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Neiva Aquido de Albres N ei va A q u id o d e A lb re s L ibr as Libras L ibr as v vv vv A Linguística e a Língua Brasil eira de Sinais II Neiva Aquido de Albres 1º Ed. | Julho | 2010 Impressão em São Paulo - SP A linguística e a Língua Brasileira de Sinais II Coordenação Geral Nelson Boni Coordenação de Projetos Leandro Lousada Professora Responsável Neiva de Aquino Albres Coordenadora Pedagógica de Cursos EaD Profª. Me. Maria Rita Trombini Garcia Projeto Gráfico, Diagramação e Capa Anita Falchi Glaucia Ferraro Revisão Ortográfica Nádia Fátima de Oliveira Carlos Beltrão 1º Edição: Agosto de 2013 Impressão em São Paulo/SP Copyright © EaD Know How 2013 Nenhuma parte desta publicação pode ser reproduzida por qualquer meio sem a prévia autorização desta instituição. A341L Albres, Neiva de Aquino. A Linguística e a língua brasileira de sinais II: 30H. / Neiva de Aquino Albres. – São Paulo : Know How, 2010. 129 p. : 21 cm. : il. Inclui bibliografia ISBN: 978-85-63092-75-5 1. Língua de sinais. 2. Libras. 3. Educação para surdos. 4. Lingüística. I. Título. CDD – 419.03 Catalogação elaborada por Glaucy dos Santos Silva - CRB8/6353 5 Você está recebendo o livro-texto da disciplina A lin- guística e a Língua Brasileira de Sinais II – 30h, elaborado es- pecialmente para este curso, baseado na abordagem histórico cultural com o objetivo de contribuir com sua atuação pro- fissional como educador. A finalidade deste livro é levá-lo a conhecer a influencia da linguística na educação e as relações para que o ensino-aprendizagem aconteça. Lembre-se de que a sua passagem por esta discipli- na será também acompanhada pelo Sistema de Ensino EaD Tupy, seja por correio postal, fax, telefone, e-mail ou Am- biente Virtual de Aprendizagem. Entre sempre em contato conosco quando surgir al- guma dúvida ou dificuldade. Participe dos bate-papos (chats) marcados e envie suas dúvidas pelo Tira-Dúvidas. Toda equipe está à disposição para atendê-lo (a). Seu desenvolvimento intelectual e profissional é o nosso maior objetivo. Acredite no seu sucesso e tenha bons momentos de estudo! Equipe EaD Know How Parabéns! v Relações Entre Surdos e Ouvintes1 9 1.1 Conceito de Mediação À luz da abordagem sócio-histórica, que defende uma concepção de um ser humano ativo, cujo pensamento e conhecimento são construídos num ambiente histórico e sóciocultural, parte-se da tese de que, ao atuar sobre o meio, o homem também se modifica, em uma relação que acontece dialogicamente. Esse desenvolvimento é mediado pelo signo e pelo outro. 1.2 Signo como Instrumento Pensamento Vygotsky, ao se debruçar sobre o processo de desen- volvimento humano, chega à conclusão que deve ser estuda- do dialeticamente para que considere as evoluções do desen- volvimento cognitivo ocorridas na espécie humana ao longo da história. Nesse sentido, o uso de signos e instrumentos, construídos socialmente, torna-se o elo de ligação entre os es- tágios superiores do desenvolvimento e os estágios primários. O autor considera que as “funções mentais superio- res são socialmente formadas e culturalmente transmitidas” (2000, p.169). Assim, o uso de signos e instrumentos possi- bilita a internalização dos meios de adaptação social. Segundo Vygotsky, signos são processos orientados internamente, “uma maneira de dirigir a influência psicológica para o domínio do próprio indivíduo.” (Idem, p.171), e instru- 1. Relaçõe s entre Surdos e O uvintes 10 mentos são processos orientados externamente, visando a trans- formação da natureza pelo homem, o que dá origem à produção. As operações com signos, seja a palavra falada ou os sinais da Libras, aparecem como o resultado de um comple- xo processo do externo para o interno. No desenvolvimento intelectual, todavia, a ocasião de maior importância ocorre quando a fala e a atividade prática, até então atividades dis- tintas, convergem e a fala passa a ser incorporada pela crian- ça como signo (ou como função psicológica superior). Há a convergência entre línguagem e pensamento. Para Vygotsky (2000) a fala é a atividade simbólica primária, pois é a partir dela que todos os outros sistemas de signos são criados. Nas sociedades orais, a línguagem oral promoveu um avanço substancial no desenvolvimento da inteligência e tornou-se a base de nossa forma de pensar, possibilitando a organização do homem em sociedade. Nesses agrupamen- tos, a línguagem falada é aprendida de forma natural e es- pontânea pelas crianças, o suporte da comunicação é o som e a transmissão do conhecimento se dá por interação natural, atividades de contar histórias e conversar, nas interações em atividades práticas do dia a dia. Todavia, quando a criança nasce surda, algo difere nesse desenvolvimento. Ocorre um impedimento auditivo de percepção do som e consequente dificuldade de desen- volvimento natural da língua oral-auditiva. Nesses casos, as relações entre criança surda e família se complicam, pois em sua maioria, as famílias não estão preparadas para ter uma criança surda. Relações na escola com professores e intérpre- tes também precisa ser pensada para promover uma educa- ção adequada à condição linguística da criança surda. Quando a criança surda está envolvida com adultos sur- dos usuários da Língua de Sinais, seu