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CURSO DE PUBLICIDADE E PROPAGANDA MARIA LORRANA MARTINS DA COSTA O MOTOR DOS CARROS ALEGÓRICOS: FORMAS DE SOBREVIVÊNCIA DO CARNAVAL DE AVENIDA DO RIO DE JANEIRO. RIO DE JANEIRO 2020 MARIA LORRANA MARTINS DA COSTA O MOTOR DOS CARROS ALEGÓRICOS: FORMAS DE SOBREVIVÊNCIA DO CARNAVAL DE AVENIDA DO RIO DE JANEIRO. Projeto de Pesquisa apresentado como exigência parcial para aprovação na disciplina TCC1 do curso de Publicidade e Propaganda da Facha. ORIENTAÇÃO: PROF. DRA. CAMILA AUGUSTA PEREIRA Costa, Maria Lorrana Martins da. O motor dos carros alegóricos: formas de sobrevivência do carnaval de avenida do Rio de Janeiro / Maria Lorrana Martins da Costa. – Rio de Janeiro: FACHA, 2020. 64 f. Orientador: Camila Augusta Pereira. Monografia (Publicidade e Propaganda) FACHA, 2020. Carnaval. 2. Avenida. 3. Rio de Janeiro. 4. Escolas de Samba. 5. Mídia. I. Pereira, Camila Augusta. II. FACHA. III. Título. O MOTOR DOS CARROS ALEGÓRICOS: FORMAS DE SOBREVIVÊNCIA DO CARNAVAL DE AVENIDA DO RIO DE JANEIRO. Maria Lorrana Martins da Costa Trabalho de Conclusão apresentado ao curso Comunicação Social – Publicidade e Propaganda das Faculdades Integradas Hélio Alonso, como requisito parcial para obtenção do título em bacharel sob orientação da Prof.ª. Dr.ª Camila Augusta Pereira. ________________________________________ Orientador ________________________________________ Membro da Banca ________________________________________ Membro da Banca Data da Defesa: __________________________ Nota da Defesa: __________________________ RESUMO Este trabalho apresenta uma análise histórica da transformação do carnaval de avenida no Rio de Janeiro, que com o passar dos anos se tornou o desfile oficial das escolas de samba popularmente conhecidas, mas que enfrentam dificuldades financeiras para produção do carnaval. A partir disso a pesquisa tem como objetivo entender como que se dá essa transformação, como as escolas de samba conseguem se manter financeiramente e suas formas alternativas de financiamento. Para isso foi feita uma pesquisa documental por meio da análise de jornais, publicidades e revistas das décadas de 1880 até 1920, pesquisa de conteúdo e entrevistas com integrantes ativos das escolas de samba Mocidade Independente de Padre Miguel, Unidos do Porto da Pedra e Estação Primeira de Mangueira. Com isso, foi possível confirmar que as escolas precisam de formas alternativas de financiamento para se manter competitiva. Além disso, há também a necessidade de uma política pública de incentivo para garantir que todas as escolas de samba possam grandes desfiles e investimento em sua própria comunidade. Palavras-chave: Carnaval; Avenida; Rio de Janeiro; Escolas de Samba; Mídia. ABSTRACT This work presents a historical analysis of the transformation of Carnival parade in Rio de Janeiro, which over the years has become the popular samba schools parade, but which face financial difficulties for the production of Carnival. Based on this, the research aims to understand how this transformation takes place, how samba schools manage to maintain themselves financially and their alternative forms of financing. For this, a documentary research was carried out through the analysis of newspapers, advertisements and magazines from the 1880s to the 1920s, content research and interviews with active members of the samba schools: Mocidade Independente de Padre Miguel, Unidos do Porto da Pedra and Estação Primeira de Mangueira. With that, it was possible to confirm that schools need alternative forms of financing to remain competitive. In addition, there is also a need for a public policy of incentives to ensure that all samba schools will have their power enhanced not only in parades, but also for investment in their own community. Keywords: Carnival; Avenue; Rio de Janeiro; Samba schools; Media. AGRADECIMENTOS Antes de tudo, agradeço a minha família que sempre acreditou nos meus objetivos e me apoiaram em cada ciclo da minha vida. Agradeço meus pais, Vanusa e Raimundo, que sempre se dedicaram a me proporcionar um acesso à educação privilegiado e me ensinaram tudo que eu sei sobre a vida. E a minha irmã, Kauane, que cresceu ao meu lado me ensinando a arte da paciência e me permitiu ver de perto seu amadurecimento. Agradeço as minhas primas e amigas: Raiza, Dayane e Daissa, por cada momento e palavras que me ajudaram a amadurecer. Agradeço por acreditarem tanto em mim e por sempre estarem ao meu lado, apesar de tudo. Agradeço a Jéssica Andrade por ser uma amiga tão incrível que me serve como um exemplo de força e que esteve junto comigo em toda essa trajetória na FACHA e, mesmo com altos e baixos, nunca desistiu. Agradeço à minha orientadora e professora Camila Augusta Pereira que além de me acompanhar nessa jornada em um momento tão delicado e me ensinar a fazer ciência, também me serve de inspiração como uma mulher, professora, doutora, amante do carnaval e mãe. Agradeço a Letícia Vianna e Lucas Fiori por estarem comigo durante todo o processo de criação desse trabalho e tornar isso mais fácil. Além disso, à Letícia Vianna, que me conectei no meu primeiro emprego e nunca mais soltei, agradeço por ter a oportunidade de viver na mesma casa e por sempre me incentivar nos meus projetos. A Lucas Fiori agradeço por cada aprendizado, mimo e abraço que me ajudaram a continuar quando pensei em desistir ou quando desacreditei de mim. Por fim, agradeço aos entrevistados Rodrigo Coutinho, Guilherme Goulart, Miguel Sobrinho, Oscar Bessa, Moacyr Barreto por serem tão solícitos e aceitarem a responder as perguntas cruciais para a pesquisa. Aos amantes do carnaval. O amante do carnaval sempre encontrará um pretexto para participar da folia, sempre achará nele alguma coisa apaixonante a comentar e a aproveitar. Amar o carnaval é dar a ele uma adesão irrestrita, incondicional e irracional. Quase sempre quem não consegue mais gostar dele nunca o amou de verdade. Rachel Valença LISTA DE ILUSTRAÇÕES Figura 1 - Gazeta de Notícias, 7 de fevereiro de 1883. 14 Figura 2 - Gazeta de Notícias, 13 de fevereiro de 1888. 15 Figura 3 - Gazeta de Notícias, 16 de fevereiro de 1888. 16 Figura 4 - O Malho, n° 24 - 28 de fevereiro de 1903. 17 Figura 5 - Gazeta de Notícias, 13 de fevereiro de 1888. 18 Figura 6 - Gazeta de Notícias, 03 de março de 1889. 19 Figura 7 - Gazeta de Notícias, 18 de fevereiro de 1888. 20 Figura 8 - Cordão Retiro da América - O Malho, 25 de fevereiro de 1911. 22 Figura 9 - Diretores e Sócios do Rancho Ameno Resedá - O Malho, 18 de fevereiro de 1911. 23 Figura 10 - O Globo, 1 de março de 1933. 25 Figura 11 - Leandro Assis e Triscila Oliveira - Os Santos, uma tira de ódio. 28 Figura 12 - O Globo, 16 de fevereiro de 1994. 34 Figura 13 - Foto da página oficinal do Facebook da Mocidade Independente de Padre Miguel. 42 Figura 14 - O Globo, 12 de abril de 1997 (um dia depois da morte do Castor de Andrade). 43 Figura 15 - O Globo, 21 de fevereiro de 1996. 47 LISTA DE GRÁFICOS Gráfico 1 - Meios de se explorar o potencial econômico do Carnaval ao longo do ano. 31 Gráfico 2 - Problemas na estrutura de financiamento do Carnaval carioca. 32 Gráfico 3 - Índice de popularidade napesquisa do termo “Carnaval 2020”, no estado do Rio de Janeiro. 37 LISTA DE ABREVIATURAS UES União das Escolas de Samba CGEE Centro de Gestão e Estudos Estratégicos LIESA Liga Independente das Escolas de Samba G.R.E.S. Grêmio Recreativo Escola de Samba SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 10 2. DO ENTRUDO A SOCIEDADES CARNAVALESCAS ...................................... 13 2.1 Entrudo: Uma festa de gente sem costumes .......................................................... 13 2.2 Guerra ao Entrudo ................................................................................................. 14 2.3 As grandes sociedades carnavalescas .................................................................... 19 3. ESCOLAS DE SAMBA .......................................................................................... 22 3.1 A inversão presente no Carnaval de Avenida ........................................................ 25 3.2 A sobrevivência das escolas de samba .................................................................. 30 3.3 Espetacularização das Escolas de Samba .............................................................. 35 4. A REALIDADE DAS ESCOLAS DE SAMBA ..................................................... 37 4.1 G.R.E.S. Mocidade Independente de Padre Miguel ............................................. 40 4.2 G.R.E.S. Unidos do Porto da Pedra ....................................................................... 46 4.3 G.R.E.S. Estação Primeira de Mangueira .............................................................. 51 5. CONCLUSÃO ......................................................................................................... 57 REFERÊNCIAS .............................................................................................................. 60 APÊNDICE ..................................................................................................................... 