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Centro Universitário Leonardo da Vinci Curso Bacharelado em Serviço Social ANGELICA DA SIVA OLIVEIRA SES 0477 TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO: A PRATICA PROFISSIONAL DO ASSISTENTE SOCIAL DIANTE DA VIOLÊNCIA INFANTIL TOMÉ AÇU/PA 2020 ANGELICA DA SIVA OLIVEIRA A PRÁTICA PROFISSIONAL DO ASSISTENTE SOCIAL DIANTE DA VIOLÊNCIA INFANTIL Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à disciplina de Projeto de TCC – do Curso de Serviço Social – do Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI, como exigência parcial para a obtenção do título de Bacharel em Serviço Social. Nome do Tutor – Edilane Silva dos Santos TOMÉ-AÇU/PA 2020 A PRÁTICA PROFISSIONAL DO ASSISTENTE SOCIAL DIANTE DA VIOLÊNCIA INFANTIL POR ANGELICA DA SIVA OLIVEIRA Trabalho de Conclusão de Curso aprovado do grau de Bacharel em Serviço Social, sendo-lhe atribuída à nota “______” (_____________________________), pela banca examinadora formada por: ___________________________________________ Presidente: Prof. EDILANE SILVA DOS SANTOS – Orientador Local ____________________________________________ Membro: JAMILLY CAROLINE LOPES PINTO– Supervisor de Campo ____________________________________________ Membro: VANESSA ABREU MENDES - Profissional da área TOMÉ-AÇU PA 17/12/2020 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO..........................................................................................................4 2 DESENVOLVIMENTO............................................................................................10 2.1 A VIOLÊNCIA CONTRA CRIANÇA....................................................................10 2.2 TIPOS DE VIOLÊNCIA INFANTIL......................................................................13 2.2.1 Violência física................................................................................................13 2.2.2 Violência sexual..............................................................................................14 2.2.3 Violência psicológica.....................................................................................17 2.2.4 NEGLIGÊNCIA.................................................................................................18 2.3 A ATUAÇÃO DO ASSISTENTE SOCIAL...........................................................19 2.4 A INFÂNCIA E AS POLÍTICAS PÚBLICAS.......................................................24 2.5 A VIOLÊNCIA INFANTIL E A ATUAÇÃO DO ASSISTENTE SOCIAL..............31 3. CONCLUSÃO........................................................................................................37 7 REFERÊNCIA........................................................................................................38 5 1 INTRODUÇÃO O presente estudo está limitado no campo da intervenção profissional do assistente social, com enfoque para atuação desse profissional junto às manifestações da violência contra crianças, a partir da incidência desse fenômeno junto à população infanto-juvenil e suas famílias. Para tanto, configurou-se como lócus da pesquisa o serviço de enfrentamento da violência contra a criança e ao adolescente, do município de Tomé açu/PA, que operacionalizam este serviço por meio da política pública municipal de Assistência Social. Através da casa lar do município de Tomé açu, desenvolveu-se o estudo no qual constituíram-se como sujeitos da pesquisa assistentes sociais que atuam neste espaço sócio ocupacional realizando intervenções em diferentes expressões da violência. O interesse acerca da intervenção profissional em situações de violência partiu da constatação da complexidade que tal demanda representa para o Serviço Social no campo das políticas públicas em um contexto adverso à efetivação dos direitos fundamentais. Outrossim, a experiência profissional, enquanto assistente social no serviço de enfrentamento da violência contra a criança e ao adolescente do Município de Tomé Açu, serviu como pano de fundo de inúmeros questionamentos a respeito de um campo tão complexo e desafiador. A participação no estágio 1 e 2 serviram para aguçar ainda mais os questionamentos já latentes a respeito do tema, provocando a necessidade de iniciar um processo de reflexão que pudesse contribuir para a produção de conhecimento sobre o assunto. Em um prévio mapeamento de produções acerca do tema Serviço Social e Violência. Silva (2008) constata um recente adensamento da discussão da questão da violência nos principais congressos e encontros de Serviço Social, endossando a presença do tema entre os assistentes sociais. Segundo o autor, a sistematização de informações sobre as 13 produções publicadas nos encontros e congressos evidenciam que os assistentes sociais possuem inserção acentuada no campo da violência, espaço que pode ser considerado como arena empírica e como ponto de partida e ponto de chegada da práxis profissional. Tal estudo aponta para a relevância do tema violência infantil para categoria, o que expressa de algum modo a preocupação da profissão quanto a diversas expressões da violência que se apresentam como demandas colocadas ao Serviço Social em diferentes espaços sócio ocupacionais. 6 O quadro social descrito fala-nos de uma violência estrutural, que tem suas causas na realidade político-econômica do país. Somente a revisão do modelo de desenvolvimento nacional, com medidas que tragam melhoria nas condições de vida da população, refletirá na atenção direta à infância. Mas, uma outra violência permeia nossos lares, a violência doméstica, também conceituada como abuso ou maltrato contra a criança. O abuso infantil está presente no mundo todo, tendo seu contorno definido pela cultura de cada país. O conceito de violência doméstica envolve uma relação interpessoal, em que a força, a intimidação ou a ameaça subjugam a criança ao autoritarismo do adulto. Esta é a violência da qual trataremos, pela sua importância estatística. Ocorre nos lares, no convívio familiar, onde tem sua ecologia predominante. Com o intuito de colaborar com a discussão, o estudo aqui apresentado propõe uma aproximação da intervenção do assistente social, conhecendo e problematizando a contribuição dessa especialização do trabalho no enfrentamento de expressões da violência, apresentadas como demanda da ação profissional. Nesta medida, procuramos responder a pergunta central da pesquisa: Qual a contribuição da intervenção do assistente social para o enfrentamento das expressões da violência que afeta a população infantil? Qual a concepção de violência norteia as ações profissionais? Qual a particularidade da atuação do assistente social no enfrentamento da violência contra a criança? Além do abuso sexual, a violência infantil abrange os maus-tratos físicos e emocionais e a negligência. O Estatuto da criança e do adolescente referi em seu artigo 5º que: “Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão punido na forma da lei qualquer atentado por ação ou omissão aos seus direitos fundamentais”. Entretanto, sabemos que há ocorrências e situações de violação grave a esses direitos. O Brasil ocupa a quarta posição no ranking da violência na América Latina, sendo as violências e os acidentes (causas externas) responsáveis pela segunda causa de mortes em geral e a primeira causa de mortes no que compreende a faixa etária de 5 a 49 anos (Minayo, 2006). Diante desse quadro alarmante, nos últimos anos vem ocorrendo um crescente reconhecimento de que os serviços de saúde têm um importante papel no enfrentamento da violência, sendo chamado a respondere participar por meio das suas diversas possibilidades de atuação. Através de um 7 olhar cada vez mais atento dos profissionais, vislumbra-se a necessidade de elaborar propostas de ação voltadas para a prevenção, a identificação e o acompanhamento do número crescente de vítimas da violência. De acordo com Sousa (2004, p. 48), os plantões sociais foram instrumentos utilizados pelos assistentes sociais pioneiros, implantados pelas entidades norte- americanas, quando perceberam a necessidade de sistematizar os atendimentos assistenciais, que foram divididos em casos imediatos e casos continuados. Casos imediatos eram aqueles em que as intervenções ocorriam em momentos de vulnerabilidade, sendo essas rápidas, enquanto os casos continuados se caracterizavam por problemas mais graves, junto aos quais era necessário um contato prolongado entre o assistente social e o usuário (Vieira, 1969, apud Sousa, 2004). Podemos aqui elucidar que, a violência praticada contra crianças e adolescentes, é tarjada por uma relação onde não há respeito, não se considera estes, enquanto sujeitos em desenvolvimento e que estes possuem direitos de cidadãos, ocorrendo um processo de coisificação da criança, tratando-o como mero objeto. Nesta relação há um processo de submissão, e poder, que o indivíduo mais velho, exerce sobre a criança e adolescente. Deixando como consequências agravamentos físicos, emocional, psicológico ao desenvolvimento infanto-juvenil. Vasconcelos (2006) critica a visão conservadora do plantão, ao passo que ressalta que os profissionais que trabalham nessa perspectiva têm como objetivo apenas a orientação, o encaminhamento com o fim em si mesmo, o apoio e o aconselhamento, com a finalidade de adaptar o indivíduo ao meio. Assim sendo, torna-se impossível trabalhar na perspectiva de emancipação dos sujeitos e na ampliação de seus direitos, mesmo porque eles não são vistos como portadores de direitos e sujeitos históricos e autônomos, mas como objetos de intervenção do Serviço Social. A partir da promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil, em 