públicas – 72 – Conselhos administrativos São conselhos que possuem como finalidade dirigir ou geren- ciar organizações, órgãos ou serviços. Conselhos comunitários Criados na década 1970 pelo Poder Público Executivo para mediar suas relações com a sociedade civil organizada, nego- ciando as suas demandas. Tais conselhos tinham funções unicamente consultivas e opinativas. Portanto, não possuíam papel deliberativo. Conselhos populares Criados no final da década de 1970 e início da de 1980 por iniciativa da própria sociedade civil organizada, visando “fisca- lizar e auxiliar a administração pública no processo de gestão (melhoria do serviço prestado), servir de canal para a influên- cia direta do cidadão comum nos negócios do município, par- ticipar das decisões sobre a destinação dos recursos públicos, colaborar na elaboração de políticas sociais, leis e programas de interesse coletivo etc.”(GUEDES, 2008, p. 72-73). Tais conselhos não eram formalmente constituídos nem pos- suíam um envolvimento institucional com o Poder Público, sendo, portanto, espaços de interação política independentes e autônomos. Essas características, apesar de positivas por um lado, ocasionaram uma série de dificuldades para o funciona- mento desses conselhos, como: indefinições de quem deveria compô-los ou criá-los; que processos deveriam ser seguidos para criá-los, e mesmo a sua real capacidade de deliberação – já que eram espaços não institucionalizados. A despeito dessas dificuldades, esses conselhos serviram como referência no desenho dos conselhos gestores de Políticas Públicas. Conselhos gestores de Políticas Públicas “Os conselhos gestores de Políticas Públicas são espaços públicos de composição plural e paritária entre Estado e socie- – 73 – Controle e monitoramento social de Políticas Públicas no Brasil dade civil, de natureza deliberativa, cuja função é formular e controlar a execução das Políticas Públicas” (TATAGIBA, 2002, p. 54). Por seu caráter deliberativo e a sua natureza de composição mista e paritária, os conselhos gestores de Políticas Públicas diferenciam-se dos conselhos comunitários e populares. O surgimento dos conselhos gestores de Políticas Públicas está relacio- nado ao caráter municipalista, descentralizado e democrático presente na Constituição de 1988. Contudo, sua efetiva consolidação se deu a partir da elaboração de leis federais específicas, dentre as quais: a Lei 8.142/90 (que dispõe sobre a participação da comunidade na gestão do Sistema Único de Saúde – SUS – e sobre as transferências intergovernamentais de recursos financeiros na área da saúde), a Lei 8.069/90 (que dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA), a Lei 8.742/93 (que dispõe sobre a orga- nização da assistência social) e a Lei 9.394/96 (que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional). Tais leis federais previam a criação de conselhos gestores não só no âmbito da União, mas também nos âmbitos Estaduais e Municipais, já que atrelaram o repasse de recursos federais à existência dessas arenas democrá- ticas nos outros entes federados. Entretanto, vale ressaltar que há conselhos gestores de Políticas Públicas municipais mesmo em áreas não previstas no plano federal, como é o caso dos conselhos municipais do Direito da Mulher, de Esportes, de Transportes etc. 3.4 Principais características dos conselhos gestores Dentre as características dos conselhos gestores, destacam-se seu cará- ter institucionalizado, sua composição paritária e plural e sua prerroga- tiva deliberativa. Os conselhos gestores são espaços públicos híbridos (devido ao seu cará- ter paritário) institucionalizados pelo Estado. Como ensina Tatagiba, a des- peito de se conformarem como parte da estrutura estatal: Gestão de Políticas Públicas – 74 – Os conselhos não são espaços do governo, tampouco da sociedade civil. São espaços públicos plurais, nos quais representantes da socie- dade e do Estado, disputam, negociam e, ao mesmo tempo, com- partilham a responsabilidade pela produção das Políticas Públicas em áreas específicas. (TATAGIBA, 2004, p. 348) No que se refere à sua composição, os conselhos gestores são paritários, o que significa que eles devem ser formados por representantes da sociedade civil e membros do governo, buscando-se com isso contrabalançar as forças no processo decisório. A escolha dos representantes da sociedade civil ocorre por meio de elei- ção, a qual se dá, no geral, em fóruns próprios, dos quais participam organi- zações da sociedade civil e movimentos sociais. Tais representantes devem, ao máximo possível, formar-se de maneira plural, abrangendo os mais diferentes segmentos da sociedade. Um outro aspecto fundamental na formação dos conselhos gestores é o princípio da pluralidade. Representando mais que diferenças entre Estado e sociedade, o caráter plural desses espaços públicos institu- cionalizados, ao invés de significar um obstáculo aos processos deli- berativos, expressa justamente o contrário, ou seja, a possibilidade dos diferentes atores envolvidos (diversificação social) influenciarem nos resultados da decisão. Conforme Tatagiba (2002), a composição plural dessas arenas é perfeitamente compatível com a deliberação e, por isso, não é necessário sacrificar a primeira para dotar de eficácia a segunda. Portanto, a relevância da pluralidade nos conselhos gestores se mostra justamente na grande diversidade de entidades da sociedade civil presentes nos processos participativos relacionados às políticas sociais. (GUEDES, 2008, p. 83) Já os representantes do governo são indicados pelo representante máximo do Poder Executivo (municipal, estadual ou federal) e devem possuir conhe- cimentos e/ou estarem ligados à área setorial do conselho. Aos conselhos gestores cabem uma série de atribuições, como: mediar a relação entre sociedade civil e Estado; ampliar a participação política das camadas menos assistidas pelo Estado; acompanhar a gestão financeira dos recursos públicos; fiscalizar os atos do Estado; definir padrões de qualidade para os serviços públicos, entre outros (GUEDES, 2008). Entretanto, a grande novidade dos conselhos gestores é sua prerrogativa deliberativa, ou seja, seu poder em decidir os “caminhos” das Políticas Públi- cas. Como explica Tatagiba (2002), os conselhos gestores alcançam: – 75 – Controle e monitoramento social de Políticas Públicas no Brasil [...] competência legal para formular políticas e fiscalizar sua imple- mentação, apontando no sentido da democratização da gestão. Os conselhos gestores têm a força legal para influir no processo de pro- dução das Políticas Públicas, redefinindo prioridades, recursos orça- mentários, públicos a serem atendidos etc., acenando na direção da partilha do poder. Eles podem interferir de forma direta nos modos de atuação dos órgãos governamentais e não governamentais respon- sáveis pela execução de políticas, a cujas áreas estão ligados. [...] A competência legal de deliberar sobre as Políticas Públicas é a princi- pal força dos conselhos enquanto espaços potencialmente capazes de induzir à reforma democrática do Estado (TATAGIBA, 2002, p. 55). Entretanto, essa mesma autora ensina queapesar dos avanços da legis- lação no sentido de conferir aos conselhos prerrogativas de deliberação, essa mesma legislação possui lacunas e imprecisões que acabam por comprometer a efetivação das decisões tomadas nesses espaços. Segundo Tatagiba (2004, p. 365-366), “dessa institucionalização incompleta dos conselhos decorrem as dificuldades em definir até onde as suas deliberações possuem poder vincu- lante. Não é consenso, no âmbito da literatura pertinente, se deve ou não o Estado acatar as decisões dos Conselhos”. 3.4.1 Classificação Há diversas maneiras de classificar os conselhos gestores de Políticas Públicas, a depender dos critérios adotados. Entretanto, a classificação mais difundida e aceita na literatura corresponde a proposta pela pesquisa “Con- selhos Municipais e Políticas Sociais”, realizada pelo Instituto Brasileiro de Administração Municipal (Ibam) e pelo Instituto de Pesquisa Econômica Apli- cada (IPEA). Tal classificação busca compreender os conselhos como meios de Políticas Públicas e sociais; e os dividem em três tipos: 1) os conselhos de políticas; 2) os conselhos de programas; e 3) os conselhos temáticos. Os Conselhos de Programas: “vinculados a programas governamen- tais concretos, em geral associados a ações emergenciais bem delimi- tadas quanto a seu escopo e a sua clientela [...] Em geral, articulam ou acumulam funções executivas no âmbito do respectivo programa. Trabalham mais com a noção de clientelas específicas, supostamente beneficiárias dos programas. Dizem respeito não à extensão de direi- tos ou garantias sociais, mas a metas incrementais, em geral vincula- das ao provimento concreto de acesso a bens e serviços elementares ou a metas de natureza econômica. A participação aqui, em geral, Gestão de Políticas Públicas – 76 – além de acolher a clientela-alvo ou beneficiária, contempla também as parcerias e sua potência econômica ou política. Exemplos são os Conselhos Municipais de Desenvolvimento Rural, de Alimentação Escolar, de Habitação, de Emprego, de Distribuição de Alimentos”. Os Conselhos de Políticas: “[...] ligados às Políticas Públicas mais estruturadas ou concretizadas em sistemas nacionais [...] São, em geral, previstos em legislação nacional, tendo ou não caráter obriga- tório, e são considerados parte integrante do sistema nacional, com atribuições legalmente estabelecidas no plano da formulação e imple- mentação das políticas na respectiva esfera governamental, compondo as práticas de planejamento e fiscalização de ações. São também con- cebidos como fóruns públicos de captação de demandas e negociação de interesses específicos dos diversos grupos sociais e com uma forma de ampliar a participação dos segmentos com menos acesso ao apare- lho do Estado. Neste grupo situam-se os Conselhos [...] de Saúde, de Assistência Social, de Educação, de Direitos da Criança e do Adoles- cente [...] Dizem respeito à dimensão da cidadania, da universalização de direitos sociais e à garantia ao exercício desses direitos. Zelam pela vigência desses direitos, garantindo sua inscrição ou inspiração na for- mulação das políticas e seu respeito na execução delas”. Os Conselhos Temáticos: “[...] sem vinculação imediata a um sistema ou legislação nacional, existem na esfera municipal por iniciativa local ou mesmo por estímulo estadual. Em geral, associam-se a grandes movimentos de ideias ou temas gerais que, naquele Município, por força de alguma peculiaridade de perfil político ou social, acolhem ou enfatizam o referido tema em sua agenda [...] Aqui, mais do que nas duas outras modalidades, os formatos são muito variáveis, embora, em geral, tendam a seguir as características principais dos conselhos de polí- ticas, ou seja, a participação de representações da sociedade e a assunção de responsabilidades públicas. Neste grupo, incluem-se os Conselhos Municipais de Direitos da Mulher, de Cultura, de Esportes, de Trans- portes, de Patrimônio Cultural, de Urbanismo etc. (IBAM, IPEA apud TATAGIBA, 2002, p. 49). 3.4.2 Números e distribuição dos conselhos gestores em nível municipal Dentre os mecanismos criados no Brasil para a participação social, os conselhos gestores foram os que mais se multiplicaram, principalmente em nível municipal. Pode-se ter uma ideia da importância desses espaços na vida democrática brasileira a partir de alguns dados produzidos pelo IBGE em – 77 – Controle e monitoramento social de Políticas Públicas no Brasil sua pesquisa “Informações Básicas Municipais – MUNIC 2001”, conforme tabelas 1 e 2 apresentadas a seguir. Segundo tal pesquisa – como podemos ver na tabela 1 –, em 2001, havia no Brasil 28 216 conselhos municipais, sendo que cada município possui em média 5,1 conselhos. Esta mesma tabela nos mostra que quanto maior o número de habitantes no município mais conselhos gestores este tende a ter. Tabela 1 – Municípios, total e com existência de Conselhos Municipais, por área de atuação segundo classes de tamanho da população e dos municípios Classes de tamanho da população dos municípios, Grandes Regiões e Unidades da Federação Total de municí- pios (1) Total de Conselhos N.º médio de Conselhos por município Municípios com existência de Conselhos Municipais, por área de atuação Saúde Assistên-cia Social Educação Direitos da criança e do adolescente Emprego/ trabalho Meio ambiente Total 5 560 28 216 5,1 5 426 5 178 4 072 4 306 1 886 1 615 Até 5 000 hab. 1 371 6 031 4,4 1 331 1 216 987 905 381 252 De 5 001 a 20 000 hab. 2 688 12 946 4,8 2 615 2 512 1 923 2 035 898 663 De 20 001 a 100 000 hab. 1 275 7 365 5,8 1 256 1 230 959 1.144 501 527 De 100 001 a 500 000 hab. 194 1 559 8,0 192 188 173 190 89 142 Mais de 500 000 hab. 32 315 9,8 32 32 30 32 17 31 Classes de tamanho da população dos municípios, Gran- des Regiões e Uni- dades da Federação Total de municípios (1) Municípios com existência de Conselhos Municipais, por área de atuação Turismo Produção do desenv. econômico Cultura Habitação Política urbana Orçamento Transporte Outros conse- lhos municipais Total 5 560 1 226 924 734 628 334 271 270 1 346 Até 5 000 hab. 1 371 165 169 99 129 32 44 12 309 De 5 001 a 20 000 hab. 2 688 525 391 268 250 95 105 73 593 De 20 001 a 100 000 hab. 1 275 411 280 254 174 121 68 98 342 De 100 001 a 500 000 hab. 194 104 70 92 58 63 43 69 86 Mais de 500 000 hab. 32 21 14 21 17 23 11 18 16 Fonte: IBGE, 2001. Fonte: IBGE, 2001. (1) Inclusive os ignorados e os sem declaração de existência. Gestão de Políticas Públicas – 78 – Já a partir da tabela 2, pode-se constatar que a região em que os conse- lhos gestores estão mais presentes é a Sul e as regiões que os conselhos estão menos presentes são a Norte e a Nordeste. Também podemos verificar que as áreas com maior atuação dos conselhos são, por ordem de frequência, a de Saúde, a de Assistência Social e a de Defesa da Criança e do Adolescente e da Educação, todas elas reguladas por legislação federal. Tabela 2 Distribuição de Conselhos Municipais no Brasil 2001 Área de atuação dos Conselhos Percentual de municípios que têm os Conselhos Classes do tamanho da população com Regiões em que aparecem com Maior ocorrência Menor ocorrência Maior ocorrência Menor ocorrência Saúde 98 500 mil hab. e mais (100%) Até 20 mil hab. (97%) Sul (99%) Nordeste (97%) Assistência Social 93 500 mil hab. e mais (100%) Até 5 mil hab. (89%) Sul (96%) Nordeste (92%) Defesa da Criança e do Adolescente 77 500 mil hab. e mais (100%) Até 5 mil hab. (66%) Sul (91%) Nordeste (66%) Educação 73 500 mil hab. e mais (94%) De 5 a 10 mil hab. (71%) Sul (79%) Norte (63%) Trabalho 34 500 mil hab. e mais (53%) Até 5 mil hab. (28%) Sul (63%) Norte (10%) Meio Ambiente 29 500 milhab. e mais (97%) Até 5 mil hab. (18%) Sul (40%) Nordeste (14%) Turismo 22 500 mil hab. e mais (66%) Até 5 mil hab. (12%) Sul (32%) Nordeste (10%) Cultura 13 500 mil hab. e mais (66%) Até 5 mil hab. (7%) Sul (29%) Nordeste (6%) Habitação 11 500 mil hab. e mais (53%) De 15 a 20 mil hab. (7%) Sul (29%) Norte (3%) Política Urbana 6 500 mil hab. e mais (72%) Até 5 mil hab. (2%) Sul (13%) Nordeste (3%) Transportes 5 500 mil hab. e mais (56%) Até 5 mil hab. (1%) Sul (10%) Norte (2%) Neste capítulo tivemos por objetivo apresentar e refletir sobre o histó- rico, os meios, os mecanismos e as limitações da participação da sociedade civil brasileira no controle/monitoramento de Política Públicas. Vimos que a participação social possui um amplo potencial de transformação política de um país; e que os conselhos gestores, enquanto espaço de controle/monitora- mento social, se efetivamente representativos, permitem uma melhor formu- lação, implementação e avaliação das Políticas Públicas. Fonte: IBGE, 2001. – 79 – Controle e monitoramento social de Políticas Públicas no Brasil Ou seja, devido à atuação dos conselhos, as Políticas Públicas podem ganhar eficiência e eficácia por diversos motivos: por estarem mais próxi- mas da população conseguem atender melhor às suas necessidades e anseios; ganham mais transparência e diminuem o risco de prevalência de interesses privados devido à maior fiscalização e acompanhamento dos atos governa- mentais, e melhora a alocação dos recursos públicos. Entretanto, essas arenas democráticas que cresceram exponencialmente após a redemocratização do Brasil possuem limitações e desafios, dentre os quais ressaltamos: 2 o desequilíbrio de poder existente entre Estado e sociedade civil nos conselhos, dado que conselheiros estatais possuem: acesso a infor- mações mais facilmente; disponibilidade de tempo para a atuação política, já que são remunerados e utilizam horas de trabalho para participar dos conselhos; maior entendimento sobre o funciona- mento da administração política; o privilégio de – em 90% das vezes – assumir a presidência do conselho e, portanto, possuir a prerrogativa de preparação das pautas das reuniões; 2 baixa representatividade dos conselheiros, tanto os do governo quanto os da sociedade civil: conselheiros da sociedade civil muitas vezes estão ligados a organizações sem laços com a comunidade; conselheiros do governo com frequência não discutem as tomadas de decisões anteriormente com a secretaria do setor do conselho nem com outros funcionários do Estado. Tais conselheiros acabam por defender opiniões próprias; 2 possibilidade de existência de grupos oportunistas, que se utilizam do cargo que ocupam para obter vantagens pessoais e manter velhas práticas políticas. 2 despreparo técnico dos conselheiros; 2 falta de estrutura física para o correto funcionamento dos conselhos; 2 existência de lacunas e imprecisões nas leis que acabam por comprometer a implementação efetiva do que foi acordado nos conselhos. Gestão de Políticas Públicas – 80 – Ampliando seus conhecimentos Conselhos de Saúde, Responsabilidade Pública e Cidadania: a Reforma Sanitária como Reforma do Estado (CARVALHO, 1997) Introdução Um dos feitos mais notáveis da Reforma Sanitária no Bra- sil foi a institucionalização, no interior do aparelho esta- tal, de um formidável sistema nacional de órgãos colegia- dos, dotados de um conjunto razoável de poderes legais e onde os usuários têm representação paritária em relação aos prestadores e ao governo. São os Conselhos de Saúde que, no âmbito das três esferas gestoras do Sistema Único de Saúde (SUS) – federal, estadual e municipal – têm a atribui- ção de deliberar sobre a “formulação de estratégias e (exercer) controle sobre a execução da política de saúde na instância correspondente, inclusive nos aspectos econômicos e finan- ceiros [...]” (BRASIL, 1990). Desse sistema fazem parte tam- bém as Conferências de Saúde, fóruns que se reúnem perio- dicamente com a participação ampla de diversos segmentos sociais para avaliar e traçar diretrizes para as políticas de saúde. Tendo raízes nas lutas comunitárias por saúde dos anos 1970, os Conselhos de Saúde são a expressão institucional de uma das ideias fundadoras da Reforma Sanitária: a participação da sociedade nas políticas e organizações de saúde. Embora assumindo significados diversos ao longo do tempo, a que corresponderam padrões distintos de práticas sociais, o tema da participação esteve constantemente presente na retórica e na prática do movimento sanitário, atestando a íntima associa- ção entre o social e o político que, no Brasil, tem caracteri- zado a agenda reformadora da saúde. Postulando a democra- – 81 – Controle e monitoramento social de Políticas Públicas no Brasil tização do acesso a bens e serviços propiciadores de saúde, mas também a democratização do acesso ao poder, a agenda da reforma sempre teve nas propostas participativas a marca de sua preocupação com os “mecanismos de funcionamento” do Estado e não só com os “resultados redistributivos” de suas políticas. Daí o emprego simultâneo das consignas “Democra- cia é saúde” e “Saúde é democracia”, emblema da Reforma Sanitária enquanto reforma também da política, no sentido de que o direito universal à saúde deveria ser acompanhado, garantido mesmo, pelo direito à participação no poder. Saúde como estratégia para a democracia e democracia como estra- tégia para a saúde. Ao longo dos anos, especialmente durante a década de 1980, essas ideias de participação ganharam maturidade e refi- namento, evoluindo para as propostas de remodelação institu- cional que se concretizaram a partir da Constituição de 1988. A arquitetura institucional proposta para o setor saúde visava tornar o Estado “capaz” de implementar os princípios finalísti- cos da Reforma Sanitária, como a universalidade, a equidade, a integralidade, expressivos do direito à saúde como um direito de cidadania. Para tanto, o núcleo de ideias-força do pensamento refor- mador prescrevia que o Estado deveria ser aproximado da sociedade usuária e permeabilizado as suas demandas. É nesse contexto que a “participação da comunidade” e a “descentralização político-administrativa” aparecem como o centro da reforma institucional embutida na Reforma Sanitá- ria. A primeira para dar expressão e legitimidade política às demandas redistributivas e a segunda para diminuir distâncias administrativas e remover barreiras burocráticas, prevenindo o desperdício e a erosão de recursos. Vê-se claramente que, em tal agenda, o compromisso com a equidade é associado à preocupação com a eficiência. [...] Gestão de Políticas Públicas – 82 – Conselhos como espaços de exercício da cidadania: constituição de sujeitos e identidades coletivas A ideia da reforma democrática do Estado tem como con- traparte a democratização da sociedade, na medida em que a efetivação de espaços públicos a partir do aparelho estatal, apropriados para tematizar a agenda e modular a formação da vontade política governamental, supõe a emergência de sujei- tos capazes de discriminar interesses e pactuá-los no processo de construção do interesse comum. Para melhor sublinhar que não se trata de pensar a sociedade ou o mercado como espaços alternativos ao Estado para a dis- tribuição de justiça e para a efetivação de direitos, prefere-se aqui tratar com a noção de cidadania, no lugar de sociedade ou sociedade civil. Entende-se, então, por sujeitos, mais do que grupos portado- res de interesses comuns e mais do que titulares de direitos formais, aqueles agentes sociais que, a partir da fixação de inte- resses e valores, constituem-se politicamente na interlocução com outros sujeitos ou instituições. De forma bastante evidente, os Conselhosde Saúde vêm funcionando como espaços fomentadores dessa constituição de identidades coletivas e sujeitos políticos. A mera existên- cia dos Conselhos representa uma oferta de participação e inclusão, senão na decisão, pelo menos na discussão pública, configurando um fenômeno inédito na história brasileira, pela escala e pela velocidade em que ocorre. Isso tem significado uma nova feição institucional e uma nova dinâmica para o setor. O início dos anos 1990 marcou a proliferação extre- mamente veloz de Conselhos por todo o país. Entre 1991 e 1993, foram constituídos cerca de dois mil Conselhos de Saúde (CARVALHO, 1995), o que significa um ritmo de praticamente dois novos Conselhos por dia. Em julho de – 83 – Controle e monitoramento social de Políticas Públicas no Brasil 1996, uma estimativa baseada no número de municípios já habilitados à municipalização sugere que cerca de 65% do universo de municípios brasileiros dispõem de Conselhos, correspondendo a mais de 80% da população brasileira. Isso significa a existência de algumas dezenas de milhares de con- selheiros, número equivalente ao de vereadores. Embora o dinamismo desses órgãos possa variar conforme a tradição de cultura política ou a conjuntura local, o fato é que eles representam para os cidadãos a abertura de pos- sibilidades inéditas de se incorporarem ao debate e à vida política, através de um fórum que, como se viu, processa demandas específicas segundo o interesse público, nos mar- cos de um pacto definido por referência a valores de igual- dade e justiça distributiva. Como espaços de representação de interesses, os Conse- lhos funcionam também como catalizadores ou indutores da disseminação de organizações civis. Seriam necessários estudos empíricos para verificar a dimensão, no Brasil, do fenômeno mundial representado pela explosão de organi- zações não governamentais. Agrupadas pelo Human Deve- lopment Report 1993 como CBOs – Comunity Based Organizations, essas organizações reuniam 100 milhões de pessoas em 1980, passando a 250 milhões no início desta década (DOWBOR, 1996). São numerosos os grupos de interesses que ganharam identi- dade e organicidade a partir do advento dos Conselhos de Saúde. Especialmente notável foi o aumento da participação, da visibilidade e da efetividade política das organizações de pacientes ou de portadores de patologias. Esses vêm com- parecendo ao cenário setorial não só com demandas de ampliação do acesso a bens e serviços específicos ou espe- cializados, mas também reivindicando alterações no modelo assistencial. Englobando os renais crônicos, cardiopatas, han- senianos, HIV positivos e vários outros, além dos portadores Gestão de Políticas Públicas – 84 – de deficiência, esses grupos têm presença quase universal nos Conselhos. Ocupam hoje seis das dezesseis cadeiras destina- das a usuários no Conselho Nacional de Saúde. É significativo como os Conselhos, na medida em que con- solidam uma identidade institucional, vão gerando entre seus membros um sentido de pertencimento e identificação recí- proca bastante inovador na cultura política brasileira. Como instituições comprometidas com o interesse público, nos mar- cos de um projeto de bem-comum de caráter redistributivo, os Conselhos tendem a tornar seus membros embedded por essas ideias, de forma relativamente autônoma em relação aos interesses sociais que mais imediatamente representam. O caráter de rede nacional adquirido pelos Conselhos expressa um interessante processo de articulação e interlocu- ção, simultaneamente vertical e horizontal, que une não só os Conselhos, mas as organizações de seus diversos segmentos. A realização, em maio de 1995, do I Encontro Nacional de Conselheiros de Saúde marca esse processo. Embora, de iní- cio, tal articulação tenha atendido à necessidade política de os Conselhos se diferenciarem do Estado (relação nós-eles), a tendência hoje aponta não para uma organização nacional de conselheiros, mas para uma rede de intercâmbio de práticas e crenças, onde o interesse público em saúde passa a balizar a discussão das demandas específicas, sendo tematizado em ambientes onde as exigências locais combinam-se com as refe- rências gerais. É também visível e promissora a emergência de manifestações individuais de exercício da cidadania que, se não são fruto imediato dos Conselhos, recebem deles um estímulo colateral importante. A criação de Ouvidorias e outros mecanismos para o acolhimento de denúncias ou demandas individuais expressam a disseminação desse espírito participacionista. Mais do que uma proposta de democracia direta, os Conse- lhos expressam um processo de capilarização da democracia – 85 – Controle e monitoramento social de Políticas Públicas no Brasil onde, conforme a sugestão de Bobbio, o importante “não é só quantos votam, mas sim em quantos lugares se vota”, ou seja, a diversidade das situações em que se vota. Atividades 1. Dentre os mecanismos abaixo, marque a alternativa que se refere a mecanismo de participação social no Brasil: a. Plebiscito. b. Contrato de Gestão. c. Convênio. d. Titulação de Utilidade Pública. 