62 10 1. INTRODUÇÃO Com o objetivo de organizar a festa do carnaval popular, as Grandes Sociedades Carnavalescas, agremiações formadas pela elite carioca para brincar o carnaval de forma parecida com os luxuosos carnavais de Veneza, contribuíram para a transformação da festa no Rio de Janeiro. Por onde passavam mobilizavam todos da cidade, principalmente as camadas populares, com os seus desfiles bem produzidos e políticos. Porém, com o passar dos anos, a identificação popular com as grandes Sociedades Carnavalescas foi diminuindo, quando é possível enxergar um movimento inicial de surgimento de novas agremiações, que se localizavam fora do Centro do Rio de Janeiro. Por conta da segregação espacial que aconteceu com as reformas urbanas no início do século XX na cidade, uma nova territorialidade foi imposta às classes populares (AGOSTINHO, 2014, p. 94). Ao observar a história das escolas de samba é possível notar um grande contraste com as sociedades carnavalescas das décadas de 1870 a 1880. Enquanto as Grandes Sociedades eram frequentadas por bem-nascidos ou bem-falantes (CUNHA, 2001, p. 111), as escolas de sambas surgiram com um grupo de jovens, em sua maioria pretos, residentes do bairro Estácio de Sá com o objetivo de adequar o samba para poder brincar o carnaval (AGOSTINHO, 2014, p, 104). Com isso, passaram a influenciar outros jovens nas favelas e nos subúrbios. Deste modo, cada vez mais as escolas de samba ganharam notoriedade no Rio de Janeiro, com espaço mais significativo no carnaval, movimentando a economia, chamando atenção do setor turístico e da mídia. Embora as escolas movimentem até R$3,78 bilhões da economia da cidade1, ainda recebem pouco ou nada de investimento público durante o ano. Inclusive, o auxílio público é cada vez mais raro, visto que 2020 foi o segundo ano em que houve um corte do subsídio da prefeitura para as escolas de samba2. 1 Disponível em: https://exame.abril.com.br/economia/carnaval-movimentou-r-378-bilhoes-na- economia-do-rio-de-janeiro/, último acesso em 11/06/2020. 2 Disponível em: https://noticias.uol.com.br/carnaval/2019/colunas/anderson-baltar/2019/08/30/crivella- corta-verbas-para-escolas-da-sapucai-e-atinge-em-cheio-a-serie-a.htm, último acesso em 11/06/2020. https://exame.abril.com.br/economia/carnaval-movimentou-r-378-bilhoes-na-economia-do-rio-de-janeiro/ https://exame.abril.com.br/economia/carnaval-movimentou-r-378-bilhoes-na-economia-do-rio-de-janeiro/ https://noticias.uol.com.br/carnaval/2019/colunas/anderson-baltar/2019/08/30/crivella-corta-verbas-para-escolas-da-sapucai-e-atinge-em-cheio-a-serie-a.htm https://noticias.uol.com.br/carnaval/2019/colunas/anderson-baltar/2019/08/30/crivella-corta-verbas-para-escolas-da-sapucai-e-atinge-em-cheio-a-serie-a.htm 11 Desta forma, a proposta da pesquisa é compreender como as escolas de samba, dentro do cenário carioca, são mantidas financeiramente e como isso impacta no seu dia-a-dia. O trabalho pretende responder às questões: Quais são as possíveis formas alternativas legais, ou não, de conseguir financiamento? Além disso, os enredos patrocinados são uma possível solução? O corpus de pesquisa são as escolas de samba Mocidade Independente de Padre Miguel, Unidos do Porto da Pedra e Estação Primeira de Mangueira para compreender as dinâmicas que envolvem o carnaval e identificar quais são suas principais fontes de renda. Para tal, foi realizada pesquisa documental por meio da análise de jornais, publicidades e revistas das décadas de 1880 até 1920 com o objetivo de coletar insumos sobre a repercussão histórica do carnaval durante a época de recorte. Para todo o desenvolvimento da pesquisa teórica, foi utilizado o livro “Ecos da Folia: Uma história social do carnaval carioca entre 1880 e 1920”, da autora Maria Clementina Pereira Cunha (2001), a fim de uma análise histórica e social de toda evolução do carnaval carioca. Além disso também foi utilizado o livro “Carnavais, Malandros e Heróis”, do autor Roberto da Matta (1979), para uma análise sociológica da inversão presente no carnaval. O objetivo é entender de que forma que se dá a relação das classes dentro e fora da avenida. O capítulo inicial do trabalho, o dois, mostra como que se deu a tentativa de civilização do entrudo para tornar as Grandes Sociedades Carnavalescas a principal forma de brincar o carnaval carioca. É traçado um paralelo das brincadeiras do Entrudo e das Sociedades Carnavalescas com o objetivo de mostrar o posicionamento da imprensa e da elite. O capítulo três expõe o surgimento das escolas de samba e como que se deu a relação das classes mais altas com o povo da classe mais baixa na avenida. O objetivo do capítulo é mostrar também as diferentes formas de sobrevivência das escolas de samba e como a mídia interfere em suas ações. Já o capítulo quatro, com as entrevistas, busca apresentar de forma prática, e de acordo com a realidade vivida pelas escolas, o que foi discutido no capítulo três a fim de entender posicionamentos, escolhas e dificuldades das escolas. e https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/carnaval/2020/noticia/2019/08/30/crivella-bate-o-martelo-e-diz- que-escolas-de-samba-nao-terao-subsidios-da-prefeitura-no-carnaval-de-2020.ghtml, último acesso em 11/06/2020. https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/carnaval/2020/noticia/2019/08/30/crivella-bate-o-martelo-e-diz-que-escolas-de-samba-nao-terao-subsidios-da-prefeitura-no-carnaval-de-2020.ghtml https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/carnaval/2020/noticia/2019/08/30/crivella-bate-o-martelo-e-diz-que-escolas-de-samba-nao-terao-subsidios-da-prefeitura-no-carnaval-de-2020.ghtml 12A principal motivação para sustentar a presente pesquisa reside na importância que o tema possui dentro do contexto da cultura do Rio de Janeiro, especificamente o carnaval carioca que, com o passar dos anos, se modificou e se ressignificou. Tendo em vista que a falta de renda das escolas de samba seria uma contradição diante do que o carnaval movimenta na economia carioca e da glamourização apresentada pela própria mídia, que instiga ainda mais toda a comercialização do carnaval durante o período da festa. Desta forma, a pesquisa tem a intenção de contribuir com o tema para mostrar a sobrevivência do carnaval fora dos holofotes da grande mídia. Além disso, a pesquisa pretende trazer uma contribuição socioeconômica e cultural, visto que o tema move a sociedade e tende a trazer um entendimento maior sobre a manifestação cultural que é o carnaval e a sua influência na economia e na comunidade ao seu redor. 13 2. DO ENTRUDO A SOCIEDADES CARNAVALESCAS O Entrudo é definido como: “Os três dias que precedem a quaresma ou quadragésima, de acordo com a Igreja Católica, durante os quais é uso em alguns países para divertir-se o povo banqueteando-se, molhando-se uns aos outros, empoando-se e fazendo outras peças jocosas; Carnaval.”. (NOVO DICIONÁRIO DA LÍNGUA PORTUGUESA, 1861 apud LEAL, 2008). E durante muito tempo teve o mesmo significado que o carnaval: brincadeiras e folias que aconteciam 40 dias antes da Páscoa, período da Quaresma de acordo com a Igreja Católica. Porém, no final do século XIX as brincadeiras do entrudo passaram a ser consideradas pela elite intelectual (políticos, jornalistas, literatos etc) o oposto do que significava o carnaval, ou seja, passaram a ser vistas como atitudes condenáveis e práticas rudes que não deveriam estar nas ruas (CUNHA, 2001, p. 25). Desta forma, a busca por uma festa mais organizada, como o carnaval de Veneza ou Paris, e pela morte do entrudo foi uma das primeiras grandes mudanças que o carnaval carioca sofreu e é a partir disso que passam a surgir as grandes sociedades carnavalescas. 2.1 Entrudo: Uma festa de gente sem costumes Os dias de entrudo eram dias de guerras de balões d’água, também conhecido como molhadeiras, piadas e dias de mentira. Eram momentos de subversão de regras postas na sociedade, dias que os negros zombavam dos brancos enfarinhando seus rostos como uma forma de explicitar os conflitos diários e os brancos de “costumes livres” pintavam-se de preto, para assim “anular” a diferenciação racial que moldava a sociedade da época (CUNHA, 2001). Com isso, as principais brincadeiras durante os dias da festa do Rei Momo eram brincadeiras que ofendiam as pessoas de “bom tom” da sociedade e eram logo associadas aos negros. Como exemplo, as formas de brincar mais criticadas eram: Os mascarados, grupos de pessoas com máscaras que ofendiam e faziam exposições da vida alheia na rua; Os Zé Pereiras, um conjunto de bumbos criado pelo sapateiro português José Paredes (ALBIN, 2009); Os diabinhos, constantemente ligados aos capoeiras, faziam o que a imprensa chamava de “diabruras”, ou seja, roubos de miudezas e algumas violências (Figuras 1). 14 Figura 1: Gazeta de Notícias, 7 de fevereiro de 1883. Fonte: Biblioteca Nacional Digital Brasil 3 Guerra às cartolas, que se tratava de impedir que homens com cartolas, objetos que deixavam claro uma distinção social, participassem do carnaval com o acessório, desta forma grupos de rapazes faziam questão de destruí-lo; E por último, a guerra de água, brincadeira fez com que o entrudo também fosse chamado de “molhaçada”, se tratava de guerras de bisnagas e limões de cheiro nas ruas do Rio de Janeiro durante os dias de entrudo. Além disso, a presença de Cucumbis também era comum na época, e se tratava de um desfile associado a tradições africanas na metade do século XIX, que em pleno 3 Disponível em: http://memoria.bn.br/hdb/periodico.aspx, último acesso em: 17/04/2020. http://memoria.bn.br/hdb/periodico.aspx 15 contexto da luta pela abolição trazia diversas reações: eram vistos como primitivos e pitorescos, mas não como uma ameaça, como os mascarados e os diabinhos (Figura 2). Figura 2: Gazeta de Notícias, 13 de fevereiro de 1888. Fonte: Biblioteca Nacional Digital Brasil 4 Porém, com o passar do tempo os Cucumbis passaram a ser equiparados aos mascarados, diabinhos e todas as outras formas que desagradaram os defensores dos bons costumes (Gazeta de Notícias, 5 de março de 1889). Durante o período do entrudo, a imprensa e a elite intelectual deixavam bem claro seus posicionamentos diante das brincadeiras. Enquanto a imprensa aplaudia a polícia quando esta agia com fervor em cima dos “bárbaros” brincantes do entrudo, o imperador mostrava gosto pelas brincadeiras, para o desagrado da imprensa: Na bela cidade de Petrópolis, Sua Majestade vê-se apertado com as moças que lhe arremessam laranjinhas e limões, atiram-lhe a cartola ao chão e encapelam-na sob as mimosas plantas [...] acabou-se a galhofa; quem governa agora o mundo é o pífio, o pulha, o absoluto, anacrônico e estúpido entrudo. (O Monóculo, 1884 apud CUNHA, 2001, p. 53). 