1988, temos em seu artigo 227 a informação que nenhuma criança deverá ser objeto de qualquer forma de violação, negligencia, crueldade e opressão, e enfatiza sobre a responsabilidade no processo de cuidado e educação, no qual informa que a responsabilidade é da família, do Estado e toda a sociedade, zelar e garantir para que crianças e adolescentes se desenvolvam em ambiente livre de quaisquer situações de violência. Consta informar que, após 02 (dois) anos da nova 8 constituição brasileira, no ano de 1990, é sancionada a Lei Federal nº 8069 -1990, que trata do Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, que é responsável por mudanças, em relação à visão dos direitos das crianças e dos adolescentes, em todo o território brasileiro. O ECA elenca outra abordagem tem como doutrina a proteção integral e deixam de ser menores e passam a ser crianças e adolescentes, reconhecido também por seus direitos e seu pleno desenvolvimento. No referido Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, destacamos o artigo 245 que nos informar e orienta de que todo profissional das áreas da saúde, educação e social, tomarem conhecimento ou suspeitar de uma situação de violação dos direitos humanos de crianças e adolescentes devem comunicar aos serviços, programas e órgãos competentes a área da infância e adolescência, e salienta ainda que se o profissional que não realizar o comunicado será penalizado com multa de 3 a 20 salários mínimos vigentes. De acordo com levantamentos realizados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE), cerca de 20% das crianças na atualidade no Brasil sofrem violência física, sendo que em 80% dos casos os perpetradores da violência são os próprios pais. Já a violência ou o abuso sexual é entendido como ato ou jogo sexual que ocorre nas relações homo ou heterossexuais e visa estimular ou utilizar a vítima para obter prazer sexual e práticas eróticas, pornográficas e sexuais impostas por meio de aliciamento ou de violência física. A família é, por definição, a protetora de seus membros. A violência doméstica contra a criança é causada por agentes que supostamente seriam seus protetores. Muitas são vitimadas no silêncio de seus lares, onde o agressor geralmente conta com a cumplicidade de outro(s) membro(s) da família, numa postura de não comprometimento com o agredido, por medo, insegurança ou indecisão. Não havendo intervenção externa, o ciclo da violência poderá reproduzir- se incessantemente. Assim, a conscientização de sua existência em lares socialmente insuspeitos é o único caminho para o rompimento do ciclo de violência e restabelecimento de condições dignas para o desenvolvimento e crescimento infantis. A Assistência Social, com base na Constituição Federal e na Lei Orgânica da Assistência Social, tem como uma de suas diretrizes a centralidade na família para concepção e implementação dos benefícios, serviços, programas e projetos. Neste 9 sentido, um dos objetivos desta política é assegurar que as ações no âmbito da Assistência Social mantenham a centralidade na família, e que garantam a convivência familiar e comunitária dos indivíduos. Família, segundo a Política Nacional, seria o grupo de pessoas que se acham unidas por laços consanguíneos, afetivos ou de solidariedade. O documento da PNAS (2004) relata sobre o Sistema Único de Assistência Social (SUAS) e prevê diferentes níveis de atenção: básica e especial. A proteção social básica compreende ações voltadas para a prevenção de situações de risco por meio do desenvolvimento de habilidades e aptidões, fortalecendo os vínculos familiares e comunitários. Para tanto, são oferecidos serviços e benefícios aos cidadãos, através dos CRAS (Centro de Referência de Assistência Social). Estes centros são distribuídos pelos municípios, a fim de que haja cobertura total, por território, facilitando assim o acesso e o vínculo aos atendimentos oferecidos. Destinam- se às populações de baixa renda, com vínculos familiares, sociais e comunitários fragilizados, e que vivem situações de vulnerabilidade e privações, dentre outras. A proteção social especial inclui a média e a alta complexidade. O CREAS (centro de referência especializado de assistência social) está inserido na média complexidade, que atende famílias e indivíduos que estejam com seus direitos violados, porém ainda mantendo seus vínculos familiares, mesmo que frágeis. São situações de risco pessoal e social, consequência de abandono, violência, uso abusivo de substâncias psicoativas, cumprimento de medida socioeducativa, situação de rua ou trabalho infantil, dentre outras. Por esta razão, devido à complexidade das demandas atendidas, o CREAS necessita estar articulado com o sistema de garantia de direitos, a fim de que possa haver efetividade em suas ações. De acordo com Silva e Silva (2002), o Serviço Social surge como profissão regulamentada no início do século XX, no contexto da expansão do papel do Estado no enfrentamento da questão social e de suas mais variadas expressões. Sendo assim, há uma profunda conexão entre Serviço Social e política pública no Brasil. O assistente social é o profissional que intervém na realidade social, assumindo competências e atribuições específicas. Portanto, de acordo com a política nacional, o assistente social é um dos profissionais requisitados a atuar nos casos de violência doméstica, atendendo crianças e adolescentes vítimas e as suas famílias. A partir desse atendimento, o técnico pode analisar a realidade social em que estão inseridos os usuários e nela intervir, com vistas à promoção dos direitos. Esta 10 intervenção, entretanto, deve ocorrer tendo por base o Código de Ética profissional, aprovado em 1993. Este documento fornece as diretrizes para ocorreto exercício profissional. 11 2 DESENVOLVIMENTO Nos últimos anos, a violência contra crianças tem recebido atenção especial da sociedade através de campanhas desenvolvidas pela imprensa e órgãos públicos. A preocupação de pais, educadores e autoridades em denunciar os crimes envolvendo a violência doméstica e sexual contra crianças criou a necessidade de capacitar equipes de técnicos capazes de acolher estas vítimas e obter as provas necessárias para comprovar a ocorrência destes delitos. 2.1 A VIOLÊNCIA CONTRA CRIANÇA A violência pode ser considerada como uso da força física ou do poder, real ou em ameaça, contra si próprio, contra outra pessoa, ou contra um grupo ou uma comunidade, que resulte ou tenha qualquer possibilidade de resultar em lesão, morte, dano psicológico, deficiência de desenvolvimento ou privação. Mais do que qualquer outro tipo de violência, a cometida contra a criança não se justifica, pois as condições peculiares de desenvolvimento desses cidadãos os colocam em extrema dependência de pais, familiares, cuidadores, do poder público e da sociedade. Em 2011, o Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN), registrou 39.281 atendimentos na faixa de < 1 a 19 anos idade, que representam 40% do total de 98.115 atendimentos computados pelo sistema nesse ano. O aumento no número de casos de violência infantil, segundo os dados epidemiológicos mundiais e brasileiros, mostra cada vez mais que é necessário demandar ações de controle, por meio de condutas preventivas, pelos setores sociais envolvidos, bem como profissionais de saúde, conselhos tutelares, entre outros. A problemática alcançou relevância política e visibilidade entre a sociedade, principalmente a partir da década de 1990, com a implantação do Estatuto da Criança e do Adolescente, através da Lei 8.069, que tem por finalidade: “Garantir às crianças e ao adolescente, a promoção da saúde e a prevenção de agravos, tornando obrigatória a identificação e a denúncia de violência”3. Com isso, o Estado passou a ter instrumentos legais de proteção nas situações de violência na infância e na adolescência, tornando obrigatória sua notificação até mesmo nos casos de suspeita. 12 A Organização Mundial de Saúde (OMS) classifica a violência contra a criança em quatro tipos, abuso físico, sexual, emocional ou psicológico e negligência, os quais podem resultar em danos físicos, psicológicos; prejuízo ao crescimento, desenvolvimento e maturação das crianças. A violência, no meio infantil, se traduz em um forte estressor em relação ao processo normal de crescimento e desenvolvimento, devendo ser considerado em sua totalidade, para o seu pleno reconhecimento, a fim de se poder implantar medidas eficazes para sua resolução. Sendo assim, o presente estudo tem como objetivo caracterizar, por meio das evidências científicas a violência infantil no cenário nacional. O mais frequente tipo de violência a que estão sujeitas crianças e adolescentes é aquele denominado estrutural. A vivência cotidiana do profissional de saúde está repleta de situações em que constata essa forma de violência, já que a pobreza tem alcançado índices alarmantes. Dados de 1990 (IBGE, 1992) mostram que 53,5% das crianças e adolescentes brasileiros, entre 0-17 anos, encontram-se em famílias com renda mensal de até 1/2 salário mínimo per capita. São 32 milhões de crianças e jovens vivendo em situação de pobreza e miséria, dois milhões a mais do que no início da década de 80. Essa situação de pobreza traz consigo múltiplos agravos à saúde decorrentes, em grande parte, da total ausência de suporte social direcionado a essas famílias. Não passa desapercebido, aos profissionais de saúde, que a sociedade brasileira nega a esses jovens condições dignas e suficientes para uma completa possibilidade de viver e gozar de plena saúde, já que lhes impõe: - precárias condições de habitação: apenas 45,1% da população infanto-juvenil, no ano de 1990, viviam em domicílios considerados adequados com abastecimento de água ligado à rede geral com canalização interna, e instalação sanitária ligada à rede geral ou à fossa séptica (IBGE, 1992); - situação educacional deficiente: dados para o ano de 1990 mostram que 14,4% dos jovens entre 10 e 14 anos são analfabetos e apenas 20% dos alunos matriculados na 1ª série, na década de 80, conseguiram chegar à 8ª série (IBGE, 1992); - difíceis condições de trabalho: em 1990, 7 milhões e meio de crianças e adolescentes (10-17 anos) trabalhavam em ocupações de baixa remuneração e qualificação, além de carga horária elevada, impossibilitando conciliar estudo e trabalho (IBGE, 1992). Esse cruel panorama ilustra a maneira como vivem as crianças e adolescentes vítimas da violência estrutural, característica de sociedades como a brasileira, marcadas por profundas desigualdades na distribuição da riqueza social. 