2. Apesar do frequente uso dos termos “controle social” e “monitora- mento social” de Políticas Públicas como sinônimos, quais diferenças entre essas expressões vêm sendo cada vez mais empregadas por diver- sos autores e instituições? 3. Explique o que são e qual é importância dos Conselhos Gestores de Políticas Públicas. Políticas Públicas no Brasil: o caso das políticas de habitação “A moradia é uma necessidade básica, como a alimentação e a vestimenta” (LORENZETTI, 2001, p. 4). Assim, é considerada como um “direito social básico que integra o direito à subsistência, o qual, por sua vez, representa a expressão máxima do direito à vida” (LORENZETTI, 2001, p. 4). No entanto, vale ressaltar que moradia não significa simples- mente um lugar ou local que serve como abrigo a indivíduos, mas sim um conjunto de elementos mais amplo ligado ao saneamento básico, serviços urbanos, educação e saúde. 4 Gestão de Políticas Públicas – 88 – Na Constituição Federal o direito à moradia é assegurado no seu artigo 6.º, o qual apresenta o rol de direitos sociais, dentre os quais estão incluídos o direito à educação, ao trabalho, ao lazer, à segurança, à saúde, à previdência social, à proteção à maternidade e à infância e à assistência aos desamparados. De acordo com Lorenzetti (2001, p. 12), no momento em que a moradia pas- sou a ser um direito assegurado pela constituição, “pode-se cobrar do Estado maiores responsabilidades quanto à formulação e implementação de Políticas Públicas voltadas para a garantia do usufruto desse direito”. Dessa forma, o Estado brasileiro deve buscar a melhoria das condições habitacionais e a redução do “déficit habitacional”. Tal déficit não deve ser compreendido de forma simplificada como somente falta de moradias, já que tal expressão também compreende as habitações que embora estejam ocupa- das, não podem ser consideradas como moradias porque não oferecem aos seus habitantes as qualidades mínimas de infraestrutura, saneamento, servi- ços urbanos, conforto e higiene necessários para um morar adequado. Mesmo com as Políticas Públicas de habitação que vêm sendo imple- mentadas ao longo dos anos, observa-se que o déficit habitacional brasileiro é enorme e marca de nosso cenário urbano. Seu surgimento é resultado do desajustamento entre o crescimento populacional e a capacidade de instala- ção de uma infraestrutura adequada. (LORENZETTI, 2001). Este capítulo tem como objetivo refletir sobre a formulação e implemen- tação de Políticas Públicas no Brasil, a partir da análise do caso das políticas habitacionais. É claro que a formulação e a implementação de outros tipos de políticas,como as de saúde, de educação, de distribuição de renda, entre outras, guarda especificidades. Entretanto, entendemos que, de maneira geral, a formulação e implementação das Políticas Públicas guardam grandes seme- lhanças na sua lógica a depender do governo e período histórico brasileiro. Para facilitar o estudo, este capítulo se divide em duas grandes partes. A primeira parte se constitui como uma análise histórica do surgimento e desenvolvimento das políticas habitacionais no Brasil, enfocando os princi- pais programas de moradia elaborados ao longo dos governos brasileiros e suas contribuições para a sociedade. Na segunda parte, por sua vez, se busca apresentar e analisar as políticas habitacionais formuladas/implementadas nos governos mais recentes: o governo Fernando Henrique Cardoso e o governo Luiz Inácio Lula da Silva. – 89 – Políticas Públicas no Brasil: o caso das políticas de habitação 4.1 Habitação no Brasil: um histórico da política habitacional brasileira O início do século XX para o Brasil caracterizou-se por uma época de grandes transformações. Nesse período, o país apresentou uma alta taxa de crescimento econômico devido ao desenvolvimento da industrialização e experimentou uma reconfiguração de sua estrutura demográfica como resul- tado do alto fluxo migratório da zona rural em direção aos grandes centros urbanos. “Soma-se à migração interna uma política de atração de migran- tes europeus que, por estarem acostumados à disciplina da indústria, pode- riam melhor contribuir para o desenvolvimento da industrialização no país”. (GOMES, 2005, p. 2). Como não havia nesse período um planejamento urbano para ordenar o crescimento populacional das cidades, o resultado dessas migrações foi o aparecimento dos primeiros problemas habitacionais do Brasil, que se origi- naram da inadequada ocupação do espaço urbano por parte dos imigrantes. Nos centros urbanos, os grupos imigrantes passaram a formar os agrupa- mentos habitacionais coletivos (cortiços, estalagens, vilas populares e favelas) que foram crescendo vertiginosamente ao longo dos anos e acompanhados por um aumento nos problemas sociais, principalmente os relacionados à saúde. Se essas formas de habitação estivessem em locais distantes dos bairros ricos em que habitavam a nobreza e a burguesia local, a sua ima- gem não seria incômoda, mas como estavam próximas, começaram a representar uma ameaça de proliferação e de risco de infecções e epidemias para toda a população urbana (COELHO, 2003, p. 8). A partir dessa situação, a classe dominante começou a cobrar do governo uma postura mais ativa no planejamento habitacional, exigindo o afasta- mento das habitações coletivas dos bairros centrais. Atendendo às pressões sociais das classes dominantes, o Estado começa um processo de saneamento das cidades, o que, e de acordo com Gomes (2005, p. 3), “[...] naquele momento significou erradicar os cortiços de onde os focos contagiosos poderiam se alastrar.” Percebe-se que, nesse período, a atuação governamental limitava-se apenas a evitar e controlar a propagação de epidemias, ou seja, o alvo principal eram os problemas sanitários. Gestão de Políticas Públicas – 90 – É justamente nesse cenário marcado por interesses e demandas antagô- nicas entre as classes sociais e o governo, que as Políticas Públicas de habitação começaram a se delinear e a ganhar espaço na agenda política brasileira. 4.1.1 Políticas habitacionais na Era Vargas Durante o governo de Getúlio Vargas (1930-1945), mudanças ocorridas na sociedade brasileira acarretaram em grandes transformações nas políticas habitacionais do Estado. De acordo com Bonduki (apud Coelho 2003, p. 12) O clima político, econômico e cultural [...] colocou em cena o tema da habitação social com uma força jamais vista anteriormente [...]. Embora continuasse presente, a questão sanitária passou para segundo plano nos debates sobre habitação social e surgiram novos temas, con- dizentes com o projeto nacional-desenvolvimentista da Era Vargas: primeiro a habitação vista como condição básica da reprodução da força de trabalho e, portanto, como fator econômico na estratégia de industrialização do país; segundo, a habitação como elemento de formação ideológica, política e moral do trabalhador. (BONDUKI, 1998, p. 73 apud COELHO, 2003, p. 12). Observa-se nesse governo uma preocupação com a erradicação das formas coletivas de moradia, a qual seria alcançada através de uma política de casas próprias (COELHO, 2003, p. 12). Contudo, não havia uma política habita- cional sólida para assegurar tal mudança. O que existia nesse período eram as chamadas Caixas de Pensão, as quais foram órgãos criados através da implan- tação da Previdência Social no Brasil e que aplicavam parte de suas receitas na construção de moradias para seus associados, mesmo não sendo essa sua atividade-fim. Em 1933, ocorre o que de fato pode ser considerado como a primeira ação governamental voltada à questão habitacional no Brasil: a criação dos Institutos de Aposentadorias e Pensões (IAPS), sucessores das Caixas de Pen- são. Esses institutos operavam como entidades de proteção social e financia- vam programas de moradia para a classe da população inserida no mercado de trabalho formal. Existiam diversos institutos que compunham os IAPS, por exemplo: o Instituto de Aposentadorias e Pensões dos Marítimos (IAPM); o Instituto de Aposentadorias e Pensões dos Comerciários (IAPC); o Instituto – 91 – Políticas Públicas no Brasil: o caso das políticas de habitação de Aposentadorias e Pensões dos Bancários (IAPB); o Instituto de Aposen- tadorias e Pensões dos Industriais (IAPI); e o Instituto de Aposentadorias e Pensões dos Ferroviários e Empregados em Serviços Públicos (IAPFESP). Cada um desses Institutos de Aposentadorias e Pensões operava de forma distinta, uma vez que se originava de diplomas legais diferentes. Esse fato fez surgir a necessidade de unificação administrativa e a criação de um único instituto para integrar os demais. Assim, em 1945, é criado o Instituto de Serviços Sociais do Brasil (ISSB) com a proposta de unificação da previ- dência do país. Essa unificação “dos recursos dos IAPS era vislumbrada como uma possibilidade para ampliar a atuação dos órgãos no território brasileiro, assim como, para aumentar o volume e a dimensão de suas construções”. (ALMEIDA, 2007, p. 79). Contudo, essa ideia não obteve êxito. O fracasso na unificação dos institutos e na criação de um órgão habi- tacional forte eliminou a possibilidade de superar, por meio de uma política integrada e consistente, o problema habitacional (BONDUKI, 1998, p. 114 apud COELHO, 2003). 4.1.2 Políticas habitacionais no Governo Dutra Em 1946, no governo de Eurico Gaspar Dutra (1946-1951), surge o primeiro órgão federal brasileiro na área de moradia, denominado Fundação da Casa Popular, que se caracterizou como mais uma intervenção estatal na área de habitação no Brasil. Originalmente, a Fundação da Casa Popular surge para suprir as lacu- nas deixadas pelas IAPS, ou seja, para atender à parcela da população que não pertencia ao mercado de trabalho formal. Porém, segundo apresenta Carmo (2006, p. 19), tal fundação passou a ter outras atribuições complementares – sempre com o objetivo de melhorar a situação da classe trabalhadora – tais como atuar no financiamento de obras urbanísticas, de abastecimento de água, esgotos, suprimento de energia elétrica e assistência social; além de financiar a indústria de materiais de construção e promover estudos para baratear o pro- cesso de construção de habitações denominadas populares. Para viabilizar a produção de moradias, o financiamento [...] se daria pela cobrança de contribuição obrigatória de 1% sobre as transações Gestão de Políticas Públicas – 92 – imobiliárias, cujorecolhimento ficou a cargo dos governos estaduais que deveriam, posteriormente, repassá-los à União. Na prática, ou os governos locais não recolhiam tal contribuição ou simplesmente não as repassavam. Dessa forma, os recursos que deram, na realidade, suporte às atividades da Fundação da Casa Popular foram de origem orçamentária que, após a revogação da tal contribuição que nunca foi recolhida ou repassada, foram declinando ano a ano. (AZEVEDO; ANDRADE, 1982 apud CARMO, 2006, p. 18) É interessante notar que nesse momento a questão da habitação já era tratada como algo que ia além da simples produção de unidades habitacio- nais, sendo necessária uma interferência estatal para acabar com as barreiras que a carência de infraestrutura física e saneamento básico conferiam ao bem- -morar (CARMO, 2006, p.19). Em 1960, devido à falta de recursos e regras de financiamento, a Fun- dação Casa Popular chega ao fim mostrando-se ineficaz no suprimento das demandas habitacionais para população de baixa renda. 4.1.3 Políticas habitacionais no Governo Militar Em 1964, instaurou-se no Brasil o Governo Militar (1964-1985), res- ponsável pela criação do Sistema Financeiro de Habitação (SFH), mecanismo que se encarregou da captação de poupança de longo prazo para o investi- mento habitacional e que marcou uma nova fase no desenvolvimento das políticas habitacionais brasileiras. (SANTOS, 1999, p. 10). Nessa mesma época também foi criado o Banco Nacional de Habitação (BNH) considerado o órgão central do Sistema Financeiro Habitacional. O BNH, criado pela Lei 4.380 de 21/08/1964, foi sem dúvida o principal órgão da política habitacional do período, visto que foi edificado com o objetivo de ser o órgão orientador, disciplinador e controlador de todo o sistema, estimulando a formação de poupança e sua canalização para o SFH e orientando o acesso das sociedades de crédito imobiliário ao mercado nacional de capitais. Coube ainda ao BNH atuação no financiamento, na elaboração e execução de proje- tos habitacionais, bem como produção de obras e serviços correlatos (BULGARELLI, 1966 apud CARMO, 2006, p. 29). O BNH utilizava os recursos do Fundo de Garantia de Tempo de Ser- viço (FGTS) para promover financiamentos às populações de menor renda e – 93 – Políticas Públicas no Brasil: o caso das políticas de habitação também para investir na área de saneamento e desenvolvimento urbano. Para os investimentos financeiros nas classes de renda média e alta, foi criado, em 1966, o Sistema Brasileiro de Poupanças e Empréstimos (SBPE), cujos fun- dos provinham basicamente das cadernetas de poupança. A atuação do BNH, cumpre frisar, não se limitava apenas à esfera financeira. Entre seus objetivos, constavam ainda outros itens, como, por exemplo, a promoção da “melhor distribuição geográfica dos investimentos atenuando os desníveis regionais e o ímpeto [...] migra- tório para as metrópoles”, “a eliminação [...] da promiscuidade das favelas” e “o aumento dos investimentos nas indústrias de constru- ção civil, de materiais de construção e de bens de consumo duráveis (IBMEC, 1974, p. 20 e 21 apud SANTOS, 1999, p. 11). Um dos pontos fortes do BNH foi sua ideia de segmentação da socie- dade e criação de diferentes áreas de atuação dentro de um mesmo programa de financiamento. Nesse sentido, o mercado habitacional foi dividido em três áreas que atuavam de maneira diferenciada no suprimento das necessidades da população. A primeira área foi denominada de “mercado popular”, e ficou responsável pelo fornecimento de financiamentos para as famílias com renda de até três salários mínimos. O segundo segmento foi designado de “mercado econômico” e focalizou as camadas onde a renda familiar estava entre três e seis salários mínimos. E a terceira parte ficou conhecida como “mercado médio” e era a responsável pelo suprimento das necessidades das famílias de alta renda com orçamentos superiores a seis salários mínimos. (AZEVEDO e ANDRADE, 1882, p. 92 apud CARMO, 2006). Do ponto de vista funcional, essa categorização foi considerada uma ideia inovadora e válida, pois a forma como cada camada teria acesso aos financiamentos, assim como a quantidade a ser financiada, poderiam ser distribuídas de forma mais direcionada. Contudo, de acordo com Canuto (2008, p. 184), a política governamental do BNH não teve o caráter redistri- butivo planejado, e atuou como um mecanismo de segregação e de exclusão social, pois a maior parte dos seus recursos foi destinada ao financiamento de moradias para as classes médias e altas. O quadro a seguir apresenta de forma sintetizada um esquema que nos permite visualizar como se dava a atuação do BNH e dos órgãos relacionados a ele, no campo do financiamento habitacional. Gestão de Políticas Públicas – 94 – Quadro 1 – Desenho funcional do Sistema Financeiro de Habitação BNH – órgão controlador do SBPE e gestor do FGTS. Responsável por toda a política habitacio- nal do Governo Federal. Empreendedores e construtores privados – obtinham financiamen- tos junto ao SBPE, construíam as unidades habitacionais e as repas- savam para os consumidores finais, que então se incumbiam de pagar o financiamento junto ao SBPE. FGTS – recurso gerado a partir da contribuição dos trabalhadores, era totalmente gerido pelo BNH e destinado “prioritaria- mente à construção de casas de interesse social (conjunto populares e cooperativas)”. (AZEVEDO, 1995 p. 293.) SBPE – agregado das instituições captadoras de poupança voluntária. Seus recursos eram utilizados para financiar inves- timentos imobiliários (feitos por construtoras privadas) prioritariamente destinados às classes média e alta. Companhias Estaduais de Habitação (COHAB) obtinham financiamento junto ao BNH, contratavam cons- trutoras e repassavam, a preço de custos, as unidades habitacionais aos consumidores finais que se incumbiam de pagar o financiamento para elas. (Fonte: SANTOS, 1999, p. 12). O posicionamento das políticas de atuação do BNH pode ser mais bem compreendido observando-se o contexto social no qual foi originado, que nos remete ao período após o golpe militar de 1964. Durante o governo militar (1964-1985), a população brasileira apresentava sinais de insatisfação e certo grau de insegurança com relação às atitudes governamentais. Por isso, uma das estratégias do Estado era investir na criação de moradias com o objetivo de reestruturar a crença da população na nova forma de governo. Nesse sen- tido, o BNH assume seu papel de incentivar a política habitacional, e são criados programas de habitação popular como: as Companhias Habitacionais (COHABs), o Sistema Financeiro de Habitação Popular (SIFHAP) e o Plano Nacional de Habitação Popular (PLANHAP). – 95 – Políticas Públicas no Brasil: o caso das políticas de habitação Apesar da constante criação de novos programas, não se consegue dar uma resposta satisfatória ao desafio de prover o acesso à moradia para as populações de baixa renda. Em grande parte, o fracasso deriva do fato de ter-se mantido intacta a visão da casa como uma mercadoria a ser vendida para uma clientela que se mostra extremamente frágil enquanto mercado. Além disso, as ações dos vários programas do governo foram atingidas pela crise financeira que passa a afetar o SFH no início dos anos 1980. (LORENZETTI, 2001, p. 18). 4.1.4 Políticas habitacionais nos governos democráticos Com o fim do regime militar, em 1985, esperava-se que todo o SFH, incluindo o BNH e seus agentes promotores públicos, passassem por uma profunda reestruturação na perspectiva da formulação de uma nova política habitacional para o país. No entanto, por conveniência política do governo de José Sarney (1985-1990), o BNH foi extinto em 1986, o que acarretou na perda de uma estrutura de caráter nacional quetinha acumulado enorme experiência na área de habitação. Devido ao ocorrido, as atribuições do BNH foram transferidas para o Conselho Monetário Nacional (CMN), Banco Central (BACEN) e, mais especificamente, para a Caixa Econômica Federal (CEF), permanecendo a área de habitação, no entanto, vinculada ao Minis- tério do Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente (MDU) (BONDUKI, 2008, p. 75; LORENZETTI, 2001, p. 19; MINISTÉRIO DAS CIDADES, 2004, p. 10). Observa-se, de acordo com Santos (1999, p. 19), que: [...] o que se seguiu à extinção do BNH foi uma imensa confusão institu- cional provocada por reformulações constantes nos órgãos responsáveis pela questão urbana em geral e pelo setor habitacional em particular. Em um período de apenas quatro anos, o Ministério do Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente (MDU), criado em 1985, transformou- -se em Ministério da Habitação, Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente (MHU), em Ministério da Habitação e Bem-Estar Social (MBES) e, finalmente, foi extinto em 1989. Constataram-se inúmeros problemas relacionados à atuação do BNH como órgão principal de financiamento de moradias no Brasil. Como nos demonstra Lorenzetti (2001, p. 19): Gestão de Políticas Públicas – 96 – Pode-se apontar, pelo menos, uma deficiência básica na política do instinto BNH: toda ela baseia-se no sistema da propriedade do imóvel e não considera a diferença entre o alto custo do investimento, cons- tituído pelo preço dos terrenos e o crescimento da infraestrutura e o poder aquisitivo da clientela formada por pessoas cuja renda situa-se muito próxima ao limite da sobrevivência. Os anos seguintes são marcados pelas reformas administrativas emprega- das pelo governo Collor (1990-1992), onde houve uma desestruturação do setor habitacional e ocorreu uma alteração na distribuição de competências com a substituição da Caixa Econômica Federal pelo Ministério da Ação Social (MAS) como agente gestor da política de habitação. No início desse governo, os recursos provenientes do FGTS foram utilizados no financiamento de vários programas governamentais, entre eles destaca-se o Plano de Ação Imediata para Habitação (PAIH), que propunha atender 245 000 famílias em 180 dias, utili- zando-se de três linhas de financiamento: o Programa de Moradias Populares, o Programa de Lotes Urbanizados e Cesta Básica e o Programa de Ação Munici- pal para Habitação Popular (SOUZA, 1998 apud COELHO, 2003). Após o afastamento do presidente Fernando Collor, a presidência do Bra- sil fica a cargo de Itamar Franco (1992-1994) que, após assumir o governo, se depara com uma situação habitacional completamente desestruturada, o que lhe impossibilita de implantar avanços significativos nesse setor. No entanto, são lançados os programas Habitar – Brasil e Morar-Município que somente se consolidaram no governo seguinte. Durante o período em questão, os programas da área de habitação popular, [...] sob o controle do ministério do Bem-Estar Social, foram redesenhados e passaram a exigir a participação de conselhos com participação comunitária [...]. Tais mudanças aumentaram significa- tivamente o controle social e a transparência da gestão dos programas (SANTOS, 1999, p. 21). Outra ação considerada importante nesse período foi, de acordo com Coelho (2003, p. 28), a consolidação de uma nova conceituação de política habitacional que considerava os problemas relativos ao déficit, e serviu de base para o desenvolvimento das políticas de moradia do governo de Fer- nando Henrique Cardoso. Segue a seguir uma tabela que apresenta uma síntese de cada governo abordado até aqui, junto com seus principais programas de moradia. – 97 – Políticas Públicas no Brasil: o caso das políticas de habitação Tabela 1 – Mudanças institucionais no setor de habitação – 1930/1995 Governo Ano Mudança institucional Getúlio Vargas (1930-1945) 1933 Criação dos Institutos de Aposentadorias e Pensões (IAPs). 1945 Criação do Instituto de Serviços Sociais do Brasil (ISSB). Eurico Gaspar Dutra 1946-1951 1946 Surge a Fundação Casa Popular. Governo Militar (1964-1985) 1964 Criação do Banco Nacional de Habitação (BNH); Criação de programas de habitação popular: Companhias Habi- tacionais (COHABs), Sistema Financeiro de Habitação Popular (SIFHAP) e o Plano Nacional de Habitação Popular (PLANHAP). 1964 Criação do Sistema Financeiro de Habitação (SFH). 1966 Criação do Sistema Brasileiro de Poupanças e Empréstimos (SBPE). José Sarney (1985-1990) 1985 Ministério do Desenvolvimento Urbano (MDU). 1986 Extinção do Banco Nacional de Habitação (BNH); Transferência de atribuições do BNH para: Conselho Monetário Nacional (CMN), Banco Central (BACEN) e Caixa Econômica Federal (CEF). 1987 O MDU é transformado em Ministério da Habitação, Urbanismo e Desenvolvimento Urbano (MHU), ao qual a Caixa Econô- mica Federal, que substitui o BNH, passa a estar vinculada. 1988 O MHU é transformado em Ministério da Habi- tação e do Bem-Estar Social (MBES). 1989 O MBES é extinto e Caixa Econômica Federal passa a ser subordinada ao Ministério da Fazenda. Fernando Collor (1990-1992) 1990 Criação do Ministério da Ação Social (MAS). Itamar Franco (1992-1994) 1993 O MAS é transformado em Ministério do Bem-Estar Social e incorpora a Secretaria Nacional de Habitação. A seguir passaremos para uma análise mais detalhada do desenvolvi- mento das Políticas Públicas de habitação nos governos de Fernando Henri- que Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva. (Fonte: CARMO, 2006, p. 56. Adaptado.). Gestão de Políticas Públicas – 98 – 4.2 Análise das políticas habitacionais nos governos contemporâneos 4.2.1 Políticas habitacionais no governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) Em 1995, Fernando Henrique Cardoso (FHC) assume a presidência do Brasil e seu governo traz grandes modificações para as políticas de habitação e ajudam a reestruturar a situação da moradia no país. O modelo proposto pelo novo governo se fundamenta em algumas pre- missas básicas: (i) “considerava-se, baseado no diagnóstico produzido pela Fun- dação João Pinheiro1“, para o qual a “moradia não compreende somente as edificações que lhes são inerentes”, portanto todo “o conjunto de condições de habitabilidade relacionados” a ela deveria ser considerado; (ii) “a provisão adequada de moradias deve estar amparada por um sistema financeiro, que lhe sirva de suporte, objetivando o atendimento do maior número possível de famílias assim como a criação de mecanismos para a formação de poupan- ças, que devem ser canalizadas para a produção de unidades habitacionais” (CARMO, 2006, p. 87 e 88); (iii) “a focalização das Políticas Públicas habita- cionais voltadas para o atendimento das camadas populacionais de baixa renda; (iv) a necessidade de descentralizar e aumentar o controle social sobre a questão dos programas federais de habitação” e, com isso, “estimular a participação e a cidadania; (v) o reconhecimento, por parte do governo, de sua incapacidade de resolver sozinho o problema habitacional do país e a necessidade de tentar melhorar o funcionamento do mercado de moradias no Brasil” através de uma política de Estado que envolva todas as esferas de poder e que não seja inter- rompida a cada mudança de governo; e (vi) “o reconhecimento de que as Polí- ticas Públicas não devem negligenciar a grande parcela da população de baixa renda do país que trabalha no setor informal da economia e/ou habita moradias informais”. (SANTOS, 1999, p. 22). 