desenvolvimento intelec- 11 tual tem condições de acontecer pela apropriação da língua de sinais e a convergência entre pensamento e línguagem aconte- cem de forma análoga à de crianças ouvintes, diferente apenas na modalidade de língua, agora de modalidade espaço-visual. A conversão de paradigma, da possibilidade de desen- volvimento por meio da língua de sinais é relativamente recente. As ideias dominantes, nos últimos cem anos, são uns cla- ros testemunhos do sentido comum segundo o qual os surdos correspondem, se encaixam e se adaptam com naturalidade a um modelo de medicalização da surdez, numa versão que amplifica e exagera os mecanismos da pedagogia corretiva, instaurada nos princípios do século XX e vigente até nossos dias. Foram mais de cem anos de práticas enceguecidas pela tentativa de correção, normalização e pela violência institucional; instituições especiais que foram reguladas tanto pela caridade e pela beneficência, quan- to pela cultura social vigente que requeria uma capacidade para controlar, separar e negar a existência da comunidade surda, da língua de sinais, das identidades surdas e das experiências visuais, que determinam o conjunto de diferenças dos surdos em relação a qualquer outro grupo de sujeitos. (SKLIAR, 1998, p.07). 1.3 Relação entre Surdo e a Família Uma família ouvinte, quando espera uma criança, não tem expectativas de ter um filho surdo; condições adversas sócias e biológicas podem provocar a perda auditiva. Geral- mente, quando do diagnóstico, a família passa por rejeição, luto e depois a busca por atendimentos especializados. (CA- VALCANTE, 2007) 12 Não é apenas a gênese de uma língua de sinais que é especial, a forma em que é transmitida de geração em gera- ção é também excepcional em minorias linguísticas. Normal- mente, menos de 10% de crianças surdas adquirem a língua de sinais a partir de pais surdos, visto que em sua maioria são pais ouvintes que nunca tiveram contato com a comunidade surda (QUADROS, 1997). Esses 90% de crianças surdas que têm pais ouvintes, só pode ser exposto a um modelo de lín- gua de sinais, quando chegam à escola. Outra forma, bem excepcional, em que um grupo so- cial de surdos e a língua de sinais, concomitante se expandem, é quando uma característica genética dentro de um grupo social (vila ou cidade) se expande pelo casamento consanguíneo ou de várias pessoas, resultando em uma alta incidência propor-cional de surdez, ocorrendo naturalmente a disseminação da língua de sinais entre os surdos e os ouvintes. (SACKS, 1998) A existência de muitas línguas de sinais ao redor do mundo é pouco pesquisada – estima-se o número de 103, conforme dados encontrados no banco de dados de Eth- nologue, provavelmente uma subestimação. A afirmação de que a língua de sinais é um sistema de comunicação de estrutura altamente complexa, criada por seres humanos é inevitável. Se o canal oral- auditivo está indisponível, cria-se uma língua na modalidade manual-visual. Quando uma família de ouvinte tem uma criança sur- da, é fundamental que receba um atendimento especializado, em instituição especializada de surdos, sendo necessário que aprendam língua de sinais o quanto antes, para poder intera- gir com seu filho surdo e mediar o desenvolvimento linguís- tico e cultural dessa criança surda. Geralmente, as escolas de surdos oferecem cursos de Libras para pais e familiares. É fundamental que a criança surda possa ter consci- 13 ência de sua surdez e da implicação que uma condição de minoria linguística leva, dos desafios que terá que enfrentar para viver em um mundo bilíngue. Há uma história citada por Perlmutter (1986, apud Padden & Humphies), descrito por Sam Supalla, surdo em seu contato com uma amiga de infância ouvinte, que morava num apartamento ao lado do seu. Sam nasceu numa "Família Surda', com muitos irmãos surdos mais velhos que ele e, por isso, demorou a sentir a falta de amigos. Quando seu interesse saiu do mundo familiar, notou, no apartamento ao lado do seu, uma garotinha, cuja idade era mais ou menos a sua. Após algumas tentativas, se tornaram amigos. Ela era legal, mas era esquisita: ele não conseguia conversar com ela como conversava com seus pais e irmãos mais velhos. Ela tinha dificuldade de entender gestos elementares! Depois de tentativas frustradas de se comunicar, ele começou a apontar para o que queria ou, simplesmente, arrastava a amiga para onde ele queria ir. Ele imaginava como deveria ser ruim para a amiga não conseguir se comunicar, mas, uma vez que eles desenvolveram uma forma de interagir, ele estava contente em se acomodar às necessidades peculiares da amiga. Um dia, a mãe da menina aproximou-se e moveu seus lábios e, como mágica, a menina pegou sua casa de boneca e moveu-a para outro lugar. Sam ficou estupefato e foi para sua casa perguntar a sua mãe sobre, exatamente, qual era o tipo de problema da vizinha. Sua mãe lhe explicou que a amiga dele, bem como a mãe dela, eram ouvintes e, por isso, não sabiam sinais. Elas 'falavam', moviam seus lábios para se comunicar com os outros. Sam perguntou se somente a amiga e sua mãe eram as- sim, e sua mãe lhe explicou que era sua família que era incomum e não a da amiga. As outras pessoas eram como sua amiga e a mãe. Sam não possuía a sensação de perda. Imerso no mundo de sua 14 família, eram os vizinhos que tinham uma perda, uma desabilida- de de comunicação. (BRASIL, MEC, 2004, p. 33) É fundamental que a família seja muito bem orientada das possibilidades educacionais e das capacidades dos surdos, que tenha oportunidade de aprender língua de sinais o quanto an- tes para interagir com seu filho surdo, que a criança surda tenha consciência da sua surdez e da condição bilíngue que a espera. 