13 São as chamadas crianças e adolescentes de alto risco porque têm uma imediata probabilidade de sofrer cotidiana e permanentemente a violação de seus direitos humanos mais elementares devido ao profundo processo de espoliação a que são submetidas: direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à segurança, ao lazer, entre outros. Alguns estudiosos alertam para o fato que: "toda uma nova geração de crianças e adolescentes estará condenada à marginalização socioeconômica com danos pessoais irrecuperáveis" (Mello, 1991). A influência desse perverso quadro social sobre a atuação do serviço de saúde se faz ainda mais agravada, pois os jovens que chegam para o atendimento trazem consigo não apenas as marcas da miséria, como também evidenciam associadamente outras formas de violência. O trabalhador em saúde confronta-se hoje, mais do que nunca, com a necessidade de prestar ajuda a jovens explorados e feridos no trabalho; sujeitos à prostituição; expostos a abusos sexuais, físicos e psicológicos; vítimas de sequestros, roubos, tentativas de homicídio; ou feridos mortalmente. Os dados de estudos sobre o tema revelam que são crescentes os eventos violentos ocorridos no ambiente familiar, comunitário ou institucional contra crianças e adolescentes hoje no Brasil. Diante de quadro tão intrincado, o profissional muitas vezes se sente perplexo e sem apoio para intervir frente aos casos mais complexos. Nesse sentido, é urgente a criação de políticas e ações de saúde que respondam a essas questões, e apontem caminhos para quem atua no cotidiano dos serviços. O foco na violência intrafamiliar se deve a sua magnitude e relevância, como se verá a seguir. Para viabilizar o estabelecimento de diretrizes de caráter nacional, optou-se por aprofundar o tema da violência intrafamiliar, já que: é a mais frequentemente notificada aos serviços de atenção à infância e adolescência. Das 6.056 denúncias de violência reportadas ao Programa SOS Criança da Secretaria de Estado do Menor, em São Paulo, de fevereiro de 1988 a março de 1990, 64% foram devidas à violência doméstica; a violência doméstica está frequentemente por detrás de outras formas de violência. 2.2 TIPOS DE VIOLÊNCIA INFANTIL O conceito de violência é complexo, implica vários elementos. As formas de violência são tão numerosas, que é difícil elencá-las de modo satisfatório. Diversos 14 profissionais, especialmente na mídia, manifestam-se sobre ela, oferecem alternativas de solução; todavia, a violência surge na sociedade sempre de modo novo e ninguém consegue evitá-la por completo. Nesse panorama, cabe à filosofia, de modo especial à ética, refletir sobre suas origens, a natureza e as consequências morais e materiais. 2.2.1 Violência física Corresponde ao uso de força física no relacionamento com a criança ou o adolescente por parte de seus pais ou por quem exerce de autoridade no âmbito familiar. Estarelação de força baseia-se no poder disciplinador do adulto e na desigualdade adulto-criança. A literatura é muito controvertida em termos de quais atos podem ser considerados violentos: a simples palmada no "bumbum", agressões com armas ou instrumentos e até a imposição de queimaduras, socos, pontapés, entre outros. A falta de consenso sobre atos e comportamentos considerados violentos se relaciona ao fato do tema estar amplamente permeado por 12 padrões culturais. A sociedade americana enfrenta a questão da violência física desde o século XIX, através de política de atenção e campanhas preventivas. Nos anos 60 do presente século, a medicina "redescobre" o tema, com os doutores Kempe e Silverman, que ao trazer o problema para a saúde, batizando-o com o nome "Síndrome da Criança Espancada", diagnosticada através de evidências radiológicas. Num trabalho científico, esses autores analisam: "a incidência maior desta Síndrome nas crianças com menos de 3 anos, a sua gravidade, o aparecimento de sequelas pós- hematomas sub durais, num total de 749 casos. Além de definirem os elementos clínicos e radiológicos que conduzem ao diagnóstico, insistem na discordância entre as informações ministradas pelos pais e os achados clínicos" (Guerra, 1985). Na verdade, essa Síndrome refere-se usualmente a crianças de baixa idade, que sofreram ferimentos inusitados, fraturas ósseas, queimaduras, entre outros tipos de Lesões. Geralmente essas Lesões ocorrem em épocas diversas, bem como em diferentes etapas, e sempre são inadequada ou inconsistentemente explicadas pelos pais. Em termos de classificação do problema na área da saúde, mais especificamente com relação ao Código Internacional de Doenças (CREMERJ, 15 1988) é-lhe atribuído o código E 967 que se enquadra dentro dos homicídios, sob o título síndrome da criança espancada e outras formas de maus-tratos. Entretanto, há inúmeros casos de crianças e de adolescentes que sofrem violência física e que não se enquadram nessa Síndrome. Portanto, entender esse fenômeno apenas enquanto Síndrome da Criança Espancada seria, no mínimo, reduzir a dimensão alcançada pela problemática. Isso quer dizer que já é hora de se detalhar a codificação existente para que ela se torne mais abrangente e adequada à realidade. Um tipo específico de violência física que tem sido relatado recentemente é a Síndrome de Münchausen. Segundo Santoro e Guerra (1991): "em 1977, o Dr. Roy Meadow atribuiu o nome de Síndrome de Münchausen by proxy (por procuração) aos casos em que havia a fabricação de uma história clínica ou de sintomas para uma criança, feita pelos pais, com o objetivo de conseguirem avaliações médicas desnecessárias, bem como procedimentos clínicos e hospitalizações. Várias maneiras são utilizadas pelos pais para produzirem tal Síndrome, as quais variam desde histórias falsas e casos em que estes produziram ativamente sintomas nos filhos." 2.2.2 Violência sexual Abuso sexual infantil é todo envolvimento de uma criança em uma atividade sexual na qual não compreende completamente, já que não está preparada em termos de seu desenvolvimento. Não entendendo a situação, a criança, por conseguinte, torna-se incapaz de informar seu consentimento. São também aqueles atos que violam leis ou tabus sociais em uma determinada sociedade. O abuso sexual infantil é evidenciado pela atividade entre uma criança com um adulto ou entre uma criança com outra criança ou adolescente que pela idade ou nível de desenvolvimento está em uma relação de responsabilidade, confiança ou poder com a criança abusada. É qualquer ato que pretende gratificar ou satisfazer as necessidades sexuais de outra pessoa, incluindo indução ou coerção de uma criança para engajar-se em qualquer atividade sexual ilegal. Pode incluir também práticas com caráter de exploração, como uso de crianças em prostituição, o uso de crianças em atividades e materiais pornográficos, assim como quaisquer outras práticas sexuais. 16 Para Azevedo e Guerra (1988), esta violência configura-se como: "todo ato ou jogo sexual, relação hétero ou homossexual, entre um ou mais adultos e uma criança ou adolescente, tendo por finalidade estimular sexualmente esta criança ou adolescente ou utilizá-los para obter uma estimulação sexual sobre sua pessoa ou de outra pessoa". Segundo essas autoras, nessas ocorrências - em que há sempre o prazer direto ou indireto do adulto, conseguido pela coerção ou sedução - a criança é sempre vítima e não poderá ser transformada em RÉ. O diagnóstico deve ser realizado através de uma história clínica minuciosa. O exame clínico da genitália deve ser cuidadoso, podendo evidenciar anormalidades anais e dilatação himenial. Algumas situações são fortemente suspeitas de violência sexual, mesmo com a negação por parte da criança/adolescente, como corrimentos, dor abdominal, encoprese, anel himenial alargado ou muito suspeito de sequela e dilatação himenial reflexa permanente (Santos, 1991). Alguns outros elementos podem definir mais claramente o que pode ser considerado abuso sexual contra crianças. O primeiro deles se relaciona com o controle que a pessoa que abusa, pois a mesma exerce controle sobre a vítima. Esse controle pode ser exercido de várias maneiras e algumas delas serão explicitadas a seguir. Esse poder pode se relacionar a um maior conhecimento ou inteligência da pessoa que abusa, devido ao seu desenvolvimento mais avançado que o da vítima. Além disso, quando está presente o uso de força física, ameaças ou exploração da autoridade, independente das diferenças de idade ou do nível de desenvolvimento, pode-se dizer que há uma relação de abuso. Quando todos estes elementos estão presentes, interferem na capacidade de uma criança (seja por não compreender a situação ou por ser violentada fisicamente, etc.), e quando não há capacidade de decidir sobre uma situação, neste caso uma relação