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2 Imunologia dos Tumores – Parte 1: Introdução: O câncer é um grave problema de saúde em todo o mundo e uma das causas mais importantes de morbidade e mortalidade em crianças e adultos. A letalidade dos tumores malignos deve-se ao seu crescimento descontrolado, causando danos e prejuízos funcionais. As células cancerosas apresentam: · Alterações na regulação da proliferação celular; · Resistência à morte apoptótica; · Capacidade de invadir os tecidos do hospedeiro e formar metástases para locais distantes; · Evadir dos mecanismos de defesa imune. São diversos os fatores envolvidos com a patologia molecular do câncer, dentre eles se destacam: · Autossuficiência nos sinais de crescimento→ crescimento desordenado; · Insensibilidade aos sinais de anticrescimento→ crescimento desordenado; · Evasão a apoptose→ crescimento desordenado; · Angiogênese sustentada→ importante na nutrição das células cancerosas; · Invasão de tecidos e realização de metástase. A primeira demonstração experimental de que tumores podiam induzir resposta imune ocorreu em 1950, onde alguns tumores foram induzidos por um carcinógeno químico (MCA) em camundongos. Foi observado que quando um tumor induzido por MCA foi excisado e transplantado para outro camundongo singênico, ocorreu crescimento tumoral. Se as células tumorais do tumor original forem transplantadas de volta para o hospedeiro original, não há crescimento tumoral. Esse mesmo camundongo que recebeu células do tumor original e se tornou imune ao seu tumor original, é incapaz de rejeitar tumores induzidos por MCA de outros camundongos. Além dessas observações, esses modelos experimentais permitiram observar também que células T CD8+ de um animal portador do tumor podem transferir imunidade protetora contra o tumor para um anima livre de tumor. Com isso, foi observado que a resposta do tumor é eficaz e surge naturalmente, e essa resposta parece ser mediada por células T. Outra coisa que foi observada foi que essa resposta apresenta características de resposta imune adaptativa, uma vez que apresenta relativa especificidade e memória. Visão geral da imunidade tumoral: · Vigilância imune: capacidade do sistema imunológico de detectar e destruir células tumorais. 1. Fase de eliminação: o sistema imune reconhece e destrói células tumorais em potencial; 2. Fase de equilíbrio: se a eliminação não é realizada com sucesso, as células tumorais sofrem modificações ou mutações que objetivam a sua sobrevivência, como um resultado de pressão seletiva imposta pelo sistema imune (imunoedição); 3. Fase de escape: as células tumorais acumularam mutações suficientes para enganar as atenções do sistema imune: o tumor é então capaz de crescer desimpedido e tornar-se clinicamente detectável. O sistema imune pode ser ativado para eliminar eficazmente as células tumorais e erradicar tumores. A existência de uma imunidade antitumoral específica indica que tumores expressam antígenos reconhecidos como estranhos polo hospedeiro. Antígenos Tumorais: Antígenos específicos do tumor: antígenos expressos em células tumorais, mas não em células normais. Alguns destes antígenos são exclusivos de alguns tumores, enquanto outros são compartilhados entre tumores do mesmo tipo. Antígenos associados ao tumor: antígenos tumorais também são expressos em células normais. Na maioria dos casos, estes antígenos são constituintes celulares normais cuja expressão é desregulada ou aberrante nos tumores. Produtos de Genes Mutados: · São proteínas diferentes das presentes em células normais, sintetizadas por oncogenes (é formado como um proto-oncogene que é um gene normal, sofre mutação ou expressão gênica, dando origem ao oncogene) e genes supressores de tumores mutados. · Esses genes são produzidos por mutações pontuais, deleções, translocações cromossômicas ou inserções dos genes virais que afetam os proto-oncogenes celulares ou os genes supressores de tumor. · Como os genes alterados não estão presentes nas células normais, os peptídeos codificados por eles não induzem a autotolerância e podem estimular respostas das células T no hospedeiro. OBS: O oncogene é formado como um proto-oncogene - que é um gene normal – que sofreu mutação ou expressão gênica. Proteínas Celulares não Mutadas mas Anormalmente Expressadas: · Antígenos tumorais que induzem respostas imunes podem ser proteínas celulares normais, que são anormalmente expressadas nas células tumorais. · Alguns são proteínas não mutadas produzidas em níveis baixos nas células normais e superexpressas nas células tumorais. Exemplo: tirosinase, uma enzima envolvida na biossíntese da melanina expressa nos melanócitos normais e nos melanomas. Acredita-se que a tirosinase seja produzida em quantidades tão pequenas e em tão poucas células que não é reconhecida pelo sistema imune e não induz a tolerância. Portanto, o aumento da quantidade produzida pelas células do melanoma pode desencadear respostas imunes. · As células tumorais apresentam várias anormalidades na expressão gênica, incluindo a ativação de genes que codificam proteínas de linhagem germinativa – antígenos de câncer/testículos que são proteínas expressas nos gametas e trofoblastos. · Estas foram denominadas proteínas MAGE – melanomas, carcinomas da bexiga, da mama, da pele, do pulmão, da próstata e alguns sarcomas, bem como em testículos normais. · Os peptídeos derivados dessas células podem ser apresentados às células T por moléculas do MHC de classe I. · Essas proteínas de linhagem germinativa são, portanto, específicas de tumor na sua expressão como antígenos. Antígenos de Vírus Oncogênicos: · Os produtos de vírus oncogênicos funcionam como antígenos tumorais e induzem respostas de células T específicas que podem servir para erradicar tumores. · Em tumores induzidos por vírus de DNA, os antígenos proteicos codificados