1.4 Relação entre Surdo e Educador Surdo A proposta bilíngue de educação ao surdo vem sendo vastamente defendida pela comunidade surda e já registrada na legislação brasileira. Para viabilizar essa proposta, faz-se ne- cessária a inserção de surdos fluentes em Língua Brasileira de Sinais (Libras) junto aos alunos surdos e suas famílias ouvintes. É fundamental refletir sobre o papel do instrutor/ professor surdo, como mediador e gerador de conhecimen- tos, nas relações do dia a dia. Na abordagem bilíngue, é de grande relevância a interação entre criança surda e adulto surdo, já que este lhe propiciará o con- tato com a língua de sinais, de forma contextualizada, auxiliando-a no desenvolvimento da línguagem. Para que o contato entre a crian- ça e a língua de sinais ocorra, faz-se necessária, então, a interação da criança surda com um adulto surdo fluente na língua de sinais e bilíngue, denominado instrutor de língua de sinais. (ROCHA, CA- PORALI e LACERDA, 2003, p. 5) 15 Para Reis (2006) o professor surdo exerce um papel de modelo e de identificação pessoal para crianças surdas. A língua de sinais como ponto de início, concorre para ter o seu novo posicionamento ao se identificar na identidade. Trata-se de um processo de determinação e ambivalência de que é consi- derado diferença, pois envolve no meio da fronteira de língua. É importante considerar aqui que o sujeito surdo inicia seu contato com o mundo ouvinte na infância e raros são os sujeitos surdos que têm contato com o mundo surdo, ao nascer. (REIS, 2006, p. 98) O que aconteceu historicamente é que professores ouvintes, impregnados pelo paradigma oralista, ao se propor a ensinar alunos surdos, usaram métodos que desprestigia- vam a Libras e ocasionavam uma sensação de incapacidade nos surdos. (ALBRES, 2005). Os surdos adultos são falantes nativos da Libras, em sua maioria, e têm condições de desenvolver uma interação natural em Libras, sendo que os professores ouvintes, ge- ralmente, são meros aprendizes da Libras como segunda língua, o que não os confere uma proficiência. Aos surdos, cabe, como falantes da língua, buscar uma formação em Le- tras Libras ou pós em Libras para trabalhar com o ensino da mesma, conforme prevê o decreto 5626/2005. 1.5 Relação entre Surdo e Intérprete de Libras A política inclusiva demanda profissionais especializa- dos para mediar o processo de escolarização de alunos com dificuldades de comunicação e sinalização (MEC, 2001), 16 dentre eles está o papel do intérprete de Libras. Quadros (2004, p. 86) salienta: “Aqui se percebe sutilmente que as representações da cultura hegemônica, ou seja, da cultura ouvinte, estão nas entranhas das propostas de inclusão. A cultura hegemônica tende sempre a produzir populações po- litizadas de acordo com sua representação”. O intérprete de Libras, por conhecer as duas culturas e línguas, fica no papel de mediador da aprendizagem e con- sequentemente de controlador dos conflitos. Esse é um terri- tório arenoso e de identidade pessoal e profissional flutuante. Gladis (2006) salienta que o interprete não se realiza no simples ato da tradução, mas que envolve uma gama di- mensional de significantes e significados que denunciam a complexidade de seu papel, as dimensões e a profundidade de sua atuação. A relação interprete surdo em espaço escolar revela certa cumplicidade e apoio mutuo, visto que o intérprete apenas está presente nesse espaço pela necessidade dos sur- dos e dos ouvintes em ter um mediador, e o surdo apenas consegue ter acesso a tudo que está sendo dito, ministrado como aula e proferido em diversos espaços, pela presença do intérprete de Libras. Para o surdo, o intérprete é um outro ouvinte mais próximo de si, visto que compartilha da mesma língua. Santos (2005) questiona: “Quem é o estrangeiro, quem é o outro?” O intérprete está identificado pela sua aproximação cultu- ral com o sujeito surdo. A aproximação cultural produz os efeitos-identidade que são sempre cruciais, ora expondo uma alteridade interdita, ora aproximando o hibridismo cultural. A produção cultural surda se hibridiza com o intérprete. 