4 Disponível em: http://memoria.bn.br/hdb/periodico.aspx, último acesso em: 17/04/2020. http://memoria.bn.br/hdb/periodico.aspx 16 Figura 3: Gazeta de Notícias, 16 de fevereiro de 1888. Fonte: Biblioteca Nacional Digital Brasil 5 A imprensa teria papel fundamental na guerra ao entrudo, pois além de ajudar na popularização da ideia de sociedades carnavalescas como o carnaval “ideal”, constantemente traz em seus conteúdos ocorrências de brigas, violências e prisões durante o período do entrudo, causando um sentimento de ameaça na convivência com os mascarados. 2.2 Guerra ao Entrudo Com o passar do tempo, a imprensa tratou a festa do entrudo como algo extinto, morto e sendo o grande inimigo do verdadeiro carnaval carioca: “De entrudo, em boa hora seja dito, não há nem sinal. Está morto e bem morto, o coitado” (Gazeta de notícias, 1888 In CUNHA, 2001, p. 67). Essa extinção do entrudo foi diversas vezes comemorada mesmo ressurgindo das cinzas todo ano, com as brincadeiras de limões de cheiro e causando a revolta naqueles que ansiavam por um carnaval civilizado (Figura 4): 5 Disponível em: http://memoria.bn.br/hdb/periodico.aspx, último acesso em: 17/04/2020. http://memoria.bn.br/hdb/periodico.aspx 17 Figura 4: O Malho, n° 24 - 28 de fevereiro de 1903. Fonte: Fundação Casa de Rui Barbosa 6 Com a popularidade do entrudo, ainda era necessário conscientizar a população de seus perigos, que iam além do perigo da violência física. A brincadeira também passou a ser associada ao perigo de desordem social e de costumes de uma população heterogênea e “colonial”, ou seja, o entrudo passa a ser um transmissor de doenças e um ameaçador para a saúde pública (CUNHA, 2001, p. 78). Desta forma, passam a ter mais um motivo para justificar a tentativa de proibição do entrudo e que continuam tendo resultados insignificantes. As estratégias para acabar com o entrudo passam desde tentar adiar a data do carnaval para meados do ano, em 1892, a fim de evitar que houvesse brincadeiras com águas até a criação de novos objetos para substituição dos limões de cera e bisnagas. Os novos “brinquedos” tiveram boa aceitação do público e passaram a ser uma nova forma de reproduzir o entrudo para uma parcela seletiva da população, tendo em vista que os mais pobres não conseguiam ter acesso a esses novos objetos. Com isso, a luta pelo carnaval civilizado tem um caráter cada vez mais social e elitizado contra as camadas mais pobres do Rio de Janeiro, que mantinham a sua tradição das brincadeiras condenáveis e rudes do entrudo. Porém,se engana quem pensa que a guerra ao entrudo é contra as tradições das máscaras, dos diabinhos e da guerra d’água, pois todas essas brincadeiras eram praticadas pelos frequentadores das Grandes Sociedades, apesar de manter sentidos diferentes para sujeitos sociais distintos (CUNHA, 2001, p. 84). 6 Disponível em: http://omalho.casaruibarbosa.gov.br, último acesso em: 17/04/2020. http://omalho.casaruibarbosa.gov.br/ 18 Figura 5: Gazeta de Notícias, 13 de fevereiro de 1888. Fonte: Biblioteca Nacional Digital Brasil 7 De acordo com Cunha (2001), a verdadeira guerra ao entrudo é uma luta contra a heterogeneidade que a festa trazia, tendo em vista que os grandes defensores do carnaval de Veneza buscavam o contrário, uma festa de povo homogêneo e integrado. Buscavam em uma tradição europeia, a não repetição de um passado que tinha sido colonial e a civilização da plebe mal educada. Ainda assim, os desfiles dos carros alegóricos, conhecidos como grandes préstitos, das sociedades carnavalescas chamavam a atenção dos praticantes do entrudo, que nos dias do carnaval se dividiam entre as folias polidas dos préstitos e a festa bruta dos entrudos. E assim, os brincantes passaram a aprender diferentes formas de se organizar coletivamente para brincar o carnaval. Enquanto uma forma tem um desfile organizado, artístico e crítico aos olhos da elite intelectual, a outra, o entrudo, expõe os dias de carnaval como dias de exceção e de liberdade para que o povo pudesse brincar. 7 Disponível em: http://memoria.bn.br/hdb/periodico.aspx, último acesso em: 17/04/2020. http://memoria.bn.br/hdb/periodico.aspx 19 2.3 As grandes sociedades carnavalescas As sociedades carnavalescas surgem como a alternativa para um carnaval mais “civilizado” e, devido a sua imagem estar atrelada a uma origem social elitizada e pelo teor dos seus préstitos, já surgem com a sua imagem legitimada. Com isso, as grandes sociedades tinham como padrão ter pessoas da elite intelectual (estudantes, artistas, boêmios, jornalistas, literatos) associadas e participando ativamente das agremiações. E foram as três maiores sociedades da época - Democráticos, Fenianos e Tenentes do Diabo - que começaram um movimento de ampliação social em relação ao que era padrão no início das sociedades carnavalescas, passaram a aceitar comerciantes endinheirados e até “moços do comércio” e assim deixaram de ser um espaço apenas de pessoas bem-nascidas ou bem-falantes (CUNHA, 2001). A imprensa foi uma das principais propagadoras da boa imagem das grandes sociedades, quando eram citadas em seus jornais, seja para contar novas notícias ou em alguma crônica, vinham acompanhadas com adjetivos positivos. No mesmo jornal era possível encontrar elogios aos préstitos de sociedades carnavalescas e informações sobre o policiamento da cidade, a fim de evitar o jogo do entrudo (Figura 6). Figura 6: Gazeta de Notícias, 03 de março de 1889. Fonte: Biblioteca Nacional Digital Brasil 8 8 Disponível em: http://memoria.bn.br/hdb/periodico.aspx, último acesso em: 17/04/2020. http://memoria.bn.br/hdb/periodico.aspx 20 A presença de intelectuais fazia com que as grandes sociedades enxergassem a si mesmas como a real alternativa contra o bruto entrudo, como Club dos Democráticos expõe na sua própria imprensa, Folha Novinha: “[...] cabe-nos a glória de ter sido sempre os primeiros no torneio do espírito, mas do espírito fino, e não desse grosseiro e canalha que inebria as crioulas baianas e comove as pretas mina” (Folha Novinha, 1884 apud CUNHA, 2001, p. 115). Os desfiles das sociedades carnavalescas traziam à tona críticas para a sociedade do período e defendiam causas políticas que consideravam importante, entre elas a abolição do trabalho escravo. E, como Cunha (2001) expõe, essa luta pela abolição era apenas uma forma de buscar uma liberdade, já tardia, para o povo e não de enxergá-los como iguais. Enquanto por um lado defendia essa possível “liberdade”, por outro tentavam, de forma pedagógica, tornar o povo mais civilizado e culto. Desde sua origem associadas à propaganda abolicionista, as sociedades carnavalescas faziam dessa causa a principal a defender. Pelo menos um carro alegórico crítico das três grandes sociedades tinha esse tema (CUNHA, 2001). Como, por exemplo, o carro alegórico dos Club dos Democráticos no carnaval de 1888, que trouxe negros e fazendeiros de mãos entrelaçadas (Gazeta de Notícias, 1888). Além disso, tinham o costume de comprar cartas de alforrias para os escravos. Costume esse que ia desde grandes sociedades carnavalescas, até grupos menores, como o Club dos Políticos, em 1885: Figura 7: Gazeta de Notícias, 18 de fevereiro de 1888. Fonte: Biblioteca Nacional Digital Brasil 9 9 Disponível em: http://memoria.bn.br/hdb/periodico.aspx, último acesso em: 17/04/2020. http://memoria.bn.br/hdb/periodico.aspx 21 Com isso, as sociedades carnavalescas com seus carros políticos passam a se tornar cada vez mais populares chamando mais a atenção de figuras importantes da propaganda abolicionista e republicana. Então, as sociedades passam a criticar ainda mais a monarquia e vender os ideais republicanos (CUNHA, 2001). Em 1890, com a república instaurada, os préstitos passam a ter um tom mais de louvação do regime com algumas críticas pontuais. E com maior frequência os carros alegóricos passam a ser a favor das novas iniciativas governamentais, como, por exemplo, as reformas urbanas de Pereira Passos, que, segundo Silva (2018, p. 48): “Trata de uma “limpeza” étnica e racial, que estava subjetivo por detrás de ideais reformadores, tendo assim, o fim dos cortiços e empurrando a população mais pobre, principalmente os negros, para os morros e áreas mais afastadas e menos nobres”. Assim se tornou comum observar o apoio às políticas de exclusão e violência do regime republicano. Então, as grandes sociedades perderam as suas principais bandeiras que atraiam as classes populares e a multidão que as admiravam, passou a ser ridicularizada nos seus préstitos. Com isso, foram sendo cada vez mais esquecidos pelo povo (CUNHA, 2001). 