pelos vírus são encontrados no núcleo, citoplasma ou membrana plasmática das células tumorais. · Estas proteínas virais sintetizadas endogenamente podem ser processadas e apresentadas por moléculas MHC na superfície da célula tumoral. · Como os peptídeos virais são antígenos estranhos, os tumores induzidos pelos vírus de DNA então entre os tumores mais imunogênicos conhecidos. Exemplo: Papilomavírus humano (HPV) – associado ao carcinoma do colo do útero, orofaringe e em outros locais. A oncogenicidade do HPV está relacionada à expressão de duas oncoproteínas virais (E6 e E7) – se ligam a Rb e p53, neutralizando sua função. · Os antígenos tumorais codificados pelos vírus não são exclusivos para cada tumor, mas são compartilhados por todos os tumores induzidos pelo mesmo tipo de vírus. · A constatação de que as respostas imunes contra o vírus protegem os indivíduos de cânceres induzidos pelo vírus levou ao desenvolvimento de vacinas contra vírus oncogênicos. Exemplo: vacina contra o HPV – usada atualmente por homens e mulheres, tem reduzido a incidência de lesões uterinas pré-malignas em mulheres vacinadas. A vacina é composta por proteínas recombinantes do capsídeo do HPV de cepas mais comuns, que formam as partículas semelhantes aos vírus livres do genoma viral. · Vírus tumorais de RNA (retrovírus) são importantes causas de tumores em animais. · Produto de oncogenes retrovirais, apresentam as mesmas potenciais propriedades antigênicas que os oncogenes celulares mutados. · O único retrovírus humano bem definido conhecido por causar tumores é o vírus linfotrópico da célula T humana tipo 1 (HTLV-1), agente etiológico da leucemia/linfoma de células T de adultos (ATL), um tumor maligno de células T CD4+. · Não está esclarecido se resposta imune contra antígenos do vírus desempenham um papel na imunidade protetora contra o desenvolvimento dos tumores. · Pacientes com ATL então imunossuprimidos, provavelmente porque o vírus infecta as células T CD4+ e induz alterações funcionais nestas células. · Vírus linfotrópico de células T humanas (HTLV-1), leucemia ou linfoma de células T (Japão e da bacia do Caribe). · O genoma do HTLV-1 codifica uma proteína TAX viral que transativagenes de citocinas e seus receptores nas células T infectadas. · Isto estabelece circuitos de sinalização que estimulam a proliferação de células T. · Essas células estão em risco maior de mutações secundárias – leucemia monoclonal. Antígenos Oncofetais: · São proteínas expressas em níveis elevados tanto nas células cancerosas como em condições normais de desenvolvimento dos tecidos fetais, mas não em adultos. · Acredita-se que os genes que codificam estas proteínas são silenciados durante o desenvolvimento e são reativados na transformação maligna. · Não há evidências de que os antígenos oncofetais sejam importantes para os indutores ou alvos da imunidade antitumoral. · Os dois antígenos oncofetais mais bem caracterizados são o antígeno carcinoembrionário (CEA) e a α-fetoproteína (AFP). · Antígeno carcinoembrionário (CEA): · Proteína de membrana altamente glicosilada que é um membro da superfamília de imunoglobulinas (Ig) e funciona como uma molécula de adesão intercelular. · A alta expressão do CEA normalmente está restrita às células do intestino, pâncreas, fígado e durante os dois primeiros trimestres da gravidez. · O nível sérico do CEA é utilizado para monitorar a persistência ou recorrência de tumores após o tratamento. · Mas não é um marcador de diagnóstico porque o CEA sérico também pode estar elevado em quadro de doenças não neoplásicas, como doenças inflamatórias crônicas do intestino ou fígado. · α-fetoproteína (AFP): · Glicoproteína circulante normalmente sintetizada e secretada na vida fetal pelo saco vitelino e pelo fígado. · Os níveis séricos de AFP pedem estar significativamente elevados em pacientes com carcinoma hepatocelular, tumores de células germinativas, sendo um indicador tumor avançado ou de recidiva destes tumores após o tratamento. · Não é um marcador útil para diagnóstico de tumores, porque níveis elevados também são encontrados em doenças não neoplásicas, como a cirrose hepática. Antígenos Glicolipídicos e Glicoproteicos Alterados: · A maioria de tumores humanos e experimentais expressam níveis acima do normal ou formas anormais de glicoproteínas e glicolipídios de superfície, que podem ser marcadores de diagnóstico e alvos para terapia. · Alguns aspectos do fenótipo maligno dos tumores, incluindo a invasão tecidual e o comportamento metastático, podem refletir propriedades alteradas da superfície celular, resultantes da síntese de glicolipídios e glicoproteínas anormais. Exemplos: - Os gangliosídeos (GM2, GD2, GD3) são glicolipídios expressos em níveis elevados em neuroblastomas, melanomas e diversos sarcomas. - As mucinas são glicoproteínas de elevado peso molecular que contém inúmeras cadeias laterais de carboidratos O-ligadas a um núcleo polipeptídico. · Mucinas associadas a membrana como a MUC-1 é superexpressas e aberrantemente glicosilada em diferentes adenocarcinomas. A MUC-1 é expressa em carcinomas da mama e do colo do intestino. Antígenos de Diferenciação Tecido-Específicos: · Os tumores podem expressar moléculas que são normalmente expressas apenas nas células de origem do tumor e não nas células de outros tecidos. · Antígenos de diferenciação: são específicos para determinadas linhagens ou estágios de diferenciação de vários tipos de células. · A sua importância é de potenciais alvos para a imunoterapia e para a identificação do tecido de origem dos tumores. Exemplo: - Vários antígenos de melanoma que são alvos dos CTL nos pacientes são antígenos de diferenciação de melanócitos, como a tirosinase. - Os linfomas podem ser diagnosticados como tumores derivados de células B por meio da detecção de marcadores de superfície característicos desta linhagem, como o CD10.