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GRAMSCI GRAMSCI GRAMSCI o debate do signicado social da prossão NO SERVIÇO SOCIAL ADILSON AQUINO S ILVEIRA JÚNIOR Adilson Aquino Silveira Júnior GRAMSCI NO SERVIÇO SOCIAL: o debate do significado social da profissão Recife 2021 Este trabalho está licenciado com uma Licença Creative Commons - Atribuição- NãoComercial 4.0 Internacional. ISBN nº 978-65-00-20104-8 Revisão: Adilson Aquino Silveira Júnior e Soraia de Carvalho. Projeto gráfico e diagramação: Adilson Aquino Silveira Júnior e Soraia de Carvalho 1ª edição: abril de 2021 Contatos: Adilson Aquino Silveira Júnior (autor) E-mail: j_r1987@hotmail.com SUMÁRIO APRESENTAÇÃO 7 PARA O ESTUDO DO PENSAMENTO DE GRAMSCI NO SERVIÇO SOCIAL 9 GRAMSCI EM METODOLOGIA E IDEOLOGIA DO TRABALHO SOCIAL DE VICENTE DE PAULA FALEIROS 37 A PRESENÇA DE GRAMSCI NA ANÁLISE DO SIGNIFICADO SOCIAL DO EXERCÍCIO PROFISSIONAL NA OBRA DE MARILDA IAMAMOTO 83 GRAMSCI NO SERVIÇO SOCIAL 135 Gramsci no Serviço Social I 7 APRESENTAÇÃO Os textos reunidos nesta publicação foram originados de uma pesquisa projetada como parte de um Plano de Trabalho relativo ao desempenho de nossa atividade docente no Curso de Serviço Social da Universidade Federal de Pernambuco durante os anos de 2017- 2019. Associadas aos estudos e sistematizações que derivaram no material ora divulgado, foram realizadas, também como parte o Plano de Trabalho, duas edições do projeto de extensão Ciclos de estudos e formação política sobre os Cadernos de Cárcere de Antônio Gramsci (Ciclo Gramsci), com o objetivo de desenvolver o estudo e a iniciação aos conteúdos da obra carcerária entre estudantes, pesquisadores, profissionais e quadros de movimentos sociais e partidos políticos. A exploração das fontes bibliográficas e a construção de sínteses parciais do estudo contatam com o apoio e o estímulo de duas pesquisas de iniciação científica, cujos resultados foram divulgados através de artigos publicados em anais de eventos científicos e periódicos.1 Aqui, encontram-se, na íntegra, todas as sistematizações decorrentes do estudo, forjadas como um conjunto de textos que – embora desdobrados na forma de partes independentes – expressam e concretizam a unidade do nosso movimento de aproximação ao objeto da pesquisa, qual seja: as tendências de circulação e 1 As duas pesquisas referidas, vinculadas ao Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica da Universidade Federal de Pernambuco, foram realizadas a partir dos projetos: O pensamento de Antônio Gramsci no Serviço Social nos anos 1970-1980, executado entre agosto de 2018 e julho de 2019, com a participação da discente Larissa Ranielly Lima Dias; e O pensamento de Antônio Gramsci no Serviço Social nos anos 1990-2000, executado entre agosto de 2019 e julho 2020, com a participação do discente Jefferson de Melo e Silva. Alguns resultados desses projetos foram divulgados no XVI Encontro Nacional de Pesquisadoras/es em Serviço Social – ENPESS (2018), no 16º Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais (2019) e através de artigo publicado na revista Argumentum (Vitória) (V. 11, nº 3, set.-dez. 2019) com o título Gramsci em Metodologia e Ideologia do Trabalho Social, de Vicente Faleiros. Gramsci no Serviço Social I 8 assimilação do pensamento de Antônio Gramsci no quadro teórico do Serviço Social brasileiro que se debruça sobre o significado social do exercício profissional em suas conexões com a produção-reprodução capitalista. A primeira parte explicita o movimento de construção e delimitação do problema de pesquisa, além das estratégias metodológicas adotadas para a apreensão do objeto. Na segunda parte, as aproximações aos primeiros (e mais primitivos) empreendimentos de circulação e interpretação do pensamento de Gramsci no Serviço Social – localizados entre finais de 1970 e início da década seguinte – são sistematizadas a partir da análise da obra de Vicente de Paula Faleiros, situada na sua relação com os demais estudos que, na época, também passavam a absorver formulações dos Cadernos do Cárcere. A terceira parte busca realizar o mesmo movimento analítico de aproximação ao objeto, agora gravitando em