22 3. ESCOLAS DE SAMBA O carnaval das grandes sociedades não tinha desaparecido, mas já não tinha mais tanta influência em cima do povo. Além disso, outras formas de folia, novas e antigas, foram se manifestando ainda mais, como, por exemplo, os Cucumbis, Zé Pereiras, Cordões e Ranchos. Os Cordões e Ranchos eram compostos por pessoas de origem social diferentes das sociedades carnavalescas, a maioria vindo dos morros e subúrbios do Rio de Janeiro. E apesar de serem muito parecidos, possuíam formas diferentes de se manifestar nas ruas. Enquanto os Ranchos usavam alegorias sobre carroças, apresentavam uma percussão leve, com cordas e sopro, tinham, geralmente, um mestre de canto e harmonia e uma forte presença feminina. Os Cordões seguiam a pé, acompanhados de percussão com a cantoria e eram acompanhados por um “mestre-de-pancadaria”, quem afinava o ritmo da percussão (CUNHA, 2001). Figura 8: Cordão Retiro da América - O Malho, 25 de fevereiro de 1911. Fonte: Fundação Casa de Rui Barbosa 10 10 Disponível em: http://omalho.casaruibarbosa.gov.br/index.asp?lk=15#, último acesso em: 21/04/2020. http://omalho.casaruibarbosa.gov.br/index.asp?lk=15 23 Figura 9: Diretores e Sócios do Rancho Ameno Resedá - O Malho, 18 de fevereiro de 1911 Fonte: Fundação Casa de Rui Barbosa 11 Com a popularidade das grandes sociedades diminuindo, o entrudo deixa de ser a grande ameaça ao carnaval civilizado e dá lugar para o novo inimigo: agremiações carnavalescas formadas pelos pobres de diferentes partes da cidade do Rio de Janeiro (CUNHA, 2001). Cunha afirma que essa proliferaçãode agremiações em partes mais pobres da cidade é uma consequência do efeito pedagógico dos préstitos das grandes sociedades, sendo assim, baseava suas ações em todas as lições aprendidas com elas, desde organização administrativa até na forma que as sedes se organizavam. Não tenho dúvida que, quanto à estrutura e origens sociais do desfile, as escolas beberiam muito mais da segunda novidade do carnaval carioca logo depois das grandes sociedades, nascidas a partir da classe média e dos intelectuais, e que foram os ranchos. Estes tiveram origens ainda mais populares, incorporando tradições típicas do dia de Reis e de procissões religiosas. [...] o Rancho já desfilava com muitas das estruturas que as Escolas agregariam, a começar pelo abre-alas (com a tradicional saudação à imprensa e 11 Disponível em: http://omalho.casaruibarbosa.gov.br/index.asp?lk=15#, último acesso em: 21/04/2020. http://omalho.casaruibarbosa.gov.br/index.asp?lk=15 24 portando o nome do rancho). A que se seguia a comissão de frente – formada pela diretoria, tal como nas Escolas de Samba ainda há duas dezenas de anos. Nos ranchos os desfilantes cantavam e dançavam sob um comando único, o mestre de manobra, que era, sem tirar nem pôr, o essencial diretor de harmonia das escolas.[...]A bandeira do Rancho era garbosamente conduzida pela porta- estandarte, que se fazia acompanhar pelo baliza, encarregado de cortejá-la, girando em torno dela: são hoje a porta-bandeira e o mestre-sala das Escolas, possivelmente o mais belo, o mais criativo e mais emocionante fragmento do super desfile. (ALBIN, 2009, p. 252). Desta maneira, é possível perceber que as escolas de samba têm como suas origens tanto do entrudo como dos ranchos e sociedades carnavalescas. Do entrudo, traz as raízes da percussão dos Zé Pereiras para sua bateria percussiva, e dos ranchos e sociedades carnavalescas traz a organização de seus desfiles (enredos e carros alegóricos), junto com toda sua administração. Sendo assim, as escolas de samba que conhecemos surgiu depois de muitas mudanças no carnaval e segundo Albin (2009), “Escola de Samba” se torna um nome porque os membros se reuniam próximo a uma escola e também como uma forma de se posicionar como uma “melhoria”/”ascendente” (tendo em vista que “ensinam” o samba) dos blocos carnavalescos e seus concorrentes. Em 1928, surge a primeira escola de samba, a “Deixa falar”, na Estácio. Foi apenas em 1932 que aconteceu o primeiro patrocínio para o concurso do desfile das agremiações pelo jornal Mundo Esportivo. Já era comum disputas carnavalescas nos principais jornais do Rio de Janeiro e o Mundo Esportivo precisava preencher as páginas durante as pausas das competições esportiva e, então, surgiu o Campeonato de Samba. Foram 19 escolas desfilando na Praça Onze e seis jurados. Mangueira levou o primeiro lugar no concurso, seguida da “Vai Como Pode” (Portela). Depois disso, em 1933 o jornal O Globo organizou e patrocinou o desfile, seguido pelos jornais “O Paiz” e “A Hora” para a organização em 1934. 25 Figura 10: O Globo, 1 de março de 1933. Fonte: Acervo O Globo 12 Com o objetivo de ser ainda mais independente, as escolas de samba decidiram criar a União das Escolas de Samba (UES) no dia 6 de setembro de 1934. UES tinha o propósito de organizar os desfiles e “entender-se diretamente com as autoridades federais e municipais para a obtenção de favores e outros interesses”. E logo em 1935 aconteceu o reconhecimento oficial das escolas de samba, com a liberação de subvenção para os desfiles pela Prefeitura do Distrito Federal.13 3.1 A inversão presente no Carnaval de Avenida Segundo Roberto Da Matta, o carnaval inverte papéis e posições sociais enquanto ocorre. Essa Inversão atinge desde o deslocamento de pessoas que naturalmente, durante um feriado, seria em direção às praias e no carnaval, se inverte fazendo com que o caminho natural seja em direção ao centro. Até os desfilantes das escolas de samba, pobres, geralmente com negros, que se vestem de reis, duques e nobres, ou seja, quem não tem poder representa quem possui. Inversão essa que expõe por meio da teatralização dos desfiles um caráter domesticado dessa “transformação” de pobre em nobre, 12 Disponível em: https://acervo.oglobo.globo.com/em-destaque/em-1933-globo-organiza-desfile-das- escolas-de-samba-com-40-mil-pessoas-22376823, último acesso em 21/04/2020. 13 Idem. https://acervo.oglobo.globo.com/em-destaque/em-1933-globo-organiza-desfile-das-escolas-de-samba-com-40-mil-pessoas-22376823 https://acervo.oglobo.globo.com/em-destaque/em-1933-globo-organiza-desfile-das-escolas-de-samba-com-40-mil-pessoas-22376823 26 mostrando que isso só é possível em momentos programados como no carnaval (DA MATTA, 1979). Por isso, o Carnaval serve a quem está em cima e a quem está embaixo, a quem está em casa e a quem está na rua. [...] Nele, vemos a realidade ordenada do dia-a-dia desfazer-se em múltiplos planos, num processo violento de individualização. (DA MATTA, 1979, p. 117). Desta forma, os integrantes das agremiações carnavalescas sabem que são pretos e pobres, mas estão conscientes de que durante o carnaval e durante os ensaios eles que são os doutores, os professores. Invertendo, assim, sua posição social e conseguindo compensar a sua inferioridade social e econômica. Então, eles que, no cotidiano, ocupam empregos marginalizados, aparecem como professores na folia do carnaval (DA MATTA, 1979). Porém, embora as agremiações sejam diretamente ligadas a favela e ao subúrbio, permitem uma certa junção de pessoas ricas com os pobres. Com isso, ainda que focalizem em uma só classe social também conseguem promover uma integração entre as duas classes nos seus desfiles. Mostrando para a elite e burguesia, por meio deles, que os pobres e favelados não são apenas dominados pelas classes mais altas, como costumam pré-determinar, mas que o seu grande poder está na criatividade, organização e mobilização social, e na capacidade de reinventar todos os anos sua própria estrutura social (DA MATTA, 1979). E, como diz Da Matta (1979), o grande paradoxo dessa questão é que a escola não é de justiça ou igualdade social, mas de samba. Sendo assim, as agremiações servem como uma arena de mediação entre diferentes segmentos sociais com interesses sociais e politicamente contrários e, por isso, é possível enxergar outro paradoxo no meio da inversão dessa festa: Assim, o Carnaval permite a transformação de empregadas domésticas [...] em sambistas experientes, podendo despertar a inveja de suas patroas. Não, evidentemente a inveja pequeno- burguesa do dinheiro ou da inconsciência política [...], mas a inveja da alegria, da vontade de viver, de uma energia e generosidade inesgotáveis que nem o trabalho em condições miseráveis consegue liquidar. Esse é que é o paradoxo. Do mesmo modo, o mulato anônimo da fábrica revela-se como excelente passista ou músico. “Como é que pode?” perguntamos nós, bestificados na nossa pequenez diante dos mistérios da nossa própria sociedade. (DA MATTA, 1979, p. 136). 27 Fazer um paralelo do que o autor diz com o que se observa na nossa sociedade sobre o carnaval na virada do século XX para o XXI é fácil. O primeiro exemplo se refere a surpresa ao ver uma pessoa em uma posição marginalizada se destacando no samba é o do gari Renato Sorriso. Em 1997 enquanto trabalhava na limpeza da passarela do samba durante o desfile das escolas de samba, o gari começou a sambar com a sua vassoura e recebeu muitos aplausos do povo. Depois disso, a vida de Renato mudou. Foi chamado para entrevistas, programas de TV e até a oportunidade de conhecer oito países, sendo um dos destaques da comitiva brasileira no encerramento das Olimpíadas de Londres e segurar a Tocha Olímpica14. E o segundo exemplo é muitobem representado em uma tirinha, de Leandro Assis e Triscila Oliveira, onde conseguiram expor um acontecimento parecido com o que Roberto Da Matta conta no primeiro parágrafo acima: Figura 11: Leandro Assis e Triscila Oliveira - Os Santos, uma tira de ódio. 14 Disponível em: https://ultimosegundo.ig.com.br/colunas/afro-igualdade/2018-02-09/renato- sorriso.html, último acesso em 02/05/2020. https://ultimosegundo.ig.com.br/colunas/afro-igualdade/2018-02-09/renato-sorriso.html https://ultimosegundo.ig.com.br/colunas/afro-igualdade/2018-02-09/renato-sorriso.html 28 Fonte: Instagram: Leandro Assis 15 15 Disponível em: https://www.instagram.com/leandro_assis_ilustra, último acesso em 02/05/2020. https://www.instagram.com/leandro_assis_ilustra 29 Diante disso é importante reforçar que tal inversão não é uma forma de acabar com a desigualdade e hierarquia, é apenas uma experiência controlada, uma recombinação passageira para a manutenção do sistema comum de opressão de classes. 