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ARBITRAGEM - ARBITRAGEM NO SETOR PÚBLICO

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ARBITRAGEM NO SETOR PÚBLICO: UMA VISÃO PANORÂMICA
Arbitration in the Public Sector: An Overview
Revista de Direito Empresarial | vol. 21/2016 | p. 171 - 190 | Dez / 2016
DTR\2016\24757
Evelin Teixeira de Souza Alves
Mestranda em Direito do Estado pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo
(USP). Especialista em "Proceso Civil, Arbitraje y Mediación" pela Universidade Salamanca
da Espanha (USAL). Especialista em Direito Tributário e Processo Tributário pela Escola
Paulista de Direito (EPD). Especialista em Direito Público pela Faculdade Professor Damásio
de Jesus. Advogada. evelin_tsouza@hotmail.com
Área do Direito: Arbitragem
Resumo: O presente artigo tem por objetivo uma análise sobre a utilização do instituto da
Arbitragem pela administração pública, como um dos meios para a solução de controvérsias
emergidas na arena pública. Analisa-se, “a priori”, a evolução do modelo estatal e de seu
aparelhamento administrativo, com vistas à identificação de um espaço propício para o
surgimento da consensualidade na esfera pública. Discorre-se sobre a viabilidade e
pertinência da sua utilização pelo Poder Público, relacionando-se as vantagens do instituto
em relação ao processo judicial. Finda-se com a enunciação de questões sensíveis
envolvendo a adoção da Arbitragem no Setor Público, as quais não tem o condão de
obstaculizar a sua aplicabilidade, pelos órgãos da administração pública direta e pelas
entidades da administração pública indireta do Estado.
Palavras-chave: Arbitragem e administração pública - Arbitragem no setor público - Meios
de solução de controvérsias na esfera pública
Abstract: This article aims at an analysis of the use of the Arbitration Institute of the Public
Administration, as a means to solve controversies emerged in public arena. Analyzes, "a
priori", the evolution of the state model and its administrative rigging, with a view to
identifying a suitable space for the emergence of consensuality in the public sphere. It talks
about the feasibility and appropriateness of its use by the Government, relating to the
advantages of the Institute in relation to the judicial process. Ended with the enunciation of
sensitive issues involving the adoption of Arbitration in the Public Sector, which has not the
power to hinder its applicability, by the organs of direct public administration and the
entities of indirect administration of the State.
Keywords: Arbitration and public administration - Arbitration in the public sector - Dispute
settlement in the public sphere
Sumário:
1 Introdução - 2 A evolução dos modelos de Estado e de administração pública e o
surgimento do espaço para a consensualidade na seara pública - 3 A arbitragem como um
modelo viável de solução de controvérsias para a administração pública - 4 A arbitragem no
setor público e suas questões sensíveis - 5 Referências bibliográficas
1 Introdução
É cediço que a presença do Estado na vida dos indivíduos é sobremaneira marcante e
diversificada, podendo esta interseção se dar em diversas circunstâncias e ambientes, v.g.,
na prestação de serviços públicos, no exercício do poder de polícia, por meio de
fiscalizações, nas concessões e licenças de atividades, na tributação, na celebração de
contratos, bem assim no compartilhamento da definição de políticas públicas.
Arbitragem no Setor Público: Uma Visão Panorâmica
Página 1
Por óbvio e naturalmente, situações conflituosas das mais variadas ordens podem advir
dessa multifacetada relação entre Estado-Administração e Administrados, reclamando a
utilização de técnicas e mecanismos com o escopo de eliminá-los, acomodá-los ou
compô-los.
Costumeiramente, em virtude da arraigada cultura de “terceirização da resolução dos
conflitos”, impregnada nas relações entre particulares e que, igualmente ressoa no cenário
das controvérsias exsurgidas das inter-relações entre estes e a administração pública, ainda
que e, sobretudo, sob o pretexto da imposição da lei, ao Poder Judiciário têm sido alçadas
uma miríade de ações judiciais, muitas das quais o Poder Público figura no polo passivo.
Tal estado de coisas foi corroborado pelo Conselho Nacional de Justiça – CNJ que,
almejando diagnosticar a situação do Poder Judiciário, divulgou, no ano de 2011, o
“ranking” dos 100 (cem) maiores litigantes do país, donde se infere que cerca de metade
das contendas judiciais, em nível nacional, abrangem o Instituto Nacional do Seguro
Nacional – INSS (22,33%), a Caixa Econômica Federal – CEF (8,50%), a Fazenda Nacional
(7,45%) e a União (6,97%), o que evidencia o alto grau de conflituosidade abrangendo
órgãos e entidades do Estado.1
Essa verdadeira “crise de justiça”, passou a exigir do Estado Brasileiro a busca por
alternativas destinadas a minimizar a judicialização de todo e qualquer conflito emergido no
seio social, que tanto dificultam a prestação jurisdicional estatal e obstaculizam o efetivo e
substancial acesso à justiça (ordem jurídica justa) e a razoável duração do processo,
consagrados como direitos fundamentais pela Constituição Pátria (art. 5.º, XXXV e LXXVIII).
É mister ressalvar que a ordem jurídica almejada, garantidora da justiça e dos direitos
fundamentais do homem, depende (e sempre dependeu) da colaboração de todos, máxime
no afã de se promover uma mobilização voltada à neutralização ou eliminação dos conflitos
que podem comprometer a humanidade e suas gerações futuras.