1 Órgão oficial de estatística de Minas Gerais, a Fundação João Pinheiro é uma instituição pública vinculada à Secretaria de Estado de Planejamento e Gestão. Atua nas áreas de ensino e pesquisa em administração pública, avaliação de Políticas Públicas e na produção de indicadores estatísticos, econômicos, demográficose sociais. A FJP presta serviços aos governos estaduais e federal, prefeitu- ras, câmaras municipais, organismos nacionais e internacionais, universidades, empresas privadas e entidades representativas de diversos segmentos sociais. (Disponível em: <www.fjp.gov.br>.) – 99 – Políticas Públicas no Brasil: o caso das políticas de habitação De acordo com esses pressupostos, o primeiro passo dado para reorgani- zar as políticas de moradia foi a extinção do Ministério do Bem-Estar Social e a criação da Secretaria de Política Urbana (SEPURB), que foi o órgão res- ponsável pela descentralização da execução dos programas de habitação para âmbitos estaduais e municipais, com o objetivo de priorizar as diferenças e as demandas de cada região específica do país. Para atender a essas demandas habitacionais, o governo FHC não se dedicou exclusivamente à criação de novos programas de intervenção no setor de moradia, mas buscou o aprimoramento e adequação dos programas já existentes. Nesse sentido foram retomados os financiamentos de habitação, saneamento e infraestrutura baseados em recursos provenientes do FGTS (que estavam estancados desde a crise do SFH). Contudo, as formas de cap- tação e utilização desses recursos foram replanejadas para que os erros come- tidos anteriormente não fossem repetidos.2 Os programas habitacionais no governo FHC apresentaram configura- ções distintas de acordo com o seu foco de atuação. Essas diferenciações nos permitem categorizá-los em três grupos: (i) financiamento ao setor público, atuando no suporte “[...] a estados, municípios, União e Distrito Federal na reurbanização de áreas habitacionais muito degradadas com melhoria das habitações existentes e/ou construção de novas habitações e instalação ou ampliação da infraestrutura dessas áreas ocupadas principalmente pelas camadas da população com renda inferior a três salários mínimos; (ii) atuação na provisão de financiamento de longo prazo para a construção ou melhoria de habitações destinadas principalmente a população de renda mensal de até doze salários mínimos” (SANTOS, 1999, p. 23); assim como, “(iii) progra- mas e ações visando à melhoria do funcionamento do mercado habitacional” (LORENZETTI, 2001, p. 21). Para atender às áreas habitacionais degradadas, os primeiros programas de moradia desenvolvidos foram: o Pró-Moradia (financiado por fundos do 2 “O modelo de intervenção governamental no setor habitacional baseado no SFH foi caracte- rizado como: (i) esgotado – em virtude das crescentes dificuldades com a captação líquida das suas fontes de recursos (notadamente o FGTS); (ii) regressivo – por ter beneficiado principal- mente as camadas de renda média e alta; e (iii) insuficiente – porque durante 30 anos o SFH produziu apenas 5,6 milhões do total de 31,6 milhões de novas moradias produzidas no país” (SANTOS, 1999, p. 22). Gestão de Políticas Públicas – 100 – FGTS) e o Habitar – Brasil (financiado com recursos do Orçamento Geral da União-OGU). Esses programas buscavam beneficiar o mesmo público, o qual compreendia a população que habitava as áreas extremamente pobres e que, portanto, demandavam ações estatais de emergência. Esses progra- mas não tinham como objetivo principal a construção de novas casas, mas sim a melhoria das condições das moradias existentes. Assim, tais programas tinham limitações, dado que contribuíam somente para redução do deficit habitacional qualitativo, enquanto atuavam de forma inexpressiva no que tange ao caráter quantitativo do mesmo déficit3. A partir de 1996, a política habitacional passou a ser administrada pela Secretaria de Política Urbana do Ministério do Planejamento e Orçamento do Brasil, que foi o órgão federal responsável pela elaboração da Política Nacional de Habitação, a qual continha as diretrizes que fundamentavam a intervenção estatal na questão urbana brasileira. Outra intervenção do governo FHC foi o programa denominado Carta de Crédito – que utilizava recursos do FGTS para fornecer financiamentos à população com renda de até doze salários mínimos. Esse programa apresenta uma configuração inédita entre os programas de moradia anteriores, pois ele era direcionado ao consumidor final, [...] essa concessão de financiamento direto ao consumidor é vista como uma forma de o governo auxiliar a sociedade (sem discrimina- ção daqueles cidadãos que trabalham em atividades informais e/ou habitam em moradias informais) a resolver seus problemas habitacio- nais, sem, contudo, tomar para si essa tarefa. (SANTOS, 1999, p. 25) Essa configuração também garantia um maior poder de escolha do consumidor com relação à aquisição de imóveis prontos (novos ou usados), ampliação de uma moradia já existente ou a compra de terrenos e materiais para construção de uma nova habitação. Em 1999 foi criado o Programa de Arrendamento Residencial (PAR) financiado pelo Fundo de Arrendamento Residencial (FAR) e executado pela Caixa, que recebia as solicitações e liberava os recursos a serem aplicados em 3 Déficit habitacional qualitativo – refere-se aos aspectos que conferem qualidades para uma moradia digna, por exemplo: saneamento básico, serviços urbanos, infraestrutura e outros. O déficit habitacional quantitativo relaciona-se à quantidade (mensurável) da população que não possui habitação. – 101 – Políticas Públicas no Brasil: o caso das políticas de habitação cada município. O PAR foi criado para ajudar estados e municípios a atende- rem à necessidade de moradia da população de baixa renda, especificamente aquelas famílias que recebiam até seis salários mínimos e viviam em centros urbanos. Funcionava mediante construção e arrendamento de unidades resi- denciais, com opção de compra do imóvel ao final do período contratado (CAIXA ECONÔMICA FEDERAL, 2009a). Além do envolvimento direto com a elaboração dos programas habita- cionais, o governo FHC preocupou-se com as questões legislativas, lançando algumas ações como: (i) o Programa Brasileiro de Qualidade e Produtividade Habitacional (PBQP-H), criado com o objetivo de padronizar as matérias- -primas utilizadas nas construções de moradias para diminuir os custos de produção; (ii) criação do Sistema Financeiro Imobiliário (SFI) e flexibilização do Sistema Financeiro da Habitação (SFH), utilizados para garantir a exis- tência de mecanismos de captação de poupança de longo prazo para o setor habitacional;4 (iii) Proposta de alteração na legislação sobre o uso do solo e sobre questões ambientais, para atenuar os problemas de habitações em locais proibidos (SANTOS, 1999). O governo FHC embora tenha apresentado algumas inovações conside- ráveis para a reestruturação da questão habitacional brasileira, não conseguiu alcançar os objetivos propostos em sua Política Nacional de Habitação, pois ao longo da execução de suas ações governamentais as condições macroeco- nômicas não se mostraram favoráveis para o desenvolvimento das políticas adotadas e isso desencadeou problemas como a carência de fontes de financia- mento. Mostra-se, com isso, a importância de que as propostas de interven- ção social estejam sempre alinhadas com políticas econômicas do governo, pois como nos mostra Carmo (2006, p. 62): A política econômica e o desempenho da economia têm, obviamente, implicações para a política social de uma forma geral e para a política habitacional, em particular. Ambas – políticas econômica e social – estão fortemente correlacionadas. O crescimento econômico do pro- 4 Há algumas diferenças entre o Sistema Financeiro Imobiliário (SFI) e o Financeiro da Ha- bitação (SFH), a principal delas é a fonte de captação de recursos. O SFH conta com recursos do FGTS e SBPE como fontes básicas de recursos, já o SFI utiliza como fonte a poupança livre e apresenta grande flexibilidade de aplicação desses recursos, ao possibilitar financiamentosmobiliários com fins habitacionais ou não (SANTOS, 1999, p. 26). Gestão de Políticas Públicas – 102 – duto aumenta potencialmente os recursos disponíveis para os admi- nistradores públicos perseguirem suas metas sociais. Nessa perspectiva, as falhas nos programas habitacionais do governo FHC são percebidas como resultantes da desconexão entre suas políticas eco- nômicas e habitacionais. 4.2.2 Políticas habitacionais no governo Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2011) Em 2003, com o início do governo Lula, crescem as expectativas para ino- vações no campo da moradia, contudo não se observou nenhuma intervenção significativa na política habitacional nos dois primeiros anos de seu governo, sendo que o papel do Estado se manteve neste período unicamente restrito a dar continuidade aos programas desenvolvidos no governo anterior. Dentre os programas preexistentes que permaneceram e obtiveram um incremento de investimentos, destacam-se o Programa de Arrendamento Residencial (PAR), o Programa de Subsídios à Habitação de Interesse Social (PSH)5 e a Carta de Crédito com recursos do FGTS. Destaca-se a ampliação da atuação da Carta de Crédito no financiamento de imóveis usados (COR- DEIRO, 2009, p. 73). Neste governo, foram implementadas modificações institucionais no setor das políticas de habitação: Do ponto de vista da gerência dos programas, a questão urbana sai do âmbito da secretaria vinculada à Presidência da República, com a criação, em 2003, do Ministério das Cidades6, órgão que foi dividido em cinco secretarias – Habitação, Saneamento Ambiental, Transporte e Mobilidade, Programas Urbanos e Secretaria Executiva. Foi constitu- 5 O Programa de Subsídio à Habitação de Interesse Social (PSH) objetiva oferecer acesso à moradia adequada a cidadãos de baixa renda por intermédio da concessão de subsídios, que são distribuídos após a criação de um contrato de crédito habitacional junto às instituições financeiras habilitadas (MINISTÉRIO DAS CIDADES, 2009a). 6 Ao Ministério compete tratar da política de desenvolvimento urbano e das políticas setoriais de habitação, saneamento ambiental, transporte urbano e trânsito. Através da Caixa Econômica Federal, operadora dos recursos, o Ministério trabalha de forma articulada e solidária com os estados e municípios, além dos movimentos sociais, organizações não governamentais, setores privados e demais segmentos da sociedade (MINISTÉRIO DAS CIDADES, 2009b). – 103 – Políticas Públicas no Brasil: o caso das políticas de habitação ído também pelo Conselho das Cidades, que o permitiu dividir com a sociedade civil e com os estados e municípios as responsabilidades de traçar as diretrizes políticas para o desenvolvimento urbano em todos os seus aspectos, fortalecendo a participação da cidadania e dando mais transparência ao processo. (CARMO, 2006, p. 172) A criação do Ministério das Cidades constituiu um fato inovador nas polí- ticas urbanas, na medida em que superou o recorte setorial da habitação, do saneamento e dos transportes (mobilidade) e trânsito para integrá-los levando em consideração o uso e a ocupação do solo (MINISTÉRIO DAS CIDADES, 2009b). Após o período inicial de caráter continuador das ações políticas habita- cionais, o governo Lula posiciona-se na definição de sua Política Nacional de Habitação. O objetivo principal dessa política consiste em combater as desi- gualdades sociais, transformando as cidades em espaços mais humanizados, ampliando o acesso da população à moradia, ao saneamento e ao transporte e, através disso, universalizar o acesso à moradia digna. Entre os programas cria- dos para atender a essa finalidade destacam-se: o Programa de Urbanização, Regularização e Integração de Assentamentos Precários, cuja base de recursos é o Orçamento Geral da União; e o Programa Crédito Solidário7, apoiado por recursos do Fundo de Desenvolvimento Social (FDS), formulado para coo- perativas e associações habitacionais, com financiamentos a juros zero para a população de baixa renda (CORDEIRO, 2009, p. 73). O Ministério das Cidades é considerado o instrumento mais importante da Política Nacional de Habitação do Governo Lula, ele compõe o Sistema Nacional de Habitação e subordina todos os outros órgãos ligados ao desen- volvimento urbano. Seu maior desafio é a atuação de forma solidária com estados e municípios, por isso articula as ações dos três níveis de governo com a participação dos conselhos das cidades, em nível estadual e municipal (MINISTÉRIO DAS CIDADES, 2009e). 7 Programa de Crédito Solidário é um programa de financiamento da Caixa Econômica Federal (CEF) que possui uma linha de crédito que conta com recursos do FDS, no âmbito do SFH, e viabiliza a moradia própria para pessoas de baixa renda organizadas por uma Entidade Orga- nizadora. O financiamento é concedido diretamente ao beneficiário apresentado pela Entidade Organizadora que pode ser representada por Cooperativa, Associação ou entidades da sociedade civil, sem fins lucrativos (CAIXA ECONÔMICA FEDERAL, 2009b). Gestão de Políticas Públicas – 104 – Para tratar da questão habitacional, o Ministério das Cidades criou a Secretaria Nacional de Habitação que tem por responsabilidade formular e propor novos instrumentos para implementação da Política Nacional de Habitação, buscando desenvolver os trabalhos de concepção e estrutura- ção de estratégias para o equacionamento do deficit habitacional brasileiro. (MINISTÉRIO DAS CIDADES, 2009e). Foi criado também o Sistema e o Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social (FNHIS)8, subsidiado por recursos do Orçamento Geral da União (OGU), do Fundo de Apoio ao Desenvolvimento Social (FAS) e apli- cado na aquisição, construção, melhoria, reforma, locação social e arrenda- mento de unidades habitacionais, na produção de lotes urbanizados para fins habitacionais, na regularização fundiária e urbanística de áreas de interesse social e na implantação de saneamento básico, infraestrutura e equipamen- tos urbanos, complementares aos programas de habitação de interesse social. (MINISTÉRIO DAS CIDADES, 2009c). Em 2007, o governo Lula lançou o Programa de Aceleração do Cresci- mento (PAC), com o objetivo de fomentar o desenvolvimento do país através de investimento em infraestrutura aliado a medidas econômicas para esti- mular os setores produtivos e, ao mesmo tempo, levar benefícios sociais para todas as regiões do país. “Dentro da área de infraestrutura social e urbana, os maiores investimentos concentraram-se nos setores de habitação e sanea- mento, considerados por este programa setores essenciais no potencial econô- mico e social”. (CORDEIRO, 2009, p. 135). Como parte integrante do PAC, nessa mesma época, foi criado o pro- grama denominado “Projetos Prioritários de Investimentos – Intervenções em Favelas” (PPI). Esse programa destinava-se aos investimentos em infra- estrutura, saneamento, segurança e todas as outras condições da habitabili- dade direcionado à população que vivia em área inapropriada de moradia. Os recursos do PPI provinham do Orçamento Geral da União e eram gerencia- dos pelo Ministério das Cidades. 8 O Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social – SNHIS foi instituído pela Lei Federal 11.124 de 16 de junho de 2005 e tem como objetivo principal implementar políticas e pro- gramas que promovam o acesso à moradia digna para a população de baixa renda, que compõe a quase totalidade do deficit habitacional do país (MINISTÉRIO DAS CIDADES, 2009c). – 105 – Políticas Públicas no Brasil: o caso das políticas de habitação O PAC representou um grande impacto para questão habitacional brasi- leira, sendo o seu investimento estimado para o setor de habitação de R$106,3 bilhões, até 2010, onde R$55,9 bilhões serão direcionados para famílias com rendimento mensal de até cinco salários mínimos. Como resultado dessepro- grama, a intervenção mais atual do governo Lula na área de moradia foi a criação do programa “Minha Casa, Minha Vida” que tem como objetivos: a construção de um milhão de novas moradias; o aumento do acesso das famí- lias de baixa renda à casa própria e a geração do emprego e renda através do aumento do investimento na construção civil. Seguindo as diretrizes estabelecidas no Plano Nacional de Habitação, o programa “Minha Casa, Minha Vida” se propõe a: distribuir os recursos de acordo com o déficit habitacional, a regionalizar os custos dos imóveis e compatibilizar a prestação da casa própria com a capacidade de pagamento da família. Os recursos e as entidades financiadoras para atender a esses objetivos podem ser visualizados na tabela abaixo: Tabela 2 Programa União FGTS Total Subsídio para moradia 16,0 - 16,0 Subsídio em financiamentos do FGTS 2,5 7,5 10,0 Fundo Garantidor em financiamentos do FGTS Refinanciamento de prestações Seguro em financiamentos de FGTS 2,0 1,0 1,0 - - - 2,0 1,0 1,0 Total 20,5 7,5 28,0 Programa União FGTS Total Financiamento à infraestrutura 5,0 - 5,0 Programa União BNDES Total Financiamento à cadeia produtiva - 1,0 1,0 Fonte: MINISTÉRIO DAS CIDADES, 2009d. * Além dos R$4,5 bilhões previstos no FGTS para linhas já existentes. Gestão de Políticas Públicas – 106 – Mesmo com a trajetória falha da política habitacional brasileira, prin- cipalmente no que diz respeito ao suprimento das necessidades das camadas de baixa renda da população, o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva vem implantando mudanças expressivas nesse quadro habitacional. Esse governo demonstra uma política habitacional marcada por uma concepção de moradia não restrita a simples provisão de casas como também consi- derando as questões de habitabilidade subjacentes, além de estabelecer um modelo democrático de participação nas Políticas Públicas. Contudo, ainda há muito que ser feito, pois o programa “Minha Casa, Minha Vida” apesar de representar uma atuação significativa no contexto de moradia não consegue suprir totalmente as pendências do deficit habitacional. Neste capítulo buscamos conceituar “moradia” e “deficit habitacional”, ampliando tais noções e ressaltando-se a importância dos aspectos de habi- tabilidade implícitos no direito à moradia. Em seguida, traçamos o desen- volvimento histórico das políticas de habitação no Brasil, fazendo menção às principais características dos programas habitacionais desenvolvidos em cada governo, chegando ao contexto mais contemporâneo das Políticas Públicas habitacionais dos governos de Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva. Com o estudo realizado, vimos que as políticas habitacionais seguem a lógica de formulação e implementação de Políticas Públicas dos diferentes governos. Assim, verificamos que as políticas de moradia não são “ilhas”, e que, portanto, interagem com as demais Políticas Públicas governamentais, por exemplo, com a política econômica. Além disso, constatamos que aspec- tos delineados ou omitidos por políticas adotadas em governos passados pos- suem efeitos no contexto atual. Vimos também que as políticas de habitação para serem eficazes devem considerar a questão do deficit habitacional não restrito apenas a falta de um lugar para morar (deficit quantitativo) como também devem considerar as questões de adequação física dessa moradia (deficit qualitativo). Ressaltamos que outro fator que determina a qualidade e a efetividade de uma política de habitação é a democratização do seu processo de formulação, implementação e avaliação. Sendo assim, é necessário que a população tenha uma participa- ção ativa na constituição das políticas habitacionais, para que elas estejam de acordo com as reais necessidades da sociedade. – 107 – Políticas Públicas no Brasil: o caso das políticas de habitação Ampliando seus conhecimentos Do Projeto Moradia ao programa Minha Casa, Minha Vida (BONDUKI9, 2009) A enorme repercussão que teve o lançamento do programa Minha Casa, Minha Vida, com sua meta cabalística de 1 milhão de unidades habitacionais para enfrentar o impacto da crise econômica, tende a obscurecer o longo, difícil e relevante processo promovido pelo governo, com o apoio (crítico e militante) da sociedade, representada pelo Conse- lho Nacional das Cidades, para dotar o país de uma política abrangente e estruturada que equacione o dramático pro- blema habitacional brasileiro. Ao publicizar o novo programa antes de apresentar o Plano Nacional de Habitação (PlanHab) – uma estratégia de longo prazo para equacionar o problema habitacional, formulada e debatida por ano e meio, sob a coordenação da Secretaria Nacional de Habitação, que estava pronta para ser publicada em janeiro de 2009 –, o governo perdeu uma excelente oportunidade para mostrar como uma ação anticíclica poderia se articular com uma estratégia estrutural para atacar um pro- blema brasileiro crônico, no âmbito de um projeto nacional de desenvolvimento com inclusão social. Com avanços e recuos, o governo Lula marca um ponto de inflexão nas políticas de habitação do país. Uma reflexão crí- 9 Nabil Bonduki é arquiteto e professor de Planejamento Urbano da FAU-USP. Foi superin- tendente de Habitação Popular na Prefeitura de São Paulo (gestão Luiza Erundina) e vereador pelo PT (2001-2004), um dos coordenadores do Projeto Moradia (1999-2000), membro da equipe de consultores que elaborou a Política Nacional de Habitação (2003-2004) e coorde- nador técnico da consultoria contratada para elaborar o Plano Nacional de Habitação (2007- 2008). Foi conselheiro do Conselho Nacional de Habitação (2004-2005) e do Conselho Ges- tor do FNHIS (2006-2007). Gestão de Políticas Públicas – 108 – tica consistente sobre o “pacote” agora lançado exige uma recuperação desse processo, iniciado em 1999 com a elabo- ração do Projeto Moradia, que se desdobrou nas ações do governo desses últimos seis anos. O “pacote” habitacional não deve ser visto nem com exa- gerado entusiasmo nem como um desastre, como algumas críticas têm enfatizado. Por um lado, 1 milhão de casas não significam muito para um país com um déficit de mais de 7 milhões de unidades e com uma demanda de 27 milhões nos próximos 15 anos, além de ser evidente o risco de produzir moradias precárias, em localizações inadequadas e com baixa aderência ao perfil do déficit. Mas, por outro, as avaliações pessimistas são excessivamente ácidas ao não observar que o programa elevou até um patamar ótimo os recursos orça- mentários em habitação, como há décadas os que lutam por moradia digna reivindicam. Resta saber se esses investimentos chegarão a quem mais precisa e se serão perenes, para garantir a continuidade de uma política realmente social de habitação. Minha Casa, Minha Vida A crise econômica e a disposição do governo em aplicar fartos recursos para dinamizar a construção civil atropelaram o pro- cesso de construção do PlanHab, pactuado como uma estra- tégia de longo prazo para equacionar o problema habitacional. Mas, por outro lado, aceleraram a decisão governamental sobre as propostas lançadas pelo PlanHab, sobretudo no eixo financeiro, que normalmente seriam muito mais demoradas. Ao aplicar R$26 bilhões em subsídio, além do que já estava previsto pelo PAC, o “pacote” acabou por adotar, na prática, o cenário mais otimista proposto pelo PlanHab. Se esse pata- mar for mantido por 15 anos, conforme a estratégia do PlanHab (o que não está acontecendo no “pacote”), será possível pro- duzir um impacto real no déficit habitacional no país. Essa é, sem dúvida, a principal novidade positiva do “pacote”. – 109 – Políticas Públicas no Brasil: o caso das políticas de habitação Outras medidas propostas pelo PlanHab para reduzir o custoda habitação, como a desoneração tributária para HIS, o bara- teamento do seguro e o fundo garantidor (que retomou a ideia do fundo de aval proposto no Projeto Moradia), foram adotadas, gerando um impacto positivo no acesso à habitação tanto de interesse social como de mercado. Por outro lado, também se adotou a lógica proposta pelo Pla- nHab para a alocação do subsídio: a população com renda intermediária (de R$1.395,00 a R$2.790,00, ou seja, de 3 a 6 salários mínimos em 2009) terá um subsídio para com- plementar o financiamento, enquanto os com renda inferior a R$1.395,00 (3 salários mínimos em 2009) terão subsídio quase total. No entanto, o “Programa Minha Casa” estabele- ceu limites bastante superiores aos propostos pelo PlanHab, que por meio de complexas simulações definiu o subsídio no limite mínimo necessário para viabilizar o acesso das famílias de baixa renda à moradia. Ao contrário, o novo programa esticou exageradamente as faixas de renda a serem atendidas, beneficiando segmentos de classe média e gerando mercado para o setor privado, com risco reduzido. O PlanHab previu um leque de alternativas habitacionais a custos unitários mais reduzidos (como lotes urbanizados e/ou material de construção com assistência técnica), com potencial de atender um número maior de famílias; já o Minha Casa, Minha Vida fixou-se exclusivamente na produção de uni- dades prontas, mais ao gosto do setor da construção civil10. Dessa forma, as metas quantitativas do programa, malgrado a enorme disponibilidade de recursos para subsídio, são tímidas nas faixas de renda mais baixas, pois o valor unitário médio do subsídio é mais elevado do que seria necessário numa estra- tégia que objetivasse garantir o direito à moradia para todos. 10 O relator da Medida Provisória 459/2009, que tramita no Congresso, introduziu a pos- sibilidade de financiamento de lotes urbanizados, o que atende parcialmente a essa questão. Gestão de Políticas Públicas – 110 – O programa, por outro lado, não adota o conjunto das estra- tégias que o PlanHab julgou indispensável para equacionar o problema habitacional, sobretudo nos eixos que não se relacionavam com os aspectos financeiros; em consequência, aborda-o de maneira incompleta, incorrendo em grandes ris- cos, ainda mais porque precisa gerar obras rapidamente sem que se tenha preparado adequadamente para isso. A localização dos empreendimentos poderá ser inadequada, em áreas carentes de emprego, infraestrutura e equipamentos, correndo o risco, ainda, de gerar impactos negativos como a elevação do preço da terra, que representaria a transferência do subsídio para a especulação imobiliária, desvirtuando os propósitos do programa. Várias estratégias propostas pelo PlanHab, se incorporadas ao Minha Casa, Minha Vida, poderiam ser positivas, como o “subsídio localização”, valor adicional a ser concedido aos empreendimentos habitacionais localizados nas áreas mais cen- trais e consolidadas. É importante ressaltar, entretanto, que são limitadas as possibilidades do governo federal quanto a garantir uma localização adequada dos projetos se os municípios não estiverem dispostos a isso. Cabe a eles, por meio de seus pla- nos diretores e habitacionais, definir os locais onde é permitida e deve ser estimulada a implantação de novos empreendimentos. Nesse sentido, o PlanHab propôs incentivar, com prioridade no acesso aos recursos, os municípios que adotassem políticas fundiárias e urbanas corretas, como a instituição do imposto progressivo para combater os imóveis ociosos e subutilizados, lembrando que quase 2 mil municípios formularam planos diretores e, na sua maioria, não puseram em prática instrumen- tos para combater a especulação imobiliária. Felizmente, a redação final do programa apresentada pelo relator da MP no Congresso Nacional introduziu, em parte, essa proposta do PlanHab, ao priorizar no atendimento aos municípios os que, além de adotarem a desoneração tributária – 111 – Políticas Públicas no Brasil: o caso das políticas de habitação (critério que já constava na proposta original), doarem terre- nos localizados em área urbana consolidada e utilizarem os instrumentos do Estatuto da Cidade voltados para combater a retenção especulativa de terrenos urbanos. Resta verificar se esse critério será efetivamente adotado. Também merece destaque, no eixo fundiário, a inclusão de um capítulo específico sobre a regularização fundiária, viabi- lizando a aprovação de dispositivo legal amplamente deba- tido pela sociedade na revisão da Lei 6.766/79, um dos aspectos mais importantes do “pacote”. A iniciativa mostra que o governo poderia ter aproveitado a oportunidade para incorporar a essa ação anticíclica o conjunto de estratégias pre- vistas para serem implementadas na primeira etapa do Plano Nacional de Habitação (2009-2011), em particular nos eixos institucional e urbano-fundiário. Se mais não foi feito no “eixo urbano”, é forçoso lembrar que o enfraquecimento e a desarticulação do Ministério das Cidades, particularmente da Secretaria Nacional de Programas Urbanos a partir de 2007, à qual cabe implementar políticas fundiárias e urbanas, têm um custo, a ser creditado na “política de governabilidade” da gestão Lula. Finalmente, ressalta-se que a distribuição das unidades por faixa de renda adotadas no programa não obedece ao perfil do déficit habitacional. A análise leva em conta que o atual governo promoveu uma forte recuperação do valor real do salário mínimo, o que distorce fortemente a utilização desse indicador para fixar as faixas de atendimento. Por essa razão, o PlanHab eliminou o salário mínimo e adotou os valores nomi- nais nas propostas. Assim, a faixa até R$1.395,00 (3 salários mínimos em 2009), que recebe subsídio integral no novo programa, corresponde, em valor real, a aproximadamente 5 salários mínimos no ano de 2000, último em que se dispõe de dados sobre o déficit por Gestão de Políticas Públicas – 112 – faixa de renda. Nessa faixa, concentram-se 91% do déficit habi- tacional acumulado, ou seja, cerca de 6,5 milhões de famílias. O programa, com a meta de 1 milhão de unidades, como um todo, atende 14% do déficit acumulado. No entanto, na faixa prioritária (até R$1.395,00), que, de acordo com as diretrizes da PNH, deveria ser o foco do subsídio, com as 400 mil uni- dades previstas, atende-se apenas 6% do déficit acumulado, isso se essa meta for efetivamente cumprida, o que parece ser um dos grandes desafios do programa, frente à baixa capaci- dade institucional das prefeituras. Já o déficit nas demais faixas (acima de R$1.395,00) é reduzido e a meta do novo pro- grama pode não só zerar as necessidades acumuladas como atender à demanda demográfica ou, até mesmo, financiar uma segunda moradia. É indiscutível que a elevação do patamar de subsídios des- tinados à habitação que se obteve com o programa é um avanço importantíssimo, que precisa ser perenizado, assim como os incentivos fiscais, o Fundo Garantidor e outros mecanismos operacionais capazes de dar maior agilidade ao atendimento habitacional. No entanto, as regras para a distribuição dos subsídios preci- sam ser alteradas, pois estão injustas do ponto de vista social. Embora se possa admitir, no contexto do combate à crise eco- nômica, alguma distorção na concessão de subsídio, em termos de faixa de renda isso não pode se perenizar. É fundamental que se retome o Plano Nacional de Habitação para implemen- tar, de modo articulado, as estratégias previstas, enfrentando o desafio de focar na população de baixa renda o subsídio habitacional. Não se pode reproduzir num governo que herda a tradição das lutas históricas pelo direito à moradia a distorção que faz com que recursos públicos acabem por privilegiar os que menos necessitam. Em síntese,pode-se concluir que, apesar das distorções e – 113 – Políticas Públicas no Brasil: o caso das políticas de habitação lacunas apontadas, o programa dá mais um passo importante no sentido de construir Políticas Públicas destinadas a garantir o direito à habitação, que é o que se persegue desde o Pro- jeto Moradia. Mas é necessário avançar mais; nesse sentido, a retomada do debate e da implementação do Plano Nacional de Habitação é urgente. Atividades 1. Qual a principal implicação de se atribuir ao direito à moradia um sta- tus de direito social fundamental, assim como os direitos à alimentação e à saúde, por exemplo? 