17 1.6 As Relações Sociais Constroem a História de Vida de Sujeitos Surdos Com o advento dos estudos culturais, a identidade surda tem sido realocada e reinvestida em novas formas. Não é mais a visão do indivíduo surdo sob o ponto de vista do corpo, da normalidade. É o sujeito surdo do ponto de vista da identidade, das condições sociais, da aprendizagem me- diada pelo outro e pelo signo linguístico, das vivências que lhe foram oportunizadas. Apresentamos a seguir umamatéria sobre a professora Surda Regiane Agrella, em que revela sua história de vida fami- liar e escolar. Essa vida e conflitos linguísticos, educacionais e sociais foram fruto de sua pesquisa de mestrado. A história de vida narrada e analisada nos serve de base material para refletir sobre as ações educacionais e suas consequências, a reelaborar conceitos e pensar novos caminhos para as crianças surdas. TROCA DE SINAIS Pedagoga apresenta, em Libras, dissertação de mestrado na Faculdade de Educação 18 Maria Alice da Cruz A pesquisadora Regiane Pinheiro Agrella apresentou, em Libras (língua brasileira de sinais), seu memorial para ob- tenção do título de mestre na Faculdade de Educação (FE) da Unicamp, no final do mês de maio. Nele, seu percurso de vida foi revisitado e reelaborado a partir das disciplinas que realizou no mestrado, especialmente, aquelas vinculadas às perspectivas foucaultiana e psicanalítica. Além de ser a pri- meira aluna surda a apresentar a dissertação em língua de sinais na Universidade, Regiane é uma das primeiras alunas da Unicamp a realizar todo processo seletivo do mestrado – prova e entrevista – em português escrito e em Libras. As respostas dadas pela candi- data em Libras na prova foram filma- das, houve edição da tradução reali- zada em português por uma intérprete de língua de sinais com mestrado em educação, que, em se- guida, transcreveu-as para o português. A dificuldade com a escrita manifestada por Regiane e outra candidata em uma das fases da seleção provocou uma reviravolta na manei- ra de tratar o aluno surdo na faculdade, de acordo com a orientadora Regina Maria de Souza, do Grupo Diferenças e Subjetividades em Educação da faculdade. 19 Uma autorização concedida pela Coordenadoria de Pós-Graduação da FE para que a prova fosse realizada tanto em português quanto em Libras mudou a história profissio- nal das alunas e a história da pós-graduação da FE. “Com esta dissertação, mostramos que é possível garantir a forma- ção do pesquisador surdo mesmo que ele não tenha como primeira língua o português, e sim a língua de brasileira de sinais. É uma grande inovação em termos de inclusão na Unicamp”, explica Regina. O aceite das estudantes no curso mobilizou desde os professores até os funcionários da área de multimeios da FE, pois as aulas, acompanhadas pelas intérpretes, foram todas gravadas em DVD, que foi entregue às alunas 40 mi- nutos depois. “Quem sabe se depois dessa experiência, não conseguimos aprovar um projeto que dê ao pesquisador surdo o direito de entregar sua dissertação ou tese em mí- dia (DVD) sem precisar se ver transcrito em português por outra pessoa.” No momento, ainda há exigência da entrega do volume escrito, que, na realidade, recebe um tratamento de tradução do orientador. Formada em Pedagogia, Regiane apoiou-se em con- ceitos da sociologia de Michel Foucault, da psicanálise de Sigmund Freud e da linguística de Vigotski para, a partir de sua própria história, analisar a relação da família, da medicina e da pedagogia com a língua de sinais. Ela explica que a dis- sertação não se trata de um trabalho que vai reparar alguma coisa anormal ou ditar uma regra para as principais áreas abordadas – família, pedagogia e fonoaudiologia –, mas é uma forma de mostrar a partir de sua formação as possibili- dades de se usar a língua de sinais nestes três campos. E a avaliação, segundo seu depoimento, não é das mais favoráveis, já que falta muito a fazer até 2015, ano 20 em que 100% dos campos de convívio – escolas e cur- sos de formação de professores – teriam de estar aptos a usar a língua de sinais, de acordo com o Decreto 5.626 do próprio governo. “Falta muita coisa para 2015. Já existem 50% das pessoas falando língua de sinais? Não”, reflete. Para ela, as ações rumo à prática dessa política pública esbarram na aprovação e na implantação de um currículo. “Estamos presos a um processo burocrático”. A pesquisa- dora enfatiza que sua discussão é sair desse padrão de normalidade criado pelos cam- pos analisados com relação à surdez, pois ela mesma aprendeu a olhar de um jeito diferente. “Pre- firo que o surdo se sinta feliz e que tenha um desenvolvi- mento a partir desse lugar.” A pedagoga relata que as abordagens orais, utilizadas na década de 1970, eram também conhecidas como “métodos orais-aurais”, e se caracterizavam pela ênfase na amplificação do som e no uso da fala. Dependendo do canal que é priorizado na recepção da línguagem, denomina-se abordagem unissensorial ou multissensorial. E foram estas as abordagens utilizadas pelas fonoaudiólogas e pela escola em que estudei, como também em todas as outras escolas de surdos e clínicas no Brasil. “Já perdi várias questões da minha vida, desde a mi- nha infância, porque tinha de falar certo. Até conseguia falar algumas coisas, mas aquilo para mim era muito ruim. Porque existia uma barreira entre mim e as pessoas. A gente se olha- va, mas dava para perceber que o problema era em relação 21 à fala”, reflete. A pesquisadora diz ter crescido e trabalhado com a oralidade, mas foi descobrindo a facilidade da língua de sinais. “É mais fácil aprendê-la, assim como o ouvinte se sente mais confortável aprendendo o português, porém, a sociedade tem preferência pela língua oral”. No que diz respeito à família, Regiane coloca que tem o lado importante que é a questão do respeito e do amor, mas ela sentiu necessidade de falar do sofrimento para o surdo, quando, por inocência, a família só consegue pensar na ex- pectativa de cura do surdo através da medicina, porque é um padrão. “Precisei falar de coisas da minha