Na seara da composição de litígios, referida força mobilizadora tem impulsionado o
surgimento de novas formas de se alcançar a pacificação social, as quais vêm priorizando a
participação dos envolvidos no conflito, na procura por uma maneira mais efetiva de
solução.
Desta feita, reconhece-se, contemporaneamente, a existência de métodos adversariais e
não adversariais que objetivam a resolução de conflitos. Os métodos adversariais,
heterocompositivos ou adjudicados de solução de controvérsias são os que compreendem a
atuação e o julgamento do conflito por um terceiro neutro e imparcial, podendo ser
efetivados na esfera judicial (decisão imposta por um juiz ou tribunal) ou na extrajudicial
(decisão determinada por um árbitro de confiança das partes ou câmara de arbitragem). Por
outro bordo, os métodos não adversariais, não adjudicados, autocompositivos ou
consensuais concernem aqueles cujas partes envolvidas resolvem “per se” o conflito
inaugurado, de forma unilateral (renúncia, desistência ou reconhecimento do pedido), ou de
modo bilateral, seja estabelecendo por si próprias a composição (negociação), seja
promovendo a resolução do conflito mediante a facilitação do diálogo por um terceiro ou
equipe (conciliação, mediação ou práticas colaborativas).2-3
2 A evolução dos modelos de Estado e de administração pública e o surgimento do espaço
para a consensualidade na seara pública
O manejo de meios alternativos de solução de conflitos (para alguns reputados
“adequados”), depreendidos como aqueles diversos do acionamento da jurisdição estatal,
dentre os quais se destacam, a arbitragem, a mediação e a conciliação, com a finalidade
precípua de compor conflitos aflorados na órbita pública, unicamente mostra-se possível e
Arbitragem no Setor Público: Uma Visão Panorâmica
Página 2
viável num modelo estatal e de organização administrativa que privilegiam e incentivam a
cooperação, a concertação e a consensualidade.
Impende rememorar que, ao longo dos séculos, o modelo de Estado, compreendido como
ordem jurídica ou sistema político, exigiu um aparato estatal correspondente, ou seja, um
modelo de administração pública que acompanhasse a sua evolução.
Entre os séculos XV e XVIII, após o declínio do feudalismo, vigia o sistema político
absolutista, o qual inadmitia qualquer tipo de controle dos atos praticados pelo monarca (a
personificação da onipotência do poder), tendo no postulado “the king can do wrong”, sua
máxima expressão. Logicamente, o aparelhamento administrativo do Estado absolutista
correspondia à administração pública Patrimonial, uma vez que os interesses pessoais do
soberano (o detentor do poder)confundiam-se com os do próprio Estado.
Com as Revoluções burguesas (inglesa, americana e francesa), deflagradas entre os séculos
XVII e XVIII, que levaram o mundo a ingressar na modernidade, consolidou-se o modelo de
Estado de Direito, também denominado Estado liberal, Estado burguês, Estado legislativo,
Estado autoridade e Estado abstencionista, que preconizava, no âmbito político, a liberdade
e os direitos individuais (de pensamento, de expressão, de privacidade, de locomoção), a
igualdade entre pessoas perante a lei, a soberania nacional e a divisão dos Poderes do
Estado (com as correspectivas funções de editar normas gerais e abstratas, executá-las e
assegurar o seu cumprimento) e, na esfera econômica, o reconhecimento da propriedade
privada, o livre mercado e o abstencionismo estatal. Inobstante a cidadania do Período
Liberal tenha difundido fundamentos universais de liberdade, igualdade e fraternidade, não
se pode obliterar que seu acesso se restringia à classe burguesa dominante, o que de modo
algum, porém, retira o seu mérito, enquanto conquista dos direitos do homem. Haja vista o
necessário controle da atuação estatal e a submissão do Estado ao império da lei, a adoção
de uma organização administrativa burocrática, com foco na consolidação de procedimentos
rígidos e hierarquizados era o que melhor se adequava ao modelo burguês. Inspirada na
doutrina “weberiana”, a administração pública burocrática, caracterizava-se pela hierarquia,
criação de normas gerais e abstratas, regulamentação e uniformidade de rotinas e
atividades, especialização da execução das tarefas, avaliação e seleção para o
preenchimento de postos de trabalho, além da definição de comportamentos
estandardizados e controle dos processos.4
Já na segunda metade do século XX, posteriormente à humanidade ter enfrentado vários
movimentos revolucionários, duas Guerras Mundiais e crises econômicas desestruturantes,
vislumbrou-se a conformação de uma organização política destinada à promoção do
bem-estar dos indivíduos – o Estado providência, Estado assistencial, Estado pós-liberal ou
“Welfare State”, que almejava consagrar e implementar uma gama de direitos de cunho
social e econômico, como forma de mitigar o sofrimento ocasionado pela beligerância das
nações e pelas ideologias totalitárias que subjugaram milhares de pessoas pelo mundo
naquele período, resgatando-se a dignidade humana. Contudo, a irrefreável demanda por
serviços públicos do pós-guerra, aliada à nova ordem mundial globalizada, deu azo a uma
crise fiscal sem precedentes, que acabou por impulsionar o surgimento do modelo de
administração pública gerencial, também conhecido como “New Public Management”, de
origem inglesa, que teve como premissas a implementação de reformas administrativas e
estratégias gerenciais na organização e gestão do Estado. Com vistas à melhoria da
capacidade de gerenciamento estatal, a administração gerencial5 voltou-se à consolidação
de um governo direcionado para o alcance de resultados, vocacionado ao desenvolvimento e
ao bem-estar social, que privilegiou ações focadas na otimização da utilização de recursos
públicos, no aprimoramento da estrutura organizacional e na transparência dos processos e
controle da gestão.