torno da obra de Marilda Iamamoto e comportando uma periodização, para o mapeamento do quadro teórico, que parte do início dos anos 1980, chegando à primeira década do século XXI – intervalo histórico no qual a assimilação de Gramsci se desenvolve no Serviço Social. A última parte consiste numa apreciação panorâmica dos principais resultados, construída a partir de um diálogo com outros estudos e fontes empíricas que colaboram para adensar a apreensão de Gramsci no Serviço Social, enriquecer o quadro de determinações desse objeto e projetar uma síntese abrangente sobre sua história. Encarado de modo amplo, nosso movimento de apropriação do objeto foi suscitado a partir de inquietações teóricas gestadas, há mais de uma década, na formação e atuação profissional; depois adensadas na trajetória da pós-graduação em Serviço Social. Esperamos, depois de todos os esforços empreendidos, ter agregado alguma contribuição ao debate sobre a presença de Gramsci nos fundamentos teórico-metodológicos do Serviço Social. Gramsci no Serviço Social I 9 PARTE I PARA O ESTUDO DO PENSAMENTO DE GRAMSCI NO SERVIÇO SOCIAL 1. A construção do problema de pesquisa 1.1 Introdução Esta pesquisa buscou analisar as tendências de assimilação e circulação do pensamento do comunista italiano Antônio Gramsci no quadro teórico-crítico do Serviço Social brasileiro. De modo preliminar, pretendeu determinar a incidência das reflexões desse autor na construção teórica sobre o significado social do exercício profissional em suas conexões com a produção-reprodução capitalista. Através disso, almejou apreender o modo pelo qual as formulações gramscianas foram absorvidas por esse aparato teórico- crítico e as implicações político-ideológicas daí decorrentes. Com caráter eminentemente bibliográfico, o estudo travou um diálogo crítico com os/as mais importantes representantes teóricos do Serviço Social, propondo uma análise de sua apropriação do pensamento de Gramsci para pensar a profissão. A proposta de estudo está enquadrada, portanto, no plano mais geral das pesquisas na área do Serviço Social que se dedicam a entender a construção e o caráter da cultura profissional. Nesse campo, o estudo sobre a dimensão ideológica, os conteúdos socioculturais ou as relações de hegemonia que subjazem a intervenção profissional, e/ou as práticas concretas Gramsci no Serviço Social I 10 do Estado e das classes sociais no Brasil e no mundo, perpassa consideravelmente alguns dos mais importantes trabalhos existentes.2 Nossa problemática relaciona-se a determinações e tendências da divulgação e circulação das ideias de Gramsci no Brasil. Nesse quadro, se desenvolvem e expressam a assimilação e circulação das mesmas em elaborações teóricas e políticas diversas, com pretensões analíticas variadas e condicionantes sociais e políticos particulares e concretos. Tais elaborações são constitutivas de um amplo leque de interpretações de Gramsci – frequentemente alimentadas também por outras fontes e/ou tradições teóricas – que, embora sustentando vínculos com seu universo teórico-metodológico, resultam em construções ideais particulares e originais. No ano de 2017, em que se completaram 80 anos da morte de Gramsci, confirmou-se a substancial difusão de pesquisas sobre os Cadernos do Cárcere no mundo. Noprefácio à edição brasileira do Dicionário Gramsciano (1926-1937), Álvaro Bianchi apresenta um levantamento realizado por iniciativa da seção brasileira da Internacional Gramsci Society. Esse levantamento identificou, apenas entre autores residentes em nosso país, a publicação de 1.214 obras sobre o pensamento de Antônio Gramsci ou nas quais ele aparecia como uma referência importante. Dessas obras, 706 eram livros, capítulos e artigos científicos e 508, teses e dissertações. Mais da metade destas últimas tendo sido produzidas em programas de pós- graduação da área da Educação. Além disso, o Serviço Social, as Ciências Sociais e a Saúde também apareciam concentrando um volume importante de pesquisas (BIANCHI, 2017). Numa apreciação mais ampla, realizada em 2015, vimos que a pesquisa Bibliografia Gramsciana da Função Gramsci da Itália, registrava, à época, pouco 2 Basta