realidade familiar. Não quero me afastar de minha família, mas eu sei que foi um sofrimento pra mim me obrigarem a falar”, questiona. Na escola A relação do ser humano com a língua de sinais deve começar na sala de aula, onde, na opinião de Regiane, ela tem de ser amplamente ensinada. “Porque eu pelo menos sou surda e brasileira. Sou cidadã. Votei, por exemplo, no Lula, vivo aqui. Porque a sociedade não vai aceitar a língua de sinais? Eu devo me apropriar do português? Só eu? Por que não troca, não inverte o jogo? Eu também voto”, questiona. Em sua experiência com alunos ouvintes, ela obser- vou que alguns aprendiam facilmente a língua de sinais, mas depois que saíam da escola não tinham mais contato com surdos e acabavam esquecendo. “A criança aprende muito rápido. Meu filho aprendeu desde bebê língua de sinais. É 22 natural, é uma aquisição, um aprendizado que se torna fácil”. No caso de Regiane, ela conta que ao entrar na escola percebeu que existia preconceito contra surdos. “Eu tinha de copiar, escrever, fazer sessões de fono, treinamento orofacial. Depois, ao entrar na escola de ouvintes, eu tinha de fazer leitura labial. Os professores ensinavam e eu não entendia as frases. Eu entendia as palavras, mas as frases não tinham sentido para mim. Era um vazio. Eu decorava para a prova e respondia para a prova. Falava até bem, mas minha escrita era muito diferente. As professoras sempre achavam algum erro, mas não sabiam explicar, do meu jeito, onde estava o erro”. A experiência relatada causou sentimento de angústia e incapacidade, fazendo com que ela não tivesse uma boa relação com o português. Foi quando começou a discutir a questão da língua de sinais em grupo, pois na época já havia uma discussão ampla sobre o assunto. “Foi quando percebi que se tratava de uma língua. Eu poderia aprender o português como uma segun- da língua. Mas comecei a perceber que as frases eram incom- pletas. Por exemplo: Eu gosto de você. Eu entendo: eu gosto você. “De” para mim não significa nada. Na escrita eu omitia porque não entendia essas conjunções em português. Fui en- tender bem mais tarde. Por isso prefiro a língua de sinais num primeiro momento. Sou 100% visual. Meu foco é pela visão. Não adianta pôr aparelho, i m p l a n t a r . Parece me- lhorar, mas o importante é teruma rela- ção visual”, desabafa. 23 Para ela, se a sociedade soubesse língua de sinais, o surdo teria mais possibilidade de troca e desenvolvimento. Porque teria entendimento da língua. Ela conta que seu pró- prio filho é ouvinte, mas é intérprete de línguas de sinais. “O surdo sente prazer nesta relação. É como se tivesse um aceite. Se não sabe a língua de sinais, é como se forçasse uma aproxi- mação e eu vivi isso na minha vida inteira. O surdo começa a se afastar dessas pessoas. Isso é um problema”, declara. Letras-Libras Um dos avanços para a educação é a presença de in- térpretes e professor surdo em sala de aula, na opinião de Regiane. Mas é preciso que essas pesquisas sejam realmente colocadas em prática e que não aconteçam de forma aleató- ria. Para isso, é preciso aumentar o número de pesquisadores surdos nas universidades brasileiras, pois é raro no país. A pesquisadora afirma que na Europa este espaço é mais aber- to. “Tem avanço muito grande em relação a essas pesquisas e eu queria que o Brasil tomasse esse rumo de pesquisa”. Entre os avanços está o curso Letras-Libras, da Univer- sidade Federal de Santa Catarina, o qual Regiane chegou a fre- quentar dois anos no polo da USP, coordenado pelo professor Leland McCleary. A segunda graduação, que seria obtida neste curso, foi interrompida por causa da aceitação no mestrado da Unicamp. O curso oferece licenciatura em Letras-Libras e bacharelado em tradução e interpretação. De acordo com Regina, coordenadora do polo Unicamp, em 2012 a Universi- dade graduará 28 intérpretes ouvintes e 27 surdos. Um projeto em trâmite para implantação de um curso de especialização para a formação de professores da rede pública deverá ampliar a inclusão de pesquisadores surdos na 24 universidade. “A ideia é dar condições para que o professor atue com alunos surdos em contexto de ensino bilíngue em sala de aula”, explica Regina. Ela acrescenta que ainda existe maior empenho das universidades privadas no que se refere à inclusão das Libras em seus cursos de formação de educa- dores para atuarem nos ensinos fundamental e médio; agora é preciso que a universidade pública participe desse processo para garantir formação gratuita. “Estamos no terceiro milênio e talvez as teses tam- bém pudessem ser feitas em línguas de sinais com legenda em português, em forma de documentário em Libras, sem fugir do rigor acadêmico, seguindo as normas da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT)”, acrescenta Regina. A militância Aos 15 anos, Regiane viu como os discursos familiar, médico e pedagógico em relação à língua de sinais e à obri- gatoriedade da língua oral estão entrelaçados. Ao vê-la con- versando em língua de sinais com um amigo surdo, em sua casa, a mãe questionou o fato de não estar falando, pois isso poderia fazer com que perdesse totalmente a fala. “Perguntei quem teria dito isso, e ela disse que foram o médico, a fono- audióloga e a pedagoga. Isso me fez ver que esses espaços não gostam da língua de sinais. Mas eu me sentia satisfeita em usar a língua de sinais nesses convívios. É a minha língua, e percebi que ela era proibida”, questiona. Regiane acentua que, ao contrário de muitas minorias que têm sua luta comunitária, como os índios, que têm rela- ção harmoniosa porque toda a família é indígena, os surdos têm momentos solitários em sua luta, pois convivem com uma família ouvinte, numa escola de ouvintes e é sozinho 25 quando caminha pelas ruas da cidade. “Então, a impressão que dá é que não tem um apoio. Não consigo aprender o significado das coisas. Eu tenho de me consertar para viver em sociedade? É como se fosse uma boneca que eu devesse consertar? Mas eu não nasci no Brasil?”