Arbitragem no Setor Público: Uma Visão Panorâmica
Página 3
Diferentemente do que se operou no tocante à transmutação do modelo burocrático para o
gerencial, onde de fato houve uma modificação estrutural, quiçá uma ruptura em relação à
forma de administrar a coisa pública no século passado, no que concerne à transformação
deste último modelo (gerencial) para o derradeiro (consensual), tal rompimento não se
verificou. Ao revés da suplantação ou fissura em relação ao arquétipo gerencial, o modelo
consensual a ele agregou uma consciência dialógica, permitindo que o Estado e a Sociedade
Civil, ou mais precisamente, a administração pública e os Administrados pautassem suas
relações pela lógica do consenso, na tentativa de dirimir eventuais interesses em conflitos.
Daí a eflorescência dos conceitos, que se propagam atualmente, de Estado Consensual,
Estado Negociador, Estado Mediador e Estado em Rede.6
Há que se observar, entretanto, que no mundo fenomênico a evolução
político-administrativa do Estado não acompanhou a linearidade cronológica
precedentemente esposada, não sendo rara, hodiernamente, a existência de órgãos estatais
e entidades estagnadas nos modelos burocrático ou mesmo patrimonial, em razão das
vicissitudes de ordem técnica, operacional e cultural que caracterizam o cenário público,
sobretudo no Brasil, um país com grandes disparidades socioeconômicas.
Eric Hobsbawm7 e Jacques Chevalier, respectivamente, com sua teoria do “Século Curto” e
com a sua célebre obra “L’ État post-moderne”, bem retrataram a transformação do Estado
Moderno para o Pós-Moderno.8 Enquanto o historiador egípcio atentou-se para as
catástrofes, incertezas, crises econômicas, guerras mundiais, étnicas, separatistas e de
modelo de Estado, que cunharam o “Breve Século XX”, assim entendido o interstício que se
inicia com a eclosão da Primeira Guerra Mundial (1914) e que finda com a desintegração da
União Soviética (1991), impulsionada pela queda do Muro de Berlim (1989), o filósofo
francês, por seu turno, procurou questionar o obsoleto modelo de prerrogativas estatais,
sua soberania e governabilidade, assinalando a expansão e segmentação das identidades
coletivas, que deu origem à interpenetração de valores privados na seara pública.
Como visto, é no Estado Pós-Moderno que verdadeiramente inseriu-se a criticidade no
atinente ao “modus operandi” do Poder Público, pela cidadania pós-moderna, mais
informada e consciente de seus direitos, mais receptível ao diálogo e à concertação.
Em tempos atuais de globalização (político e econômica), de mundialização (social e
jurídica), de proliferação de informação (e não de conhecimento), de subsidiariedade do
Estado e de primazia do homem, nos quais a proteção e a promoção da dignidade humana e
a salvaguarda dos direitos fundamentais são, concomitantemente, aspectos fundantes e
objetivos da atuação estatal, repisa-se, que o exercício do consenso revela sua factibilidade.
9
3 A arbitragem como um modelo viável de solução de controvérsias para a administração
pública
Tendo por desiderato a busca por alternativas à “crise da justiça”, no compasso de
recomendações internacionais como a “Recommendation Rec(2001)9, do Conselho da
Europa” 10 e, mais recentemente, em consonância com o “Código Modelo de Processos
Administrativos – Judicial e Extrajudicial – para a Iberoamerica” de (2012),11 é que o Brasil
tem vislumbrado os meios alternativos para solução e prevenção de litígios, tais como, a
negociação, a mediação, a conciliação e a arbitragem, como uma das possíveis saídas para
essa problemática, passando a erigir o processo judicial como a última “ratio” para a
pacificação social, inclusive em se tratando de disputas e contendas relacionadas à
administração pública.
A Resolução do Conselho Nacional de Justiça 125, de 29 de novembro de 2010, atualizada
pelas Emendas 1, de 31 de março de 2013 e 2, de 08 de março de 2016, foi profícua neste
Arbitragem no Setor Público: Uma Visão Panorâmica
Página 4
sentido, uma vez que erigiu como Política Judiciária Nacional, o tratamento adequado dos
conflitos de interesses no âmbito do Poder Judiciário, em razão da sua natureza e
peculiaridade, incentivando, para tanto, outros meios de solução de conflitos além dos
processos judiciais, como a mediação e a conciliação.12
Atualmente não mais se pode sustentar a ideia de monopólio da jurisdição pelo Estado,
como meio bastante e suficiente para a eliminação de todo e qualquer conflito emergido no
seio social, sendo hercúleo, pelo menos no aspecto formal, o esforço no sentido de
“assegurar a todos o direito à solução dos conflitos por meios adequados à sua natureza e
peculiaridade” (art. 1.º da Resolução CNJ 125/2010).