mencionarmos os textos mais conhecidos: Abreu (2008); Ammann (2003); Barroco (2007); Iamamoto e Carvalho (2005); Iamamoto (2004, 2006, 2010); Iamamoto e Carvalho (2005); Faleiros (1981, 1980); Guerra (1995); Martinelli (1989); Mota (2000; 1998); Netto (2005, 2004); Simionatto (1999); Sposati et. al. (2014); Yazbek (1993). Gramsci no Serviço Social I 11 mais de 19.000 títulos sobre Gramsci no mundo, publicados em cerca de 40 idiomas. Concomitante a essa difusão, manifesta-se uma renovação do campo de investigações sobre a obra carcerária (e mesmo pré- carcerária). Consolida-se a recorrência a novas ferramentas de estudo desses escritos: o chamado “método de restauração” (BIANCHI, 2008; GERRATANA, 1997), o estudo da evolução do pensamento do autor, a partir da cronologia das notas carcerárias (FRANCIONI, 1984), o mapeamento do “léxico gramsciano” (FROSINI; LIGUORI, 2004; LIGUORI; VOZA, 2017). Ademais, se encontram em progresso as edições relativas a Edizione nazionale degli scritti di Antonio Gramsci na Itália. Elaborada com base nas novas pesquisas filológicas, ela está publicando o conjunto dos textos gramscianos e os novos estudos biográficos que se seguiram aos avanços da pesquisa documental. Trata-se de um projeto editorial que pretende garantir a publicação (e/ou republicação mais aperfeiçoada) das obras completas desse autor – seu epistolário integral, escritos pré-carcerários e carcerários. Alia-se a esses novos instrumentos, a publicação do Dicionário gramsciano 1926-1937 – resultado dos estudos e debates sobre os Cadernos do Cárcere desenvolvidos pela Internacional Gramsci Society – Itália (IGS-IT) entre os anos de 2000 e 2006, sob o título de Seminario sul lessico dei “Quaderni del Carcere” (FROSINI; LIGUORI, 2004). No Brasil, esse movimento também se expressa, implicando na criação da International Gramsci Society do Brasil (IGS/Brasil). Dentre outros tantos desdobramentos desses avanços nos estudos gramscianos, observa-se o crescimento de um diálogo crítico com renomados intérpretes (e interpretações) que protagonizaram as pesquisas sobre o pensamento desse autor no país – cujas linhas de apropriação não deixaram de manifestar limitações, hoje objeto de avaliação dos novos estudos. Essa conjuntura, relativamente recente, coloca também, para os pesquisadores influenciados pelo legado teórico de Gramsci no Gramsci no Serviço Social I 12 Serviço Social, a necessidade de construir – agora de posse de novas ferramentas analíticas – uma revisão crítica da circulação das ideias desse autor na construção teórica que fundamenta a análise da natureza dessa profissão no curso (e evolução) da chamada “intenção de ruptura com o Serviço Social ‘tradicional’” (NETTO, 2004). Ou seja, implica pensar a apropriação (recepção, interpretação e circulação) de elementos conceituais e metodológicos de Gramsci na elaboração do quadro teórico que embasa o estudo do significado social da profissão na sociedade capitalista. Um quadro teórico que atualmente cauciona o chamado Projeto Ético-Político (NETTO, 1996, 2015; BONETTI et. al. 2001; IAMAMOTO, 2006, 2010). Essa revisão encontra- se facilitada, nos últimos anos, devido ao avanço dos estudos gramscianos no bojo da nova fase de divulgação dos escritos do autor, com seu aparato crítico aperfeiçoado e aprofundado – tanto em termos das descobertas filológicas (mais ou menos recentes), quanto do refinamento dos métodos de estudos dos Cadernos do Cárcere delas decorrentes, quanto, inclusive, do acesso a textos então inéditos, mesmo na Itália, e ao mapeamento do léxico gramsciano. 