sexual, pode-se afirmar que há uma situação de abuso (AMAZARRAY & KOLLER, 1999). A pedofilia é caracterizada como uma patologia sexual inserida no grupo das parafilías, que são patologias psiquiátricas caracterizadas por fantasias sexuais recorrentes e intensas com pessoas "não autorizadas", animais ou objetos. O indivíduo portador deste tipo de distúrbio experimenta fantasias intensas e excitantes e impulsos sexuais cíclicos envolvendo crianças. Além disso, o portador de pedofilia pode chegar a manter atividades de caráter sexual com crianças pré-púberes (de 17 zero aos nove anos). Para ser classificado como pedófilo, o indivíduo precisa ter pelo menos 16 anos e ter uma diferença de idade em relação à vítima de pelo menos cinco anos, critério esse estabelecido pelo Manual diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION, 1994). Pessoas podem ter fantasias sexuais envolvendo crianças ou se sentirem excitados por elas, sem, entretanto, chegar a cometer o ato de abuso propriamente dito. As características atribuídas aos pedófilos dizem respeito tanto às tendências psicológicas quanto aos comportamentos sexuais propriamente ditos entre adultos e crianças. Assim, indivíduos portadores desse transtorno podem apresentar apenas os desejos e fantasias com crianças, sem se tornarem abusadores. A respeito dos aspectos legais, há ainda uma dificuldade. O termo abuso sexual aprece em livros de medicina legal e em textos da psicologia, e em apenas um artigo do Estatuto da Criança e do Adolescente. Contudo, no Código Penal esse termo não é usado e as definições mais atuais muitas vezes não correspondem ao que está na lei. Abaixo, serão listadas algumas definições sobre o que seja cada alguns destes crimes definidos na lei: Estupro - Art. 213 - Constranger mulher à conjunção carnal, mediante violência ou grave ameaça; Atentado violento ao pudor Art. 214 - Constranger alguém, mediante violênciaou grave ameaça, a praticar ou permitir que com ele se pratique ato libidinoso diverso da conjunção carnal; Posse mediante fraude - Art. 215 - Ter conjunção carnal com mulher, mediante fraude; Atentado ao pudor mediante fraude - Art. 216 - Induzir alguém, mediante fraude, a praticar ou submeter-se à prática de ato libidinoso diverso da conjunção carnal; Corrupção de menores - Art. 218 - Corromper ou facilitar a corrupção de pessoa maior de 14 (catorze) e menor de 18 (dezoito) anos, com ela praticando ato de libidinagem, ou induzindo-a a praticá-lo ou presenciá-lo. Presunção de violência - Art. 224 - Presume-se a violência, se a vítima: a) não é maior de 14 (catorze) anos; b) é alienada ou débil mental, e o agente conhecia esta circunstância; c) não pode, por qualquer outra causa, oferecer resistência. Estes não são nem todos os crimes sexuais e nem todas as circunstâncias atenuantes ou agravantes dos crimes sexuais definidos pela lei. 2.2.3 Violência psicológica 18 Estudiosos relatam que no desenvolvimento psicológico infantil mostram que a violência psicológica acarreta ataques ao ego da criança, com sérios danos e distorções introduzidas em seu mapa psicológico sobre o mundo. Com essa perspectiva, Garbarino et al. elencaram cinco importantes comportamentos parentais tóxicos do ponto de vista psicológico infantil para auxiliar na detecção deste abuso: Rejeitar (recusar-se a reconhecer a importância da criança e a legitimidade de suas necessidades), isolar (separar a criança de experiências sociais normais impedindo-a de fazer amizades, e fazendo com que a criança acredite estar sozinha no mundo); aterrorizar (a criança é atacada verbalmente, criando um clima de medo e terror, fazendo-a acreditar que o mundo é hostil); ignorar (privar a criança de estimulação, reprimindo o desenvolvimento emocional e intelectual) e corromper (quando o adulto conduz negativamente a socialização da criança, estimula e reforça o seu engajamento em atos antissociais). Outra contribuição deste autor refere-se ao contexto cultural e social onde ocorre a violência, sendo consenso de que o reconhecimento de maus-tratos psicológicos depende substancialmente do contexto em que se está inserido. Nesta linha, o reconhecimento de maus-tratos psicológicos será efetuado quando comunicar uma mensagem cultural específica de rejeição ou prejudicar relevante processo de socialização e desenvolvimento psicológico. Provavelmente, é necessário que a conscientização da cidadania esteja bastante desenvolvida para que se possa reconhecer essas práticas como violentas. Allen et al sinalizam que a violência psicológica tem sido considerada como ponto central do abuso infantil e da negligência. Claussen et al. Afirmam que a violência psicológica pode causar mais danos no desenvolvimento infantil do que a violência física. Os possíveis efeitos na criança de conviver com violência psicológica são enumerados por vários estudiosos, tais como: incapacidade de aprender, incapacidade de construir e manter satisfatória relação interpessoal, inapropriado comportamento e sentimentos frente a circunstâncias normais, humor infeliz ou depressivo e tendência a desenvolver sintomas psicossomáticos. 2.2.4 Negligência Compreende-se por negligência o fato da família se omitir em prover as necessidades físicas e emocionais de uma criança ou adolescente. Após a criação 19 do ECA no Brasil (Brasil, 1990), aparece uma definição utilizada na proposta preliminar de prevenção e assistência à violência doméstica, em que a negligência acontece quando os pais ou cuidadores são responsáveis em "omitir em prover as necessidades físicas e emocionais de uma criança ou adolescente. Configura-se no comportamento dos pais ou responsáveis quando falham em alimentar, vestir adequadamente seus filhos, medicá-los, educá-los e evitar acidentes" (Brasil, 1993, p. 14). Guerra afirma que a negligência se configuraria: "quando os pais (ou responsáveis) falham em termos de alimentar, de vestir adequadamente seus filhos, etc., e quando tal falha não é o resultado das condições de vida além de seu controle" (2001, p. 33). Importante ressaltar a necessidade de diferenciar negligência e pobreza, na medida em que, na prática, num país com uma estrutura socioeconômica como a do nosso, as duas problemáticas muitas vezes se confundem. O padrão negligente é aquele cujos pais são fracos tanto em controlar o comportamento dos filhos quanto em atender as suas necessidades e demonstrar afeto. São pais pouco envolvidos com a criação dos filhos, não se mostrando interessados em suas atividades e sentimentos. Pais negligentes centram-se em seus próprios interesses, tornando-se indisponíveis enquanto agentes socializadores. A negligência pode se apresentar como moderada ou severa. O abandono parcial ou temporário promovido pelos adultos é uma das formas de negligência. Finalizando, é preciso entender que o fenômeno da violência intrafamiliar ultrapassa um domínio exclusivo de uma área do conhecimento. Para analisá-lo, e nele intervir, é necessária a colaboração de diferentes profissionais, assim como de diferentes disciplinas. É preciso perceber, com clareza, tanto as características gerais do fenômeno, quanto as peculiaridades de que ele se reveste em cada realidade em que ocorre, ou seja, é preciso se atentar para as múltiplas determinações do singular e do coletivo. Por outro lado, todos os que trabalham com esta problemática têm que ter um compromisso de resgatar a sua dimensão histórica e desvendar as possibilidades de mudança da realidade. Destaca-se que a negligência infantil ocorre independentemente da condição de pobreza, ela é resultado de déficits de habilidades/comportamentos parentais. E isso, explicaria, por exemplo, a ocorrência de muitas situações de negligência em famílias que não têm dificuldades econômicas. Muitas vezes a negligencia é usada 20 de forma equivocada para descrever quadros extremos de pobreza, não havendo negligência por parte dos pais, mas da sociedade e das condições adversas vividas (Martins, 2006). 2.3 A ATUAÇÃO DO ASSISTENTE SOCIAL Para entendermos o trabalho do assistente social é preciso identificar primeiro o conceito de trabalho. De acordo com o pensamento marxista, “o trabalho é a atividade fundante da liberação do homem; a liberdade não é apenas um estado ou uma condição do indivíduo, tomado subjetivamente, mas uma capacidade inseparável da atividade que a objetiva” (BARROCO, 2003, p.62). Conforme Martinelli (2000), o serviço social surgiu no Brasil em 1930, com o apoio da igreja católica, inicialmente inspirado no modelo filantrópico europeu. Nasceu através do domínio da burguesia, visando os interesses capitalistas para obter um controle da sociedade, com a intenção de servir o capital, pautado por princípios de caridade e moralidade, assegurando a efetivação na história. Diante dessa perspectiva salienta-se que o profissional assistente social trabalha dentro das relações sociais em conjunto com o capitalismo de forma contraditória. O surgimento do profissional de assistente social está para além da divisão de classes, é algo mais complexo no intuito de atender as demandas da sociedade relacionado ao pauperismo exacerbado, gerado pela exploração do homem pelo homem, sendo uma determinação histórica, colaborando para o surgimento do objeto do profissional, ou seja, as expressões da questão social, sendo assim: O objeto de trabalho, aqui considerado, é a questão social. É ela, em suas múltiplas expressões, que provoca a necessidade da ação profissional junto a criança e ao adolescente, ao idoso, [...] essas expressões da questão social são a matéria prima ou objeto do trabalho profissional (IAMAMOTO, 2015. P.62) Dentre as problemáticas existentes o assistente social utiliza de