Na realidade, o acesso à justiça não pode ser confundido com o acesso à jurisdição. Afora as
situações nasquais a movimentação da máquina judiciária seja obrigatória (a exemplo das
ações de estado), a utilização dos equivalentes jurisdicionais ou substitutivos jurisdicionais13
(assim denominados, por parte da doutrina, os meios alternativos de solução de
controvérsias diversos da jurisdição estatal), revela-se consentânea com a abordagem do
efetivo acesso à justiça (compreendido como ordem jurídica justa), que vê na multiplicidade
de canais de distribuição de justiça a maneira mais adequada de alcançar a pacificação
social.
Nessa ordem de ideias, ressalva-se que a arbitragem, para além de configurar um método
alternativo de solução de conflitos em relação à jurisdição estatal, traz em seu bojo
vantagens em comparação ao processo judicial que merecem ser enunciadas, quais sejam:
em geral, a especialização do árbitro na matéria controvertida ou no contrato entabulado
pelas partes; a celeridade do procedimento, haja vista a previsão de seis meses para a
apresentação da sentença arbitral, salvo estipulação de prazo diversa pelas partes; a
possibilidade da confidencialidade, que poderá estender aludida característica, ainda que a
controvérsia seja levada em algum momento ao crivo do Judiciário, por força do art. 189,
IV, do CPC (LGL\2015\1656); a irrecorribilidade da sentença arbitral, que passou a ser
caracterizada como uma das espécies de título executivo judicial, “ex vi” do prelecionado no
art. 515, VII, da Lei Processual Civil; e a informalidade do procedimento arbitral,
compreendida como flexibilidade na sua fixação e não na ausência de regras. Mencionadas
vantagens fazem da arbitragem um método de composição de disputas atrativo, sobretudo,
para casos que envolvam relações comerciais e contratações de grande vulto, mesmo que
engendradas na esfera da administração pública.
4 A arbitragem no setor público e suas questões sensíveis
A recente alteração da Lei federal 9.307, de 23 de setembro de 1996, que disciplina a
arbitragem no direito interno, pela Lei federal 13.129, de 26 de maio de 2015, dirimiu, ao
menos no plano normativo, dúvida quanto à legalidade da utilização do instituto pelo Poder
Público, com vistas à solução de suas controvérsias, no âmbito da jurisdição privada.
O sucinto disciplinamento da temática atinente à possibilidade da utilização da arbitragem
pela administração pública, na atual redação da lei arbitral pátria, notadamente com a
introdução de poucos dispositivos no texto legal (arts. 1.º, §§ 1.º e 2.º e, 2.º, § 3.º), faz
denotar que a “mens legislatoris” não foi, em verdade, o esgotamento da matéria, cabendo
à doutrina, à jurisprudência e à praxe, traçarem os seus devidos contornos jurídicos.
Face à ênfase dada à jurisprudência pátria pelo art. 927 do Código de Processo Civil de
2015, que tem sinalizado a valorização e a obrigação da aplicação do precedente no direito
brasileiro (“ex vi” das decisões em controle concentrado, enunciados de súmulas
vinculantes, acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de
demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos,
súmulas do STF e do STJ e das orientações do plenário dos respectivos órgãos de
Arbitragem no Setor Público: Uma Visão Panorâmica
Página 5
vinculação), não se pode olvidar que é também na seara judicial, que serão delineados e
conformados os regramentos atinentes à arbitragem pública.
A alegação da existência do princípio da legalidade, um dos dogmas do Direito
Administrativo, como um dos empecilhos jurídicos para a aceitação da arbitragem como
método de solução de conflitos públicos, caiu por terra com a inclusão do § 1.º ao art. 1.º,
da lei de arbitragem brasileira, que passou expressamente a permitir que a administração
pública direta e indireta se valha da arbitragem para dirimir controvérsias relativas a
direitos patrimoniais disponíveis. Em que pese o dispositivo em comento tenha extirpado
qualquer questionamento deste jaez, pontua-se que já vinha sendo reconhecida ao largo
pela doutrina e pela jurisprudência, a possibilidade da utilização da arbitragem pelo Poder
Público, com supedâneo na capacidade de contratar de que cuida o “caput” do mesmo art.
1.º da lei de arbitragem.
Além disso, as leis sobre concessões de serviços públicos, bem como as que disciplinaram
atividades administrativas específicas e criaram as respectivas Agências Reguladoras,
editadas a partir do final da década de 90 do século passado, já previam meios
extrajudiciais de solução de controvérsias, incluindo a arbitragem, consoante se elenca a
seguir: Lei do Regime de Concessão e Permissão da Prestação de Serviços Públicos (art.
23-A, da Lei 8.987/1995); Lei das Parcerias Público-Privadas (art. 11, III, da Lei
11.079/2004); Lei Geral de Telecomunicações (art. 93, XV, da Lei 9.472/1997); Lei do
Petróleo e Gás (art.43, X, da Lei 9.478/1997); Lei de Transportes Aquaviários Terrestres
(arts. 35, XVI e 39, XI, da Lei 10.233/2001); Lei de Contratos de Aquisição de Energia
Elétrica (art. 4.º, §§ 4.º e 5.º, da Lei 10.438/2002); Lei de Comercialização de Energia
Elétrica (art. 4.º, §§ 5.º e 6.º, da Lei 10.848/2004); Lei dos Transportes Rodoviários de
Cargas (art. 19, da Lei 11.442/2007); Lei de Transporte de Gás Natural (arts. 21, XI, 48 e
49, da Lei 11.909/2009); Lei de Exploração e Produção de Petróleo (art. 28, XVIII da Lei
12.351/2010); e Lei dos Portos (art. 37, da Lei 12.815/2013).14
As demais pedras de toque da Ciência do Direito Administrativo, a saber, os princípios da
supremacia do interesse público sobre o particular e da indisponibilidade do interesse
público, conquanto correntemente não sejam mais vistos como obstáculos intransponíveis à
arbitragem no campo público, causam desconforto aos administradores públicos, na medida
em que não se verifica uma robusta tese doutrinária que elimine certa obscuridade ainda
atinente ao tema, ou seja, que delimite, suficientemente, as matérias administrativas
arbitráveis.