30 3.2 A sobrevivência das escolas de samba Essa integração entre as classes aumentou na década de 1950 e foi importante para as escolas de samba, pois passaram a ser vistas de outra maneira. Tendo em vista que embora essa invasão da classe média tenha diminuído a pureza da tradição e autenticidade das agremiações, também trouxe um reconhecimento das escolas de samba perante a sociedade como uma manifestação importante culturalmente para o país (FERREIRA, 2004 in TURETA; ARAÚJO, 2013). Além disso, foi na década de 1960 que aconteceu, de fato, o início da comercialização do desfile nas transmissões feitas pelas emissoras de televisão. A mercantilização do espetáculo e a incorporação de pessoas da classe artística e política tornaram-se também uma forma de sobrevivência do espetáculo, uma vez que os cariocas já haviam assistido à extinção de diferentes manifestações carnavalescas na cidade por falta de apoio financeiro. (MATOS E GUIMARÃES, 2006, p. 289). Com isso, as escolas de samba passam a ter uma legitimidade maior na mídia e na sociedade, crescendo mais e mais a cada ano e criando fontes alternativas de renda para conseguirem se manter durante o ano. Então, passam a ser mais comuns outras formas de arrecadar dinheiro como, por exemplo: ● Venda de ingressos e produtos: Inclui tanto a venda de ingressos e produtos nos dias dos desfiles quanto em dias comuns, incluindo as fantasias e produto com as marcas das agremiações. Como uma das peças principais para o desfile são as fantasias, seus preços variam de R$ 700 até R$300016 e mostra que são uma parte importante da receita da escola. Tendo em vista que em 2014 o Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE) fez um relatório que mostrou que a receita com venda de fantasias variou entre R$ 500 mil e R$ 1 milhão, de acordo com a quantidade de alas comerciais da agremiação (CGEE, 2014). ● Realização de eventos na quadra: As agremiações optam por fazer eventos pagos, relacionados ou não com o desfile, nas suas quadras para arrecadarem dinheiro e divulgar a escola. Muitos dos eventos são para uma 16 Disponível em: https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/carnaval/2019/noticia/2019/01/24/fantasias-para- desfilar-no-carnaval-do-rio-chegam-a-custar-r-3-mil-saiba-como-comprar.ghtml, último acesso em 04/05/2020. https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/carnaval/2019/noticia/2019/01/24/fantasias-para-desfilar-no-carnaval-do-rio-chegam-a-custar-r-3-mil-saiba-como-comprar.ghtml https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/carnaval/2019/noticia/2019/01/24/fantasias-para-desfilar-no-carnaval-do-rio-chegam-a-custar-r-3-mil-saiba-como-comprar.ghtml 31 integração maior com a comunidade onde a escola está localizada, desta forma é comum ver: feijoadas, shows ou eventos sem relação direta com a escola de samba, em casos que a agremiação optou por alugar a quadra. Segundo CGEE (2014), é possível arrecadar entre R$ 1 milhão e R$ 2 milhões com esses eventos nas quadras. Em uma pesquisa feita por Larissa de Souza Pereira (2018) com 11 agentes que atuam no carnaval carioca é possível enxergar que o principal potencial econômico das escolas de samba ao longo do ano citado entre os entrevistados foi a realização desses eventos nas quadras ou correlacionados com as agremiações (Gráfico 1). Nesta mesma pesquisa foram apontados diversos problemas da estrutura de financiamento do carnaval carioca contemporâneo (Gráfico 2) e é possível observar que essa estrutura não seria a ideal, tendo em vista que a maior parte das receitas obtidas pelo carnaval não é revertida para a viabilização da festa. Causando uma dependência dos entes carnavalescos com as subvenções públicas e até mesmo, em alguns casos, recorrendo ao patrocínio dos bicheiros, indivíduos que registram e recebem as apostas do jogo do bicho, também são conhecidos como banqueiros do jogo do bicho (PEREIRA, 2018). Gráfico 1: Meios de se explorar o potencial econômico do carnaval ao longo do ano. 32 Gráfico 2: Problemas na estrutura de financiamento do carnaval carioca. Fonte: Preservação e Inovação no Carnaval Carioca: Uma análise econômica dos mecanismos promoção, apropriação e financiamento 17 Desta forma, os bicheiros encontraram no carnaval uma maneira de manter sua influência pelo estado do Rio de Janeiro. Essa parceria passou a ter uma grande importância para a organização dos desfiles carnavalescos da cidade por conta das redes formadas. Foi na década de 1970 que um grupo de banqueiros repartiu o território do Rio de Janeiro em áreas de influência, estabelecendo o que ficou conhecido popularmente como a "cúpula do jogo do bicho" (JUPIARA; OTAVIO, 2015). Dessa forma, expandem seus tentáculos não só para territórios locais, mas também para as organizações ali localizadas: Castor de Andrade, por exemplo, assume as finanças do clube de futebol Bangu e da escola de samba Mocidade Independente de Padre Miguel; Anísio Abraão David torna-se figura conhecida no município de Nilópolis, Luizinho Drumond, na Imperatriz Leopoldinense, entre outros. Mesmo com uma experiência anterior de Natal no GRES Portela, é na década de 1970 que o jogo do bicho alcança um grau amplo de expansão nas escolas de samba, financiando desfiles cada vez mais custosos e luxuosos. (NATAL, 2018, p. 4). 17 Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/327944174_Preservacao_e_Inovacao_no_Carnaval_Carioca_U ma_analise_economica_dos_mecanismos_promocao_apropriacao_e_financiamento, último acesso em 04/05/2020. https://www.researchgate.net/publication/327944174_Preservacao_e_Inovacao_no_Carnaval_Carioca_Uma_analise_economica_dos_mecanismos_promocao_apropriacao_e_financiamento https://www.researchgate.net/publication/327944174_Preservacao_e_Inovacao_no_Carnaval_Carioca_Uma_analise_economica_dos_mecanismos_promocao_apropriacao_e_financiamento 33 Com o tempo pôde se perceber esse investimento dos bicheiros nas escolas de samba fazendo efeito, essas escolas passaram a fazer ainda mais sucesso e ter mais condição para vencer o concurso. Segundo Fernando Horta, presidente da Unidos da Tijuca, em entrevista para o jornal O Globo em 2012, o auxílio dos patronos foi fundamental para o carnaval ser o que é hoje: A gente não pode fugir de uma verdade: se não fossem esses patronos, o carnaval não teria chegado ao que chegou. Eles foram uma peça fundamental. Logicamente que tudo tem a sua época. Antigamente as escolas não tinham nada e hoje têm. De 2000 para cá, começou a haver uma receita que não existia. Começou a haver um reconhecimento do nosso trabalho. Os ingressos começaram a ter outro valor. As empresas começaram a ver o samba de outra maneira. As grandes empresas estão investindo no carnaval. 18 A Liga Independente das Escolas de Samba (LIESA) foi fundadaem 1984 com o apoio dos bicheiros, que atuavam como patronos das escolas, e Castor de Andrade foi eleito presidente em um mandato provisório de 10 meses 19. Legitimando a participação da cúpula do jogo do bicho nas regras dos desfiles e com negociações com o Estado de forma legal. Desta maneira, a relação dos bicheiros com os sambistas passou a ser uma troca de favores. Enquanto proporcionavam condições financeiras suficientes para as escolas e seus membros desfilarem, recebiam em troca os sentimentos de reciprocidade, gratidão e a defesa da sua imagem pública por parte dos membros das agremiações (NATAL, 2018). “Apesar da prisão, o jogo do bicho e as máquinas de caça-níquel não pararam. O jogo prosseguiria, administrado de dentro da cadeia pelos condenados, ou do lado de fora, por seus subordinados e herdeiros. A estrutura da contravenção era organizada, com uma hierarquia definida, uma linha de comando que a mantinha ativa mesmo que os cabeças estivessem atrás das grades.” (JUPIARA; OTAVIO, 2015, p. 166). A cúpula do bicho foi presa em 21 de maio de 1993 (JUPIARA; OTAVIO, 2015) e as escolas de samba vêm buscando novas alternativas para manter a estabilidade financeira como, por exemplo, patrocínios, apoio de entidades privadas e por aí vai. 18 Disponível em: https://oglobo.globo.com/rio/carnaval/nem-unidos-da-tijuca-esta-livre-da-influencia- do-bicho-4053876, último acesso em 06/05/2020. 19 Disponível em: http://liesa.globo.com/a-liesa/fundacao.html, último acesso em 04/05/2020. https://oglobo.globo.com/rio/carnaval/nem-unidos-da-tijuca-esta-livre-da-influencia-do-bicho-4053876 https://oglobo.globo.com/rio/carnaval/nem-unidos-da-tijuca-esta-livre-da-influencia-do-bicho-4053876 http://liesa.globo.com/a-liesa/fundacao.html 34 Figura 12: O Globo, 16 de fevereiro de 1994. Fonte: Acervo O Globo 20 Porém, essa busca por uma outra fonte de renda não significa a perda de prestígio dos patronos bicheiros e nem o poder da influência deles para com os membros da escola. Afinal, muitas famílias ainda se mantêm no poder com herdeiros, mas significa um enfraquecimento financeiro para as escolas de samba. Sem ajuda financeira dos patronos, as agremiações recorreriam aos enredos patrocinados por empresas. Enquanto alguns membros se posicionavam de forma contrária a essa “parceria”, com o argumento da perda de tradição das escolas, outros eram a favor. Porém, escolas sem o patrocínio acabavam prejudicadas na disputa, tendo em vista que escolas com o patrocínio conseguiam uma ajuda financeira de até 3 milhões de reais a mais que as não patrocinadas (SOUZA, 2004). Essa prática ainda é comum e também acontece nos desfiles contemporâneos. 