Buscar

Antropologia da Política II

Prévia do material em texto

1 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
ANTROPOLOGIA DA POLÍTICA 
AULA 2 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Prof. Raphael Hardy Fioravanti 
 
 
2 
 
CONVERSA INICIAL 
Nesta aula estudaremos alguns conceitos fundamentais para o processo 
de pesquisa, fazendo uso das ferramentas e metodologias da Antropologia 
aplicadas à Ciência Política. 
Para tanto, precisamos observar as diferentes etapas que o pesquisador 
deverá formatar e quais podem ser as melhores formas de trabalhar os dados 
obtidos na pesquisa, entendendo que aqui trabalhamos com dados qualitativos. 
 
TEMA 1: ETNOGRAFIA 
Etnografia é o nome dado ao processo de pesquisa descritiva da cultura, 
observando os seus mais diferentes aspectos, como linguagem, características 
físicas (raças), seus hábitos, costumes, religião, organização social, política, 
entre tantos outros detalhes. É a chamada ciência das etnias, mas que não se 
restringe apenas aos povos que sejam diferentes dos nossos. 
A Etnografia também está presente junto às populações urbanas. 
Ela irá estudar e revelar os mais diferentes costumes, crenças e tradições de 
um povo; compreender como estes são transmitidos de geração em geração; 
entendendo como este processo permite dar continuidade a uma determinada 
cultura ou sistema social, bem como as suas alterações por influências 
externas ou decorrentes da própria dinâmica cultural. A Etnografia torna-se 
uma experiência de imersão na cultura do outro, para ter melhor 
entendimento de como os atores sociais percebem e interpretam a 
sua realidade. 
Essa imersão não pode ser feita de maneira irresponsável ou sem um 
método. Roberto Cardoso de Oliveira nos chama a atenção para o fato de que 
o processo de investigação da Antropologia deve se dar em três etapas. 
Na primeira, o pesquisador precisa apreender os fenômenos sociais, 
classificá-los e tematizá-los. E, para fazermos isso, entramos na segunda 
etapa, que é questioná-los, um exercício que promove a terceira etapa, que é a 
 
3 
 
reflexão sobre aquilo que está sendo estudado. Cardoso de Oliveira procura 
nos ensinar isso por meio do olhar, ouvir e escrever. 
 
 
TEMA 2: O OLHAR 
O olhar provavelmente é a primeira experiência que o pesquisador tem 
quando está no seu campo de pesquisa. Quando o pesquisador parte para a 
pesquisa empírica, o seu objeto de pesquisa já sofreu alteração, pelo próprio 
modo como é visto pelo pesquisador. 
O pesquisador é, antes de mais nada, uma pessoa, que vem de uma 
sociedade, que tem a sua própria cultura e, assim sendo, tem a sua própria 
interpretação da realidade. O pesquisador vê o mundo a partir de um conjunto 
de filtros que lhe é dado pela cultura do qual é originário. Assim, ele, você ou 
eu, invariavelmente temos a tendência de interpretar o outro a partir do que já 
conhecemos. Por isso, o objeto de pesquisa sofre alteração. A primeira reação 
daquele que está pesquisando é de tentar entender o que está vendo a partir 
de um ponto de vista já formado. Assim, o nosso olhar precisa ser disciplinado 
para analisar o outro pelo outro. Temos que olhar o nosso objeto de pesquisa 
não de forma ingênua, apenas buscando o que é exótico e o que é familiar. 
 
 
TEMA 3: O OUVIR 
O ouvir tem a sua própria significação para um cientista social, assim 
como o olhar. Ao ouvir, o pesquisador tende a querer filtrar os ruídos que lhe 
pareçam insignificantes ou que não façam sentido no arcabouço teórico com o 
qual está se trabalhando. No ouvir, por meio de entrevista, por exemplo, é que 
o pesquisador pode se deparar com informações que a mera observação não 
consegue alcançar. Quando olhamos um evento, um ritual, precisamos 
compreender o sentido ou significado do que estamos vendo. Por isso, a 
 
4 
 
obtenção de informações que podem ser fornecidas pelo campo por meio da 
oralidade é tão importante. 
Ao ouvir a explicação dos membros do grupo social estudado, podemos 
entrar um pouco mais em seu mundo (ou na sua forma de ver o mundo) e, 
assim, confrontar o seu mundo, o mundo do pesquisador, com o mundo do 
pesquisado, abrindo mão de pré-julgamentos, compreender um pouco melhor a 
cultura e sua rede de significados. A cultura a qual irá compreender melhor não 
é apenas a do pesquisado, mas será também a do pesquisador. 
 