Quanto ao interesse público, registra-se, “a priori”, que se refere a conceito jurídico
indeterminado e expressão de sentido plurívoco. Neste compasso, o que se pode entender
como interesse público? Seriam eles quereres majoritários? Ou a maioria de interesses
coincidentes? Quais seriam esses interesses? Todas essas indagações somente podem ser
redarguidas levando-se em consideração uma delimitação de tempo e espaço, posto que os
interesses públicos prevalentes em determinada época ou sociedade decerto divergem dos
assim enunciados noutros tempos e comunidades. Ao interesse público, destarte, deve ser
agregada uma noção ideológica, compatível com a sociedade globalizada e pluralista do
pós-modernismo e que reconhece a coexistência de interesses coincidentes e contrapostos,
sendo mais consentânea com a época atual, a admissão de “interesses públicos”.15
Foram várias as teorias que aspiraram responder qual interesse público sujeitava-se ao
conceito de arbitrabilidade objetiva, de molde a autorizar a submissão dos conflitos
emergidos na seara pública à jurisdição arbitral. A que versava sobre a divisão dos atos
administrativos em atos de império (impostos coercitiva e unilateralmente pelo Poder
Público, com as prerrogativas de autoridade) e de gestão (exercida em condição igualitária
com os particulares), prelecionando a indisponibilidade daqueles e a disponibilidade destes,
Arbitragem no Setor Público: Uma Visão Panorâmica
Página 6
foi alvo de severas críticas, porquanto elaborada num determinado momento evolutivo do
Direito Administrativo, que pretendia mitigar as irresponsabilidades cometidas pelo
soberano em relação a danos ocasionados aos súditos, considerando-se inatingíveis e
inquestionáveis apenas os primeiros e, principalmente, porque inviável o enquadramento
dos atos administrativos exclusivamente numa ou noutra espécie de ato.16
A teoria do italiano Renato Alessi, que desmembra o interesse público, em primário e
secundário, é a que encontra mais adeptos, mormente na atualidade, apontando que aquele
representa o verdadeiro interesse público e que este diz respeitoao interesse da própria
administração pública, que tão somente existe em função daquele, ou seja, tem caráter
instrumental. Do mesmo modo que a teoria anterior, a que separa o interesse primário do
interesse da administração não é isenta de críticas,17 uma vez que, no esteio do explanado
anteriormente, não é factível a identificação sobranceira dos interesses que se subsumem,
principalmente, aos da primeira natureza.
De relevar que a existência de interesses públicos comunitários (os forjados no âmbito do
Direito Administrativo Comunitário e relacionados aos blocos regionais) e de interesses
públicos globais ou transnacionais (os emergidos na órbita do Direito Administrativo Global),
obstaculizam ainda mais a definição do que se entende por interesse público na atualidade.
Sob este prisma de profunda dificuldade de conformação conceitual, mais profícua e
auspiciosa parece a mudança de foco do problema, de sorte a se direcionar a discussão
acerca da disponibilidade ou indisponibilidade para os direitos patrimoniais, tal como
previsto no art. 1.º, da Lei federal 9.307, de 23 de setembro de 1996, e não para o
interesse público propriamente dito.
Para tanto, o Código Civil (LGL\2002\400) Brasileiro pode servir como um norteador neste
fito, uma vez que, nos seus arts. 840 e 841, dispõe sobre a possibilidade de, mediante
concessões recíprocas (transação), os interessados prevenirem ou terminarem litígios de
caráter estritamente privado. E também, nos seus arts. 851 e 852, admite que as pessoas
capazes de contratar (incluindo-se a administração pública), firmem compromisso, seja na
esfera judicial ou extrajudicial, para resolverem litígios que não se relacionem com questões
de estado, de direito pessoal de família e de outras que não estritamente patrimoniais. Essa
pareceu a solução encampada pelo legislador ao prever expressamente a possibilidade de a
administração pública se valer do instituto da arbitragem para solução de seus litígios.
De outro bordo, o princípio da inafastabilidade da jurisdição, direito fundamental
expressamente preconizado no Texto Constitucional, notadamente no art. 5.º, XXXV,
outrora considerado um obstáculo, igualmente não configura óbice para a arbitragem no
setor público. Aliás, o reconhecimento da jurisdição arbitral, pela Lei federal 13.105, de 16
de março de 2015 (art. 3.º, § 1.º), que trata do Novo Código de Processo Civil, afasta este
tipo de alegação. Mas não é só. Desde a sua promulgação, a lei de arbitragem pátria já
previa, no art. 18, que o árbitro é juiz de fato e de direito.