20 Disponível em: https://acervo.oglobo.globo.com/em-destaque/carnaval-poder-do-nacionalismo-na-era- vargas-ate-imperio-dos-bicheiros-20972662, último acesso em 04/05/2020. https://acervo.oglobo.globo.com/em-destaque/carnaval-poder-do-nacionalismo-na-era-vargas-ate-imperio-dos-bicheiros-20972662 https://acervo.oglobo.globo.com/em-destaque/carnaval-poder-do-nacionalismo-na-era-vargas-ate-imperio-dos-bicheiros-20972662 35 3.3 Espetacularização das Escolas de Samba Em 1984, ano da fundação da Liga Independente das Escolas de Samba (LIESA), aconteceu também a construção do sambódromo, um marco para o carnaval de avenida. Tanto pela forma de organização mais empresarial e profissional, trazida pela Liga, como pelo marco da relação do carnaval com a mídia, trazida pela inauguração do sambódromo, que segundo Cavalcanti, nasceu já com o objetivo de atender a mídia: A organização do espaço no sambódromo é uma hierarquia de visibilidade, os melhores lugares, que permitem a visão da evolução de toda a escola na pista são os mais caros. O televisionamento (...) foi previsto em sua arquitetura: a imagem frontal que se tem do desfile é única. (CAVALCANTI 2008, p.57 apud SOUZA, 2004, p.4). Isso é um grande passo que marca a concepção do carnaval carioca como espetáculo (PEREIRA, 2018). Como algumas emissoras de TV possuem contrato de exclusividade para transmissão do desfile, o espectador fica à mercê do que a mídia quer apresentar como espetáculo, onde não conseguem diferenciar o que realmente faz parte do evento cultural e o que é artificial. Toda essa espetacularização dos desfiles movimenta as agremiações para que busquem inovações todo momento e se ajustem às mudanças da mídia. Desta forma, os carnavalescos, sem ter muito para onde fugir, passaram a buscar um desfile ainda mais grandioso e que saísse melhor na tela da televisão, então alguns modificaram a tonalidade das cores, profissionalizaram seus integrantes (funcionários), inseriram personalidades famosas (conhecidas pelo público espectador), que a televisão se preocupa em focalizar durante as transmissões (SOUZA, 2004). Todas essas mudanças, para alcançar um espetáculo, com a duração de um pouco mais de uma hora, ainda mais bonito para o público, passou a atrair o interesse de pessoas do mundo inteiro cada vez mais e, também, aumentar a audiência das emissoras. Com essas transformações e grandes inovações estruturais, os desfiles se tornam ainda mais caros e muitas agremiações acabam se submetendo a interesses das emissoras ou de patrocinadores chegando até mesmo a descaracterizar o estilo de carnaval das escolas, transformando os desfiles em mais um produto cultural. Ou seja, muitas empresas que financiam o desfile não estão preocupadas em manter, ou não, a essência da escola patrocinada, elas buscam apenas uma promoção em um espaço midiático (CAMPOS; JÚNIOR, 2015). 36 Um paradoxo em questão surge, pois nem sempre é possível manter os valores e a essência das escolas de samba quando elas se rendem aos financiadores, no entanto esse patrocínio a deixa mais forte e competitiva. (CAMPOS; JÚNIOR, 2015, p. 4). Desta maneira, é importante que esse produto seja luxuoso porque quanto mais luxo, mais audiência. Todo esse luxo é exposto para o espectador em um final de semana com o intuito de mostrar uma perfeição que, quando enxergamos por trás dos bastidores e ao longo do ano, não existe. Ainda que o carnaval tenha uma previsão de movimentar mais de R$ 4 bilhões na economia carioca ao longo do ano21, é possível afirmar que a maioria das escolas não recebem auxílio financeiro suficiente para manter toda a manutenção da agremiação, devido à falta de distribuição igualitária de renda, conforme visto no Gráfico 2. Sendo assim, as escolas trabalham ao longo de todo ano buscando diferentes formas para obter recursos e financiamento, por vezes via a contravenção, para conseguir alcançar o que é necessário para a produção do grande espetáculo televisivo, que só recebe atenção da mídia em uma pequena parte do ano, e conseguir se manter na disputa, mesmo que para isso seja necessário renunciar a algumas tradições. 21 Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2020-02/escolas-de-samba-movimentam- economia-durante-todo-ano-no-rio, último acesso em 06/05/2020. https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2020-02/escolas-de-samba-movimentam-economia-durante-todo-ano-no-rio https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2020-02/escolas-de-samba-movimentam-economia-durante-todo-ano-no-rio 37 4. A REALIDADE DAS ESCOLAS DE SAMBA Por meio do Google Trends, uma ferramenta do próprio Google que mostra os mais populares termos buscados em um determinado momento, é possível perceber que há um padrão quando o assunto pesquisado é carnaval: Quanto mais próximo da data da festa, mais pesquisas acontecem. Ao verificar o termo de pesquisa “Carnaval 2020”, filtrando pela localidade do estado do Rio de Janeiro com a data de 01 de Junho de 2019 até 09 de Março de 2020 é possível verificar que ao longo da segunda metade do ano de 2019 há pouca busca pelo termo ea incidência aumenta conforme chega mais próximo do mês da festa, que no caso do ano de 2020 foi em Fevereiro. No mês em que o carnaval acontece há o maior índice de popularidade e logo depois a popularidade volta a cair. Gráfico 3: Índice de popularidade na pesquisa do termo “Carnaval 2020”, no estado do Rio de Janeiro. Fonte: Google Trends 22 22 Disponível em: https://trends.google.com.br/trends/explore?q=carnaval%202020&geo=BR- RJ&date=2019-06-01%202020-03-09#TIMESERIES, último acesso em 26/05/2020. https://trends.google.com.br/trends/explore?q=carnaval%202020&geo=BR-RJ&date=2019-06-01%202020-03-09#TIMESERIES https://trends.google.com.br/trends/explore?q=carnaval%202020&geo=BR-RJ&date=2019-06-01%202020-03-09#TIMESERIES 38 Com isso fica claro que há, naturalmente, um aumento significativo no interesse pela festa conforme vai ficando cada vez mais próximo da data e, como consequência, a aparição do tema carnaval nas mídias de notícias segue o mesmo padrão. Esse interesse pode estar associado ao início dos eventos de ensaio das escolas que costumam acontecer partir de novembro, que é quando se nota um aumento de popularidade no Gráfico 3. Por exemplo, a Estação Primeira de Mangueira no ano de 2019 produziu, em média, um a dois eventos por mês, de março a setembro. A partir do mês de outubro a escola fez, em média, seis eventos por mês até o mês de fevereiro de 2020.23 Ainda assim, a imprensa é uma fiel aliada das escolas de samba, assim como era das grandes sociedades carnavalescas. É por conta da grande mídia televisiva que muitas escolas de samba garantem uma renda para o desfile por conta dos direitos de transmissão e, consequentemente, possível exposição de marcas e patrocínio. Segundo Jorge Castanheira, presidente da LIESA, esse investimento que as escolas de samba recebem pelo direito de transmissão “tem sido fundamental para manter viva uma das maiores expressões da cultura brasileira. [...] É com este investimento dos direitos de transmissão que as Escolas de Samba começam a estruturar todo o seu desfile”.24 Com isso, foi feita a escolha das três escolas de sambas do estado do Rio de Janeiro: Mocidade Independente de Padre Miguel, Estação Primeiro de Mangueira e Unidos do Porto da Pedra para estudar as visões sob as formas alternativas das agremiações se manterem. O objetivo é de compreender, dentro das experiências de cada uma, como se dá esse processo. A pesquisa foi baseada nas diferentes vivências que cada uma dessas escolas já teve em suas formas para obter financiamento, levando em conta também a localização descentralizada das três selecionadas (Zona Oeste, Zona Norte e Região Metropolitana), bem como seus posicionamentos políticos sobre a organização do carnaval e desenvolvimento de cada uma na competição. O Grêmio Recreativo Escola de Samba (G.R.E.S.) Mocidade Independente de Padre Miguel é localizado na Zona Oeste do Rio de Janeiro, no bairro de Padre Miguel e 23 Disponível em: https://www.facebook.com/pg/GRESEPMangueira/events/?ref=page_internal, último acesso em 04/06/2020. 