. Um olhar para si mesma fez Regiane ver que estava presa numa militância e isso, na sua opinião, é muito difícil. “Essa militância cansa demais pelos impedimentos que va- mos tendo. Mas ainda bem que sou uma pessoa paciente. Se eu fosse ruim, já teria desistido. Sou braba, mas sou decidida. O fato de ter um decreto que determina a estrutura- ção de 100% dos espaços de convívio, em especial o escolar, para o desenvolvimento da língua de sinais já é um avanço, mas é preciso dar condições para que isso realmente aconte- ça, na opinião da pesquisadora. O mais importante, em sua opinião, é que o médico esteja preparado para ter abertura para essas questões, e as famílias com filhos surdos aceitem e conheçam as diferenças em relação à surdez. “O decreto saiu em 2005, estamos em 2010 e apenas agora que as questões curriculares estão sendo discutidas. O Brasil é muito grande, mas realmente precisa, não pode ficar esperando e deixando esses surdos largados. Por exemplo, se eu nascesse cega tam- bém iria aprender da melhor forma”, argumenta. No consultório “Levei meu filho ao consultório aos 6 meses de ida- de para diagnóstico. Vi que na hora de entregar o resultado, a fonoaudióloga demonstrou expressão de que iria destruir minha família, de piedade, dizendo: ‘Olha, seu filho é surdo’. E eu respondi: ‘Meu filho é surdo. Que bom. Estou muito feliz, pois vou poder ensinar língua de sinais e traçar outro 26 caminho com ele’. Se ele fosse ouvinte também iria traçar outro caminho, ou se ele fosse moderado, também traçaria outro caminho. Mas a fonoaudióloga não aceitou.” Para Regiane, se os médicos conhecerem profunda- mente as questões da língua de sinais, como funcionam as questões neurológicas do pensamento do surdo, talvez as orientações sobre o uso da língua de sinais avançassem. Mas Regiane considera difícil pensar no aceite em relação à língua de sinais. Os profissionais da medicina, em sua opinião, de- vem ser capacitados para orientar melhor as famílias sobre a possibilidade de usar língua de sinais. “A pessoa tem de bus- car aquilo em que se sinta bem. E fazer disso uma busca de um caminho. E se os surdos optam pela língua de sinais, per- cebemos que a maioria dos ouvintes oprime isso, não aceita.” De acordo com a pesquisadora, a Organização das Nações Unidas (ONU) exige que os médicos conheçam to- das as diferenças. “Mas como, se dentro do próprio curso isso fosse tirado? Isso é um preconceito social forte e uma grande discriminação no Brasil”, acrescenta. Alguns médicos até aceitam e já há profissionais na área de fonoaudiologia que trabalham com outras vertentes, entre elas a língua e sinais, mas a maioria da área trabalha com a perfeição, a perspectiva de cura. Regiane diz que é preciso lutar muito ainda. Seu de- sejo é que seu filho não sofra tanto quanto ela e tenha as mesmas oportunidades que um ouvinte. “Quero que eles tenham liberdade para viver neste espaço social. E que ele tenha a mesma inteligência, a mesma cognição que uma pes- soa ouvinte. Mas os médicos sempre criticam, colocam olhar negativo. E eu senti isso, é a minha vivência, é a minha carne que tem esse sofrimento. É como se os pais mandassem, mas não conhecem nossa diferença, pensam que a língua de 27 sinais é como se fossem gestos de macaco. Sei que sou di- ferente, mas também sei que posso muitas coisas. Mas as pessoas travam, têm medo, têm aversão”, conclui. Publicação Dissertação “Língua, subjetividade e opressão linguís- tica - interrogações a uma pedagogia (AB) surda” Autora: Regiane Pinheiro Agrella Orientadora: Regina Maria de Souza Unidade: Faculdade de Educação Colaborou Vanessa Regina de Oliveira Martins, intérprete de Libras Fonte: Jornal da UNICAMP. Campinas, 7 a 13 de ju- nho de 2010 - ANO XXIV - Nº 464 As relações pessoais entre surdos, seus familiares, seus intérpretes e seus professores revelam conflitos menos ou mais problemáticos, a depender da condução das relações, a depender da língua que medeia as relações, a depender das concepções que subjazem as ações dos ouvintes sobre os surdos e dos surdos sobre os ouvintes. Enfatizamos nessa unidade a importância da lín- gua de sinais como signo linguístico mediador da apren- dizagem e fundamental para o desenvolvimentodos pro- cessos mentais superiores. Resumo da Unid ade 28 O grau de perda auditiva importa relativamente pouco. O que é importante, é o que é considerado como evidên- cia básica para pertencer ao grupo dentro da comunidade identificada, ou seja, é o uso de comunicação visual, não es- sencialmente a língua de sinais, mas a constituição de signos visuais na comunicação.