Não é demais lembrar que a jurisdição arbitral encontra limitações, visto que o árbitro, não
sendo um membro do Poder Judiciário, apenas equiparado ao funcionário público para fins
penais (art. 17 da Lei 9.307/1996), depende da cooperação judicial para o cumprimento de
algumas de suas decisões (“ex vi”, a convocação de testemunhas renitentes, a exibição de
documentos, dentre outras), justamente por ausentes os poderes de “coertio” e “executio”
de seu “decisum”. A novel carta arbitral (art. 22-C), incluída na lei de arbitragem, pela Lei
13.129/2015, bem demonstra o espírito cooperativo que deve nortear a relação juiz-árbitro,
a fim de que a arbitragem possa cumprir o seu mister.
De somenos importância, porém perfeitamente superável, a crítica atinente à obstaculização
do manuseio da arbitragem pela administração pública, em razão da imposição da “cláusula
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de foro”, prevista no art. 55, § 2.º, da Lei federal 8.666, de 21 de junho de 1993,18 que
regulamenta o art. 37, XXI, da Constituição Federal, estatuindo normas gerais para
licitações e contratos no âmbito da administração pública. É assente, na doutrina e na
jurisprudência, que a cláusula de foro convive harmoniosamente com a cláusula
compromissória, nos contratos administrativos, exercendo, cada qual, sua a função
precípua, isto é, cabendo à cláusula de foro, a indicação do juízo competente para atuação
nas hipóteses de cooperação com o juízo arbitral (cumprimento de cartas arbitrais, por
exemplo) ou mesmo, a anulação da sentença arbitral ou sua execução e, à cláusula
compromissória, a pactuação da instauração da própria arbitragem, a qual será vivificada
quando eclodido o conflito nela descrito.
Como consabido, os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade tem por finalidade a
“proibição de excessos”. A despeito de alguns doutrinadores sustentarem a equivalência dos
aludidos postulados, impende ressalvar que o nascedouro de ambos é diverso. Enquanto a
proporcionalidade deita suas raízes no direito alemão, a razoabilidade tem matriz
anglo-saxônica. Especificamente e, em apertada síntese, o princípio da proporcionalidade
leva em consideração uma análise entre a medida adotada e o fim a que ela se presta (uma
análise de adequação), ao passo que o princípio da razoabilidade perpassa a apreciação
acerca da congruência e da equivalência da medida.19
Neste diapasão, a análise do caso concreto sob a ótica dos princípios da razoabilidade e da
proporcionalidade pode conferir um grau maior de certeza e confiabilidade à decisão da
autoridade ou órgão competente da administração pública direta, no tocante à celebração
da convenção de arbitragem. Em que pese o § 2.º do art. 1.º, da Lei 9.307/1996, ter
previsto que a autoridade ou órgão competente da “administração direta” para a celebração
da convenção seja a mesma para a realização dos acordos e transações no campo arbitral,
forçoso concluir que, em virtude da autonomia que gozam, mencionada competência é
conferida aos responsáveis de mesmo nível no âmbito das entidades que compõem a
administração descentralizada do Estado.
Isto posto, conjugando-se os princípios administrativos e os dispositivos civis encimados,
com o art. 1.º e seu § 1.º, da Lei de Arbitragem, sem descurar de temperamentos que
somente a casuística e os vetores da razoabilidade e da proporcionalidade possam conferir a
essa decisão administrativa pela autoridade competente, uma ilação possível é a que
preleciona acerca da viabilidade de que conflitos, envolvendo a administração pública direta
e indireta, que versem sobre direitos exclusivamente patrimoniais, compreendidos como
aqueles passíveis de contratação, negociação e transação, sejam dirimidos na órbita da
jurisdição arbitral.
À guisa de exemplo, consigna-se a possibilidade da arbitragem administrativa, na esfera dos
contratos administrativos, máxime para solucionar controvérsias que se relacionam com as
suas cláusulas econômico-financeiras. Igualmente no que pertine às contendas oriundas das
medições de serviços contratados, quando a tarefa depender de conhecimentos técnicos
especializados, reconhece-se o cabimento do procedimento arbitral. No licenciamento de
atividades a particulares, especificamente quanto às eventuais incertezas científicas de
grande complexidade (e não no de ato de licenciamento em si), assim como na fixação de
indenizações contra ou em benefício da administração pública, também se testifica a
factibilidade da arbitragem.
No direito comparado a arbitrabilidade objetiva pode a ser até mais abrangente, como no
caso de Portugal, cujo Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) – Lei
15/2002, recém atualizado em outubro de 2015 pelo Decreto Legislativo 214-G/2015,
admite a arbitragem administrativa (art. 180), para o julgamento de questões respeitantes
a contratos, incluindo a anulação ou declaração de nulidade de atos administrativos relativos
Arbitragem no Setor Público: Uma Visão Panorâmica
Página 8
à respectiva execução; a responsabilidade civil extracontratual, incluindo o direito de
regresso e as indenizações devidas nos termos da lei; a validade de atos administrativos,
exceto determinação legal em contrário; e relações de emprego público, desde que não se
refiram a direitos indisponíveis e não resultem de acidente de trabalho ou de doença
profissional.20
No entanto, conforme precedentemente ventilado, nada obstante o legislador tenha
colocado uma pá decal no questionamento quanto à legalidade da adoção da arbitragem
pelo Poder Público, não foi sua pretensão esmiuçar como dar-se-á na prática essa atuação,
deixando para as discussões doutrinárias e a jurisprudência o assentamento dos
entendimentos referentes à temática.