sua força de trabalho paraintervir em prol da sociedade, contribuindo com o processo de mudança social, promovendo meios e subsídios para a comunidade, através do fazer profissional. A lei de nº 8.662, 7 de junho de 1993 que regulamenta a profissão de Serviço Social, em seu artigo 1º assinala que o assistente social tem livre exercício da 21 profissão em todo território nacional. Também é explícito que, só poderão exercer a função de assistente social aqueles que possuírem diploma de graduação em Serviço Social e, o registro profissional no Conselho Regional de Serviço Social CRESS. Ainda, o Código de Ética profissional dos assistentes sociais destaca as seguintes funções: analisar, executar, elaborar, coordenar planos, programas e projetos para viabilizar os diretos da população, bem como o seu acesso às políticas públicas vigentes. Destarte, o assistente social é um profissional que tem como objeto de trabalho a questão social com suas diversas expressões, formulando e implementando propostas para seu enfrentamento, por meio das políticas sociais, públicas, empresariais, de organizações da sociedade civil e movimentos sociais” (PIANA, 2009, p. 86). De acordo com Guerra (2000), as transformações no serviço social sofridas ao longo do processo histórico foram moldando e evoluindo a profissão do assistente social, deixando de ser assistencialista, passando por uma transição e rompendo com o caráter conservador, lugar de atuação do profissional na garantia e efetivação de direitos, relacionando assim as dimensões da prática profissional, sendo elas, teórico-metodológico, ético político e técnico operativo, atendendo às demandas da realidade social. Estas dimensões são instrumentalidades da prática profissional do assistente social, considera-se que essas três dimensões estão interligadas, porém cada uma tem suas próprias características e particularidades, sendo de grande importância para a atuação profissional, entre a teoria e a prática. [...] a instrumentalidade é uma propriedade e/ou capacidade que a profissão vai adquirindo na medida em que concretiza objetivos. Ela possibilita que os profissionais objetivem sua intencionalidade em respostas profissionais. É importante por meio desta capacidade adquirida no exercício profissional, que os assistentes sociais modificam, transformam, alteram as condições objetivas e subjetivas e as relações interpessoais e sociais existentes num determinado nível da realidade social: no nível do cotidiano (GUERRA, 2000, p. 22) (a) dimensão histórico-metodológica trata de um conjunto de conhecimentos teóricos e explicações enquanto sua totalidade histórica. (b) dimensão ético-política refere-se à apreensão dos compromissos ético-políticos a luz dos valores e princípios expressos no código de ética profissional, de 1993. Dimensão esta que defende: Ampliação e consolidação da cidadania e garantia dos direitos sociais; Defesa intransigente dos direitos humanos; Posicionamento em favor da equidade e 22 justiça social; Compromisso com a qualidade dos serviços prestados à população, entre outros. (c) dimensão técnico-operativa é a dimensão que permite a apreensão das competências e habilidades através de instrumentais. A viabilização dessas ferramentas torna- se indispensável na prática profissional sendo elas: visitas, relatórios, perícias técnica, laudos, pareceres, escuta qualificada e encaminhamento para as redes de proteção. Desta forma as dimensões são apenas um guia para direcionar o profissional sobre; porque fazer, o que fazer e como fazer para poder interferir na realidade de maneira adequada, com clareza e domínio, frente às demandas emergentes e preventivas, sendo um profissional crítico, criativo, propositivo e ético, desenhando um status de competência acerca da realidade cotidiana. Segundo Pereira (2006 apud FURNESS, 1991, p. 38), a partir do momento em que o profissional intervém em casos de violência sexual contra criança no âmbito familiar, ocorre um rompimento da barreira do silêncio, e a família passa a ser vista por um olhar profissional, que realiza um trabalho protetivo a criança, respaldado dentro dos parâmetros legais e externo que influencia diretamente na intervenção. Diante da descoberta da violação, ocorre uma interligação entre o profissional e a família. Na contemporaneidade a prática profissional do assistente social diante das expressões da questão social em suas mais diversas facetas, precisa ser realizada de forma crítica, reflexiva, interventiva para que se consiga mudar a realidade em que se encontram os usuários, principalmente se os mesmos estiverem diante de um convívio familiar de violência. No ano de 1993, é aprovada a Lei Orgânica da Assistência Social – LOAS, que insere a Assistência Social como política pública, parte integrante da Seguridade Social, junto com a Saúde e a Previdência. Sendo direito do cidadão e dever do Estado garantir o atendimento às necessidades básicas, de acordo com o artigo 1º da lei 8.742 de 1993. No que tange a assistência social: A Política de Assistência Social avançou no país ao longo dos anos, nos quais foram e vêm sendo implementados mecanismos viabilizadores da construção de direitos sociais para a população usuária, a exemplo da Política Nacional de Assistência Social (PNAS/2004) e do Sistema Único de Assistência Social (SUAS) através desses instrumentos, foi estabelecido, também, um novo desenho institucional e de gestão (ALVES; CAMPOS 2012, p. 15). 23 Neste contexto o assistente social atua por meio da operacionalização de políticas públicas que afastam crianças e adolescentes das condições desumanas onde se encontram envolvidos, a fim de realizar com as vítimas um trabalho visando à socialização, mudança de vida, não só para eles, mas também para sua família, sendo o assistente social de suma importância nesse processo de garantia de direitos. Para essa efetivação o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA (BRASIL, 1990) é o instrumento legal de referência, nesse contexto, os direitos das crianças e adolescentes passam a ser garantidos pela atuação de um sistema integrado em rede, que atende e acompanha casos de violação de direitos. Este sistema é formado pelo Conselho Tutelar, por órgãos da justiça como a Promotoria de Justiça da Infância e Juventude, a Vara da Infância e da Juventude, o Ministério Público, além da rede sócio assistencial formada pelo Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS), pelos equipamentos de saúde e educação, que muitas vezes são a porta de entrada dos casos de violência doméstica, pois realizam grande parte das notificações (FERREIRA, 2013). A lei nº 12.435/2011 que dispõe sobre a organização da Assistência Social, define o Centro de Referência Especializado de Assistência Social – CREAS como sendo uma unidade pública estatal de abrangência municipal ou regional que tem como papel construir-se em lócus de referência, nos territórios, da oferta de trabalho social especializado no SUAS famílias e indivíduos em situação de risco pessoal e social, por violação de direitos. Por isso o sujeito que se encontra em situação de violência pode ser atendido no CREAS, porque há a violação de direitos. Por se tratar de criança e adolescente a situação requer mais cautela e, também acompanhamento junto à família. O trabalho do assistente social nesta política pública tem de ser articulado com a rede de proteção dos serviços socioassistenciais, realizando parcerias para que se efetive em uma atuação qualitativa com os usuários atendidos no CREAS. Ainda, no Código de Ética dentre as competências do assistente social está prestar orientação social a indivíduos, encaminhar providências no sentido de identificar os recursos existentes na garantia dos direitos. Neste sentido o assistente social, seria uma espécie de elo entre o usuário e o direito social.24 2.4 A INFÂNCIA E AS POLITICAS PUBLICAS É constante no Brasil a ocorrência de casos de violência intrafamiliar praticados contra a população infanto juvenil, e, a despeito de a legislação brasileira garantir a proteção integral desses menores, seus direitos fundamentais continuam a ser desrespeitados, ferindo sua dignidade. A Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, ao reconhecer a dignidade, a liberdade e a igualdade como inerentes a todos os membros da família, preceituou, no art. XXV, que “a infância tem direito a cuidados e assistência especiais”, sendo que “todas as crianças, nascidas dentro ou fora do matrimônio, gozarão da mesma proteção social”. Essa especial tutela conferida à criança tem como fundamento a dignidade da pessoa humana, a razão de ser dos direitos fundamentais. Segundo Ingo Wolfgang Sarlet, a dignidade da pessoa humana é a qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e corresponsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos. O princípio da dignidade da pessoa no âmbito do Direito de Família se concretiza a partir do momento em que os entes familiares colaboram para o desenvolvimento da personalidade de cada membro, evitando, assim, a prática de qualquer tipo de violência no seio do lar. É inadmissível que o governo brasileiro fique inerte diante de tamanha violação aos direitos infanto juvenis, sendo necessária a adoção de políticas públicas que, em primeiro lugar, objetivem a prevenção da violência, dando-se primazia, destarte, ao princípio da dignidade da pessoa humana. Etimologicamente, o vocábulo prevenir é de origem latina – praevenire, e significa “vir antes”, “tomar a dianteira”. No campo das políticas públicas, a prevenção não se limita às ações que têm por escopo evitar a reiteração de determinados comportamentos, abrangendo, outrossim, medidas