(GLADIS, 1998) Após ter estudado esta Unidade, as relações entre surdos e ouvintes, sugerimos agora que você elabore algu- mas reflexões, sobre: 1. O conceito de mediação e o papel da língua para o desenvolvimento humano. Escreva com suas palavras sobre a importância da língua para o desenvolvimento cognitivo e interpessoal. 2. Escreva sobre os tipos de conhecimentos e o con- texto de sua evolução histórica. 3. Da prática pedagógica. 4. Leia o subtítulo 4.3 “Identificação e Modelo”: Uma questão da afirmação” da dissertação de Flaviane Reis disponível em: http://www.ges.ced.ufsc.br/Dissertacao_Fla- viane.pdf e desenvolva uma reflexão sobre o papel do professor surdo na educação de crianças surdas. Exercícios Propostos 29 v v Alguns Es tudos Linguístic os - Efeit os de Modal idade2 33 Em 2002, a Libras – língua brasileira de sinais foi re- conhecida como meio legal de comunicação e expressão dos surdos brasileiros pela Lei Federal n.º 10.436. Três anos mais tarde, em 2005, a Libras foi regulamentada pelo Decreto n.º 5.626, o qual prevê a formação de profissionais que traba- lham no ensino e tradução dessa língua em cursos de letras- -Libras e em cursos de especialização em Libras. Por muitos anos, a Libras foi compreendida como uma forma de comunicação rudimentar e incapaz de trans- mitir conceitos abstratos, resumida a gestos ligados exclu- sivamente ao meio imediato de comunicação. Certamente, uma motivação para tal fato está no caráter icônico que muitos de seus sinais apresentam. Desenvolveremos, nessa unidade, um panorama geral sobre os principais conceitos que fazem das línguas de sinais, línguas bem diferentes das línguas orais. Compi- lamos os fundamentos teóricos e achados dos primeiros pesquisadores da linguística a tomar as línguas gestuais- -visuais como objeto de estudo, e reconhecer os primeiros elementos próprios da Língua America de Sinais – ASL, que foram descritos. Modalidade é o canal usado para a comunicação. Te- mos basicamente duas modalidades de línguas. As línguas orais-auditivas, que fazem uso da articulação oral e pro- dução de fonemas para a expressão em contraposição as línguas gestuais-visuais, que fazem uso dos sinais, corpo e expressões faciais para a expressão. Modalidade é responsável por dois aspectos interliga- dos à forma da línguagem de sinais, que podem contribuir 2. Alguns Estudos L inguísticos - Efeitos de Modalid ade 34 para as semelhanças entre línguas de sinais: uma relação icô- nica entre forma e significado, e simultaneidade de estrutura. Porque as mãos podem representar propriedades físicas dos objetos concretos e eventos iconicamente, esta capacidade é abundantemente explorada em línguas de sinais, tanto em itens lexicais, gramaticais e de forma. Enquanto a fala das línguas orais apresenta algumas iconicidades como onoma- topéias, em geral o vocábulo das línguas orais não presta uma correspondência direta entre a forma e o significado, de modo que a correspondência na línguagem falada é necessa- riamente mais arbitrária. 2.1 Iconicidade em Língua de Sinais Folheando um dicionário de língua de sinais, imedia- tamente percebe-se a aparente iconicidade de muitos sinais. Um exemplo é o sinal para ÁRVORE, mostrado na Figura 1, que tem a aparência de uma árvore. Figura 1. Árvore em Libras Fonte: http://www.acessobrasil.org.br/Libras/ 35 Embora abertamente difundida a iconicidade em lín- guas de sinais, deve ser entendido o campo semântico que abrange. Geralmente, aparecem em substantivos. Muitos si- nais não são obviamente motivados, entre eles, os sinais de conceitos abstratos que existem em todas as línguas de sinais. Além disso, a presença de iconicidade em língua de sinais não significa que seu vocabulário é totalmente semelhante à ico- nicidade de uma outra língua de sinais. Na realidade, embora as línguas de sinais sejam independentes, têm alguma sobre- posição em termos de vocabulário devido à motivação, seus vocabulários são muito mais diferentes um do outro que se poderia esperar. No entanto, o tipo de simbolização e exten- são metafórica envolvidos na criação de sinais pode ser moti- vado universalmente (TAUB, 2001). A ave é representada em Língua Brasileira de Sinais com um sinal que se parece com as asas (figura 2), e em Língua Americana de Sinais com um sinal que parece um bico (figura 3), por exemplo, e experiência com este tipo de simbolização em qualquer língua de sinais pode fazer tais sinais mais fáceis de interpretar do que em outras. Pela modalidade da Libras ser gestual-visual, alguns sinais são motivados pelo referente que representam. Dessa forma existe um grupo de sinais que podem ter como mo- tivação a própria ação, o formato ou tamanho do objeto, ou parte da entidade que representa. 36 Figura 2. Ave em Libras Fonte: http://www.acessobrasil.org.br/Libras/ Figura 3. Bird em Aasl Fonte: http://www.aslpro.com/cgi-bin/aslpro/aslpro.cgi Klima e Bellugi (1978) também desenvolveram as primei- ras descrições sobre a iconicidade das línguas de sinais. Compa- rando diferentes línguas de sinais, afirmam que todas elas fazem uso da iconicidade para a produção dos sinais. Embora o sinal de línguas de sinais de diferentes nacionalidades sejam distintos para um mesmo referente, como no exemplo para "árvore", to- dos eles possuem alguma iconicidade. Afirmam existir um laço de universalidade na concretude da língua de sinais. 