Persistem, pois, questões sensíveis à arbitragem administrativa, a principiar a que toca ao
direito aplicável. Isto porque, embora o § 3.º do art. 2.º da lei de arbitragem nacional
preconize que a arbitragem que envolva a administração pública será sempre de direito, em
se tratando de Poder Público, há que se cogitar sempre do direito nacional, sendo
inimaginável, portanto, a invocação do direito estrangeiro.
Outro ponto crucial concerne sobre o respeito ao princípio da publicidade, contido no § 3.º
do art. 2.º da Lei 9.307/1996, como premissa da arbitragem no setor público e, sua
compatibilização com a confidencialidade do procedimento arbitral. O princípio da
publicidade tem amparo no art. 37 da Constituição da República de 1988. Consagrado como
princípio administrativo constitucional, obriga a ampla divulgação dos atos praticados pelo
Poder Público, exceto se a sigilosidade for imposta pela lei (quando imprescindível à
segurança do Estado e da sociedade). Há que se consignar que a publicidade tem duplo
efeito, qual seja, o conhecimento do ato pelo público, estando, neste aspecto, intimamente
ligada ao dever de transparência e de moralidade administrativa, bem como o começo dos
seus efeitos externos, com vistas ao controle de legalidade das atividades administrativas.
Quando inserida no contexto da arbitragem, tem o condão de atenuar o requisito da
confidencialidade, um dos principais atrativos do procedimento arbitral. Deveras, o conteúdo
da publicidade na arbitragem administrativa é o que mais interessa nesta questão, posto
que deverá harmonizar-se com outros diplomas legais, como a Constituição Federal e a lei
de acesso à informação.
A Lei federal 12.527, de 18 de novembro de 2011, que regula o acesso a informações
previsto no inc. XXXIII do art. 5.º, no inc. II do § 3.º do art. 37 e no § 2.º do art. 216,
todos da Constituição Federal, estabelecem que os órgãos da administração direta de todos
os Poderes do Estado (Executivo, Legislativo e Judiciário), além do Ministério Público e as
Cortes de Contas, bem assim as entidades da administração indireta, em todas as esferas
da Federação, devem garantir o amplo, transparente e de fácil compreensão, acesso à
informação das atividades estatais, franqueando-se, a qualquer interessado, desde que
identificado, apresentar pedido neste sentido, que deverá ser prestado no prazo da lei, salvo
os casos nela tratados como sigilosos. Assim, o eventual pleito de informação sobre
arbitragem que o Poder Público esteja ou tenha participado, “prima facie”, não poderá ser
negada ao requerente, exceto se forem classificadas como de acesso restrito, como
imprescindíveis à segurança da sociedade ou do Estado.
O atual Código de Processo Civil, introduzido pela Lei federal 13.105, de 13 de maio de
2015, prevê em seu art. 189, IV, o segredo de justiça em todos os procedimentos judiciais
atinentes à arbitragem, incluindo o cumprimento forçado da sentença arbitral, na hipótese
de a confidencialidade ter sido pactuada no procedimento arbitral. Todavia, em decorrência
da expressa determinação de respeito à publicidade, advinda do § 3.º do art. 2.º da Lei de
Arbitragem Brasileira, o mencionado dispositivo processual não se aplica à arbitragem
administrativa.
Arbitragem no Setor Público: Uma Visão Panorâmica
Página 9
Demais disso, tendo em vista que toda atuação administrativa se sujeita ao controle interno
(por órgãos integrantes da própria administração pública) e externo (do Ministério Público,
Tribunais de Contas, Poder Legislativo, Poder Judiciário), o procedimento arbitral que tiver
como uma de suas partes o Poder Público (considerado numa acepção ampla, de modo a
abranger inclusive os Poderes Legislativo e Judiciários, quando executantes de funções
administrativas), inevitavelmente sofrerá a interveniência de órgãos fiscalizadores.
Assunto que semelhantemente suscita certo embaraço é o que alude à previsão de cláusula
compromissória no edital e minuta de contrato administrativo que pretende valer-se da
arbitragem. É incontrastável que tal cláusula deve estar inserta nas minutas editalícias e
contratuais, preferencialmente, com a discriminação de todos os elementos indispensáveis à
instauração do procedimento, evitando-se dificuldades e morosidades desnecessárias, por
ocasião da eclosão do conflito. No entanto, não se pode sustentar, impetuosamente, que
deva sempre se tratar de cláusula do tipo “cheia”, uma vez que, em determinadas
situações, será inviável, inicialmente, a delimitação pormenorizada da controvérsia
arbitrável, que poderá, por exemplo, demandar a atuação de um árbitro especialista em
certa área profissional, não identificável no momento da confecção da cláusula
compromissória. Só a casuística, pois, poderá responder a esse impasse.
O modo de contratação dos árbitros ou Câmara Arbitral, pela administração pública,
também acarreta discussões doutrinárias, porquanto traz a lume uma questão de ordem
orçamentária, máxime pertinente à forma e classificação da despesa a ser realizada pelo
Poder Público. Sobre o tema testificam-se duas principais vertentes: uma que fundamenta a
contratação na inviabilidade de competição em função da notória especialização do árbitro
ou câmara e propugna a caracterização da despesa como inexigibilidade de licitação, e
outra, que repelindo a ideia de que se cuida “in casu” de uma prestação de serviço,
considera que somente a fundamentação da autoridade competente seria bastante para a
execução da aludida despesa orçamentária.21 Independentemente da corrente a ser
seguida, a administração pública deverá comprovar objetivamente e à saciedade, a
especialização do árbitro ou instituição arbitral para a condução do procedimento,
abstendo-se de subjetivismos que possam viciar a contratação, sem descuidar da adequada
motivação do ato.