que colaborem para que tais comportamentos sejam denunciados, e, posteriormente, a adoção de providências quanto ao 25 acompanhamento que deve ser disponibilizado às pessoas que foram prejudicadas por essas práticas, com vistas a abrandar as sequelas ocasionadas às vítimas. Victoria Lidchi explica que as políticas públicas de prevenção, inclusive no que se refere aos serviços prestados à criança e ao adolescente, podem ser aplicadas em três níveis: primário, secundário e terciário. O primário envolve esforços no sentido de impedir que a violência aconteça, sobretudo por meio de programas educacionais. A prevenção secundária destina-se às famílias nas quais é verificada a presença de fatores de risco para a prática do abuso, como alcoolismo e desemprego. Por último, o terceiro nível diz respeito às políticas que visam diminuir as consequências provocadas pelos episódios de violência, tanto em relação à criança quanto aos demais entes familiares. Para que haja políticas públicas efetivas é imprescindível que se tenha ciência do grau de incidência da violência nas famílias brasileiras; de onde existe a maior concentração do fenômeno e de quais os fatores que levam os pais e responsáveis a vitimizarem os filhos, dentre outras informações que direcionem os recursos financeiros para programas efetivos, em consonância com a realidade de cada local. Mas, para isso, o governo federal, bem como os estaduais e municipais, devem investir em pesquisas de campo, no levantamento de dados acerca da violência no Brasil, sobretudo diante da precariedade desse tipo de informação no território nacional. Ressalte-se, ainda, que é impossível proceder a um levantamento do mapa da violência contra menores no Brasil, ou mesmo implementar políticas públicas de prevenção, se não houver um envolvimento articulado em rede de todas as entidades e órgãos que trabalham na defesa dos direitos da criança e do adolescente, sejam públicos ou privados, em parceria com a sociedade civil. As redes de combate a esse tipo de violência têm um papel fundamental de transformação social, em decorrência de que, estabelecendo vínculos horizontais de complementaridade e interdependência, superam a pouco efetiva atuação individualista de determinadas instituições, permitindo a canalização dos recursos públicos e privados em programas que atendam à população de forma integral, com políticas sociais de prevenção em todos os níveis – primário, secundário e terciário Das políticas públicas de prevenção primária e secundária Os programas de prevenção primária visam reduzir a incidência da violência intrafamiliar, e isso pode ser feito por meio da conscientização da população acerca dos efeitos nocivos 26 dessa prática; do oferecimento de cursos que ensinem aos pais como educar os filhos de uma forma não violenta; da instrução às crianças e aos adolescentes sobre como se defender de abusos e a quem denunciar etc. Já a prevenção em nível secundário envolve meios de identificar as crianças e adolescentes mais vulneráveis, bem como desenvolver a habilidade de diagnosticar se um menor está sofrendo violência dentro do seu lar, procedendo aos encaminhamentos necessários. A conscientização é fundamental no combate à violência, sendo uma estratégia de cunho social, em decorrência do fato de que a legitimação do uso da força física e dos maus-tratos psicológicos, por exemplo, na educação dos filhos é um padrão cultural que exige mudança de mentalidade. No caso do abuso sexual, o tabu acerca de tal assunto impede discussões mais profundas. Para uma efetiva conscientização, a mídia é importante aliada, visto que o seu alcance é amplo e atinge todas as faixas etárias. Outra estratégia de prevenção primária é a educação da população quanto ao planejamento familiar, evitando, assim, que famílias desestruturadas tenham filhos e lhes causem risco. Além disso, é importante que a mulher grávida, independentemente de haver planejado ou não a gestação, receba um adequado acompanhamento pré e pós- natal, como assegurado no art. 8º do Estatuto da Criança e do Adolescente. Esse acompanhamento não se limita aos cuidados médicos, mas ensina à mãe acerca das necessidades do recém-nascido, de suas fases de desenvolvimento, da necessidade que este tem de carinho, afeto e compreensão etc. O desenvolvimento de estratégias de prevenção nas escolas é efetivo. Isso porque é nas salas de aula que as crianças e adolescentes passam grande parte do seu tempo. Por outro lado, a convivência dos professores com os alunos lhes dá a habilidade de verificar quando alguma criança ou adolescente estão com problemas. No entanto, a despeito dessas vantagens, são poucos os centros de ensino que trabalham com a prevenção da violência, em decorrência da falta de capacitação técnico-profissional. Para um combate eficiente da violência intrafamiliar, as políticas públicas de prevenção primária e secundária também devem voltar-se aos profissionais da saúde, sobretudo médicos e enfermeiros, que podem contribuir no diagnóstico de casos de maus-tratos, visto que têm condições de descobrir e examinar as marcas físicas deixadas pela violência. Conforme a redação do art. 245 do Estatuto da Criança e do Adolescente, o médico que deixar de notificar à autoridade competente 27 casos suspeitos ou confirmados de maus-tratos a menores pratica uma infração administrativa punida com multa. No entanto a falta de capacitação médica para diagnosticar se uma criança está ou não sendo vítima de violência. As principais dificuldades com que os profissionais da saúde sedeparam quanto à obrigatoriedade da notificação dos casos suspeitos ou confirmados de violência são a falta de preparo; o medo de terem que testemunhar em um processo judicial; a visão de que não se deve intervir na vida privada das famílias; a desconfiança quanto ao encaminhamento que será dado à criança; a falta de suporte para um diagnóstico mais aprofundado, dentre outras. Os advogados podem, igualmente, contribuir na prevenção da violência intrafamiliar, pois recebem frequentemente em seus escritórios disputas familiares que envolvem algum tipo de abuso contra menores. Contudo, o preconceito e a tendência de defender os interesses dos pais impedem que o advogado seja um aliado, prejudicando a vítima. Por isso, é essencial que esses profissionais também recebam treinamento. Ressalte-se, ainda, a atuação de organizações não governamentais comprometidas com a defesa dos direitos da infância e da adolescência, as quais podem atuar na prevenção por meio da oferta de oficinas que ensinem aos pais formas alternativas de disciplinar seus filhos, informando-os acerca dos efeitos nefastos da violência intrafamiliar, ou pela disponibilização de grupos de autoajuda para os pais, para os agressores e para as vítimas. É importante a participação social e comunitária na vida das famílias, pois tende a criar laços de proteção mútua, afastando o isolamento social. A comunidade deve fomentar e participar ativamente de movimentos a favor da não violência, proporcionando apoio financeiro e moral às entidades paraestatais que trabalham na defesa dos direitos da criança e do adolescente, além de oferecer trabalhos voluntários em prol desse objetivo. Note-se que todas as ações de prevenção da violência intrafamiliar necessitam da colaboração de profissionais das mais diversas áreas do conhecimento. A conscientização quanto aos efeitos nefastos dos maus- tratos perpetrados contra o infante, a capacitação de professores e médicos, o desenvolvimento de habilidades de autodefesa nas crianças, a oferta de cursos para o fortalecimento das relações familiares, são programas que necessitam da atuação conjunta de médicos, professores, psicólogos, enfermeiros, assistentes sociais, 28 advogados, comprometidos com a tutela integral dos menores e o respeito pela dignidade deles. Das políticas públicas de prevenção terciária Uma vez que a criança ou o adolescente tenha sofrido maus-tratos intrafamiliares, as políticas públicas devem ser voltadas para a minimização das consequências da violência. Isso implica estratégias de prevenção terciária, que envolvem, por exemplo, o atendimento psicoterápico da vítima, dos familiares e do agressor, o encaminhamento jurídico do caso e o acompanhamento social de toda a família. A complexidade do fenômeno da violência intrafamiliar e as sequelas que acarreta na vítima, na família e na sociedade, exigem uma atuação interdisciplinar, em que diversos atores rompem com o isolamento de suas áreas de conhecimento para alcançar uma meta única: tutelar a criança vitimada e, na medida do possível, colaborar para que o abuso não prejudique ainda mais o desenvolvimento de sua personalidade. Cada município deve contar com programas de atendimento sócio familiar, de iniciativa pública ou privada. O essencial é que as crianças que sofreram violência intrafamiliar recebam um acompanhamento psicológico, pedagógico, social e psiquiátrico, por meio de diferentes abordagens: psicoterapia de família, objetivando fortalecer os vínculos familiares; psicoterapia individual com a vítima, enfocando questões de identidade, sentimento de revolta, culpa, vergonha etc. As equipes da saúde da família podem exercer papel fundamental no tratamento dos danos ocasionados às vítimas de abuso sexual e de violência física, em decorrência de que podem atender crianças e adolescentes que nunca teriam condições ou coragem de procurar um hospital ou um posto de saúde. Em complementação ao atendimento psicológico e médico, não só a vítima como toda a família devem receber acompanhamento social. Isso significa verificar a frequência e o desempenho da criança ou do adolescente na escola, constatar