2. Quais problemas sociais apresentados ao longo da história habitacio- nal do Brasil contribuíram para o início da preocupação governamen- tal com os problemas de moradia? 3. Quais eram as fontes de financiamento do Banco Nacional de Habi- tação e a quem se destinavam suas atuações? Políticas Públicas no Brasil: educação, saúde, trabalho e renda, meio ambiente e moradia As políticas públicas, por serem os princípios norteadores que fazem com que os entes públicos se comuniquem com a socie- dade, atuam como diretrizes, tais como regramentos formais que permitem a comunicação do Estado com a sociedade em geral. São políticas explícitas e sistematizadas, baseadas normal- mente em documentação formal, seja ela uma lei ou uma ou várias linhas de financiamento, que norteiam a aplicação dos recursos públicos em determinado setor da sociedade. 5 Gestão de Políticas Públicas – 116 – Nem sempre as políticas públicas são representadas pela ação do estado. Elas também podem ser representadas pela ausência de ação, sendo mais cla- ramente definidas como a não ação do estado diante de determinada situação, como ao deixar de atender determinada parcela da população mais favorecida para favorecer outra parcela, essa menos favorecida. As políticas públicas buscam por resultados sociais, fazendo com que o poder público distribua o poder, objetivando a diminuição de conflitos sociais entre diversas camadas populacionais por meio de repartição não igua- litária de benefícios sociais. Tais políticas devem ser discutidas com todos os componentes da socie- dade, de forma que as divergências existentes entre a população tenha um consenso e, consequentemente, as políticas públicas sejam eficazes. Não se deve confundir a expressão política pública com política gover- namental, pois esta nem sempre é pública. É muito comum vermos políticas governamentais sem uma ligação direta com os destinatários de os benefícios e sem um processo de elaboração preocupado com a participação da sociedade. Para ser considerada uma política pública, devemos conhecer claramente quem serão os seus beneficiários e os seus resultados, isso após ter ocorrido uma discussão com a participação do público interessado. Ao ser criada a política pública já deve ter prevista premissas para sua correta gestão e seu funcionamento. 5.1 Como analisar as políticas públicas Quando criadas, as políticas públicas são analisadas de maneiras distin- tas. Há várias visões que podem ser consideradas no momento de a análise, dentre elas a visão social-democrata, a liberal e a neoliberal. Pela visão social-democrata, os benefícios sociais servem para proteger a parcela menos favorecida da sociedade, parcela esta que sofreu consequências de impactos do capital no setor econômico. Neste sentido, as políticas públicas exercem a função de regulação nos relacionamentos econômico-sociais, pois uma parcela dos recursos públicos é constituída para ser utilizada exclusivamente em programas sociais e de desenvolvimento humano. – 117 – Políticas Públicas no Brasil: educação, saúde, trabalho e renda, meio ambiente e moradia Esse conceito é uma consequência do que chamamos de estado de bem- -estar social, com base na redistribuição de renda geral e na criação de bene- fícios sociais, que por sua vez, transformou os cidadãos em seres controlados pela burocracia política, que passaram a ser tratados como consumidores de bens públicos, sem função específica na sociedade. Já pela visão liberal, não identificamos essa preocupação das políticas sociais em beneficiarem de maneira direta uma parcela da população. Essa visão parte do princípio de que as desigualdades sociais se caracterizam mera- mente por um conjunto de decisões individuais tomadas pelos cidadãos. Dessa forma, o papel das políticas sociais é o de apenas ajustar os efeitos das decisões tomadas, de maneira menos assistencialista do que o conceito social-democrata. No entanto, com a diminuição de forças do estado superprotetor e com a crise social cada vez mais exacerbada, surgiu o neoliberalismo, que acabou por associar a culpa da situação de estagnação social e economia estagnada ao estado e suas políticas intervencionistas. Os ajustes estruturais sugeridos pelos neoliberais buscava equilíbrio financeiro dos estados como consequência da redução de auxílios sociais, ao colocarem em prática uma política assistencial extremamente seletiva e apenas de caráter emergencial e não contínuo. Com a globalização dos mercados, colocar em prática políticas públicas se tornou uma tarefa muito difícil, pois muitas variáveis estão em jogo em cada país, além da manutenção dos níveis de satisfação locais e os interesses internacionais que essas forças sociais exercem. 5.2 Políticas educacionais brasileiras Como vimos, política pública é tudo aquilo que um governo tem capa- cidade de fazer ou de deixar de fazer. Então, ao se falar em políticas públicas educacionais, fazemos exclusiva referência à parte educacional. Antes de iniciarmos a discussão sobre as políticas públicas de educação, é importante que salientar que educação é algo muito mais profundo do que aquilo que se tem acesso nos bancos escolares. Educação é tudo aquilo que também se aprende de maneira social, dentro de casa, exercendo uma reli- gião, nas ruas, em uma apresentação teatral, dentro do trabalho etc. Gestão de Políticas Públicas – 118 – Dessa forma, é possível conceituar a educação como sendo consequência da repetição de comportamentos e de procedimentos, sociais ou não. Neste sentido, a educação é considerada como escolar quando é abraçada por um sistema formalizado e este sistema faz parte do conjunto de políticas públicas existentes em um governo qualquer. Obviamente, para haver políticas públicas educacionais, deve haver escolas. Além de escolas, deve haver alunos, pais, professores, servidores e o próprio estado, este último deve definir as políticas que serão aplicadas na prática. Neste contexto, decisões como a localização física da escola, a con- tratação de funcionários, a formação continuada dos professores e o plano de carreira, a gestão escolar e a das matrizes curriculares devem ser definidas pelo estado em conjunto com a sociedade, sempre que for possível. As políticas públicas de educação não têm relação apenas com o acesso das crianças e dos adolescentes à educação formal, mas à construção do conhecimento e a garantia do acesso à sociedade de uma forma mais ampla. Portanto, entende-se que as políticas públicas de educação atendem a popu- lação em geral. Desde o ano de 2000, até os dias atuais, no Brasil, as políticas públicas ganharam destaque em muitos campos, e com a educação não foi diferente. Por mais que essas políticas públicas não atinjam a integralidade dos objetivos inicialmente programados, elas são importantes no contexto da sociedade. Como exemplo podemos analisar uma política educacional pública, que pode ser estabelecida para garantir o acesso de todos os estudantes com idade inferior a 10 anos ao Ensino Fundamental, porém o simples acesso não sig- nifica que o ensino será efetivamente transmitido. Não é apenas a existência de umapolítica educacional que garantirá, por si só, os direitos dos cidadãos. As políticas públicas devem ter o objetivo de enfrentar os problemas ocorridos nas rotinas das escolas, problemas estes que podem afetar a qua- lidade da educação oferecida à população. Com o foco na educação, uma política pública educacional deve se preocupar, também, com outros entraves sociais que ocorrem na escola, tais como a violência e o acesso às drogas, situ- ações que vem aumentando nas escolas brasileiras. – 119 – Políticas Públicas no Brasil: educação, saúde, trabalho e renda, meio ambiente e moradia Uma política educacional pública deve ter, conforme já definido, a cone- xão entre estado e sociedade, sempre aumentando a qualidade e o nível de inclusão educacional dos habitantes. Sabe-se que um ensino de acesso livre, ou seja, público, nos níveis fundamentais e com ótima qualidade, fará com que as gerações futuras tenham capacidade de gerar benfeitorias sociais e de se elevar econômica e socialmente. Isso ocorre com mais frequência nos países escandinavos, como Dinamarca, Noruega, Suécia e Finlândia, além de ser oferecida com qualidade superior também na Nova Zelândia e na Austrália, os dois maiores países da Oceania. O maior objetivo das políticas públicas educacionais é elevar a qualidade do ensino oferecido e, como consequência, a criação de uma nova sociedade. Neste novo modelo social a ser criado, as escolas são o último ponto de liga- ção na educação, que é iniciada nas famílias para ser posteriormente transfe- rida para o ensino escolar formal. Para se ter uma ideia do conjunto de ligações, que finalizam na educa- ção, deve-se passar, por exemplo, pela alimentação, pois a fome dificulta a aprendizagem. Desta forma, as políticas de educação estão ligadas a outros programas, como é o caso do programa Bolsa Família, que visa garantir recur- sos financeiros para as famílias que mantêm os filhos na escola. Desde a instalação da democracia no Brasil (processo que se iniciou em 1984, após 20 anos de ditadura militar), a quantidade de oportunidades e o acesso a uma educação de qualidade cresceu, mas ainda estamos em um nível muito aquém comparado às grandes potências mundiais. Os docentes também possuem menor nível de consciência sobre o papel educacional se comparado com as grandes nações, o que faz com que a construção do conhecimento acon- teça em terras nacionais, mas não no nível esperado para uma nação que quer evoluir frente ao universo globalizado em que nos encontramos. A democracia, ao ser instalada de maneira definitiva no Brasil, também foi responsável por uma drástica mudança na forma como a educação era ofe- recida no país. Tomando as escolas públicas como referência exclusiva, todas as ocorrências que impactaram a política do Brasil, sejam sociais, culturais ou eco- nômicas, alteraram a forma como o conhecimento era transmitido à população. É efetivo dizer que, quando a escola pública cumpre seu papel na cons- trução de um conhecimento de qualidade a ser transmitido aos alunos, tanto Gestão de Políticas Públicas – 120 – o papel social quanto o educacional são alcançados. Mas, no geral, a educa- ção brasileira oferecida é de baixa qualidade e isso é atestado não somente pela conferência do que é oferecido e pelas condições de trabalho dos docen- tes, mas também pelos fracos resultados obtidos pelos estudantes em exames nacionais e internacionais. Considerando o histórico das políticas públicas educacionais brasileiras, um dos marcos legais é a Lei de Diretrizes e Bases da educação (LDB), publi- cada em 1996 (Lei 9.396) e que constitui a fonte formal de ações educacio- nais atreladas ao governo federal. Entre os mais importantes instrumentos normativos que trouxeram alterações à LDB, podem-se mencionar as leis 11.114/2005, 11.274/2006 e 12.796/2013. As duas primeiras leis visavam garantir o acesso da educação de qualidade oferecida às crianças e aos adolescentes nas escolas públicas brasilei- ras, mas é importante reiterar o fato de que o simples acesso não garante que o conhecimento seja construído nem oportuno aos estudantes. A última lei estabelecia parâmetros com relação à frequência, antes inexistentes, além do calendário escolar, do tempo mínimo de ensino em cada turno e dos critérios de avaliação. A LDB, que é a base das políticas públicas educacionais brasileira, esta- belece que a qualidade no ensino está ligada, por exemplo, à quantidade de alunos em sala de aula, à disponibilidade de recursos humanos (não somente professores, mas técnicos e outros servidores públicos), materiais e didáticos dentro de cada sala de aula, além do alinhamento dos interesses das escolas com as sociedades que as norteiam. O Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA (Lei 8.069/1990), embora não trate exclusivamente da parte educacional, também a menciona, pois assim como a LDB, o ECA se fundamenta na busca da compensação de perdas e de direitos que foram negados nas últimas décadas antes da promul- gação deles, principalmente nas décadas de 1970 e 1980. Tanto a LDB quanto o ECA foram resultados de manifestações sociais, clamando por evolução na educação e também na democracia. Dessa forma, ao se ler um dos dispositivos legais, conseguimos identificar o resgate dos direi- tos, que passaram a ser legalmente assegurados às crianças e aos adolescentes. – 121 – Políticas Públicas no Brasil: educação, saúde, trabalho e renda, meio ambiente e moradia O ECA buscou inovar quando estabeleceu, que ao se oferecer uma edu- cação de qualidade e de forma continuada, permitiria em longo prazo, a ocor- rência de mudanças políticas, sociais e culturais em toda a nação. O ECA atesta que o ensino é um direito social de toda criança e de todo adolescente brasileiro. A Constituição Federal de 1988 também se preocupou com a educação, sendo considerado o texto constitucional mais humano de todos, que traz em seu parágrafo 205, que a educação é um direito de todos e um dever do Estado e da família, sendo promovida e incentivada em conjunto com a socie- dade, buscando o desenvolvimento das pessoas e o preparo para o trabalho. Aqui, vemos claramente que a constituição não se preocupou apenas com a educação, mas também com as consequências dela, ou seja, o pleno desenvolvimento da sociedade decorrente do acesso à educação de qualidade. Neste ponto, tanto a Constituição Federal como a Lei de Diretrizes e Bases da educação e o Estatuto da Criança e do Adolescente, têm linhas de raciocínio comuns, buscando a garantia de oferta da educação de qualidade e o acesso irrestrito da população a ela. Assim, quando se nega o acesso de qualquer criança ou adolescente à educação, estará impossibilitando não somente o acesso ao ensino de quali- dade, mas também à construção de valores da cidadania e o exercício pleno de direitos sociais, todos amparados não somente pela Constituição, como também por outros instrumentos legais. Não foi somente com a educação de base que nasceram políticas educa- cionais no Brasil. Recentemente, tanto o Fundo de Financiamento Estudan- til (FIES), que financia as mensalidades, para estudantes de nível superior, quanto o Programa Universidade Para Todos (PROUNI), que dá subsídios de 50% ou 100% nas mensalidades, fizeram com que o país melhorasse seus índices de acesso da população mais carente ao nível superior. Novamente, apenas o acesso não garante um ensino de qualidade. 5.3 Políticas brasileiras de saúde Neste tópico, falaremos sobre a saúde no Brasil e como as políticas públi- cas evoluíram no decorrer da nossa história. Além da Constituição Federal, o principal marco legal da saúde no Brasil foi o Projeto da Reforma Sanitária, Gestão de Políticas Públicas – 122 – que permitiu a implantação do Sistema Único de Saúde (SUS) no Brasil, que garante o acesso à saúde para todosos brasileiros. O início do período considerado moderno das políticas públicas de saúde no Brasil se deu no ano de 1892, quando entravam em funcionamento os primeiros laboratórios bacteriológicos. Estes laboratórios tinham o obje- tivo de oferecer melhores condições básicas de saúde para as áreas urbanas. Nessa época, várias doenças se apresentaram em situação de epidemia no país, situação que fez o então presidente Rodrigues Alves nomear Oswaldo Cruz como Diretor Federal de Saúde Pública. Oswaldo Cruz colocou em prática proce- dimentos de desinfecção e estabeleceu a vacinação obrigatória contra a varíola. Tal medida gerou descontentamento na população e a consequente Revolta da Vacina. Saltando, historicamente, para 1920, já existiam órgãos especializados em lepra, DST e tuberculose. O Ministério da Saúde foi criado apenas em 1953, com uma verba baixíssima, o que confirmava o pouco caso do governo brasileiro junto a saúde. Três anos depois, o Departamento Nacional de Endemias Rurais foi criado, com foco na assistência à população rural. Em 1966, foi criado o Instituto Nacional de Previdência Social (INPS) e, futuramente, gerou nosso sistema previdenciário, enquadrando todos os trabalhadores formais nele. Em 1974, o Ministério da Previdência e da Assis- tência Social (MPAS) entrou em cena para tentar controlar os valores pagos ilegalmente, todos decorrentes de corrupção e de serviços médicos que nunca existiram, além de garantir que a população associada a ele tivesse acesso à saúde. A Empresa de Processamento de Dados da Previdência Social (DATA- PREV) foi criada logo na sequência e o INPS virou o Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (INAMPS). Neste último, tanto a saúde quanto a previdência passaram a ser centralizadas. Quase no fim da década de 1970, o Movimento pela Reforma Sani- tarista ganhou força, pois, até então não havia nenhuma política de saúde explícita no Brasil. Em 1987 criou-se o Sistema Unificado e Descentralizado de Saúde (SUDS), que integrou os serviços de saúde existentes, além de ter sido o responsável pela municipalização dos serviços de saúde. Dessa forma, a Constituição Federal de 1988 também teve um papel importante na área de saúde ao estabelecer que todos os segmentos dela – 123 – Políticas Públicas no Brasil: educação, saúde, trabalho e renda, meio ambiente e moradia tinham tanto o direito quanto o dever de, com forças unidas, definirem e avaliarem as políticas de saúde existentes no Brasil nessa época. Consequen- temente, foi extinto o SUDS, que deu espaço ao Sistema Único de Saúde (SUS), que organizou as ações do Ministério da Saúde só que em sentido local, municipal, sendo o ícone de conquista e vitória da sociedade brasileira em busca do bem comum e do bem-estar social. Assim, o SUS manteve os pilares da Reforma Sanitária, que eram quatro: a descentralização, a integralidade, a assistência e a participação da comuni- dade. Por ser um sistema componente da estrutura pública, o SUS é ideali- zado e financiado para toda a população com recursos arrecadados de impos- tos dos próprios cidadãos. É inegável que o SUS proporcionou uma mudança radical no que tange a gestão de serviços públicos de saúde, principalmente nos municípios, mas ainda enfrenta grandes dificuldades sistêmicas ao alcançar resultados insatis- fatórios no setor público, enfrentando assim entraves com relação ao setor privado, o qual ainda possui a maioria dos serviços de maior complexidade, sendo referência nos atendimentos. Mesmo sem oferecer, muitas vezes, um serviço de saúde com a qualidade definida na Constituição Federal, o SUS ainda é um dos sistemas mais avan- çados de saúde pela quantidade de pessoas atendidas, embora suas deficiências no atendimento à sociedade coloquem em dúvida a eficácia social e política. O nível de qualidade do SUS depende diretamente de recursos repas- sados via políticas públicas e fica claro o sucateamento do sistema pela baixa quantidade de hospitais públicos e postos de atendimento para a população ser atendida. 5.4 Políticas brasileiras de trabalho e de renda Considerando-se as economias desenvolvidas mundo afora, a partir da Segunda Guerra Mundial, ocorreu a reestruturação completa de as políticas de emprego existentes no Brasil, entretanto, a situação brasileira se alterou apenas em tempos recentes. As primeiras políticas com objetivo de proteger o trabalha- dor, foram criadas a partir da década de 1960 e, comparativamente com o fim da Segunda Guerra Mundial, gerou um atraso de, no mínimo, uma década e meia. Gestão de Políticas Públicas – 124 – O que ocorreu nessa época foi a mudança de o perfil da população bra- sileira, que passou a ser predominantemente urbana e elevou significativa- mente a oferta de mão de obra disponível nos centros urbanos. Como o cres- cimento econômico neste período era alto, por causa da chegada das grandes indústrias ao Brasil, essa parcela da população pôde ser facilmente incorpo- rada como a População Economicamente Ativa (PEA) em postos formais de trabalho, principalmente nas indústrias, o que ajudou a aparelhar a máquina estatal com capital intelectual. Mundialmente, percebeu-se o crescimento acelerado e continuado e se passou a acreditar que no Brasil a vida seria melhor para os trabalhadores, simplesmente como um espelho de cenário internacional. Como o nível de desenvolvimento econômico e social do país era baixo, as taxas de desem- prego da época foram explicadas como algo ligado ao lapso de desenvolvi- mento. Tal raciocínio fez com que fosse praticamente zero o número de pro- gramas governamentais para gerar emprego e renda, tanto na década de 1960 quanto na década de 1970. Com esse tempo perdido, o cenário atual está, pelo menos, quatro décadas atrás de países desenvolvidos e duas décadas atrás dos pares da própria América do Sul. Desde 1946, a Constituição estabelece que os trabalhadores desempre- gados devem receber assistência, mas o primeiro sinal de algo parecido com o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) só apareceu em 1965, com a publicação da Lei 4.923. Tal benefício era custeado pelo então Fundo de Assistência ao Desempregado (FAD), que se originava de 1% das folhas de pagamento e uma parte das contribuições sindicais realizadas. Tal benefício poderia ser acessado em duas condições: se o trabalhador fosse demitido sem justa causa ou se a empresa tivesse fechado as portas parcial ou totalmente, não possibilitando a continuidade do trabalho assalariado. Esse benefício não durou e no ano seguinte foi criado o FGTS. Como os recursos ficaram escassos, o governo permitiu o acesso pelos trabalhadores apenas quando demitidos de empresas que tivessem desligado, pelo menos, 50 funcio- nários em um período de 60 dias. Nessa época, quem trabalhasse por mais de 10 anos consecutivos na mesma empresa, teria a estabilidade no emprego garantida. Desde essa época, o FGTS passou a ser constituído com 8% da folha de pagamento do funcionário em uma conta vinculada ao contrato vigente de – 125 – Políticas Públicas no Brasil: educação, saúde, trabalho e renda, meio ambiente e moradia trabalho, em que o trabalhador apenas teria acesso aos recursos no momento em que fosse demitido sem justa causa. Como as regras de concessão do auxílio-desemprego eram extremamente dificultadas para os trabalhadores, o FGTS se tornou a única fonte de recursos financeiros no momento do desem- prego inesperado de um trabalhador brasileiro da época. O resultado de longo prazo foi exatamente o oposto do que o governo esperava. Com 8% mensais, o objetivo do FGTS era o de garantir aproxima- damente um salário por ano trabalhado, mas desobrigou os empregadores de pagarem grandes indenizações pela rescisão do contrato de trabalho. A rotatividade aumentou e os trabalhadores permaneciam, viade regra, menos de um ano empregados e já eram demitidos. Dessa forma, estavam sempre sacando os recursos do fundo e a proteção financeira de longo prazo passou a não mais ajudar nenhum trabalhador. Em 1970 foi criado o Programa de Formação do Patrimônio do Ser- vidor Público (Pasep) e o Plano de Integração Social (PIS), ambos com o intuito de estimular a poupança interna e para a geração de patrimônio dos trabalhadores. O Pasep era destinado aos servidores públicos das três esferas governamentais e o PIS aos trabalhadores de empresas privadas. Os recursos financeiros arrecadados por ambos os fundos eram geridos pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE) e a adminis- tração das contas de cada trabalhador ficava a cargo do Banco do Brasil, para as contas do Pasep, e da Caixa Econômica Federal, para as contas do PIS. Os recursos podiam ser acessados quando os trabalhadores se casassem, quando se aposentassem por invalidez permanente ou em caso de morte. Também foi definido o pagamento da quantia de um salário mínimo anual para os trabalhadores formais que ganhassem até cinco salários mínimos, e esse valor ficou conhecido como abono salarial. A unificação dos fundos PIS e Pasep ocorreu em 1975, denominando-se assim, PIS/Pasep. Para os trabalhadores, esses fundos não trouxeram qualquer benefício de ordem prática. Além do abono salarial, nenhum outro benefício foi perce- bido pelos trabalhadores. Dessa forma, é possível identificar que as políticas públicas de trabalho e de renda ocorridas entre 1960 e 1970 apenas serviram para indenizar os trabalhadores, não protegendo nem garantindo qualquer formação de patrimônio. Gestão de Políticas Públicas – 126 – Nessa época, o que se pensou em relação ao seguro-desemprego e a um sistema de empregabilidade mais abrangente ficou apenas na teoria. O prin- cipal problema foi o fato de não haver fontes de recursos predeterminados. O Orçamento Geral da União(OGU), quando tinha sobra, previa alguma verba, mas nada continuada nem estável. Tal situação não se alterou quando as taxas de crescimento permitiram à economia “caminhar com as próprias pernas”, com taxas de desemprego bai- xas no fim da década de 1970. No entanto, com a chegada de 1980 e com a crise instalada nesse período, a realidade dos postos de trabalho foi totalmente alterada. As taxas de emprego formal se estabilizaram e as taxas de desem- prego se elevaram. O resultado foi o aumento da informalidade para os tra- balhadores. A dívida pública e o arruinamento das finanças governamentais deram o toque final na incapacidade de crescimento da economia nacional. Mesmo diante deste cenário o Brasil ainda continuou sem forma efetiva de proteger os trabalhadores desempregados. O seguro-desemprego foi instituído em 1986, juntamente com o Plano Cruzado. Este seguro oferecia assistência temporária aos trabalhadores desem- pregados nos casos de falência das empresas ou de demissão sem justa causa. O trabalhador que estivesse recebendo tais recursos deveria ser requalificado durante o período e devidamente preparado para ser reinserido no mercado de trabalho. Desde a criação e formalização, o seguro-desemprego e o FGTS, se tor- naram os principais mecanismos de proteção aos trabalhadores e os princi- pais atores das políticas de trabalho e renda no Brasil. Posteriormente, alguns planos entraram em vigor, mas não prosperaram ou foram absorvidos, como é o caso do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), que já teve várias des- tinações diferentes que não a de suporte ao trabalhador e garantia de renda. Atualmente, existe o Programa de Integração das Políticas Públicas de Emprego, Trabalho e Renda. Este e outros planos e programas com menor impacto, mantêm a estrutura de assistência e de geração de renda pratica- mente intactas desde o início de 1990. Um desses é o Programa de Geração de Emprego e Renda (PROGER), que utiliza recursos do FAT e, depois de ampla discussão com a sociedade civil, buscou combater o desemprego e o emprego informal em nosso país. – 127 – Políticas Públicas no Brasil: educação, saúde, trabalho e renda, meio ambiente e moradia O PROGER incentiva a constituição de pequenas e microempresas, além de associações e cooperativas, tudo com o intuito de gerar mais postos de trabalho e renda para a população. Ele opera com a utilização de mecanis- mos que permitem avaliar a concessão de crédito para essa iniciativa, garan- tindo também capacitação técnica e gerencial para os beneficiados. A seguir, observe o quadro dos programas federais de emprego, trabalho e renda que estão em operação no Brasil. Principais Programas Federais de Emprego, Trabalho e Renda Atualmente Operantes Programa Descrição Ano de início Abono salarial Benefício no valor máximo de 1 salario mínimo anual, assegurado aos empregados que percebem até dois salários mínimos de remuneração mensal, desde que cadastrados há cinco anos ou mais no PIS/Pasep e que tenham trabalhado pelo menos 30 dias em um emprego formal no ano anterior. 