Insta consignar, ademais, que a admissibilidade da arbitragem administrativa encontra
respaldo da jurisprudência pátria, especialmente do Superior Tribunal de Justiça, com
diversos julgados que assentaram o seu cabimento, principalmente em sede de contratos
administrativos.
Não se pode olvidar também, na esfera do Supremo Tribunal Federal, do “Caso Lage”,22
considerado como o marco jurisprudencial da arbitragem no setor público, relativo ao
julgamento, pela Corte Suprema Brasileira, no ano de 1973, do Agravo de Instrumento
52.181. O caso tratava-se da fixação de uma indenização, via solução arbitral, em favor das
empresas “Organizações Lage” e do espólio de Henrique Lage, devida em função da
incorporação, ao patrimônio nacional, de bens e direitos, no período de guerra, sob a
alegação de interesse da defesa nacional. Após 3 (três) décadas de intensos debates e
discussões judiciais, com fulcro no relatório do Ministro Bilac Pinto, a União foi condenada ao
pagamento da indenização fixada por arbitragem, com juros de mora, ocasião na qual
restou decidido inexistir qualquer inconstitucionalidade ou ilegalidade do juízo arbitral, bem
assim reconhecida a legitimidade da cláusula de irrecorribilidade da sentença arbitral. 23-24
Todavia, impende destacar que a farta jurisprudência favorável à arbitragem em contratos
públicos, oriunda do Superior Tribunal de Justiça – STJ, refere-se, na quase totalidade dos
casos, a situações relacionadas a empresas públicas e sociedades de economia mista, cuja
natureza jurídica privada das entidades teve grande relevância nos correspectivos
Arbitragem no Setor Público: Uma Visão Panorâmica
Página 10
julgamentos.
Neste esteio, somente após a edição da Lei federal 13.129, de 26 de maio de 2015, que
atualizou a lei de arbitragem pátria, com a positivação expressa permissibilidade de a
arbitragem ser manuseada pelo Poder Público, poder-se-á afirmar sobranceiramente,
quanto à sua efetiva aplicabilidadepor órgãos da administração direta e entidades da
administração indireta.
À vista de todo o exposto, infere-se que o instituto da arbitragem foi inserido
definitivamente no contexto da administração pública, representando mais uma opção ao
Poder Público no que tange à solução de conflitos emergidos na esfera governamental,
cabendo, doravante, à doutrina e à jurisprudência, apararem algumas arestas que ainda
sobejaram em relação à implementação do aludido meio alternativo de composição de
conflitos de natureza administrativa.
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Constituição Federal; altera a Lei 8.112, de 11 de dezembro de 1990; revoga a Lei 11.111,
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1996, e a Lei 6.404, de 15 de dezembro de 1976, para ampliar o âmbito de aplicação da
arbitragem e dispor sobre a escolha dos árbitros quando as partes recorrem a órgão
arbitral, a interrupção da prescrição pela instituição da arbitragem, a concessão de tutelas
cautelares e de urgência nos casos de arbitragem, a carta arbitral e a sentença arbitral, e
revoga dispositivos da Lei 9.307, de 23 de setembro de 1996.
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4 PINSKY, Jaime; PINSKY, Carla Bassanezi (org). História da cidadania. São Paulo: Editora
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5 SERRA, Alberto (coord). Modelo Aberto de Gestão para Resultados no Setor Público. Natal:
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7 HOBSBAWN, Eric. J. Era dos Extremos. O breve século XX. 1914-1991. Trad. Maria Tereza
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9 MOREIRA NETO, 2011, op.cit., p. 65-70.
10 [http://wcd.coe.int/ViewDoc.jsp?Ref=Rec(2001)9&Sector=secCM&Language=lanE...].
11 WALD, Arnoldo. Código modelo de processos administrativos – judicial e extrajudicial –
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12
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13 TARTUCE, 2016, op. cit., p. 147.
14 PARADA, André Luis Nascimento. Arbitragem nos contratos administrativos – Análise
crítica dos obstáculos jurídicos suscitados para afastar a sua utilização. Curitiba: Juruá
Editora, 2015, p. 85-88.
15 PARADA, 2015, op.cit, p. 99-112.
16 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 28. ed. São Paulo: Atlas, 2015,
p. 265-266.
17 PARADA, 2015, op.cit, p. 105.
18 FERREIRA NETTO, Cássio Teles. Contratos administrativos e arbitragem. Rio de Janeiro:
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19 CASTRO, Carlos Roberto Siqueira. O devido processo legal e os princípios da
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20 [www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?nid=439&tabela=leis].
21 JUSTEN FILHO, Marçal. Administração pública e arbitragem: o vínculo com a câmara de
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22 Supremo Tribunal Federal, Agravo de Instrumento n. 52.181, Rel. Min. Bilac Pinto,
julgado em 04/06/1973, RTJ 68/382-397.
23- FERREIRA NETTO, 2008, op.cit, p. 60-73.
24 PARADA, 2015, op.cit., p. 115-134.
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