37 Fonte: Klima, E. & Bellugi, U. (1979) Podemos afirmar que a motivação para criação de um sinal icônico pode se dar em diversas ordens, como Referente como um todo Parte do referente A ação do ser humano com esse referente Referente que representa Iconicidade pela motivação Sinal em Libras maça girafa apito 38 2.2 Simultaneidade em Línguas de Sinais Outra característica é a simultaneidade particular dessa mo- dalidade de língua, a que alude ao campo da Morfologia. Alguns pesquisadores argumentam que as restrições sobre a produção, percepção e memória de curto prazo conspiram para criar simultaneidade de estrutura linguística (EMMO- REY, 2002). Curiosamente, a iconicidade contribui para a es- trutura simultânea, especialmente quando se olha para além do léxico, para formas gramaticais de forma mais complexa. As mãos se movendo no espaço são capazes de represen- tar eventos que simultaneamente envolvem um predicado e seus argumentos - como dar algo a alguém, ou subir em uma árvore - com sinalização com as duas mãos, que são cor- respondentemente simultâneas. Portanto, essas estruturas, com particulares propriedades gramaticais, são encontradas em todas as línguas de sinais que tenham sido minimamente estudadas. (WILCOX, 2005) O trabalho descritivo de Klima & Bellugi (1979) de- nominado The Signs of Language, revelaram tal análise. “Assim, os itens lexicais da ASL e de todas as outras lín- guas de sinais primárias que nós conhecemos parecem ser cons- tituídos de forma diferente das línguas faladas: a organização dos sinais é principalmente simultânea, ao invés de sequencial. A ASL usa o meio espacial e isso pode ter uma influência crucial na sua organização” (p.39). Em Língua Brasileira de Sinais isso é pouco estudado. Mas, para os que se propuseram estudar um sistema de escrita de sinais, a simultaneidade é um problema a ser resolvido, como afirma Barros (2008): 39 Sabe-se que, pelo fato de a LS ser realizada por dois ar- ticuladores – dois braços e duas mãos – podem-se emitir dois si- nais ao mesmo tempo. O correspondente deste feito em LO seria pronunciar duas palavras ao mesmo tempo, o que e impossível,pois somos dotados de apenas um aparelho fonador. Começa a se evidenciar ai o fator simultaneidade, como por exemplo, na reali- zação do sinal de chorar com a Mão esquerda e o de correr com a Mão direita ao mesmo tempo (v. item 5.4, texto 2). Pesquisadores brasileiros que trabalham com transcrição de dados de línguas sinalizadas também entendem ser a simul- taneidade um objeto de estudo em particular. Uma observação de que temos notícia, e que pode ser apro- ximada a essa característica que estamos apontando, está em Liddell (2003: 154). O autor comenta um trecho de uma narrativa em que o sinalizador está narrando a história com sua mão direita, ao mesmo tempo em que está demonstrando, com seu corpo, a ação que está sendo narrada. Kanda et al. (2002b: 115) também mencionam que a simultaneidade característica das línguas de sinais se verifica não só pela coocorrência de sinais não-manuais com sinais manuais, mas também pelo ato de que duas ou mais palavras da língua podem ser articuladas simultaneamente, cada uma com uma mão. (McCLEA- RY e VIOTTI, 2009) A criação de um novo sinal pode ter sua motivação na fusão de sinais de eram sinalizados simultaneamente, como no si- nal para LEGENDA, parte do sinal representa a TV e outra parte do sinal a palavra escrita abaixo. Ao fazermos uso de determinados enunciados podemos re- correr a uma seleção fonética específica sobrepondo dois ou mais sinais, denominado de fusão de sinais. (TAUB, 2001) 40 "Legenda" Fonte: http://www.acessobrasil.org.br/Libras/ Vejamos alguns exemplos: Com uma mão se representa a banana e, com a outra, o homem que cai. Com uma mão se representa a pedra e, com a outra, o homem que cai. Referentes que representam Evento Sinalização simultânea em Libras 41 Com uma mão se representa o pára-quedas e com a outra o homem que cai. Com uma mão se representa o esqui e com a outra o homem que esquia. As características das línguas de sinais, aqui apresen- tadas, apontam que a forma assumida dos sinais e dos siste- mas de classificação estabelecida em todas línguas de sinais são semelhantes (embora não idênticas), devido às pressões sofridas pela modalidade gestual-visual, sendo recorrente a produção de iconicidade e simultaneidade esboçada acima. O canal físico de transmissão afeta a línguagem em ambas as modalidades. As línguas de sinais são mais estrutu- radas simultaneamente, em contraposição às línguas faladas, que são mais lineares. As línguas faladas são mais arbitrárias e as línguas de sinais têm uma boa dose de iconicidade. No entanto, nenhu- ma dessas qualidades são exclusivas de uma modalidade ou de outra, essa é apenas uma questão de grau. Resumo da Unidade 42 Após a leitura crítica desta unidade sugerimos que você: 1. Escreva com suas palavras o conceito de: ● Iconicidade. ● Simultaneidade. 2. Faça um levantamento de sinais ou sentenças em Libras que fazem uso desses conceitos: Conceitos linguísticos Exemplos Iconicidade. Árvore, casa. Simultaneidade Homem pulando de um trampolin. Exercícios Propostos
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