1989 (1970 para contas individuais) Intermedia- ção de mão de obra/Sine Captação de vagas junto a empresas e encaminha- mento de trabalhadores em busca de emprego. 1977 Seguro- -desemprego Assistência financeira temporária ao trabalhador desempregado, em virtude de dispensa sem justa causa. Concedido em parcelas mensais, que variam de três a cinco, que depende do número de meses trabalhados nos últimos 36 meses, para um período aquisitivo de 16 meses, ou seja: – três parcelas, se trabalhou pelo menos seis dos últimos 36 meses; – quatro parcelas, se trabalhou pelo menos 12 dos últimos 36 meses; – cinco parcelas, se trabalhou pelo menos 24 dos últimos 36 meses. 1986: trabalha- dor formal 1992: pesca- dor artesanal 2001: trabalha- dor doméstico 2003: trabalha- dor resgatado Qualificação profissional Oferta de cursos de qualificação profissional para trabalhadores desempregados ou em risco de desem- prego e para microempreendedores. 1995 Gestão de Políticas Públicas – 128 – Programa Descrição Ano de início Geração de emprego e renda Concessão de crédito produtivo assis- tido a micro e pequenas empresas, coope- rativas e trabalhadores autônomos. 1995 Primeiro emprego para a juventude Promoção do ingresso do jovem no mundo do trabalho por meio de qualificação profissional, estímulo finan- ceiro às empresas contratantes, parcerias para contra- tação de aprendizes e apoio à constituição de empre- endimentos coletivos pelos jovens. 2003 Economia solidária Apoio à formação e divulgação de redes de empreen- dimentos solidários pelo fomento direto, mapeamento das experiências e constituição de incubadoras. 2003 Fonte: IPEA (2006), Adaptado. 5.5 Políticas públicas de habitação Embora existam, formalmente, diversos programas de inclusão habita- cional no Brasil, com objetivos de diminuir o déficit de pessoas que possuem imóvel próprio, a lacuna ainda é grande e a quantidade de pessoas sem acesso a um imóvel próprio também é. Muitas foram as políticas habitacionais criadas a partir da primeira, de 1946, denominada Fundação da Casa Popular, já sem eficácia por ausência tanto de recursos quanto de regras claras, produzindo poucas unidades habi- tacionais e em apenas algumas unidades da federação. O Banco Nacional da Habitação (BNH), criado em 1964, deixou as características da política habitacional brasileira mais claras, pois era uma ins- tituição financeira que possuía regras específicas para financiamento e cap- tação de recursos, que utilizou os recursos do FGTS e colocou em prática o Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo (SBPE). Inicialmente, atingiu- -se níveis considerados satisfatórios da população. O grande problema é que o BNH nunca conseguiu colocar suaspolíti- cas nacionais em prática de maneira regional. Mesmo redistribuindo recursos e possuindo diretrizes bem definidas, isso não foi suficiente para fazer a parte – 129 – Políticas Públicas no Brasil: educação, saúde, trabalho e renda, meio ambiente e moradia operacional do banco deslanchar e, como não conseguiu superar a crise do Sistema Financeiro da Habitação (SFH), encerrou suas atividades. As críticas feitas ao BNH estavam ligadas à falta de capacidade de aten- der às pessoas de menor renda e era exatamente para com esse objetivo que ele havia sido criado. Juntou-se a isso os efeitos nocivos da inflação da época, a falta de coordenação entre os executores das obras e o próprio BNH e, principalmente, o esquema de construção de grandes conjuntos para baratear cada unidade habitacional, realizados em locais sem muita infraestrutura e distantes de grandes centros. Como consequência da extinção do BNH, ocorreu a total desarticu- lação de ações em nível federal e diminuiu, consideravelmente, os recursos para investimentos na área habitacional. Com a extinção ocorrida em 1986, o BNH teve suas prerrogativas integralmente transferidas para a Caixa Eco- nômica Federal (CEF). O grande problema é que existia o Ministério do Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente (MDU), que tratava da política habitacional nacional, enquanto que a CEF estava subordinada ao Ministério da Fazenda. Para resolver essa situação difícil, o governo federal fez o MDU virar Ministério da Habitação, Urbanismo e Meio Ambiente (MHU), incor- porando a CEF neste ato. Em 1988, a situação mudou novamente, com a criação do Ministério da Habitação e do Bem-Estar Social (MBES), tendo como uma das funções a gestão de políticas habitacionais no Brasil. Neste mesmo ano, a Constituição Federal foi promulgada e as políticas foram completamente descentralizadas, sendo redefinidas as competências e transmitidas aos Estados e Municípios a gestão de alguns programas públicos, estando a habitação inclusa nesta lista. No ano seguinte, o MBES foi extinto e criada a Secretaria Especial de Habitação e Ação Comunitária (SEAC), subordinada ao Ministério do Inte- rior. A partir deste ato, tanto o SFH como a CEF passaram a ser subordinados ao Ministério da Fazenda, alterando novamente a estrutura organizacional. Os governos estaduais e municipais passaram a implementar programas habitacionais, mas a utilização dos recursos do FGTS acabou por ser mais elevada do que as próprias disponibilidades financeiras reais, o que afetou o financiamento e levou à suspensão temporária dos programas. A consequ- ência é que passou a se utilizar apenas os recursos da União para o financia- mento de unidades habitacionais. Gestão de Políticas Públicas – 130 – Os governos locais passaram a trabalhar com recursos próprios, reali- zando o financiamento com recursos existentes em suas gestões, o que per- mitia apenas alguns programas de urbanização mais simples, resumindo-se basicamente à regularização de favelas, de áreas invadidas e de loteamentos periféricos, quase nos mesmos moldes do que fazia o extinto BNH. Já nos anos de 1990, foram lançados dois programas distintos pelo governo federal: o Habitar Brasil e o Morar Município, ambos financiados com recursos previstos no Orçamento Geral Federal e com o Imposto Provi- sório sobre Movimentações Financeiras (IPMF). Mesmo assim, tamanho era o déficit habitacional que os recursos insuficientes, sendo ainda mais prejudi- cado pelo contingenciamento de recursos financeiros imposto pelo início do Plano Real, em 1994. No ano seguinte, em 1995, houve uma grande reforma no setor habita- cional brasileiro com a extinção do MBES e a criação da Secretaria de Política Urbana (SEPURB), subordinada ao Ministério do Planejamento e Orçamento (MPO). Na prática, a SEPURB ficou caracterizada por representar uma retra- ção real no setor habitacional brasileiro pelos resultados incipientes alcançados. Com o passar do tempo, os funcionários foram sendo remanejados e a SEPURB foi perdendo capacidade de implantação de novas políticas públicas de habitação, até ser substituída pela Secretaria Especial de Desenvolvimento Urbano (SEDU). Mas o que mudou foi apenas o nome, permanecendo a inércia com relação a ações efetivas ná área habitacional. Neste período, até mesmo a utilização de recursos do FGTS foi bloque- ada, além de os recursos estarem muito escassos no orçamento geral federal. A oferta de recursos que existia era por meio de o setor privado, pelo Programa de Arrendamento Residencial (PAR) ou com a utilização do Programa Carta de Crédito, que oferecia empréstimos individuais à população. O fato é que a partir da metade dos anos 1980, o processo de munici- palização das políticas habitacionais foi implementado, presente até os dias atuais. Com isso o acesso aos recursos tornou-se extremamente dificultado para a população. Nos últimos anos, o que se viu foi oficialmente os municípios como responsáveis pelas políticas habitacionais e o governo federal sem conseguir articular as políticas e os recursos de forma satisfatória. Isso ocorreu até 2003, quando foi criado o Ministério das Cidades. – 131 – Políticas Públicas no Brasil: educação, saúde, trabalho e renda, meio ambiente e moradia Dentro deste ministério, há a Secretaria Nacional de Habitação, a Secre- taria Nacional de Programas Urbanos, a Secretaria Nacional de Saneamento Ambiental e a Secretaria Nacional de Transporte e Mobilidade Urbana. Desta forma, a política habitacional deixou de se restringir apenas à aquisição da unidade habitacional e passou a ser mais ampla, tratando da infraestrutura necessária para se viver com mais dignidade, como saneamento básico, mobi- lidade e transporte público. Neste mesmo ano (2003), quase 3 500 municípios brasileiros partici- param de conferências sobre a elaboração de políticas habitacionais e a con- sequência foi a aprovação das diretrizes que seriam utilizadas pela Política Nacional de Desenvolvimento Urbano. Finalmente, as políticas nacionais de habitação tornam-se mais acessíveis à população a partir de subsídios do governo federal à sociedade no fim da primeira década do milênio, com a criação do programa Minha Casa Minha Vida, que oferecia estímulos a empresas que construíssem novas unidades habitacionais e aos novos mutuários. Essa política proporcionou a construção e entrega de milhões de novas unidades residenciais, além de gerar empregos no setor de construção civil por todo o Brasil. O resultado dessa política foi o aquecimento do setor imobiliá- rio e o acesso mais facilitado aos recursos para aquisição de unidade resi- dencial. Muitos brasileiros que sequer pensavam em adquirir um imóvel puderam adquiri-lo. 5.6 Políticas públicas de meio ambiente No caso do meio ambiente, também a Constituição Federal (CF) é o marco legal que o definiu como um bem de uso comum do povo, além de ser um direito de todos. Ele serve como meio de interação entre os diversos meios da sociedade. É claro que todos reconhecemos a importância dos recursos naturais, mas infelizmente não existe um consenso em relação ao gerenciamento deles. A cargo de quem ficarão os custos de gerenciamento? E com relação às restri- ções de uso? Aqueles prejudicados, como serão compensados? Neste sentido, a questão ambiental é muito mais política do que algo que beneficia verda- Gestão de Políticas Públicas – 132 – deiramente a população. E as políticas públicas desenvolvidas na área de meio ambiente devem ser discutidas entre os políticos e a sociedade. A CF estabelece que as políticas de meio ambiente são de responsabi- lidade das unidades da federação. Mas onde ficam as responsabilidades da União? E dos municípios? Como podem fazer parte da gestão compartilhada e receberem auxílio da União durante este processo? Na prática,a CF de 1988 estabeleceu que todos os entes políticos, ou seja, União, Estados, Municípios e Distrito Federal possuem responsabili- dades quanto ao gerenciamento dos recursos naturais, mas não estabeleceu como tal gerenciamento deve ser realizado. Pela própria característica federalista de nosso país, todos os entes subor- dinados necessitam de chancela da União para obter recursos e suporte para implementação de políticas de meio ambiente. A Política Nacional de Meio Ambiente (PNMA) que possui o Sistema Nacional de Meio Ambiente (Sisnama), é um arranjo institucional, que data de 1981, idealizado para gerenciar as questões ambientais. O texto legal que regulamenta o PNMA é o artigo 2.º da Lei 6.938 do mesmo ano: Art 2.º - A Política Nacional do Meio Ambiente tem por objetivo a preservação, melhoria e recuperação da qualidade ambiental propí- cia à vida, visando assegurar, no País, condições ao desenvolvimento socioeconômico, aos interesses da segurança nacional e à proteção da dignidade da vida humana, atendidos os seguintes princípios: I - ação governamental na manutenção do equilíbrio ecológico, consi- derando o meio ambiente como um patrimônio público a ser necessa- riamente assegurado e protegido, tendo em vista o uso coletivo; II - racionalização do uso do solo, do subsolo, da água e do ar; Ill - planejamento e fiscalização do uso dos recursos ambientais; IV - proteção dos ecossistemas, com a preservação de áreas represen- tativas; V - controle e zoneamento das atividades potencial ou efetivamente poluidoras; VI - incentivos ao estudo e à pesquisa de tecnologias orientadas para o uso racional e a proteção dos recursos ambientais; VII - acompanhamento do estado da qualidade ambiental; – 133 – Políticas Públicas no Brasil: educação, saúde, trabalho e renda, meio ambiente e moradia VIII - recuperação de áreas degradadas; (Regulamento) IX - proteção de áreas ameaçadas de degradação; X - educação ambiental a todos os níveis de ensino, inclusive a edu- cação da comunidade, objetivando capacitá-la para participação ativa na defesa do meio ambiente. (BRASIL, 1981.) O órgão centralizador é o Ministério do Meio Ambiente (MMA), que pla- neja, supervisiona, coordena e controla a política nacional e as diretrizes estabe- lecidas para o meio ambiente. O Sisnama é composto pelo Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) e de outros órgãos administrativos e gestores. Um dos grandes entraves para as grandes políticas públicas de meio ambiente está no fato de que os municípios brasileiros apresentam diferenças muito grandes nos aspectos populacionais, de recursos naturais e de recursos financeiros disponíveis. Para se ter uma ideia, apenas 4% do total de mais de 5 mil municípios brasileiros concentram mais da metade da população brasileira e esses possuem mais de 100 mil habitantes. Complementarmente, Quase 75% dos municípios brasileiros são pouco populosos, tendo popula- ção inferior a 20 mil habitantes (Fonte de dados: IBGE). Também há a diferença entre os problemas existentes, pois os municí- pios maiores possuem problemas de poluição, impermeabilização excessiva do solo, enquanto os menores têm que gerenciar as pressões recebidas para uso dos recursos naturais disponíveis, além da seca ou o processo de salinização do solo. Alie-se a isso o fato de que, no Brasil, há dois dos maiores biomas mun- diais, que são a Amazônia e o Pantanal, os quais claramente possuem proble- mas muito distintos de grandes cidades, tais como São Paulo, Rio de Janeiro ou Belo Horizonte, por exemplo. Há de ser feita uma grande mudança no processo decisório a respeito das políticas públicas de meio ambiente existentes no Brasil e como elas serão tomadas no futuro. Devem ser tratadas de maneira diferente de acordo com cada cidade que é considerada na política nacional. Conclusão Pudemos notar no decorrer das descrições das diversas políticas públicas brasileiras que as ações tomadas no decorrer da nossa história foram apenas Gestão de Políticas Públicas – 134 – políticas provisórias e nada que, de fato, pensasse no longo prazo ou no bem- -estar da população. Tanto do ponto de vista de inclusão social quanto no exercício de direitos constitucionais, há uma grande lacuna em relação aos serviços que poderiam ser oferecidos com a adoção de políticas públicas efetivas e de longo prazo. O que parece faltar é justamente isso: um conjunto de políticas de longo prazo e continuadas, pois se analisarmos mais pura as políticas aqui estuda- das, percebe-se que, a maioria delas acaba perdendo força, tendo sua estrutura alterada ou simplesmente deixava de existir, prejudicando a população, bene- ficiando penas àqueles políticos que as utilizavam com objetivos eleitoreiros. Ampliando seus conhecimentos Por que avaliar políticas públicas? Por Fernando B. Meneguin e Igor Vilas Boas de Freitas Publicado em 6 mar. 2013 O amadurecimento da sociedade democrática brasileira faz com que o Estado seja cada vez mais questionado no desem- penho de suas funções, bem como na efetividade de suas ações para mudar a realidade socioeconômica do País. Nesse sentido, cresce a importância do estudo das políticas públicas, que deve abarcar desde a análise dos motivos que tornam necessária determinada intervenção, o planejamento das ações para o desenvolvimento da iniciativa, a definição dos agentes encarregados de implementá-la, o levantamento das normas disciplinadoras pela qual será regida, até a fundamental avaliação de impactos, sejam potenciais – em uma avaliação ex-ante, que estabelece expectativas e justifica a aprovação da política – sejam reais, medidos durante ou após sua execução. As políticas públicas consistem em iniciativas dos governos (federal, estaduais ou municipais) para suprir uma demanda, – 135 – Políticas Públicas no Brasil: educação, saúde, trabalho e renda, meio ambiente e moradia uma necessidade da sociedade que supostamente se identi- fica e se elege previamente à ação estatal. São três as questões que merecem atenção no estudo das políticas públicas brasileiras: 1. Reconhece-se a existência do problema que se deseja tratar? Ou a intervenção governamental será uma solução em busca de um problema? Em Economia Política há muitas situações em que tal pergunta não terá resposta trivial ou de consenso. Por exemplo, construir creches em comunidades onde as mães não têm o hábito de trabalhar fora. Pode ser que a construção de creches seja desnecessária, mas é igualmente possível que as mães não trabalhem fora justamente porque não existem cre- ches onde deixar seus filhos. Supondo-se que o pro- blema existe e que é conhecido, cabe avaliar como a política eleita ajuda a mitigá-lo. Nessa linha formula-se a segunda pergunta; 2. Há relação de causalidade entre a intervenção governa- mental (“tratamento”) e o problema existente? Em que magnitude a política pública contribuirá para solucionar o problema diagnosticado? Por fim, deve-se também questionar se: 3. Há alternativa eficaz e de menor custo? A avaliação anterior à implementação de determinada política pública procura antecipar seus efeitos e estabelecer parâme- tros de aferição do seu desempenho. A entidade responsável pela formulação do projeto deveria se encarregar de elaborar a referida análise de impacto e submetê-la ao escrutínio social. Reconhece-se que a Administração Pública precisa evoluir nesse processo, que assegura publicidade e transparência dos investimentos públicos, além de contribuir com o aprimora- mento da política antes de sua implementação. Algumas agências reguladoras realizam consultas públicas como forma de escrutínio prévio de suas decisões, embora Gestão de Políticas Públicas – 136 – o conteúdo e a maneira como o processo é apresentado e conduzido nem sempre permitam uma análiserealmente minu- ciosa da política proposta. Ainda há muito temor e despre- paro para lidar com avaliações quantitativas, de forma que o debate sobre eficácia e eficiência mantém-se superficial. O Poder Executivo tem aprimorado a qualidade das análises ex ante, por exemplo, nos projetos de Parceria Público-Pri- vada (PPP), que, por exigirem vultosos investimentos privados e garantias reais do poder público, só saem do papel após avaliações realmente criteriosas de viabilidade. No entanto, apenas alguns projetos de infraestrutura de grande porte têm recebido esse tratamento mais rigoroso. Os programas sociais, para os quais se destina a maior parte do orçamento, ainda são justificados e aprovados com base em análises superficiais. Via de regra, o máximo que se chega é identificar o público alvo potencial de determinado programa, sem questionar se, de fato, o programa irá atender aos objetivos propostos ou se há alternativas mais eficazes para resolver o mesmo problema. Nas avaliações que acontecem durante ou após o curso de uma política pública, há a vantagem de se conhecer alguns dos efeitos produzidos, de tal forma que é possível comparar a realidade com o planejado, analisar as alterações nas principais variáveis envolvidas e as consequências geradas no estrato da sociedade que se pretendia atingir. É preciso ter em mente, contudo, que uma avaliação ex post também é um “exercício de abstração”, na medida em que o impacto de um programa é definido como a diferença – medida na variável de interesse (salário, nível de emprego, penetração de um serviço público, etc) – entre o valor médio atingido por seus beneficiários e o mesmo valor aferido em uma população com características semelhantes, mas que não teve acesso ao programa. Como laboratórios sociais perfeitamente controlados são virtu- almente impossíveis de serem montados, há basicamente dois desafios, de naturezas distintas, para se obterem estimativas – 137 – Políticas Públicas no Brasil: educação, saúde, trabalho e renda, meio ambiente e moradia fidedignas do efeito de um programa: a) isolar o efeito colateral de fatores, observados ou não, que possam influenciar o resultado a ser aferido; e b) alocar recursos e estabelecer procedimentos obrigatórios para coleta periódica dos dados necessários à avaliação, apresentação dos resultados e eventual redirecionamento das políticas. Há técnicas e modelos que permitem superar os obstáculos e atingir resultados satisfatórios para aferir se uma política pública está atingindo seu objetivo ou não. Um método bastante uti- lizado é o da diferença em diferenças, que consiste em com- parar duas populações com características semelhantes, sendo que apenas uma foi afetada pela política pública que se quer avaliar. Assim, ficam evidenciados dois grupos: o de controle, cujos integrantes não receberam a política pública a ser ava- liada, e o intitulado grupo de tratamento, cujos membros se beneficiaram da política. A aferição do impacto na variável escolhida baseia-se nos dados de ambos os grupos, antes e depois da execução da política pública. Em suma, o que se vê hoje é que a decisão de sistematizar o controle dos programas governamentais é uma decisão muito mais política que técnica. A avaliação de políticas públicas é uma prática que agrega transparência à Administração Pública, que torna mais eficiente o gasto do governo e que, em última instância, honra o cidadão pagador de tributos. Sabendo da existência de uma forte restrição orçamentária, é essencial avaliar para saber como e onde aplicar os recursos públicos escassos. Atividades 1. Independentemente da política pública presente no Brasil, qual é a situação que melhor caracteriza o nosso histórico de assistência? Gestão de Políticas Públicas – 138 – a. Políticas inovadoras, mas que apenas trazem bom resultado alon- go prazo para a população, principalmente a de menor renda. b. Políticas pouco objetivas, mas que surpreendentemente geraram re- sultados que superaram as expectativas de atendimento à população. c. Políticas sem continuidade, sem objetividade e com resultados apenas localizados e sem grande expressão, fazendo com que as ne- cessidades do povo, em geral, sejam mantidas ou até aumentadas. d. Políticas sem continuidade, mas, como o prazo para a realização das atividades operacionais era relativamente pequeno, a popula- ção acabava por ter as suas necessidades completamente satisfei- tas, mas a longo prazo. 2. Com relação às políticas públicas, há três visões para elas serem anali- sadas: a social-democrata, a liberal e a neoliberal. Em qual destas três o Brasil se enquadra, e por qual (ou quais) razão (razões)? 3. As políticas públicas de educação têm o objetivo de oferecer educação com a união de forças entre o governo e a sociedade. No entanto, não é apenas com a educação que elas se preucupam. Aponte, no mínimo, um outro benefício que as políticas públicas de educação trazem para a sociedade. Novos campos de estudo de Políticas Públicas: a política externa enquanto Política Pública 6.1 Novos campos de estudo das Políticas Públicas Atualmente é notório o crescimento dos estudos de Polí- ticas Públicas nas pesquisas acadêmicas realizadas no Brasil e no mundo. Várias áreas do conhecimento, e não só a Ciência Política, vêm realizando pesquisas sobre o que o governo faz ou deixa de fazer. Portanto, a academia, juntamente com órgãos governamen- tais, organizações não governamentais, movimentos sociais e cen- tros de pesquisa, estes últimos com tradição mais antiga na área, têm ampliado sua presença nos estudos e pesquisas sobre Políticas Públicas. Vários departamentos de Ciência Política também têm contribuído para o crescimento e a legitimação da área com a cria- ção de cadeiras em Políticas Públicas (SOUZA, 2006). 