TEMA 4: O ESCREVER 
Diferente do olhar e do ouvir, esta é a etapa do trabalho que não ocorre 
no campo de trabalho, necessariamente. Acontece quando deixamos o campo 
e entramos em um ambiente fora das influências do campo, refletimos sobre 
todas as informações apreendidas durante a pesquisa. Esse momento de 
reflexão é necessário para reestabelecermos os elos entre as teorias e os 
materiais empíricos adquiridos durante a pesquisa de campo. 
É no escrever que vemos o esforço da antropologia de tentar levar em 
consideração tudo que adquiriu nos momentos do olhar e ouvir. No campo, 
tudo deve ser observado, anotado e, se possível, vivenciado, mesmo que 
aparentemente não esteja ligado diretamente ao que se pretende estudar. 
Afinal, uma cultura é feita também da rede de relacionamentos formados pelos 
múltiplos símbolos e significados presentes nela. É o empenho de se 
compreender todas as dimensões de relacionamento, sejam econômicos, 
políticos, psicológicos, sociais e culturais que nos permitiram compreender o 
sistema complexo que organiza uma sociedade e dá sentido aos 
seus elementos. 
Talvez essa seja a maior colaboração que a antropologia pode dar à 
Ciência Política, justamente ao não fragmentar ou especializar o seu objeto de 
pesquisa, auxiliando os cientistas políticos a compreenderem o quão amplas 
são as conexões existentes entre as instituições que regulamentam o poder e o 
 
5 
 
sistema político de uma determinada sociedade. Assim, apresentando uma 
realidade de diversas possíveis, já que a interpretação de um grupo social irá 
variar para cada pesquisador. Tentarei explicar melhor isso a partir da ideia 
metodológica de se estabelecer certo “distanciamento” entre o pesquisador e o 
grupo pesquisado. 
 
TEMA 5: DESAFIOS DO COTIDIANO 
Por último é preciso trazer algumas questões práticas sobre a pesquisa 
de campo na área da política que precisamos discutir. Afinal, organizar a 
pesquisa com políticos ou durante eventos políticos traz consigo uma série de 
particularidades. Segundo Kuschnir, teríamos sete desafios principais que 
aqui reproduzo: 
1. Acesso aos candidatos; 
2. Ter a participação garantida nos eventos de campanha; 
3. Calendário e cronograma de eventos; 
4. Questões de gênero ou pessoais; 
5. Uso político da pesquisa pelos políticos; 
6. Promover tratamento cuidadoso às fontes de informações; 
7. Divulgação dos resultados da pesquisa. 
 
NA PRÁTICA 
Temos que ter ciência de que o nosso trabalho envolve pessoas e 
organizações que possuem dinâmicas próprias e ritualizadas. Nossa forma de 
atuar poderá afetar significativamente a vida de muitas pessoas e, assim 
sendo, precisamos refletir sobre as condições que os dados são obtidos, 
identificar sua forma de construção, classificar estas informações e analisá-las 
de forma responsável e ética. 
 
 
6 
 
FINALIZANDO 
Pudemos estudar nesta aula alguns movimentos fundamentais para 
organizarmos o processo de estudo da Política, fazendo uso das ferramentas e 
do processo de análise da Antropologia: o ver, o olhar e o escrever. Bem como 
entrarmos em contato com os desafios práticos da pesquisa de campo 
na Política. 
 
 
REFERÊNCIAS 
BORGES, A. M. Tempo de Brasília: etnografando lugares-eventos da política. 
Rio de Janeiro: Relume Dumará: Núcleo de Antropologia da Política/UFRJ,2003. 
GOMES, M. P. Antropologia: ciência do homem: filosofia da cultura. São 
Paulo: Contexto, 2008. 
KUSCHNIR, K. Antropologia da política. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 
2007. 
LAPLATINE, F. Aprender Antropologia. São Paulo: Brasiliense, 2006. 
MARCONI, M. de A.; PRESOTTO, Z. M. N. Antropologia: uma introdução. 6. 
ed. São Paulo: Editora Atlas, 2007. 
OLIVEIRA, R. C. de. O trabalho do antropólogo. São Paulo: Editora Unesp, 
2006.

Continue navegando

Outros materiais