se os pais estão empregados, se há recursos financeiros suficientes para suprir as necessidades básicas etc. Além disso, é interessante inserir o infante em atividades de esporte, lazer, cultura, profissionalização, dentre outras formas de evitar o isolamento da família e, ao mesmo tempo, aumentar a autoestima da vítima. É papel do Conselho Tutelar verificar se existem programas de atendimento e reinserção social da vítima e da família no âmbito do município. Em caso negativo, deve solicitar ao Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente que 29 envie proposta orçamentária ao Poder Executivo, a fim de que essa falta seja suprida, conforme dispõe o art. 136, inciso IX, do Estatuto da Criança e do Adolescente. Ressalte-se que as políticas públicas de prevenção terciária também devem envolver o Poder Judiciário, haja vista que esse órgão é o responsável pela adoção de medidas protetivas mais drásticas que estejam em consonância com o melhor interesse da criança vitimada. Todas as medidas adotadas pelo Poder Judiciário devem ser acompanhadas por uma equipe interdisciplinar composta por psicólogos, médicos e assistentes sociais. Esses profissionais, bem como os juízes, os promotores, os advogados e os serventuários da Justiça que atuam nessa área precisam de capacitação e treinamento, pois uma análise equivocada de qualquer caso pode comprometer a integridade psicofísica do infante, privando-o das chances de desenvolver sua personalidade de modo saudável. Os artg. 150 e 151 do Estatuto da Criança e do Adolescente estabelecem a necessidade de o Poder Judiciário destinar recursos específicos para a manutenção de uma equipe Inter profissional junto à Justiça da infância e da juventude. A função desses profissionais seria fornecer subsídios por escrito, mediante laudos, ou verbalmente, na audiência, e bem assim desenvolver trabalhos de aconselhamento, orientação, encaminhamento, dentre outros. A necessidade de haver a presença de um psicólogo que atue junto ao Poder Judiciário nos casos de violência praticada contra a criança, haja vista que tal profissional tem treinamento para abordar o menor que se sente tão vulnerável e exposto, minimizando problemas graves como a depressão infantil, que pode levar, se não tratada a tempo, ao suicídio. Com relação ao dever dos pais para com suas crianças e adolescentes, a Lei nº 8.069 estabelece, em seu Artigo 22, que incumbe aos pais o dever de sustento, guarda e educação dos filhos menores, cabendo-lhes ainda, no interesse destes, a obrigação de cumprir e fazer cumprir as determinações judiciais. O não-cumprimento injustificado dessa determinação do Estatuto caracteriza também uma forma de maus-trato infantil que pode ser punida até com a suspensão ou perda do pátrio poder, decretadas judicialmente nos termos do Artigo 24 do Estatuto. Nosso entendimento é de que é preciso enfrentar o maus-trato infantil, a partir de ações articuladas em 3 eixos: prevenção – proteção – responsabilização. Os eixos estão conectados, um viabilizando a existência do outro. A prevenção aparece como uma das maneiras de proteger crianças e adolescentes dos maus-tratos 30 praticados por seus parentes, pais ou responsáveis. Quando buscamos a responsabilização desses violadores de direitos, estimulamos e encorajamos outras pessoas a fazer o mesmo, a denunciar e a procurar a punição legal para o mesmo, com isto provemos a proteção de outras crianças e prevenimos outros casos Quando trata da política de atendimento, o Estatuto determina, no inciso III, do Artigo 87, que uma das linhas de ação desta política são serviços especiais de prevenção e atendimento médico e psicossocial às vítimas de negligência,maus- tratos, exploração, abuso, crueldade e opressão. Podemos ainda identificar uma medida de prevenção na atribuição que tem o Conselho Tutelar, prevista no inciso II, do Artigo 136, de atender e aconselhar os pais ou responsável. Se chegar até o Conselho a notícia de ameaça de maus-trato infantil, seja por desajuste familiar, seja por mera falta de recursos dos pais, que os impeçam de exercer adequadamente o pátrio poder, cabe ao Conselho Tutelar orientar esses pais e aplicar aos mesmos medidas previstas no Artigo 129, nos incisos de I a VII. Essas medidas são: I - encaminhamento a programa oficial ou comunitário de promoção à família; II – inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação e tratamento a alcoólatras e toxicômanos; III- encaminhamento a tratamento psicológico ou psiquiátrico; IV – encaminhamento a cursos ou programas de orientação; V – obrigação de matricular o filho ou pupilo e acompanhar sua frequência e aproveitamento escolar. VI – obrigação de encaminhar a criança ou adolescente a tratamento especializado; VII – advertência. Além das medidas previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente, acredita-se que para a prevenção do maus-trato infantil se faz necessário desenvolver, articuladamente, um conjunto de ações que destacamos a seguir: a) A realização de campanhas permanentes na mídia, esclarecendo sobre o tema, informando a população sobre os serviços especializados para as vítimas como também formas de prevenção do problema. b) O fomento à realização de estudos e de pesquisas, no campo acadêmico e no campo das organizações não- governamentais, que construam uma tipificação das modalidades de maus-trato infantil, própria da realidade brasileira, que levantem suas causas, avaliem os programas nacionais e locais voltados para a temática e aponte pistas para o enfrentamento dos maus-tratos. c) A formação de pessoal especializado na área do maus-trato infantil, estimulando o surgimento de agentes públicos que podem apoiar as vítimas com segurança e conhecimento. No rol dos agentes públicos, incluímos desde a equipe técnica instalada nas unidades especializadas de atendimento às 31 vítimas deste tipo de violência, como também agentes sociais comunitários, agentes comunitários de saúde, estudantes universitários e aquelas pessoas interessadas no assunto. d) A formação de um público de adolescentes, especializados na temática, em cujas comunidades possam se tornar verdadeiros agentes sociais de prevenção do maus-trato infantil. e) Os Conselhos de Direitos das Crianças e dos Adolescentes, em todas as esferas de governo, podem e devem deliberar diretrizes e políticas de atendimento que favoreçam a prevenção do maus-trato infantil, realizando o devido controle das políticas implementadas. f) O fortalecimento dos Fóruns de Defesa dos Direitos das Crianças e dos Adolescentes, importante na articulação da sociedade civil organizada para fazer o controle social das ações desenvolvidas no enfrentamento do maus-trato, cumprindo com seu papel político de pressionar o Estado na busca da priorização tanto do tema quanto do público infanto-juvenil. 2.5 A VIOLÊNCIA INFANTIL E A ATUAÇÃO DO ASSISTENTE SOCIAL O profissional de Serviço Social tem como objeto de seu trabalho a questão social, que se representa através das inúmeras expressões, sendo uma delas a violência. Portanto tais profissionais detêm do caráter interventivo e para intervir nas expressões da questão social necessitam de conhecimento teórico-metodológico, ético-político e técnico-instrumental; como traz Iamamoto: O Serviço Social na contemporaneidade teve o desafio de decifrar os novos tempos, que exigiu um profissional qualificado, não sendo apenas crítico e reflexivo, mas com suporte teórico e metodológico para embasar-se em suas críticas e diante da realidade, construir propostas de trabalhos criativos, pois da Questão Social (desigualdade, desemprego, exclusão e pobreza) estarão presentes em nosso cotidiano. Pensar o Serviço Social na contemporaneidade requer os olhos abertos para o mundo contemporâneo para decifrá-lo e participar da sua recriação (IAMAMOTO, 2012, p.19). Em qualquer espaço e em qualquer situação, é necessário que o Assistente Social conheça a realidade em que irá intervir; para assim compreender a situação vigente e buscar ações que provocarão mudanças na questão a ser trabalhada. Como refere Iamamoto: O grande desafio na atualidade é, pois, transitar da bagagem teórica acumulada ao enraizamento da profissão na realidade, atribuindo, ao mesmo tempo, uma maior atenção às estratégias e técnicas do trabalho 32 profissional, em função das particularidades dos temas que são objetos de estudo e ação do assistente social (IAMAMOTO, 2012, p.52). Guerra (1997) ressalta que toda intervenção profissional deve estar respaldada por uma teoria social: [...] trata-se de uma escolha que requer o conhecimento dos fundamentos filosóficos e epistemológicos, da vinculação dessa teoria a um projeto de sociedade e, sobretudo, do sentido que ela possui para as forças políticas mais avançadas. E ainda o fazer a que nos referimos exige que o profissional detenha o domínio do método que lhe possa servir de guia ao conhecimento, conhecimento que lhe possibilitará estabelecer estratégias e táticas de intervenção profissional (GUERRA, 1997, p. 61-2). Tal constante aproximação entre teoria e prática, pressupõe o movimento dialético de ação, reflexão, ação; ou seja, a prática reflexiva; que segundo a teoria marxista denomina-se “práxis.” O Assistente Social conduzido pelas dimensões técnico operativo, teórico metodológico e ético político é capaz de realizar uma leitura crítica da realidade; considerando assim a subjetividade sobre as questões em que atua. Azevedo e Guerra (1995) comparam a violência doméstica como um iceberg; referem à necessidade de olhar a questão além do aparente, além da ponta do iceberg problema; é preciso observar a violência no que está submerso, ou seja, em suas raízes, em