6 Gestão de Políticas Públicas – 140 – Além dessa expansão do campo de estudos de Políticas Públicas, sua frag- mentação também se caracteriza como fenômeno de renovação do campo e objeto de discussão da validade e efetividade dessa fragmentação. Para alguns autores esse processo é prejudicial para a eficiência e eficácia da aplicação das Políticas Públicas, pois argumentam que a fragmentação é o resultado de um processo descoordenado, sem consistência e que não atenta à coerência na formulação/implementação de políticas, programas ou projetos. Segundo eles, a fragmentação pode ser atribuída à falta de coerência, consistência e coordenação dos responsáveis pela formulação/implementação das políticas. Para esses autores a diferenciação entre esses termos é, em alguns casos, tênue (OCDE, 2003). De acordo com as teorias nesse campo de estudos, podemos entender que: Uma teoria da fragmentação do processo de formulação de Políti- cas Públicas lida basicamente com a categoria integração. A questão da integração é fulcral, e constitui uma brecha na literatura contem- porânea, que presume que a integração é um construto racionalista1 sem correspondência no mundo real caótico das gêneses de Políticas Públicas e que a integração eficaz é uma função de arranjos eficientes de coordenação, que podem ser garantidos mediante o estabeleci- mento de papéis, regras e incentivos. A primeira presume pluralidade; a segunda, unidade. (MARTINS, 2004, p. 4) Ademais dessa corrente de interpretação do processo de expansão e frag- mentação das análises de Políticas Públicas, outra se faz relevante e crescente nesse campo de estudos: a que interpreta como benéfico o surgimento des- ses fenômenos para uma renovação dos estudos de Políticas Públicas. Essa segunda corrente entende que a expansão e fragmentação do campo de aná- lise de Políticas Públicas traz uma série de novas interpretações possíveis e que vem a somar à consolidação dessa vertente de análise. Como consequênciada expansão e fragmentação desse campo de estudos, surgiu a possibilidade de 1 De acordo com a teoria racionalista de Políticas Públicas, todos os valores relaevantes para formulação/implementação das políticas são conhecidos e qualquer sacrifício em um ou mais dos valores é compensado pela consecução de outros objetivos. Os teóricos racionalistas argu- mentam que para selecionar uma política racional os formuladores precisam: a) conhecer todas as preferências da sociedade e os seus pesos relativos; b) conhecer todas as políticas alternativas disponíveis; c) conhecer todas as consequências de cada política alternativa; e d) calcular a relação entre valores atendidos e valores sacrificados para cada política alternativa. – 141 – Novos campos de estudo de Políticas Públicas: a política externa enquanto Política Pública analisar temáticas antes consideradas alheias ao escopo das Políticas Públicas a partir dessa perspectiva. Um exemplo dessas temáticas é a política externa, considerada classicamente como um âmbito excessivamente hermético do Estado e que possuiria características particulares que a enquadraria num campo de estudos específico. O que veremos neste capítulo é de que forma a expansão do campo de estudos de Políticas Públicas e os processos de globalização no mundo e redemocratização política no Brasil influenciaram as novas abordagens da política externa. Veremos as características particulares da política externa como campo de estudos e como objeto do jogo político no seio do Estado, buscando analisar também de que maneira é possível entendê-la enquanto Política Pública semelhante às Políticas Públicas domésticas; por fim, analisa- remos o caso brasileiro buscando compreender como esse processo de politi- zação da política externa se desenvolveu em nosso país. 6.2 A especificidade da política externa Os primeiros questionamentos sobre a possibilidade de se abordar a polí- tica externa enquanto Política Pública está no fato de a primeira ser conside- rada, por muito tempo, como exterior ao próprio Estado e desconectada das demais políticas domésticas. A política externa sempre carregou sobre si uma “mística de especialidade, segredo e confidencialidade” que a tornava acessível somente a alguns poucos “magos” capazes de operá-la. Outro fator que con- tribui para essa concepção de política externa é o fato de que há também uma corrente que concebe como Políticas Públicas somente as políticas domésticas, ou seja, aquelas que impactam diretamente e em um curto prazo a sociedade. Para entendermos de que maneira é possível estudar a política externa enquanto uma Política Pública, é preciso inicialmente rever seus conceitos para compreendermos as suas particularidades frente às outras políticas do Estado e analisar quais os caminhos possíveis para sua abordagem no campo das Políticas Públicas. Devido à sua complexidade e diversidade, a política externa pode ser considerada um campo de estudos interdisciplinar, uma ponte de ligação entre os estudos de relações internacionais e Ciência Política, já que se utiliza de ferramentas metodológicas pertencentes a esses dois ramos das ciências Gestão de Políticas Públicas – 142 – humanas, e por seu objeto de estudo (as ações do Estado para além de suas fronteiras) estar intimamente ligado tanto à Ciência Política quanto às rela- ções internacionais. Além dessa ligação mais específica, a política externa apoia-se, num âmbito mais geral, em diversos outros ramos do conhecimento, ainda mais após o desenvolvimento de abordagens mais amplas e menos centralizadoras da definição de política externa e de seus atores. Entre esses outros ramos do conhecimento, destacam-se: a História, que contribui de modo crucial para os estudos da diplomacia mundial; a Sociologia, que contribui para o entendi- mento dos processos transnacionais nos quais as sociedades estão inseridas, a exemplo de temas como migração, asilados políticos, refugiados, choques cul- turais, além de outros fenômenos demográficos e políticos; a Economia, que é fundamental devido ao fato de transações comerciais internacionais serem ele- mentos determinantes das posturas de política externa dos Estados; e o Direito, que contribui para a compreensão dos tratados e acordos internacionais e as limitações jurídicas dos Estados em sua atuação no sistema internacional. A análise da política externa como um campo teórico científico inicia-se em meados dos anos 1950. Seu desenvolvimento fez-se essencialmente tendo como base três dimensões principais de análise: a) a teoria de política externa como instrumento de comparação entre as ações externas dos Estados; b) a aná- lise dos contextos da política externa; e c) a análise dos processos de tomada de decisão de política externa. São essas três dimensões que irão estar presentes quase em todas as teorias e em todos os conceitos de política externa. A complexidade contida no termo “política externa” dificulta a formu- lação de um conceito geral do mesmo e, devido a isso, não é possível encon- trar um consenso em torno da definição de política externa entre os autores tanto da Ciência Política quanto das relações internacionais (ou mesmo se há uma teoria de política externa). O que podemos encontrar são definições advindas de abordagens teóricas mais gerais que abordam a política externa como um elemento constituinte das teorias da política internacional e das relações internacionais. Encontramos autores que definem a política externa como uma jun- ção de comportamentos que traduzem as preocupações de um Estado no plano internacional, ou que consideram a política externa como uma linha – 143 – Novos campos de estudo de Políticas Públicas: a política externa enquanto Política Pública de ação que os operadores da política externa de uma sociedade nacional seguem para apresentar ou modificar uma situação no sistema internacional de modo que este torne-se compatível com os objetivos definidos por eles mesmos ou pelos seus predecessores (ROSENAU, 1968), já outros autores definem a política externa como as orientações, os engajamentos e as ações que caracterizam o âmbito nacional de um Estado (HOLSTI, 2001). O que podemos verificar nessas teorias é a concordância da proeminência do Estado como ator preponderante do processo de formulação/implementação da polí- tica externa. O quadro a seguir ilustra o papel dos distintos atores envolvidos na política externa. Quadro 1 – Configuração geral dos atores envolvidos na formulação/ implementação da política externa Finalidade – Decisão de Política Externa 1.º nível – atores governamentais 1. Executivo Federal 2. Agências de primeiro nível 3. Agências de segundo nível 4. Legislativo Federal (Senado e Câmara dos Deputados) 5. Judiciário 2.º nível – atores não governamentais 2 Partidos Políticos 2 ONGs 2 Organizações empresariais 2 Sindicatos 2 Meios de comunicação e opinião pública 2 Think thanks2 2 Organizações religiosas 2 Grupos étnicos 2 2 Think thanks é uma expressão da língua inglesa utilizada para caracterizar organizações que têm por objetivo produzir conhecimento por meio de pesquisa em diversas áreas como políti- ca, tecnologia, economia, de questões estratégicas e militares etc. As think thanks geralmente vendem esse conhecimento para governos e empresas para que esses possam ter subsídios na tomada de decisão. Fonte: João Martins Tude /Fabio Pablo Santana. Gestão de Políticas Públicas – 144 – Apesar de não haver consenso, um conceito genérico clássico, que de alguma forma está presente na maioria das teorias de política externa, é que esta se define como toda ação do Estado para além de suas fronteiras. Esse conceito parte do pressuposto de uma separação existente entre polí- tica interna e política externa, em que há um campo específico de análiseda política externa. Ademais, há também outro elemento essencial contido nas conceituações clássicas e nos discursos dos operadores da política externa: o conceito de interesse nacional. Esse conceito é importante, pois é a partir do interesse nacional que os operadores de política externa legitimam suas decisões e ações no jogo político internacional, e é por meio dele que obtêm ou não o apoio necessário para a realização dos objetivos de política externa. Tendo em vista essa perspectiva em torno do conceito de política externa, passaremos à análise do processo de politização da política externa e das possibili- dades de entendê-la dentro da perspectiva dos estudos de Políticas Públicas. 6.3 A dimensão pública da política externa A partir de meados da década de 1980, forma-se no cenário internacio- nal uma nova ordem global, tem como principais expoentes de caracteriza- ção o triunfo do capitalismo sobre o socialismo soviético, o fim do conflito Leste/Oeste, a prevalência da ideologia neoliberal, a supremacia do mercado e das relações comerciais e a superioridade técnico-militar dos Estados Uni- dos da América. Além desses marcos sócio-históricos, outro se faz extrema- mente relevante para a análise do cenário internacional na década de 1990: o advento da globalização como instrumento impulsionador e justificador das ações de política externa. Esta foi responsável pela vinculação das decisões e posicionamentos dos Estados à volatilidade do mercado financeiro-comercial. [...] A globalização engendrou nova realidade econômica, caracteri- zada pelo aumento do volume e da velocidade dos fluxos financeiros internacionais, pelo nivelamento comercial em termos de oferta e demanda, pela convergência de processos produtivos e, enfim, pela convergência de regulações nos Estados. (CERVO; BUENO, 2002, p. 455) Com o desenvolvimento dos processos de globalização e a complexifica- ção das agendas de política internacional, a política externa passa a ter neces- sidade de acrescentar outros elementos na sua formulação e implementação. – 145 – Novos campos de estudo de Políticas Públicas: a política externa enquanto Política Pública Esses elementos (demandas de atores não estatais) se relacionam com uma perspectiva de politização3 da política externa, de tornar a política externa um espaço de atuação também de atores não estatais; de pensar a política externa ;como Política Pública. O diplomata e o militar (descritos por Aron4 como protagonistas clássicos da política externa) ganham a companhia, mesmo que ainda modesta, dos atores não estatais, como partidos políticos, sindicatos, ONGs, igrejas, entre outros. Dessa maneira entende-se que, [...] a politização da política externa [...] depende da existência de impactos distributivos internos que ocorrem quando os resultados da ação externa deixam de ser simétricos para os diversos segmen- tos sociais. Quando, ao contrário, os custos e benefícios não se con- centram em setores específicos, ou os resultados da ação externa são neutros do ponto de vista do conflito distributivo interno, a política externa produz bens coletivos, aproximando-se do seu papel clás- sico, de defesa do interesse nacional ou do bem-estar da coletividade. (LIMA, 2000, p. 289-290) A partir do momento em que a política externa passa a afetar mais dire- tamente uma porção significativa da população, esta passa a se interessar pelas decisões tomadas nesse âmbito do Estado nacional e a demandar também maior transparência nas ações de política externa. As principais consequências provenientes do adensamento dos processos de globalização para a politização do campo da política externa podem ser descritas em dois pontos essenciais: a) a ampliação das agendas de política externa e sua complexificação, de forma que as ações externas de um Estado passam a influenciar mais nitidamente a vida cotidiana dos cidadãos comuns; 3 O termo politização não indica aqui que a política externa estivesse despolitizada anteriormente, mas significa tão somente um adensamento do jogo político neste âmbito do Estado, notadamente com a inserção de atores antes excluídos. A justificativa para o uso do termo advém sua utilização corrente entre os autores que abordam a política externa enquanto Política Pública. 4 Raymond-Claude-Ferdinand Aron (1905-1983), sociólogo francês, historiador, filósofo e jor- nalista político. Foi professor de filosofia social na Universidade de Toulouse. Um tema frequente nos escritos de Raymond Aron foram as questões da violência e da Guerra, como em Paix et Guerre entre les Nations (Paz e Guerra entre as Nações), de 1962. Também escreveu um impor- tante livro de história da sociologia intitulado Les Étapes de la Pensée Sociologique (As Etapas do Pensamento Sociológico), de 1967. Suas memórias foram publicadas em 1983. Gestão de Políticas Públicas – 146 – e b) o aumento da demanda por participação nos processos de formulação e execução das políticas do Estado em geral e na política externa especifica- mente, influenciado principalmente pela onda democratizante de finais da década de 1970, na Europa, e nas décadas de 1980 e 1990 na América Latina, além do chamado boom das Organizações Não Governamentais (ONGs) no início da década passada. 6.3.1 A complexificação das agendas de política externa e a participação da sociedade civil Acompanhando os processos de globalização, a política externa passou, tanto enquanto campo teórico como enquanto campo de atuação prática, por um processo de expansão, renovação e fragmentação em um cenário cujas influências econômicas, estratégicas, política, cultural, social e militar relacionam-se em hierarquias diversas numa interação em que prevalece a hegemonia das democracias de mercado, mas que são atravessadas pela atua- ção emergente de atores não estatais. Temas antes relegados ao âmbito das low politics5 passam a adquirir relevância política e a despontar muitas vezes como discussão prioritária nas agendas de política externa dos Estados. Dentre esses temas, destacam-se as questões ambientais, o narcotráfico, a pobreza, o desenvolvimento etc., muitos deles discutidos nas conferências organizadas pela Organização das Nações Unidas (ONU) em toda década de 1990 – que, por isso, passou a ser conhecida como a Década das Conferências. Foram elas: Conferência Mundial da Criança – Nova York (1990), Conferência Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento – Rio de Janeiro (1992), Conferência Mundial dos Direitos Humanos – Viena (1993), Conferência Mundial sobre População e Desenvolvimento – Cairo (1994), Conferência Mundial para o Desenvolvi- mento Social – Copenhagen (1995), Conferência Mundial sobre a Mulher – Pequim (1995), Conferência Mundial sobre Assentamentos Humanos – Istambul (1996) e Conferência Mundial sobre Alimentação – Roma (1996). 5 Apesar de não haver consenso em torno do conceito de low politics na Ciência Política e nas relações internacionais este pode ser entendido como os temas políticos relacionados à economia, às questões sociais e à política doméstica, em contraposição às high politics, que estariam relacionadas aos temas segurança militar e questões estratégicas. – 147 – Novos campos de estudo de Políticas Públicas: a política externa enquanto Política Pública Dessa maneira, percebemos que a internacionalização do Estado contribuiu para a internacionalização da agenda doméstica com a incorporação de temas antes limitados somente ao Executivo Federal nas preocupações de setores da sociedade civil, principalmente ONGs, enquanto a consolidação democrá- tica, a partir da consolidação do ideário das democracias liberais no Ocidente, fomentou a politização da política externa em geral. Desde os anos 1990, esse processo desafia a formulação e decisões tradicionais de política exterior, assim comoos temas a ela vinculados (SARAIVA, 2003). A emergência desses temas passou a exigir dos policy makers (operadores) da política externa um conhecimento muito mais amplo para dar conta da complexidade das novas questões internacionais. Esse conhecimento (know- -how), que muitas vezes foge à capacidade dos diplomatas responsáveis pela condução da política externa, pode ser encontrado em organizações da socie- dade civil, especialistas, acadêmicos, técnicos, organizações setoriais, empre- sários ou demais atores sociais. Independentemente do grau de participação que esses novos atores adquiriram no campo da política externa, é certo que a complexificação dessas agendas foi essencial para que a separação antes existente entre as Políticas Públicas domésticas dos Estados e a política externa se diluísse gradativamente e evidenciasse assim a existência de um continuum entre política doméstica e política externa, de modo que esta última não escapa aos processos de tomada de decisão nos quais as Políticas Públicas estão envolvidas e que são caracterís- ticos dos regimes democráticos ocidentais modernos, sejam eles: relação entre Poder Executivo e Legislativo, possibilidade de intervenção do Poder Judi- ciário, trâmite burocrático e participação da sociedade civil. Dessa maneira verificamos que: [...] quando as consequências da política externa são distributivas, no sentido de que custos e benefícios não se distribuem igualmente na sociedade, a política doméstica tem influência na formação da política externa (LIMA, 2000, p. 286). A partir desses argumentos, podemos representar o processo de decisão política e formulação/implementação de políticas no âmbito da política externa, na perspectiva da politização do campo, por meio do seguinte diagrama: Gestão de Políticas Públicas – 148 – Decisões de políticas externas X formulação/implementação de Políticas Públicas Sistema político Órgão responsável pela condução da política externa INPUTS Demandas e apoios OUTPUTS Decisões e ações Conjuntura Nacional e Internacional Jogo Político Internacional Participação de demais atores sociais: formulação Participação de demais atores sociais: implemen- tação (monitoramento) Fonte: João Martins Tude /Fabio Pablo Santana. O diagrama nos mostra de que maneira as decisões de política externa passam a ser tomadas quando consideradas as demandas e os apoios advindos da sociedade. Há uma pressão por parte dos diversos setores sociais, cada um com sua demanda específica (inputs). Essas demandas passam pela discussão e pelo jogo de poder no interior dos órgãos responsáveis pela condução da polí- tica externa, e o resultado dessas pressões e discussões são as políticas adotadas pelo Estado no âmbito internacional (outputs), mas não sem a participação da sociedade – principalmente por meio do monitoramento das políticas. Esse fenômeno de politização e democratização das Políticas Públicas, incluindo também a política externa, de finais do século XX, caracterizou-se também no Brasil, que além da influência dos processos de globalização nos quais começava a se inserir foi influenciado também por sua conjuntura interna com o processo de redemocratização política do país após mais de 20 anos de regime militar e a promulgação da Constituição de 1988, conhecida também como a Constituição Cidadã, devido ao seu caráter participativo, que permitiu aos cidadãos exporem suas demandas (muitas delas reprimidas pela ditadura militar vigente no Brasil de 1964 a 1986) à Assembleia Constituinte. – 149 – Novos campos de estudo de Políticas Públicas: a política externa enquanto Política Pública 6.4 A politização da política externa no Brasil Buscaremos verificar agora de que maneira os novos dispositivos consti- tucionais influenciaram na ampliação da participação de outros atores sociais na formulação e implementação das políticas no âmbito da política externa. Analisaremos mais especificamente como a institucionalização6 mais clara (em comparação às constituições anteriores) das prerrogativas em torno da política externa fragmentaram e ampliaram de alguma maneira a responsabi- lidade da condução da política externa brasileira. Analisando o processo de tomada de decisão de política externa no Bra- sil a partir da redemocratização e do advento da globalização, verificamos que a Constituição de 1988 acabou por descentralizar e fragmentar, em alguma medida, a política externa brasileira, anteriormente concentrada no Ministério das Relações Exteriores. Mesmo com a manutenção quase que irretocável das disposições do Exe- cutivo Federal referentes às Relações Exteriores, a Carta Promulgada de 1988 introduz de maneira mais ampliada o poder Legislativo (e demais atores sociais, mesmo que de maneira indireta) no processo decisório de política externa, e no próprio texto constitucional podem ser encontradas orientações específicas relativas à ação do Estado em termos de política internacional. Evidência desse fato pode ser vista desde o preâmbulo da Carta Constitucional, que dita: Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembleia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, desti- nado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liber- dade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvér- sias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTI- TUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL” (BRA- SIL, 1988). 6 Essa institucionalização refere-se aos artigos específicos da Constituição de 1988 sobre as disposições das prerrogativas de política externa entre os diversos segmentos da burocracia e do corpo político estatal no âmbito das decisões de política externa. Mesmo não sendo encon- trados em demasia, esses artigos são importantes para a inserção de novos atores, notadamente do Legislativo federal, nos processos de formulação e implementação de políticas no campo da política externa. Gestão de Políticas Públicas – 150 – Na sequência do texto constitucional, podemos verificar no tópico “Título I: Dos Princípios Fundamentais” outras evidências, mesmo que num caráter generalista, de disposições específicas em torno da ação externa do Estado. Essas evidências estão mais detalhadamente apresentadas nos dez princípios fundamentais (e no parágrafo único) que compõem o artigo 4.o da Constituição, quais sejam: I - independência nacional; II - prevalência dos direitos humanos; III - autodeterminação dos povos; IV - não intervenção; V - igual- dade entre os Estados; VI - defesa da paz; VII - solução pacífica dos conflitos; VIII - repúdio ao terrorismo e ao racismo; IX - coopera- ção entre os povos para o progresso da humanidade; X - concessão de asilo político. Parágrafo único. A República Federativa do Brasil buscará a integração econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina, visando à formação de uma comunidade latino- -americana de nações (BRASIL, 1988). Esses princípios, apesar de possuírem uma característica suficientemente abrangente, demonstram uma preocupação em delinear algumas disposições norteadoras da política exterior brasileira, às quais os formuladores de política externa estariam inevitavelmente submetidos. Essas disposições impactaram de modo muito efetivo na correlação de forças entre os poderes Executivo e Legislativo, além do Judiciário. Assim, o tradicional processo decisório da política externa brasileira, centrado na atuação decisiva do Executivo, defini- dora do padrão burocrático da agência diplomática e muitas vezes tentando manter recorrentemente um caráter de exclusivismo dos diplomatasem rela- ção ao know-how da política externa, sofre os desafios dos efeitos democrati- zantes provenientes daqueles processos. A política externa passa a refletir não apenas os constrangimentos sistêmicos, provenientes da estrutura mesma do meio internacional, mas também, e principalmente, as estratégias estabelecidas pelos ato- res domésticos no contexto da distribuição de interesses e preferências no interior do Estado. (LIMA, 2000, p. 287) Ademais dos dispositivos constitucionais, outros fatores contribuíram para a politização da política externa brasileira notadamente nos últimos 20 anos. Como principais exemplos temos: a) a própria abertura proporcionada pelo Itamaraty (órgão responsável pela condução da política externa brasi- leira) por meio de foros consultivos e formação de delegações mistas para os foros internacionais compostas por diplomatas e representantes da sociedade – 151 – Novos campos de estudo de Políticas Públicas: a política externa enquanto Política Pública civil; b) a midiatização da política externa, o que atraiu a atenção dos cidadãos comuns às decisões tomadas pelo Estado brasileiro em relação às suas relações internacionais; c) o capital político adquirido pela política externa demons- trado, em que onde os temas de política externa foram incluídos nas agendas de campanha eleitoral; d) o aumento do interesse dos acadêmicos e especialis- tas pelas pesquisas e acompanhamento da política externa e a ampliação dos cursos de Relações Internacionais. Como afirma Faria (2008, p. 1), O caráter insulado do processo de produção da política externa bra- sileira, fortemente centralizado no Itamaraty, tem sido amplamente reconhecido. Há, porém, indícios de alterações importantes nesse padrão tradicional, a partir do início da década de 1990, e pressões crescentes para que tal processo se torne mais permeável às articu- lações, interesses e demandas de uma diversidade de outros atores, tanto estatais como societários. Essa ampliação dos atores com prerrogativas de participação no processo de formulação e implementação da política externa permitiu que a mesma se aproximasse cada vez mais das Políticas Públicas domésticas, visto que, com o aumento do número de atores influenciando na formação de polí- ticas no âmbito da política externa, as discussões se ampliaram, as deman- das tornaram-se mais heterogêneas e a necessidade de buscar soluções que atendessem a essas novas demandas num prazo mais imediato tornou-se pre- mente, dando à política externa uma configuração mais aproximada das Polí- ticas Públicas clássicas. Com isso, percebemos que as duas décadas de globalização e de redemo- cratização foram essenciais para que a política externa adquirisse um caráter mais transparente e poroso, permitindo o acesso da sociedade brasileira às decisões de política externa. Começa a haver uma interação mais frutífera entre Estado e sociedade. É claro que o grau de participação da sociedade civil no campo da política externa depende da conjuntura interna e externa, do grau de abertura propiciado pelo governo dirigente no momento em questão e da temática a ser discutida. Essa participação tende