24 Disponível em: https://imprensa.globo.com/programas/carnaval-2020/textos/globo-investe-no- carnaval-do-rio-de-janeiro-e-renova-compra-de-direitos-para-a-transmissao-dos-desfiles-das-escolas-de- samba-do-grupo-especial/, último acesso em 26/05/2020. https://www.facebook.com/pg/GRESEPMangueira/events/?ref=page_internal https://imprensa.globo.com/programas/carnaval-2020/textos/globo-investe-no-carnaval-do-rio-de-janeiro-e-renova-compra-de-direitos-para-a-transmissao-dos-desfiles-das-escolas-de-samba-do-grupo-especial/ https://imprensa.globo.com/programas/carnaval-2020/textos/globo-investe-no-carnaval-do-rio-de-janeiro-e-renova-compra-de-direitos-para-a-transmissao-dos-desfiles-das-escolas-de-samba-do-grupo-especial/ https://imprensa.globo.com/programas/carnaval-2020/textos/globo-investe-no-carnaval-do-rio-de-janeiro-e-renova-compra-de-direitos-para-a-transmissao-dos-desfiles-das-escolas-de-samba-do-grupo-especial/ 39 possui uma forte relação com a favela de Vila Vintém, homenageada no samba “Vira, virou” de 1990. A Mocidade, como também é conhecida, se destaca na temática da pesquisa porque é a quinta escola com mais pontuação no ranking da LIESA25 e foi uma das escolas que teve como patrono o Castor de Andrade, bicheiro que fez parte da cúpula do bicho. Além disso, em 2013, a escola teve enredo patrocinado pelo festival de música Rock In Rio, que não resultou em uma boa posição na competição daquele ano.26 O Grêmio Recreativo Escola de Samba (G.R.E.S.) Unidos do Porto da Pedra leva o nome do bairro onde nasceu (Porto da Pedra), localizado em São Gonçalo, na Região Metropolitana do Rio de Janeiro. Foi escolhido, assim como a Mocidade, porque teve um desempenho ruim com um enredo patrocinado. Em 2012, a escola desfilou com patrocínio da Danone e teve uma colocação ruim na classificação final dos desfiles27, que a levou para o Grupo de Acesso, o grupo das divisões inferiores do concurso das escolas de samba, onde está desde então. Porém, ao contrário da Mocidade, a Porto da Pedra, como também é conhecida, enfrenta os desafios de ser uma escola do Grupo de Acesso, que recebe pouco ou nada de visibilidade pela mídia. Por fim, a escolha do Grêmio Recreativo Escola de Samba (G.R.E.S.) Estação Primeira de Mangueira se dá pela sua localização na favela da Mangueira, próximo ao bairro Maracanã no Rio de Janeiro, e suas vinte conquistas na competição ao longo de seus 92 anos. Entendendo que além das diversas contribuições para o carnaval, a escola também contribui ativamente na sua comunidade, criando diversos projetos sociais de grande impacto. Além disso, o posicionamento do seu atual presidente, Elias Riche, referente ao financiamento do carnaval carioca também foi avaliado para a escolha da escola. Tendo em vista que o presidente acredita que as escolas não podem esperar o dinheiro da prefeitura, por ser um dinheiro incerto e garantiu que, para ele, se o enredo for cultural e fizer sentido para o que a agremiação acredita não haver problema em ser patrocinado.28 25 Disponível em: https://liesa.globo.com/downloads/carnaval/ranking-geral.pdf, último acesso em 26/05/2020. 26 Disponível em: https://oglobo.globo.com/rio/carnaval/dez-das-doze-escolas-do-grupo-especial- desfilarao-com-enredos-patrocinados-em-2013-6963875, último acesso em 21/05/2020. 27 Disponível em: https://exame.abril.com.br/marketing/os-sucessos-e-fracassos-dos-sambas-enredos- patrocinados/, último acesso em 21/05/2020. 28 Disponível em: https://noticias.uol.com.br/carnaval/2019/colunas/anderson-baltar/2019/05/10/novo- presidente-da-mangueira-nao-abro-mao-de-um-enredo-cultural.htm, último acesso em 21/05/2020. https://liesa.globo.com/downloads/carnaval/ranking-geral.pdf https://oglobo.globo.com/rio/carnaval/dez-das-doze-escolas-do-grupo-especial-desfilarao-com-enredos-patrocinados-em-2013-6963875 https://oglobo.globo.com/rio/carnaval/dez-das-doze-escolas-do-grupo-especial-desfilarao-com-enredos-patrocinados-em-2013-6963875 https://exame.abril.com.br/marketing/os-sucessos-e-fracassos-dos-sambas-enredos-patrocinados/ https://exame.abril.com.br/marketing/os-sucessos-e-fracassos-dos-sambas-enredos-patrocinados/ https://noticias.uol.com.br/carnaval/2019/colunas/anderson-baltar/2019/05/10/novo-presidente-da-mangueira-nao-abro-mao-de-um-enredo-cultural.htm https://noticias.uol.com.br/carnaval/2019/colunas/anderson-baltar/2019/05/10/novo-presidente-da-mangueira-nao-abro-mao-de-um-enredo-cultural.htm 40 Com isso, busca-se entender nesta pesquisa como os integrantes ativos nas atividades das escolas de samba enxergam a participação da mídia, as possíveis consequências dos enredos patrocinados e os desafios particulares que suas agremiações enfrentam. 4.1 G.R.E.S. Mocidade Independente de Padre Miguel A Mocidade Independente de Padre Miguel possui 64 anos de jornada,na qual conquistou seis títulos de campeã na competição das escolas de samba. A agremiação teve como origem um time de futebol de Padre Miguel, o Independente Futebol Clube, que depois das partidas seus jogadores, e também excelentes percussionistas, formavam uma roda de samba que, segundo a página da rede social Facebook da escola de samba, “acabavam se transformando em um verdadeiro bloco carnavalesco. [...] E sob as bênçãos de uma estrela, encarnando as cores verde e branco do uniforme esportivo, nasceu a Escola de Samba Mocidade do Independente.”. 29 Em sua estreia em 1959, já desfilando com as grandes escolas, inovou ao criar a famosa “Paradinha” da bateria. Tem muitas versões sobre como aconteceu seu surgimento, mas a escolhida para ser contada na página oficial da escola no Facebook é a que o mestre André escorregou e os ritmistas pararam de tocar. Logo depois o mestre levantou, apontou para o repique, que entrou no tempo, e os instrumentos voltaram a tocar. Dando a impressão de que a “Paradinha” tinha sido combinada. Assim, teve início a fama de uma bateria nota 10.30 Mesmo com dificuldades financeiras, a Mocidade nunca foi rebaixada para o Grupo de Acesso e manteve a sua posição de destaque entre as cincos com mais conquistas do Grupo Especial de acordo com a LIESA31. Para a análise da escola de samba Mocidade foi realizada entrevista sobre o tema com Rodrigo Coutinho, assessor de imprensa, e Guilherme Goulart, membro da bateria 29 Disponível em: https://www.facebook.com/pg/MocidadeOficial/about/?ref=page_internal, último acesso em 27/05/2020. 30 Idem. 31 Disponível em: https://liesa.globo.com/downloads/carnaval/ranking-geral.pdf, último acesso em 26/05/2020. https://www.facebook.com/pg/MocidadeOficial/about/?ref=page_internal https://liesa.globo.com/downloads/carnaval/ranking-geral.pdf 41 da escola. As entrevistas foram feitas a partir do aplicativo de troca de mensagens, WhatsApp, no dia 13 e 18 de maio de 2020, a partir de áudios e mensagens de texto. O amor e lealdade dos membros e torcedores, mesmo quando passava por momentos difíceis, somado a todos os profissionais que contribuíram com a escola é, para Rodrigo Coutinho, a principal razão para a entrada da Mocidade na história do carnaval de avenida. Pontua como exemplo os nomes de Fernando Pinto, carnavalesco da escola desde 1983 até 1988; Castor de Andrade, patrono da escola até 1997 (o ano da sua morte); Arlindo Rodrigues, carnavalesco da escola desde 1974 até 1976 e entre outros importantes na história da mocidade. A menção ao Castor de Andrade pelo assessor mostra que o prestígio pelos patronos bicheiros continua mesmo sem a cúpula do jogo do bicho (Rever página 33). Não se sabe ao certo como se deu a chegada de Castor de Andrade, um dos bicheiros mais poderosos do Rio de Janeiro, à Mocidade. Algumas histórias contam sobre um convite do ex-presidente, Olímpio Correia, outras contam que foi por meio de Ivanoy Ferreira e seu salão de cabeleireiro que recebia a Vilma, mulher do bicheiro. Nesse caso, realmente importa é que a Mocidade foi vista por Castor como mais uma maneira de aumentar a influência no território que ele possuía bancas de bicho e aumentar seu reconhecimento para além do jogo (JUPIARA; OTAVIO, 2015). Ainda assim, o bicheiro contribuiu muito para o crescimento e transformação da Mocidade, para Rodrigo, foi ele o grande responsável por mudar a Mocidade de patamar: Mocidade era uma escola pequena até a década de 1970, que foi quando ele chegou na escola em 74/73 [...]. Todo investimento alto que foi feito na Mocidade, tudo aquilo que a mocidade conseguiu alcançar [...] ele capitaneou tudo, ele que investiu na escola. Os componentes da Mocidade reconhecem isso pelo que ele fez com as pessoas da região. Quem mora em Padre Miguel, Realengo e Bangu sabe o que ele fez pelo bairro, às vezes fez até o papel que o governo público não faz nas regiões mais periféricas da cidade. (COUTINHO, 2020) A escolha de um castor para ser a mascote da escola de samba foi citada pelos dois integrantes entrevistados como uma forma de deixar visível e evidente a importância que o contraventor teve para escola e sua influência: 42 Figura 13: Foto da página oficinal do Facebook da Mocidade Independente de Padre Miguel. Fonte: Facebook - Mocidade Independente de Padre Miguel 32 Castor de Andrade morreu em 1997 e, durante a sua presença como patrono, a Mocidade Independente de Padre Miguel recebeu quatro dos seus seis títulos de campeã. Guilherme Goulart enfatiza que a figura do ex-patrono na região não mudou e continua sendo muito amada pelos torcedores e moradores da comunidade e, além disso, reforça que sua morte impactou diretamente nos desfiles: Depois da morte do castor a mocidade passou por anos muito ruins financeiramente que deram a ela posições de quase rebaixamento nos desfiles. Depois com a volta do sobrinho do castor (Rogério Andrade) a presidência da mocidade em 2014, a escola voltou a ter bons resultados e inclusive ganhar um título em 2017. (GOULART, 2020) 32 Disponível em: https://www.facebook.com/MocidadeOficial/, último acesso em 21/05/2020. https://www.facebook.com/MocidadeOficial/ 43 Figura 14: O Globo, 12 de Abril de 1997 (um dia depois da morte do Castor de Andrade). Fonte: Acervo O Globo. 