todo o contexto o qual a circunda. A atuação frente a casos de violência faz necessária do Assistente Social a postura investigativa para a intervenção profissional. Conforme salienta Battini (2009) a atitude investigativa do Assistente Social, faz com que o profissional ultrapasse o aparente, sendo capaz de evidenciar o fenômeno no seu núcleo. Através da postura investigativa é possível que se conheça a dinâmica em que se deu a questão, neste caso específico, a violência. No decurso da intervenção do Assistente Social, é necessário que o mesmo levante todas as informações possíveis, através dos esclarecimentos é possível que o profissional identifique as redes de apoio (unidade de saúde, escolas, comunidades, entre outros) para auxiliar a vítima, viabilizando assim direitos a esta. Como salienta Iamamoto: [...] um dos maiores desafios que o Assistente Social vive no presente é desenvolver sua capacidade de decifrar a realidade e construir propostas de trabalho criativas e capazes de preservar e efetivar direitos, a 33 partir de demandas emergentes no cotidiano. Enfim, ser um profissional propositivo e não só executivo (IAMAMOTO, 2001, p.20) O Serviço Social atua embasado em três dimensões: ético política, teórico metodológica e técnico operativa. A dimensão ético-política permite ao profissional uma postura norteada pelo Código de Ética da profissão, colocando em prática seus onze princípios; a profissão assume um papel de orientação de luta pela viabilização dos direitos as vítimas. A dimensão teórico-metodológica dá suporte à prática profissional, a medida que proporciona ao profissional norte para produzir ações para o enfrentamento das demandas postas nesta área. Como evidencia Iamamoto (2012), “a apropriação da fundamentação teórico- metodológica é caminho necessário para a construçãode novas alternativas no exercício profissional”. A dimensão técnico-operativa instrumentaliza a intervenção do Assistente Social. Os instrumentais do Serviço Social devem estar relacionados às dimensões ético política e teórico metodológicas. Tais instrumentais no atendimento as vítimas de violência doméstica consistem em: visita domiciliar, reuniões em grupo, equipe multiprofissional, documentação, relatórios, parecer social, planejamento de programas, projetos, construção de indicadores, pesquisa, articulação em rede (LISBOA e PINHEIRO, 2005). Faz necessária a articulação entre as dimensões; na medida em que elas se complementam diante do fazer profissional. Como nos trazem Paiva e Sales (2007), o Código de Ética do Assistente Social (CFESS, 1993) em um dos seus princípios fundamentais a “defesa intransigente dos direitos humanos e recusa do arbítrio e do autoritarismo” indica o objetivo da função do Assistente Social perante a qualquer intervenção profissional. Tal princípio trazendo-o para questão da pesquisa implica no papel do Assistente Social em garantir a vítima de violência, proteção aos seus direitos, para que estes não sejam novamente violados. A atuação profissional precisa estar pautada numa dimensão multidisciplinar, com uma atuação interdisciplinar, onde cada profissional trará sua contribuição com base na sua especificidade apreendida pela sua categoria profissional. Garcia (2002) conceitua esses dois modelos, ressaltando que o trabalho em equipe vem sendo elencado como o mais propício para o atendimento. Conceituam-se: Modelo multidisciplinar, cujo principal traço é a justaposição de conteúdos de disciplinas heterogêneas, com o objetivo da integração 34 de métodos, teorias ou conhecimentos. (...) a comunicação entre os profissionais baseia-se no dialogo paralelo entre as disciplinas (GARCIA,2002:148) Modelo interdisciplinar caracteriza-se pela noção de copropriedade, de intercâmbio, podendo-se atingir o grau de incorporação dos resultados de uma especialidade por outras, com empréstimos mútuos de instrumentos e técnicas metodológicas com integração real das disciplinas (GARCIA,2002:149) Em relação à intervenção do Assistente Social, é preciso que o profissional ao conversar com a pessoa que fez a denúncia verifique como ocorre toda a dinâmica da família, seus laços e atores que compõem a sua rede social. Pereira (2009) vai justificar a importância de uma avaliação social nos casos de abuso. O objetivo desta avaliação é verificar a dinâmica social da família em questão, as redes de apoio de que dispõe, composição familiar, fatores que contribuem para o quadro de Abuso Sexual, enfim, toda a teia social da qual esta família faz parte e como isto interfere na manutenção da relação incestogênica e quais as possibilidades de mudança do quadro. (PEREIRA,2009:28) Perceber como são as relações intrafamiliares. Muitas das vezes a dinâmica pela qual a família se organiza é violenta. Outras situações já revelaram o oposto, onde famílias mal se interagem. Quando a família se configura dessa forma, às vezes, a única interação que se tem com a criança é através da atividade sexual sendo a única forma de intimidade física carinhosa que a criança tem em casa (FAHLBERG:2001). Assim, a criança ficando confusa se aquilo que está acontecendo é uma violação ou uma forma de carinho, cuidado e atenção. Todos os profissionais envolvidos com a categoria Criança e Adolescente podem fazer tal notificação. A denúncia representa: A proteção da criança e do adolescente vitimados, pois sem esse instrumento eles, já alvo constante de maus-tratos, estão compelidos a receber agressões cada vez maiores dos pais ou responsáveis que aplica o espancamento, principalmente como método disciplinador. (GARCIA, 2002). A instrumentalização da denúncia se dará através do Estudo Social, onde para Fávero (2004), citado por Mioto (2009), o estudo social tem por finalidade conhecer com profundidade e de forma crítica uma determinada situação ou expressão da Questão Social, objeto de intervenção profissional especialmente nos seus aspectos socioeconômicos e culturais, ou seja, são advindos de um processo de conhecimento, análise e interpretação de uma determinada demanda. 35 3. CONCLUSÃO Segundo Minayo, a violência contra crianças e adolescentes é todo ato ou omissão cometido pelos pais, parentes, outras pessoas e instituições capazes de causar dano físico, sexual e/ou psicológico à vítima. Implica, de um lado, uma transgressão no poder/dever de proteção do adulto e da sociedade em geral e, de outro, numa coisificação da infância. Isto é, uma negação do direito que crianças e adolescentes têm de serem tratados como sujeitos e pessoas em condições especiais de desenvolvimento. A prática de violência contra crianças e adolescentes (maus tratos, abandono e negligência, abuso e exploração sexual comercial, trabalho infantil, dentre outras) não é recente. Um olhar atento à trajetória histórica de crianças pobres no Brasil nos mostra a procedência dessa afirmação. Sua visibilidade, no entanto, vem ganhando novos contornos, principalmente, na proporção e extensão que vem ocorrendo nas duas últimas décadas, no Brasil. A promulgação do ECA, com certeza, contribuiu e vem contribuindo para que se torne visível uma condição, antes de tudo, de violação dos Direitos Humanos, conforme Declaração Universal dos Direitos Humanos, da ONU. Vários são os fatores que contribuem para que essa prática seja observada e mantida, dentre os quais destacamos: as relações de poder e de gênero predominantes nas sociedades, as características do agressor e da vítima, questões culturais, ausência de mecanismos seguros e confiáveis, medo de denunciar, ineficiência dos órgãos de atendimento, certeza de impunidade, dentre outras. O Estatuto da Criança e do Adolescente especifica que toda criança deverá estar protegida de ações que possam prejudicar seu desenvolvimento. No entanto, a realidade de transgressão a esse direito atinge uma parcela significativa de crianças, que têm seu cotidiano permeado por variadas formas de violência. A atuação profissional do assistente social tem sofrido inúmeras alterações ao longo dos anos. A sociedade capitalista que só visa o lucro acaba por gerar exploração da mão de obra do empregado que vende sua força de trabalho para conseguir salário para sobreviver. O assistente social como um profissional que defende a classe trabalhadora se encontra nesse viés de mediar as duas classes antagônicas. Então, a violência doméstica contra a criança e o adolescente é uma das demandas do assistente social que pode estar articulada a questão social, no 36 qual o assistente social atua tanto no seu enfrentamento como tentativa de garantir a dignidade da pessoa humana para as vítimas. Essas expressões que acarretam a violência chegam até o assistente social inserido no CREAS muitas vezes fragmentada, neste sentido, o assistente social utiliza como principais atribuições: realizar acolhidas, entrevistas sociais, orientações a indivíduos e famílias no intuito de prevenir o rompimento dos vínculos familiares, com o objetivo de garantir o acesso às políticas públicas efetivando o direito do cidadão. O fato de não podermos ter ido a campo e realizar a entrevista com as assistentes sociais, não possibilitou uma maior aproximação com a prática profissional diante do enfrentamento da violência. Esse processo acabou nos mostrando teoricamente a exigência da excelência na atuação do Serviço Social desde a formação até o trabalho, articulando teoria e prática. Contudo, compreendemos que a objetivação de uma prática profissional competente sempre irá encontrar obstáculos concretos, burocratizações que impedem uma maior efetividade dentro dos espaços sócios ocupacionais, visto que é mediada por determinações que a
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