a ser maior em assuntos politicamente sensíveis, tais como as negociações econômicas e comerciais internacionais, e menor em questões mais específicas. Com isso, precisamos ter em mente que: Gestão de Políticas Públicas – 152 – Generalizações são precipitadas e para cada temática da agenda externa é preciso discernir, entre outros aspectos, o grau de institucio- nalização e a capacidade propositiva de atores não governamentais, a receptividade da burocracia estatal às demandas da sociedade, a capa- cidade de coordenar interesses divergentes e a variação de padrões de relacionamento de acordo com o estilo de cada administração federal (OLIVEIRA; PFEIFER, 2006, p. 389-390). Apesar de recente e ainda não consolidada consensualmente, a perspec- tiva da política externa enquanto Política Pública é extremamente pertinente e permite a ampliação do escopo de compreensão dessa temática tão relevante em todos os âmbitos sociais. A partir do momento em que há uma consoli- dação do processo de politização da política externa, acredita-se ser possível gerar assim um maior accountability7 e senso de responsabilidade daqueles responsáveis pela formulação/implementação de políticas, acarretando, dessa forma, em maior legitimação e credibilidade da política externa brasileira, tanto em âmbito nacional como internacional frente aos demais países da comunidade internacional, e às agências e órgãos internacionais, além de empresas e investidores estrangeiros. É necessário ter em conta que todo esse processo depende de uma mudança institucional da cultura política do órgão responsável pela condu- ção da política externa, no caso brasileiro o Ministério das Relações Exterio- res. Essa mudança concentra-se essencialmente na alteração das relações com a sociedade, passando do sentido top-down para o sentido bottom-up, ou seja, de uma relação vertical de cima para baixo para uma relação de baixo para cima, com um caráter mais horizontalizado e participativo, mas sem perder de vista a importância dessas decisões e o seu alcance social. Neste capítulo vimos de que forma a expansão do campo de estudos de Políticas Públicas influenciou, juntamente com os processos de desenvolvi- mento da globalização e redemocratização do Estado, as novas abordagens da política externa. Demonstramos as dificuldades de analisar, inicialmente, a política externa enquanto Política Pública devido às características particu- lares. Vimos também como o desenvolvimento dos processos de internacio- nalização do Estado, a complexificação das agendas de política internacional e a ampliação da participação de outros atores nos processos de formulação e 7 Pode ser traduzido por “prestação de contas” ou “responsabilização”. – 153 – Novos campos de estudo de Políticas Públicas: a política externa enquanto Política Pública implementação da política externa tornaram esta última um campo suscetível de ser abordado a partir do prisma das Políticas Públicas. Verificamos de que maneira esse processo de transformação do entendimento da política externa como política pública se desenvolveu no Brasil, e como parece haver uma tendência de formação de um continuum entre as políticas interna e externa nos processos de elaboração das Políticas Públicas. Ampliando seus conhecimentos A política externa e os representantes do povo (SARAIVA, 2009) Colhe o Brasil, após esforço contínuo dilatado no tempo, o que plantou no esforço da construção de sua inserção inter- nacional. Há dois séculos formularam-se os pilares da política externa. Teve o país inteligência de longo prazo e cálculo de oportunidade no mundo difuso da transição da hegemonia britânica para o século americano. Engendrou concepções, conceitos e teoria própria no século XIX, de José Bonifácio ao Visconde do Rio Branco. Buscou autonomia decisória no século XX. As elites se interessaram, por meio de calorosos embates parlamentares e discussão de opções externas, pelo destino do Brasil. O país emergiu, de Vargas aos militares, como ator respon- sável e previsível nas ações externas do Estado. A mudança de regime político não alterou o pragmatismo externo, mas o aperfeiçoou. Os choques de visões foram expostos na democracia. Setores políticos de diferentes matizes partici- param de grandes debates em torno dos modelos de inser- ção internacional do país, entre o associativismo liberal e o nacional-desenvolvimentista. Coube à política externa de Lula Gestão de Políticas Públicas – 154 – e aos múltiplos atores e protagonistas empresariais, diplomá- ticos, intelectuais e a sociedade civil, a ampliação do raio de ação dos interesses e valores brasileiros nosúltimos anos. O avolumar da capacidade decisória nacional no jogo das gran- des potências e na economia política da globalização é fato auspicioso. O Brasil ficou grande demais para o seu meio sul- -americano. Migrou de importador de regras para construtor de conceitos na cena internacional. Há crescente confiança no país como interlocutor no xadrez da política internacional. O Congresso Nacional e nossos representantes, no entanto, silenciam em relação ao novo lugar do Brasil no mundo. A política interna do Brasil move-se entre volubilidade e peque- nez, descolada que é do país profundo e dos seus desígnios externos. Os agentes políticos e as lideranças partidárias no Parlamento parecem não ter noção do país que representam. Demonstram visão limitada do mundo. Esquecem os parla- mentares que eles têm responsabilidade na discussão, propo- sição e controle da ação externa do Estado. Os desencontros em torno do voto brasileiro para a nova direção da Unesco e os parcos debates em torno da melhor inserção do Brasil face à crise global expõem um Congresso de costas para a política externa. A introspecção política, a falta de interesse pelos temas internacionais e o limite dos debates parlamentares aos temas imediatos, midiáticos e de pouco valor exceto para a carreira política e a próxima eleição queimam energia diante dos gran- des desafios internacionais do Brasil. Exportam, os eleitos pelo povo, o grande debate acerca do lugar do Brasil no mundo para setores da burocracia estatal. A democracia fica menor. Vulnerável se faz o país. Da Argentina, parceira e vizinha privilegiada do processo de integração mais relevante do Brasil com seu meio sul-americano, já aprendemos que sua retração internacional tem origem na – 155 – Novos campos de estudo de Políticas Públicas: a política externa enquanto Política Pública política interna pequena. Mesmo em país de gente inteligente e culta, mas tomado pela cizânia de sua elite irreconciliável, lá já não é mais possível uma estratégia externa. A síndrome portenha se traduz na baixa capacidade de construir estratégias de longo prazo em favor do tempo curto dos governantes que se sucedem na Casa Rosada, incapazes de construir uma inteligência política externa consistente no tempo. Nos Andes há lutas domésticas que impedem inserção inter- nacional com autonomia e responsabilidade internacional. São Estados em guerras civis informais. As divisões internas tornam impossível a eficácia externa. Tais Estados, vizinhos do Brasil, possuem apenas política interna. A externa é dramati- zada pela lógica da vitimização e do antiamericanismo estéril. A política externa dos Estados é muito importante para se cir- cunscrever a burocracia estatal. O descompasso entre o interno e o externo não é bom para o Brasil. Mesmo no atual momento de ebulição econômica global existe a hipótese altruísta de sairmos da crise sem os recalques de experiências traumáticas anteriores. Onde estão os debates estratégicos e de alto nível dos representantes do povo acerca dessa relevante hipótese? O silêncio dos congressistas brasileiros é estarrecedor. Dizem que política externa não dá voto. Nada disso é compatível com os antecedentes de um país que soube unir forças em torno de grandes debates nacionais e dos caminhos a tomar no mundo complexo que vivemos. É hora de pôr o externo no debate interno. Afinal, a política externa também é uma Política Pública. Atividades 1. De acordo com as possíveis interpretações do processo de fragmenta- ção do campo de Políticas Públicas, podemos considerar que: Gestão de Políticas Públicas – 156 – a. Há uma corrente teórica que considera esse processo como pre- judicial ao desenvolvimento do campo de estudos e outra que o considera como frutífero. b. Todas as correntes teóricas consideram que esse processo é preju- dicial ao desenvolvimento do campo de estudos. c. A corrente teórica que considera esse processo benéfico assim o faz pois acredita que dessa maneira é possível uma unidade na formulação/implementação de políticas. d. Nenhuma das correntes teóricas considera esse processo como be- néfico ao desenvolvimento do campo de estudos. 2. De que maneira a complexificação das agendas de política interna- cional contribuiu para o processo de politização da política externa? 3. Quais são as principais consequências da inclusão da política externa no escopo das Políticas Públicas do Estado? A crise do Estado de Bem-Estar Social com relação às políticas públicas no contexto neoliberal Neste capítulo serão abordados o conceito Bem-Estar Social e o papel do Estado como provedor dos direitos mínimos para os cidadãos. Serão discutidos diferentes modelos e fundamentos, além de como alguns países aplicam ou aplicaram o Estado de Bem-Estar Social, Welfare State, em inglês. Também serão vistos, de forma mais específica, os modelos de Bem-Estar Social e ação do Estado nos países latino-americanos, com ênfase nas práticas observadas no Brasil. 7 Gestão de Políticas Públicas – 158 – Posteriormente, serão estudados os conceitos de Neoliberalismo e como este ficou marcado na história da humanidade, além de como ocorreu sua evolução no contexto do capitalismo. Será estudada sua evolução em outros continentes e sua entrada nos países da América do Sul e, de forma específica, no Brasil, aliado ao conceito de Bem-Estar Social e de suas principais práticas. Por fim, veremos os fundamentos da atual crise do neoliberalismo, além das críticas à adoção de medidas que, por muitas vezes, só serviram para demonstrar que não existe um regime ideal a ser seguido e que a pobreza e desigualdade são questões muito mais profundas, que possuem uma impro- vável resolução a curto prazo. 7.1 O Estado de Bem-Estar Social O Estado de bem-estar social, ou ainda Welfare State como também é conhecido em inglês, normalmente é utilizado para designar a função do Estado em relação à sociedade. Mas o que seria esta função? Como ela pode ser entendida? Falando em termos de Brasil, a função principal do Estado é assegurar os Direitos Fundamentais aos cidadãos brasileiros. De acordo com a Consti- tuição Federal de 1988: Art. 6.º - São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desam- parados, na forma desta Constituição. (Redação dada pela Emenda Constitucional n.º 90, de 2015). De acordo com a Constituição Federal, estes Direitos Fundamentais visam, primordialmente, condições mínimas de vida para os brasileiros, representadas principalmente por educação, saúde, direito à vida e outras necessidades mínimas e básicas para uma vida digna. Estes direitos deverão, também, refletir os desejos e as vontades de uma determinada sociedade, respeitando não só o ser humano de forma individu- alizada, mas todas as características que cercam uma determinada população. A existência deste termo começa em que período da história humana? Da forma que é conhecido, o conceito surgiu depois da Segunda Guerra – 159 – A crise do Estado de Bem-Estar Social com relação às políticas públicas no contexto neoliberal Mundial, porém, a exemplo de outras teorias ligadas ao ser humano, pode-se dizer que o Estado de Bem-Estar Social tem suas raízes atreladas à Revolução Industrial e aos problemas que este processo gerou para as nações. Os direitos sociais, como também são conhecidos, surgem para tentar assegurar que as desigualdades geradas entre as classes sociais não entrem em conflito com o exercício dos direitos civis e políticos dos cidadãos. Neste momento, com a implementação do conceito de Bem-Estar Social, passa a existir a convivência entre o capitalismo e a democracia,entre- tanto, os conflitos nunca desapareceram – e não desaparecerão. Dessa forma, o que existe é uma maneira de tentar fazer com que exista uma convivência harmônica em um mundo de tantas diferenças. É preciso lembrar, com base no que foi apresentado na Constituição Federal de 1988, que é possível compreender que cada país possui seu pró- prio conjunto de características e de entendimento do que é o Bem-Estar Social, além disso, fatores como a intervenção do Estado e o nível de indus- trialização de um país fazem com que este conceito seja diferentemente apli- cado e percebido. Logo, países de primeiro mundo, por lógica, têm um Estado de Bem- -Estar Social muito mais desenvolvido e melhor percebido do que aqueles que foram dominados pelo comunismo ou, ainda, pelo subdesenvolvimento. Mesmo dentro de países desenvolvidos, o Bem-Estar Social tem diferen- tes níveis de aplicação e de percepção pela sociedade, o que denota que não há uma unanimidade quando o assunto é voltado para os Direitos Fundamen- tais dos Seres Humanos. Mas será que o Estado é mesmo capaz de prover os principais desejos, necessidades e anseios de uma sociedade? Agora que já vimos algumas funções do Estado, vamos aos fundamentos e bases que este utiliza para desempenhar suas funções. A grande questão ini- cial sobre a capacidade, ou não, do Estado de suprir as necessidades mínimas do ser humano é de que este não deve ser enxergado como um “herói” capaz de resolver qualquer paradigma na vida dos habitantes de um determinado país. Deve-se lembrar que a função básica do Estado está ligada ao fato de tentar trazer aos cidadãos uma maior igualdade de oportunidades, para que estes possam, cada um à sua maneira, conquistar seus próprios objetivos. Gestão de Políticas Públicas – 160 – Outro aspecto bastante discutido, conforme menciona Machado (2003), é o fato de que devem ser discutidas políticas públicas que possam não só atender às necessidades dos cidadãos, mas também manter um equi- líbrio entre a atuação do Estado e o capitalismo, que atualmente faz parte da grande maioria das nações. Mas, então, como o Estado deve desempenhar o seu papel? Quais são os seus fundamentos? 1. O Estado deverá se responsabilizar e tentar garantir o bem-estar da sociedade de um determinado país, independentemente de sua con- dição ou renda; 2. O Estado atua como regulamentador e dirigente da economia; 3. O Estado atua como empresário, desta forma, é ator principal de atividades comerciais. Porém, para que o Estado desempenhe sua ação fundamentada nestes pilares, é preciso que existam recursos originários dele como arrecadador de impostos, ou seja: o Estado irá arrecadar recursos que sejam suficientes para sua função de provedor. Aqui, a exemplo do conceito de Bem-Estar Social,não existe um modelo pré-definido que seja aplicado com sucesso em todas as nações, pois cada uma precisa definir, de acordo com sua realidade, qual será a política de cobrança e de distribuição dos recursos arrecadados para manter a função estatal. De acordo com Fiori (1997) apud Machado (2003), os modelos de atu- ação do Estado podem ser divididos em: 2 Modelo Padrão – a política social possui intervenção ex-post, ou seja, depois que os fatos aconteceram, e possui um caráter tempo- ralmente limitado. Este modelo pode ser visto nos Estados Unidos. 2 Modelo Padrão Meritocrático-Particularista – possui uma polí- tica social voltada apenas para a intervenção de correção da ação do mercado. Este sistema somente complementa as insti- tuições de mercado estabelecidas. A Alemanha pode exemplifi- car esta classificação. – 161 – A crise do Estado de Bem-Estar Social com relação às políticas públicas no contexto neoliberal 2 Modelo Padrão Institucional Redistributivo – é baseado na produ- ção e distribuição de bens e serviços sociais considerados “extramer- cados” e que garantiriam as condições mínimas de vida de todos os cidadãos, sem nenhuma distinção. Este modelo é claramente evidenciado nos países nórdicos. Outra forma de fundamentação de Estado pode ser dada pela definição de Esping-Andersen (1993, apud Fortete, 2012). Assim, de acordo com o autor, o Estado pode ser classificado da seguinte forma: 2 Welfare State liberal (Estado de Bem-Estar Social Liberal) – com predominância da assistência aos pobres, reduzidas transferências universais e também planos de previdência social modestos, com benefícios e regras bastante estritos. Nesta categoria estariam o Estados Unidos, o Canadá e também a Austrália. 2 Welfare state conservador – este tipo de classificação demonstra uma presença bastante corporativa do Estado no desempenho de suas funções, pois há a preservação das diferenças entre os cidadãos e a ligação dos direitos às diferentes classes sociais. A Áustria, a França, a Alemanha e a Itália compartilham deste mesmo modelo. 2 Regimes social-democratas – possuem como característica mar- cante o universalismo e a desmercantilização. Atingem, de forma ampla, a classe média e permitem que todos os segmentos sociais sejam incorporados a um sistema universal de seguros. Este modelo limita-se aos países escandinavos. Esta base fundamentadora dos regimes de Welfare State não possui uma classificação referente aos modelos utilizados na América do Sul. De acordo com Ribeiro (2006), isso pode ser explicado, já que os países latino-america- nos, até a década de 1970, buscavam ainda reorganizar sob a perspectiva de mercado tanto seus instrumentos institucionais quanto regulatórios, assim como formas sociais nas políticas públicas. Entretanto, conforme o próprio autor, esta tentativa acabou sendo feita de um modo imperfeito e deformado, o que ocorreu devido ao conjunto estrutural e organizacional destas nações. Os pilares estruturais (educação, saúde, seguridade social por exem- plo) que constituem o Estado do Bem-Estar não estavam operando juntamente com a dinâmica do mercado de trabalho. A não universa- Gestão de Políticas Públicas – 162 – lização do sistema e a baixa equidade desempenhada pelos programas e políticas sociais ficaram marcados com essa grande característica (RIBEIRO, 2006, s/p). Tal problema ocorreu principalmente depois da década de 1980, perí- odo de grande turbulência econômica, quando prejudicou ainda mais as estruturas institucionais e organizacionais dos países latino-americanos, já que estes não estavam preparados para situações envolvendo elevado índice de desemprego. Entre as características que faziam parte destas estruturas estão o alto grau de centralização, a dificuldade na capacidade regulatória e a fraca partici- pação popular na implementação e operação de programas sociais. Tudo isso, aliado a uma forte presença corporativa de profissionais ligados a grandes sis- temas políticos, bem como uma capacidade muito fraca por parte do Estado em gerir o sistema, contribuiu para o agravamento das diferenças sociais nes- tas nações. 7.1.1 O Estado de Bem-Estar Social e o Brasil Mas e no caso do Brasil, como esta função do Estado pode ser entendida? Ribeiro (2006) cita que até a década de 1930 não existia no país nenhum tipo de proteção social ou ainda algum conjunto regulamentador para estes direi- tos. A era Vargas deu início a transformações do Estado brasileiro, e foram estabelecidas formas de regulamentação social, com mecanismos que visam suprir as necessidades de sustentação e renda. Posteriormente, na década de 1940, foram criados os institutos de apo- sentadoria e pensões e, em seguida, em 1943, ocorreu a consolidação das leis trabalhistas. Em nosso cenário houve um momento de grande intervenção estatal, na época da ditadura militar (1964-1985); porém, este fato não beneficiou a população como um todo, mas somente uma classe privilegiada com- posta, em sua maioria, por empresas públicas e empresáriosbrasileiros e/ ou estrangeiros. Já que o Brasil não possui uma definição de como está fundamentado o seu modelo de Bem-Estar Social, um modelo similar ao que é implemen- – 163 – A crise do Estado de Bem-Estar Social com relação às políticas públicas no contexto neoliberal tado aqui pode ser designado como Modelo de Estado Social Dual. Neste modelo existe a substituição de importações apoiada em rendas derivadas basicamente de economias primárias, com uma alta intensidade de mão de obra e com uma grande heterogeneidade regional de desenvolvimento, tanto econômico quanto social, ou seja: há muita diferença entre os diversos estados brasileiros, e isso deve ser levado em consideração na definição do modelo nacional. Este modelo culmina em uma estrutura altamente federalista, com características de clientelismo e paternalismo para acesso aos benefícios sociais por parte da população de baixa renda (FILGUEIRA, 1998, apud FORTETE, 2012). No Brasil, apesar da garantia na Constituição Federal, o Estado de Bem-Estar Social não teve um modelo altamente evoluído e nunca foi capaz de garantir à grande maioria dos cidadãos as condições mínimas para uma vida digna. Desta forma, o país possui um grande desafio para encontrar um modelo que possa ser adaptado à sua realidade e que supere, principal- mente, as diferenças sociais criadas no país depois das décadas de 1980 e 1990, quando surgiu uma grande classe de desempregados. Outro ponto focal e que deve fazer parte dos fundamentos de Welfare State são as políticas relativas à Previdência Social, uma vez que os valores, cada vez menores, dos benefícios previdenciários obrigam a massa aposentada a conti- nuar atuando no mercado de trabalho buscando a complementação de renda. 7.2 O neoliberalismo O neoliberalismo é considerado uma resposta à crise causada pelo capi- talismo, envolvendo a participação do Estado na economia, bem como no Estado de Bem-Estar Social, sendo que suas origens estão nas mudanças que o próprio capitalismo sofreu com o passar dos anos. A década de 1980 é marcada pelo aparecimento da ideologia neoliberalista, representada pelas gestões da primeira ministra Margaret Thatcher (Reino Unido), de Ronald Reagan (EUA) e de Helmuth Kohl (Alemanha), demonstrando um avanço cada vez maior dos governos neoliberais. Mas como o neoliberalismo pode ser definido? Gestão de Políticas Públicas – 164 – A exemplo de outras correntes, o neoliberalismo é um conjunto de ideias e práticas políticas e econômicas baseadas no capitalismo e que defende uma menor intervenção do governo na economia. Neste contexto é pregado o livre-comércio ou livre-mercado, com intervenção parcial do Estado, ou seja, no contexto macroeconômico, para que isso garanta o desenvolvimento de um determinado país. Pode ser também definido pelo Estado Mínimo, voltado para políti- cas sociais, sendo que a prestação das necessidades básicas da população, representada por políticas sociais, deverá ser guiada para favorecer as rela- ções de mercado. Assim, um dos exemplos mais marcantes do neolibera- lismo é a privatização de empresas, passando parte da responsabilidade social para o mercado. O início da disseminação das ideias neoliberais pelo mundo se deu, principalmente, por causa da derrota do comunismo e do fim da Guerra Fria, que envolvia duas potências mundiais: Estados Unidos e Rússia (União Soviética). A ideia inicial era de que esse era o caminho para que todos os indivíduos, de acordo com suas competências individuais, pudessem buscar oportunidades, o que possibilitaria o desenvolvimento dos mercados globali- zados sem nenhuma restrição ou fronteira (MACHADO, 2003). As bases deste modelo defendem a mínima participação do Estado na economia de um país, uma menor intervenção nas relações de capital e tra- balho e uma política crescente de privatização das empresas estatais, bem como uma livre circulação de mercadorias e capitais por meio da abertura da economia para mercados internacionais. O neoliberalismo, se bem executado, busca a desburocratização do Estado, visando a simplificação das atividades econômicas da nação. Frequen- temente objetiva a diminuição do Estado para que se torne mais eficiente, o que poderá ser feito também por meio da diminuição da tributação excessiva. O aumento da produção e as transações com o mercado global são utilizados como medidas para o desenvolvimento econômico. O controle de preços e serviços por parte do Estado é mal visto, já que a oferta e a demanda poderiam sozinhas regular essas questões. Como já visto, a base do neoliberalismo é fortemente ligada às raízes do capitalismo, que incentiva a economia a ser formada por empresas do setor privado. – 165 – A crise do Estado de Bem-Estar Social com relação às políticas públicas no contexto neoliberal Surge, então, um pequeno conflito ao se confrontar as ideias neolibe- rais com o espírito de Bem-Estar social, baseado na aplicação do dinheiro público, enquanto no caso do neoliberalismo o dinheiro deve ser aplicado exclusivamente em áreas imprescindíveis e de forma mínima. Mas, a exem- plo do conceito de Bem-Estar Social, mesmo nos países ricos e altamente desenvolvidos não existe um consenso em relação ao que é certo ou errado. Entretanto, observam-se algumas características em comum dos regimes mais bem-sucedidos do Neoliberalismo: 2 Desestatização de empresas com uma grande reversão de nacionali- zações feitas no pós-guerra, principalmente no Leste Europeu; 2 Desregulação de atividades econômicas com eliminação ou ainda redução drástica de controle de preços, barreiras feitas à importa- ções e incentivo ao capital estrangeiro; 2 Reversão de padrões de direitos universais criados nos regimes comunistas ou socialistas. Por fim, o neoliberalismo busca constantemente a contenção de gastos públicos por meio do equilíbrio fiscal e da manutenção de política monetária controlada pelo banco central, objetivando inflação baixa e crescimento eco- nômico sustentável. 7.2.1 Neoliberalismo no Brasil A entrada do neoliberalismo na América Latina, na década de 1990, é marcada principalmente pelo Estado Democrático de Direito e por expe- rimentações neoliberais, conforme afirma Carinhato (2008), sendo que a forma de entrada deste modelo se deu pela renegociação de dívidas externas dos países integrantes do bloco, o que levou a grande maioria ao enxuga- mento da máquina pública, para que pudessem ser reduzidas as dívidas com países credores. Dois órgãos se destacam nesse contexto: o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional (FMI), responsáveis por intermediar boa parte das negociações financeiras a que esses países precisaram se sujeitar. No cenário brasileiro, houve a entrada do neoliberalismo também na década de 1990, com o governo do presidente Fernando Collor de Mello. Gestão de Políticas Públicas – 166 – Neste período operou-se a abertura de capitais para empresas estrangeiras, redução de impostos sobre importação e aumento do incentivo para empre- sas de outros países se instalarem no Brasil. Isso desencadeou a entrada de produtos importados no país, consequentemente, a elevação substancial do desemprego e uma grande crise social. Entretanto, os ideais do neoliberalismo não foram totalmente alcança- dos naquele momento, pois ainda havia desconfiança das grandes multina- cionais estrangeiras, que demoraram a optar pelo Brasil como possibilidade de investimento em razão da instabilidade política e econômica existentes na época. A estabilidade econômica veio a ocorrer somente em meados da década de 1990, com a instituição do Plano Real. Agora, se pensarmos na instituição de um verdadeiro Estado de Bem- -Estar Social, combinado com a adoção do Neoliberalismo, é possível afirmar que o Brasil jamais chegou a constituir-se com um real exemplode sua apli- cação. Por que isso ocorreu? Além do atraso e da adoção parcial dos princípios do neoliberalismo, o Brasil experimentou – e ainda experimenta – forte influência do Estado, o que vai contra os ideais dessa corrente. Observou-se, também, que as políti- cas relativas às demandas gerais da sociedade, como saúde, educação e outras necessidades básicas foram ficando em segundo plano, já que nunca houve uma definição de grupos específicos que as demandassem. Mesmo algumas características marcantes de uma correta adoção do neoliberalismo foram criticadas, como é o caso dos recursos financeiros cap- tados nos processos de privatização, que deveriam servir para a diminuição das dívidas públicas nas três esferas do governo; porém, isso acabou não ocor- rendo como se esperava. . 