33 Desta maneira, a principal fonte de renda da escola passou a ser o aporte público, segundo o assessor, embora essa forma de financiamento venha sendo cada vez mais difícil de conseguir. Nos últimos anos a gente teve um problema com a prefeitura do rio, ela não reconhece a importância das escolas de samba. Vetou o apoio. Mas a dois anos o governo do estado vem correndo atrás de um patrocínio de empresa privada para aportar para escolas. Em 2019, o patrocínio foi da Light de 1 milhão de reais e em 2020 foi da Refit, refinaria, de 1 milhão e meio. (COUTINHO, 2020.) As escolas também contam com o valor dos ingressos que, para Rodrigo, não é muito significativo; como também os recursos financeiros referentes aos direitos de arena, que são pagos pela execução do samba-enredo, e ao valor do direito de transmissão que é dado pela Rede Globo. Quando questionado sobre a relação da emissora de TV e a divulgação das escolas, Rodrigo acredita que a Rede Globo faz o suficiente: 33 Disponível em: https://acervo.oglobo.globo.com/busca/?busca=castor+de+andradehttps://acervo.oglobo.globo.com/busca/ ?busca=castor+de+andrade, último acesso em 28/05/2020. https://acervo.oglobo.globo.com/busca/?busca=castor+de+andradehttps://acervo.oglobo.globo.com/busca/?busca=castor+de+andrade https://acervo.oglobo.globo.com/busca/?busca=castor+de+andradehttps://acervo.oglobo.globo.com/busca/?busca=castor+de+andrade 44 Ela começa a falar de carnaval em setembro, no finalzinho de setembro. Quando começa o núcleo de carnaval dela funcionar e aí começa a fazer matérias sobre o enredo e final de samba, dá um espaço bem legal na agenda do final de semana e, quase sempre, colocam os eventos da escola lá. (COUTINHO, 2020.) Sendo assim, para o assessor, os grandes sites e as outras emissoras de TV não se interessam em dar espaço para o carnaval. No caso das emissoras, para Rodrigo, é ainda pior, pois elas só se interessam por pautas com temas policiais: Se eu tentar vender uma pauta de alguém da Mocidade que venceu um problema depressivo, ou que arrumou emprego, ou aprendeu algum ofício e ganha a vida assim as [emissoras de] TV’s não vendem. Mas quando morre alguém, é assassinado, e era integrante da escola de samba, ou as vezes não tem nada a ver com a escola de samba, aí se interessam na hora para procurar informação. Isso é uma coisa que realmente é chato porque percebe-se ali um claro preconceito e um interesse muito voltado pra parte dramática da situação. (COUTINHO, 2020.)A Mocidade Independente de Padre Miguel tem um patrocínio cultural, que acontece independente de enredo, com a empresa Azeite Royal, cujo proprietário é amigo pessoal do presidente da escola e vem sendo investigado pelo Ministério Público Federal por fraude e associação criminosa34. Os eventos que a escola faz na quadra também são uma grande fonte de renda, devido a movimentação no bar e também a venda de produtos. Nesses eventos buscam fazer parcerias para evitar mais custos, por exemplo: Parceria com supermercado Guanabara para ganharem os mantimentos para uma feijoada em contrapartida divulgam o supermercado no evento. Desta forma, a Mocidade tem sua agenda de eventos de 2020 impactada diretamente com a pandemia do novo Coronavírus (COVID-19), doença infecciosa descoberta em 2019 que é facilmente transmitida, necessitando o isolamento social e a adoção da quarentena para evitar aglomeração de pessoas. Todo mês acontece pelo menos um evento e a escola não tem esse lucro, sendo assim, Rodrigo Coutinho conta que durante a quarentena a escola se mantém com ajuda de amigos para poder garantir os salários dos funcionários em dia. Garantiu que tudo estava sendo pago de forma certa e até com a data antecipada. 34 Disponível em: https://oglobo.globo.com/esportes/patrocinador-dos-quatro-grandes-clubes-do-rio- acusado-de-fraude-associacao-criminosa-24189132, último acesso em 27/05/2020. https://oglobo.globo.com/esportes/patrocinador-dos-quatro-grandes-clubes-do-rio-acusado-de-fraude-associacao-criminosa-24189132 https://oglobo.globo.com/esportes/patrocinador-dos-quatro-grandes-clubes-do-rio-acusado-de-fraude-associacao-criminosa-24189132 45 Outra forma que a Mocidade Independente de Padre Miguel adotou foram os enredos patrocinados que, para o assessor, depende de uma boa vontade de quem quer patrocinar e da relevância cultural do enredo para a escola de samba. Com isso, a agremiação não abre mão de ter um desenvolvimento adequado para o enredo, acredita que o dinheiro para fazer um carnaval mais competitivo é importante tão quanto um enredo com um samba forte e que os componentes acreditem. “Você pode tá banhado de ouro, que você vai passar na avenida frio, com um samba ruim e com uma coisa que não caracteriza a escola. Tem que equilibrar.” (COUTINHO, 2020). Quando questionado sobre o enredo patrocinado pelo Rock In Rio em 2013, que resultou em uma das poucas colocações muito baixas da escola, Rodrigo afirmou que o resultado não foi ruim por conta do enredo patrocinado em si, e sim pela falta de organização da administração. O acordo em 2013 entre o Rock In Rio e a Mocidade era, na verdade, com o objetivo de o Rock In Rio tentar captar outros patrocínios para a escola e que, no fim, não conseguiu. A escola foi para avenida com um enredo que não tinha muito a ver com a história da mocidade, um samba que não era legal e aconteceu o que aconteceu. Foi uma sucessão de erros, mais administrativo do que de escolha do enredo. Só para você ter ideia, em 2008 a Mocidade também teve um enredo patrocinado e fez um bom desfile, ficou em 7° lugar, mas muita gente acha que poderia ficar no 3° ou 4°, [O enredo] O Quinto Império. Em 2014, também foi patrocinado: Pernambucópolis, governo de Pernambuco patrocinou. Mas houve desvio de verba na escola, dinheiro não foi aplicado no carnaval. O enredo patrocinado em si não vai te garantir nem um bom, nem um mau carnaval. É só um ponto de partida, a partir daquilo ali é que vai definir se a abordagem do enredo vai ser algo carnavalizável, relevante culturalmente e se vai se alinhar com a história da escola, se vai proporcionar que os compositores façam bom sambas, que os componentes se sintam empolgados para representar aquilo na avenida. E se a diretoria vai pegar o dinheiro do patrocínio e aplicar da forma devida... (COUTINHO, 2020) Ainda que a escola tenha passado por diversas dificuldades financeiras, para os dois membros da Mocidade entrevistados um dos maiores desafios é a participação cultural na comunidade. Para Guilherme, o desafio é manter o patrimônio da escola vivo e já para Rodrigo, é ser um polo cultural para uma região marginalizada da cidade, onde a escola de samba é a única opção de lazer e cultura, uma forma da comunidade se sentir representada no mundo. O principal papel da escola de samba pra mim é esse: oferecer lazer, cultura, opção da pessoa se profissionalizar de alguma forma, né? [...] Sei de muita gente que não tinha nenhuma ideia do que ia fazer da vida e a partir do momento que entrou no carnaval, a mente 46 clareou. Pra mim esse é o principal desafio da escola de samba, conseguir oferecer isso. O resto é muito mais pro público externo. [...] Todo mundo quer ganhar, a gente vai pra avenida pra ganhar. Não tem essa de entrar com pézinho mole não, a gente entra pra quebrar, mas a gente tem a noção também que carnaval é muito mais do que isso. Escola de samba é muito mais do que aquele desfile ali, não se restringe 70 minutos. É uma agenda, um ano inteiro de cultura, de lazer, de oportunidade, de convívio social[...]. (COUTINHO, 2020.) O assessor acredita que deveria existir uma secretaria voltada para o carnaval, tanto para fiscalização mais profissional da prestação de contas das escolas como também para oferecer uma estrutura melhor para o trabalho de seus funcionários. Rodrigo acrescenta que uma política pública para as escolas de samba seria um investimento que poderia resultar em uma melhoria na qualidade de vida dos moradores e com uma condição financeira melhor as escolas poderiam transformar a produção do carnaval em escolas técnicas ou projetos sociais mais estruturados para a comunidade. Assim, geraria mais emprego, mais opção de entretenimento, cultura, educação e uma possível diminuição na criminalidade (COUTINHO, 2020). 4.2 G.R.E.S. Unidos do Porto da Pedra Bem como a Mocidade, a Unidos do Porto da Pedra surgiu a partir de um clube de futebol que reunia os moradores do bairro Porto da Pedra, em São Gonçalo. Os integrantes decidiram formar um bloco de rua chamado Bloco Carnavalesco Porto da Pedra que foi oficialmente registrado no dia 8 de março de 1978, dia que é comemorado a fundação da escola. Foi apenas três anos depois que o bloco alcançou o título de escola de samba, desfilando no Grupo B de São Gonçalo. A escola optou por ficar alguns anos inativa nas competições e foi apenas em 1993, 15 anos depois de sua fundação, que recebeu um convite para participar do Grupo de Acesso do carnaval carioca. No seu primeiro desfile no Rio de Janeiro, em 1994, a escola obteve um bom resultado, o que que resultou em um vice-campeonato. E em apenas dois anos desfilando no carnaval carioca a escola conseguiu alcançar o grupo especial, no qual fez um desfile de estreia elogiado pela imprensa e, mesmo ficando na nona classificação, recebeu o Estandarte de Ouro de escola revelação (Figura 15). 47 Figura 15: O Globo, 21 de fevereiro de 1996. Fonte: Acervo O Globo 35 Porém, em 1998 a escola teve um resultado que a levou para o Grupo de Acesso novamente. Depois disso, a Porto da Pedra viveu momentos de instabilidade na sua permanência no Grupo Especial. Foi apenas em 2002 que a escola voltou a ficar estável no grupo, no qual desfilou até 2012. Em busca de entender um pouco mais a realidade vivida pela Unidos do Porto da Pedra, foram realizadas entrevistas com Miguel Sobrinho, diretor social da escola, e Oscar Bessa, um dos seus compositores. A entrevista foi realizada a partir de áudios e mensagens de texto por meio do aplicativo de troca de mensagens, WhatsApp, nos dias 15 e 25 de maio de 2020. Miguelzinho, como é popularmente conhecido, defende a importância dos enredos patrocinados para as escolas de samba, principalmente do Grupo de Acesso, ainda que um dos seus piores desfiles
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