7.3 A crise e o neoliberalismo A partir do ano 2000, o número de crises econômicas pareceu se espa- lhar globalmente. Como consequência da globalização, atualmente têm atin- gido ao mesmo tempo várias nações, que possuem ligações comerciais cada vez maiores. – 167 – A crise do Estado de Bem-Estar Social com relação às políticas públicas no contexto neoliberal Conforme afirma Saad Filho (2011), o neoliberalismo pode ser conside- rado o novo modo de existência do capitalismo. Sob o neoliberalismo, a capacidade estatal de alocar recursos inter- temporalmente (ou seja, a relação entre investimento e consumo), intersetorialmente (a composição do produto e do investimento) e internacionalmente (a articulação da produção capitalista através das fronteiras nacionais) foi sistematicamente transferida para um sistema financeiro cada vez mais globalizado e no qual instituições norte-ame- ricanas têm um papel dominante. O controle sobre a alocação de recursos deu às instituições financeiras uma influência determinante sobre o nível e a composição do investimento, produto e emprego, a estrutura da demanda, o financiamento do Estado, a taxa de câmbio e os padrões de especialização internacional da maioria dos países. A influência do setor financeiro levou ao desenvolvimento de uma gama de novos instrumentos, à rápida expansão de atividades puramente especulativas e, inevitavelmente, ao crescimento explosivo das remu- nerações dos grandes financistas. (SAAD FILHO, 2011, p. 6 - 7) Assim, conforme explicita o próprio autor, a chamada “financeirização” da economia, acompanhada de uma reestruturação da produção e apoiada na globalização, recompôs os sistemas de produção nacionais, possibilitando a evolução destes a níveis de produtividade mais elevados – criando novas cadeias produtivas e modificando as modalidades de integração dos países na economia mundial – e também facilitou a introdução de novas tecnologias no processo de trabalho, assim como comprimiu os salários reais e trouxe de volta o imperialismo norte-americano (SAAD FILHO, 2011). Mas o que significa esta financeirização, e qual o seu papel nas crises glo- bais? Nota-se que a financeiração, que desempenha um papel determinante nas grandes economias, possui características de desestabilização e não leva ao crescimento acelerado daquelas nações que apostam nesta estratégia para o seu crescimento. Conforme Saad Filho (2011), a financeirização sustenta a transnacionalização da produção, facilitando a concentração de renda, assim como a riqueza, apoiando a hegemonia política por meio de ameaças contí- nuas da fuga de capital para o exterior. Desta forma, notou-se o poder do setor financeiro, especialmente durante a crise de 2008, que afetou o mercado imobiliário dos Estados Unidos, com reflexos imediatos na economia global, quando foi preciso que diversos gover- nos resgatassem instituições financeiras ou ainda sistemas financeiros inteiros Gestão de Políticas Públicas – 168 – – e os maiores penalizados, como sempre, foram os cidadãos daqueles países. Nota-se ainda que estas instituições demandavam cortes nos gastos públicos que, muitas vezes, foram feitos para o próprio resgate dessas, demonstrando a incongruência do sistema atual. Nota-se também que essa financeirização ou poder exacerbado do setor financeiro tem levado, de forma constante, uma pressão ao Estado, com a necessidade de imposição de políticas sociais restritivas e políticas monetárias fiscais contracionistas, já que existe a ameaça contínua de crises, sejam elas fiscais, financeiras ou cambiais. Saad Filho (2011) identifica, também, crises relativas ao capital indus- trial derivadas da concorrência global promovida pelo Estado, e que é apoiada no setor financeiro, assim como este próprio que possui atualmente uma inte- gração internacional competitiva e salvaguardada no sistema regulatório ame- ricano. Mas ainda existem outras consequências. Foi possível observar um impacto importante na classe trabalhadora, já que, mesmo de forma involuntária, estes trabalhadores acabaram sendo incorporados aos circuitos transnacionais de acumulação, com maior ênfase nas últimas três décadas. Observou-se uma grande mudança em questões legais, regulatórias e políticas, com a transformação do emprego na maioria dos países do mundo, o que facilitou imposições de salários, benefícios e direitos trabalhistas em geral. Assim, ficou e fica cada vez mais difícil a resis- tência ao modelo de capitalismo neoliberal atual. Nos Estados Unidos de 2008, foi possível observar claramente os efeitos dessa financeirização da classe trabalhadora, já que a expansão do crédito e a bolha imobiliária fizeram parte deste grande processo iniciado com a dimi- nuição de vagas de emprego, já que a maioria dos investimentos era enviado para outros países cuja mão de obra era mais barata que nos países de ori- gem. O que aconteceu com os trabalhadores que ficaram? Passando por um momento de redução salarial, eles apelaram para o endividamento pessoal, principalmente nos Estados Unidos, com frequentes hipotecas, para que fos- sem atendidas suas principais necessidades pessoais. Muitas famílias responderam às reformas neoliberais usando seus cartões de crédito até o limite e transformando suas casas e fundos de pensão em caixas eletrônicos virtuais para contornar a estagna- – 169 – A crise do Estado de Bem-Estar Social com relação às políticas públicas no contexto neoliberal ção dos salários e o recuo da seguridade social. Não é de surpreender que a financeirização tenha apoiado um aumento substancial na taxa de exploração, que se tornou evidente através da queda da fatia dos salários na renda nacional na maioria dos países entre 1980 e 2000. (SAAD FILHO, 2011, p. 9-10) Outra característica marcante desta crise do neoliberalismo foi a utiliza- ção do crédito pessoal como ferramenta de macropolítica econômica. Países como Estados Unidos e Inglaterra, ao menor indício de desaceleração de suas economias, reduziam as taxas de juros, encorajando novas hipotecas e, por consequência, a acumulação de dívida para sustentar a demanda agregada. Por fim, conforme Saad Filho (2011), a crise do mercado americano e até mesmo outras crises financeiras apresentam-se como resultados de um processo insustentável de financeirização do neoliberalismo, além de mudan- ças drásticas em estruturas dos mercados e dos meios de subsistência, emba- sadas em ferramentas macroeconômicas que não atendem ao modelo atual e limitadas a argumentos sobre concorrência e escolha individual. Ficou muito claro que a eliminação da pobreza é uma tarefa impossível e que o simples acesso ao crédito não é suficiente para sanar esta questão. Outro ponto que ficou muito claro é que economias complexas não podem ser mantidas por longos períodos por meio da pura manipulação do crédito pessoal. Notadamente, todo este contexto abala as políticas sociais relacionadas ao Estado de Bem-Estar dos países. Nesse sentido, os governos adotam cada vez mais restrição de acessoaos benefícios que antes eram concedidos pelo Estado, tais como saúde, educação, aposentadoria, entre outros. Conclusão Neste capítulo foi possível compreender o que é o Estado de Bem-Estar Social e as necessidades que ele deve suprir, devendo estar adequadas à reali- dade de cada país em que serão implementadas. Também foi possível entender qual é o papel do Estado, assim que, em muitos casos o favorecimento dos cidadãos, que deveria ser seu principal objetivo, não é alcançando, como foi demonstrado principalmente em eco- nomias menos desenvolvidas, que é o caso da maioria dos países da América do Sul. Gestão de Políticas Públicas – 170 – Foram estudados também os fundamentos do neoliberalismo e como ele tem avançado juntamente com o capitalismo e a globalização. Por fim, foram vistas as principais crises do neoliberalismo e como este modelo, que prometeu salvar milhões da pobreza, não cumpre, em muitas situações, tal promessa, ainda provocando constantemente crises financeiras que compro- metem a economia globalizada. Ampliando seus conhecimentos Estado de Bem-Estar Social Por Antonio Gasparetto Junior O Estado de Bem-Estar Social é um modo de organização no qual o Estado se encarrega da promoção social e da eco- nomia. Ao longo dos séculos, as escolas de pensamento econômico retiraram a participação do Estado da organização da econo- mia, concedendo grande espaço e influência ao que se desig- nou como Liberalismo. Este tipo de orientação ideológica que prevê maior liberdade para o mercado, sem a regulamentação do Estado, vigorou no século XIX, mas entrou em profunda crise no início do século XX. A Primeira Guerra Mundial, entre outras coisas, foi resultado da intensa de disputa por mercados travada pelos países europeus. Encerrando um perí- odo de grande desenvolvimento. Pior ainda para a economia seria a Crise de 1929, decorrente da superprodução que o mercado foi incapaz de absorver. Até então, estava em pauta a retirada do Estado da regulamentação econômica, mas a solução da crise foi justamente a retomada do Estado. Defen- sores do Liberalismo acreditavam que a intervenção do Estado na economia e o investimento em políticas sociais eram, na verdade, gastos maléficos para a economia. No entanto, essas duas medidas reativaram a economia. – 171 – A crise do Estado de Bem-Estar Social com relação às políticas públicas no contexto neoliberal A partir da década de 1930, então, expandiu-se o modelo chamado de Estado de Bem-Estar Social, no qual o Estado é organizador da política e da economia, encarregando-se da promoção e defesa social. O Estado atua ao lado de sindica- tos e empresas privadas, atendendo às características de cada país, com o intuito de garantir serviços públicos e proteção à população. Os países europeus foram os primeiros e princi- pais incorporadores do modelo que agradou os defensores da social-democracia. A principal referência no continente veio da região escandinava. Até hoje, Noruega, Suécia, Fin- lândia e Dinamarca são destaques na aplicação do Estado de Bem-Estar Social e são países que estão no topo do ranking de melhor Índice de Desenvolvimento Humano. O Estado de Bem-Estar Social ganhou ainda mais terreno com a inclusão do conceito de cidadania, propagado após a queda dos regimes totalitários na Europa. Associou-se a ideia de que os indivíduos são dotados de direitos sociais. O modelo de organização estatal concede aos indivíduos bens e serviços públicos durante toda a vida. Os direitos sociais conferem serviços de educação, saúde, seguridade e lazer. O Estado de Bem-Estar Social é também chamado de Estado Providência e Estado Social. Foi o modelo predominante nos países ocidentais na segunda metade do século XX defendendo o desenvolvimento do mercado, porém acompanhado de políticas públicas e da interferência do Estado na economia para corrigir os erros e proteger a população. Atualmente, diz-se que o modelo está em crise. O primeiro país a abandonar o modelo foi a Inglaterra, no governo de Margareth Thatcher. Ela alegou que o Estado não dispunha mais de recursos para sustentar o Estado de Bem- -Estar Social e retirou os direitos que os cidadãos haviam con- quistado no decorrer das décadas. Nasceria, então, o Estado Neoliberal. A consequência seria o embate entre os dois modelos. Mas o Estado Neoliberal também já se mostra em Gestão de Políticas Públicas – 172 – crise e políticos e ideólogos de direita e de esquerda debatem qual modelo seria mais viável. O fato é que a maior parte dos países que investiram quantidades significativas do Pro- duto Interno Bruto em políticas sociais possui elevado Índice de Desenvolvimento Humano. No entanto, a relação não é direta, pois não se trata apenas de investir, mas da maneira como é investido. Outra evidência que está associada ao investimento em políticas sociais é a redução da pobreza. No Brasil, houve um esboço de implantação do Estado de Bem-Estar Social nas décadas de 1970 e 1980. Todavia, o modelo não seria aplicado como investimento produtivo para sociedade, mas de forma assistencialista. Logo, o que se verificou foi a manutenção da acentuada desigualdade social, os elevados índices de pobreza e o insucesso no Índice de Desenvolvimento Humano. O governo do presidente Fer- nando Henrique Cardoso, 1994-2002, assumiu o modelo Neoliberal como direcionador do Estado, fazendo a contra- posição. Seu sucessor, Luís Inácio “Lula” da Silva, recupe- rou as ideias do Estado Providência, investindo em políticas sociais que resultaram na diminuição dos índices de pobreza. No entanto, os investimentos em políticas sociais ainda são pequenos e mal administrados no Brasil. Atividades 1. Qual é o momento marcante para o ínício do conceito de Bem-Estar nas sociedades? – 173 – A crise do Estado de Bem-Estar Social com relação às políticas públicas no contexto neoliberal 2. O modelo de Bem-Estar Social brasileiro não é bem definido, devido a várias questões históricas e políticas. Que característica representa o Modelo de Estado Social Dual que pode ser utilizado como referência para entender as questões sociais no país? a. Economias de grande escala b. Reservas econômicas c. Economias primárias d. Diversidade econômica e. Economia baseada em tecnologia 3. Qual elemento pode ser caracterizado como principal deflagrador da crise do neoliberalismo e suas consequentes críticas? a. Financeirização b. Capitalismo c. Socialismo d. Comunismo e. Fiscalizacão – 175 – Gabarito Gabarito Gestão de Políticas Públicas – 176 – 1. Conceitos gerais de Políticas Públicas 1. C 2. A resposta deve expor as três dimensões conceituais inseridas na defini- ção de Políticas Públicas: a dimensão institucional (polity), a dimensão processual (politics) e a dimensão material (policy). Deve dar relevância à terceira dimensão do conceito, a dimensão material (policy), demons- trando que esta é a que mais se aproxima do que conhecemos como “políticas” propriamente ditas ou Políticas Públicas. Além disso, a res- posta deve explicar que, apesar de importantes para a compreensão mais clara do que são as Políticas Públicas, esses conceitos na prática não podem ser dissociados. Temos sempre de levar em conta que todas essas dimensões estão inter-relacionadas e emergem de modo mais ou menos acentuado na ação política sempre entrelaçadas e influencian- do-se mutuamente. 3. Características do racionalismo: a) É necessário possuir o conhecimen- to de todas as preferências dos diversos grupos demandantes da socie- dade e seus pesos relativos; b) É necessário ter claramente quais as al- ternativas possíveis e viáveis para consecução de determinada política; c) É preciso ter um diagnóstico antecipado das consequências de cada políticaalternativa que pode ser adotada; d) É indispensável estabele- cer a relação custo X benefício (valores atendidos e valores sacrificados) para cada política alternativa; e) Dentre as alternativas apresentadas, deve-se escolher a que for mais eficiente, ou seja, a que minimize os custos e maximize os ganhos para sociedade. Características do incrementalismo: a) Não há disponibilidade de tempo, verbas públicas, capacidade intelectual etc. que possibilitem a investigação de todas as alternativas possíveis na formulação/im- plementação das Políticas Públicas; b) Não há como prever todas as consequências possíveis das novas políticas adotadas; c) Não seria inte- ressante desperdiçar investimentos já efetuados em função de políticas – 177 – Gabarito passadas, mesmo que essas não estejam atendendo com total eficiência as demandas a que foi destinada; d) A disputa política inviabiliza a im- plementação de uma política estritamente racional; e) Há uma predis- posição humana em buscar a satisfação de suas demandas individuais e não a maximização dos ganhos sociais; f ) É impossível estabelecer um consenso dos objetivos sociais. 2. A elaboração de Políticas Públicas: processos de formulação, implementação e avaliação 1. O ciclo de elaboração de uma Política Pública compreende os mo- mentos de formulação, implementação e avaliação de resultados. A etapa de formulação é a fase onde são definidos quais os problemas a serem resolvidos juntamente com a decisão de quais instrumentos serão necessários para resolução desses problemas. O momento de im- plementação é a etapa onde as decisões tomadas na fase de formulação são aplicadas na prática e se podem observar os resultados finais das políticas adotadas nos permitindo mensurar se ela obteve sucesso ou fracasso na consecução de seus objetivos. Por último encontra-se a fase de avaliação, que consiste em uma etapa na qual os resultados e im- pactos da política são analisados com relação aos objetivos propostos, fornecendo elementos para o desenho de novas intervenções ou para o aprimoramento de políticas e programas em curso. 2. As Políticas Públicas são ações do governo elaboradas com o objetivo fundamental de suprir as demandas sociais. Tendo em vista que essas demandas são diversas torna-se claro que as Políticas Públicas atuam em diferentes âmbitos da sociedade para tentar solucionar os proble- mas existentes. Por isso existem Políticas Públicas específicas para cada área da sociedade, podendo elas serem utilizadas na resolução de ques- tões referentes à saúde, à moradia, à educação etc. Gestão de Políticas Públicas – 178 – 3. As demandas sociais são analisadas de acordo com a sua relevância enquanto problema de interesse público, pois nem todos os assuntos podem ser introduzidos na elaboração de uma política a ser imple- mentada. A definição de quais problemas serão solucionados dá início à fase de formulação da política, momento onde são definidos quais serão as alternativas de ação e os instrumentos utilizados para tentativa de solucionar os problemas percebidos. 3. Controle e monitoramento social de Políticas Públicas no Brasil 1. A 2. O uso da expressão “controle social” se intensifica a partir do período de redemocratização do país, quando ainda predominava uma visão dicotômica entre Estado e sociedade civil, na qual a sociedade civil era entendida como formada por setores progressistas, populares e demo- cráticos e o Estado como autoritário e elitista, sendo, portanto, neces- sário o controle do primeiro sobre o segundo. Assim, controle social seria uma moderna compreensão de relação Estado-sociedade, onde a esta cabe estabelecer práticas de vigilância e controle sobre aquele. Nessa visão, há um entendimento sobre a necessidade de uma divisão efetiva entre os papéis do Estado e da sociedade civil, na qual ao pri- meiro caberia a formulação e implementação de uma determinada po- lítica pública e ao segundo competiria o processo de acompanhamento e avaliação dessa política. Entretanto, com o passar do tempo e a intensificação dos processos de participação, tal entendimento dicotômico sobre Estado e socie- dade civil, assim como o da necessidade de divisão de papéis entre estes, foi arrefecendo e dando lugar a um entendimento que Estado e sociedade civil deveriam atuar de forma conjunta no processo de – 179 – Gabarito formulação, acompanhamento, avaliação e mesmo implementação de Políticas Públicas. A partir de então, buscou-se um novo termo para batizar esse processo, chegando-se a expressão “monitoramento social” de Políticas Públicas. 3. Os conselhos gestores de Políticas Públicas são espaços públicos de composição plural e paritária entre Estado e sociedade civil, de natu- reza deliberativa, cuja função é formular e controlar a execução das Políticas Públicas. Por seu caráter deliberativo e a sua natureza de com- posição mista e paritária, os Conselhos Gestores de Políticas Públicas diferenciam-se dos demais conselhos já existentes no país, como os conselhos comunitários e os populares. Os conselhos gestores, enquan- to espaço de controle/monitoramento social, se efetivamente represen- tativos, permitem uma melhor formulação, implementação e avaliação das Políticas Públicas. Ou seja, devido à atuação dos conselhos as Políticas Públicas podem ganhar eficiência e eficácia por diversos motivos: por estarem mais pró- ximas da população conseguem atender melhor às suas necessidades e anseios; ganham mais transparência e diminuem o risco de prevalência de interesses privados devido à maior fiscalização e acompanhamento dos atos governamentais; melhora a alocação dos recursos públicos; enfim, transforma positivamente o modelo de planejamento e execu- ção das Políticas Públicas. 4. Políticas Públicas no Brasil: o caso das políticas de habitação 1. Em decorrência da classificação do direito à moradia como um direito social básico é atribuído ao Estado a responsabilidade de garantir esse di- reito como uma premissa fundamental para manutenção da vida. Desse modo, pode-se cobrar do governo maiores responsabilidades quanto à formulação e implementação de Políticas Públicas voltadas para a garantia Gestão de Políticas Públicas – 180 – do usufruto desse direito, uma vez que cabe a gestão pública fomentar meios para a criação de políticas voltadas para a área habitacional. 2. Os primeiros problemas sociais relacionados à habitação datam no pe- ríodo de desenvolvimento da industrialização no Brasil, que ocorreu por volta do início do século XX, onde se observou um grande fluxo migratório da zona rural rumo aos centros urbanos, naquela época não havia planejamento para assegurar uma ocupação organizada das cida- des e isso acarretou no surgimento dos cortiços, estalagens e favelas no cenário urbano brasileiro. Essas habitações coletivas viviam em situação de insalubridade e, por isso, foram um foco para o desenvolvimento de doenças. A ameaça de proliferação dessas doenças para toda a popula- ção criou uma situação que passou a exigir a intervenção do Estado para resolver os problemas de moradia da população. 3. O BNH utilizava os recursos do Fundo de Garantia de Tempo de Ser- viço (FGTS) para promover financiamentos às populações de menor renda e também para investir na área de saneamento e desenvolvi- mento urbano. Para os investimentos financeiros nas classes de renda média e alta eram utilizados os recursos do Sistema Brasileiro de Pou- panças e Empréstimos (SBPE), cujos fundos provinham basicamente das cadernetas de poupança. 5. Políticas Públicas no Brasil: educação, saúde, trabalho e renda, meio ambiente e moradia 1. C 2. Visão social-democrata, pois os benefícios sociais servem para proteger a parcela menos favorecida da sociedade, parcela esta que sofreu conse-quências dos impactos do capital no setor econômico. – 181 – Gabarito 3. Elas garantem não somente o acesso à educação, mas consequente- mente o exercício da cidadania de forma plena, como a redução da violência e do uso de drogas. 6. Novos campos de estudo de Políticas Públicas: a política externa enquanto Política Pública 1. A 2. A resposta deve explicitar que a complexificação das agendas de política internacional foi essencial para que a separação anteriormente existente entre as Políticas Públicas domésticas dos Estados e a política externa se diluísse gradativamente e evidenciasse, assim, a existência de um continuum entre política doméstica e política externa. Deve conter ainda a indicação de que a emergência desses novos temas passou a exigir dos policy makers (operadores) da política externa um conhecimento muito mais amplo para dar conta da complexidade das novas questões internacionais. Esse conhecimento (know-how), que muitas vezes foge à capacidade dos diplomatas responsáveis pela condução da política externa, pode ser encontrado em organizações da sociedade civil, especialistas, acadêmicos, técnicos, organizações setoriais, empresários, ou demais atores sociais. 3. A resposta deve conter a informação de que a partir do momento em que há uma consolidação do processo de politização da política exter- na, há também um maior accountability e senso de responsabilidade daqueles responsáveis pela formulação/implementação de políticas, acarretando assim em maior legitimação e credibilidade da política ex- terna brasileira tanto em âmbito nacional como internacional frente aos demais países da comunidade internacional e às agências e órgãos internacionais, além de empresas e investidores estrangeiros. Gestão de Políticas Públicas – 182 – 7. A crise do Estado de Bem- Estar Social com relação às políticas públicas no contexto neoliberal 1. Este conceito, da forma como é conhecido, surgiu depois da Segunda Guerra Mundial, porém, a exemplo de outras teorias ligadas ao ser hu- mano, pode-se dizer que o Estado do Bem-Estar tem suas raízes atre- ladas à Revolução Industrial e aos problemas que este processo gerou para as nações. Assim, os direitos sociais, como também são conheci- dos, surgem para tentar assegurar que as desigualdades geradas entre as classes sociais não entrem em conflito com o exercício dos direitos civis e políticos dos cidadãos. Neste momento, com a implementação do conceito de Bem-Estar passa a existir a convivência entre o capitalismo e a democracia, porém, é claro que os conflitos nunca desapareceram e não desaparecerão; o que existe é uma forma de tentar fazer com que haja uma convivência harmônica em um mundo de tantas diferenças. 2. C O Modelo de Estado Social Dual em que existe a substituição de im- portações apoiada em rendas derivadas, basicamente, de economias primárias, com uma alta intensidade de mão de obra e como uma grande heterogeneidade regional de desenvolvimento tanto econômico quanto social, ou seja, há muita diferença entre os estados brasileiros, e isso deve ser levado em consideração na definição do modelo nacional. 3. A A chamada “financeirização” da economia, baseadas em uma reestru- turação da produção e na globalização, recompuseram os sistemas de produção nacionais possibilitando a evolução destes a níveis de pro- dutividade mais elevados, criando novas cadeias produtivas e modifi- cando as modalidades de integração dos países na economia mundial e também facilitaram a introdução de novas tecnologias no processo de trabalho, assim como comprimiram os salários reais e trouxeram de volta o imperialismo norte-americano (SAAD FILHO, 2011). – 183 – Referências Referências Gestão de Políticas Públicas – 184 – ALA-HARJA, Marjukka; HELGASON, Sigurdur. Em direção às melhores práticas de avaliação. Revista do Serviço Público, Brasília, v. 51, n. 4, p. 5-59, out./dez. 2000. ALMEIDA, Alecsandra Neri. Teoria dos Jogos: as origens e os fundamentos da teoria dos jogos. São Paulo: UNIMESP, 2006. ALMEIDA, Caliane Christie Oliveira de. Habitação Social: origens e pro- dução. 239 f. 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