1.2 Pressupostos teóricos Nossa pesquisa se debruçou sobre a assimilação e circulação de Gramsci no quadro teórico do Serviço Social brasileiro legatário da “intenção de ruptura” (NETTO, 2004).3 Mas não se tratou de uma 3 Assimilação que ganhou grande difusão inicial, por exemplo, através do importante texto de Marilda Iamamoto, Legitimidade e Crise no Serviço Social (IAMAMOTO, 2004; NETTO, 2004). Não sendo, nem o pioneiro, nem o mais sistemático, na recepção e “uso” de Gramsci no Serviço Social, esse texto certamente forneceu grande impulso para consolidar Gramsci como um interlocutor desse quadro teórico. Em sua importante pesquisa, Simionatto (1999, p. 184) diz que esse ensaio de Marilda Iamamoto “[...] centra-se nas fontes originais do pensamento de Marx, com algumas recorrências à Gramsci de ‘Americanismo e Fordismo’ e, mais especificamente, à questão dos intelectuais.” Gramsci no Serviço Social I 13 análise extensiva da apropriação do pensamento de Gramsci em pesquisas do Serviço Social que necessariamente se assumem vinculadas aos aportes gramscianos, como o fez Simionatto (1999). Nem de um exame amplo da produção teórica recente do Serviço Social brasileiro que se fundamenta nesse pensador, como o fizeram Negri (2016) e Simionatto e Negri (2017). Diferentemente, estudamos a absorção das formulações teórico-metodológicas de Gramsci na elaboração teórica do Serviço Social que fundamentou a análise do significado social da profissão a partir da “intenção de ruptura”. A pretensão foi rastrear e analisar a contribuição de Gramsci para a construção do aparato teórico-crítico a partir do qual a renovação do Serviço Social brasileiro forjou sua interpretação da profissão na produção-reprodução das relações sociais. Buscamos identificar o papel que as ideias associadas à Gramsci possuíram (e possuem) para a construção de uma cultura profissional determinada no Serviço Social – especialmente na sua elaboração teórica sistemática, mas também com seus impactos no modo de pensar do corpo profissional em geral. Assim, nossa pesquisa centrou-se, não exclusivamente na interpretação (ou nas "leituras") de Gramsci na área de conhecimento do Serviço Social, mas na apreensão das modalidades de apropriação do seu pensamento pelos/as autores/as que colaboraram (e colaboram) na construção dos fundamentos da análise da profissão. O acúmulo teórico-crítico do Serviço Social brasileiro tem sua gênese no próprio processo renovação pelo qual passa a profissão no bojo do ciclo autocrático e sua crise. Netto (2004) delimita como “renovação do Serviço Social” o conjunto de características novas que a profissão articulou no marco das constrições da autocracia burguesa, a partir do rearranjo de suas tradições teóricas e da assunção do contributo de tendência do pensamento social contemporâneo. A articulação dessas novas características ocorreu na medida em que o Serviço Social procurou investir-se como instituição de natureza profissional dotada de dois vetores: de legitimação prática, através de respostas a demandas sociais e da sua Gramsci no Serviço Social I 14 sistematização; e de validação teórica, mediante a remissão às teorias das disciplinas sociais.As tendências renovadoras que se desdobraram e manifestaram após 1960 já foram objeto de análise por parte de Netto (2004) – isso, fundamentalmente do ponto de vista da validação teórica.4 Em nosso caso, abordamos as características do quadro de validação teórica (com suas decorrentes implicações políticas) elaborado pela vertente renovadora identificada como de “intenção de ruptura com o Serviço Social tradicional” – da qual os atuais fundamentos teórico-metodológicos, ético-políticos e técnico-operativos da profissão são legatários. Em específico, tratamos de problematizar a recepção e assimilação do pensamento de Gramsci nessa vertente, na construção do quadro analítico e categorial que cauciona a análise macroscópica do significado social do Serviço Social. Quadro analítico e categorial que participa, por sua vez, da formação da cultura profissional hoje5 – influindo, assim, no modo como se configura esse campo da cultura. Um estudo exploratório da bibliografia do Serviço Social que forneceu insumos para o quadro teórico-crítico em tela nos leva a supor que a incorporação das ideias de Gramsci pelas mais importantes teorizações vinculadas à “intenção de ruptura” não passou sem certas vicissitudes, distorções e imprecisões – algo, 4 Outros trabalhos também investiram em estudos (e avaliação) dessas tendências, como é o caso de Abreu (2008). 5 Precisamos nuançar que esse quadro de elaboração teórica apenas participa, influi, disputa a direção de uma cultura profissional que é resultado complexo, contraditório e dinâmico de uma miríade de determinações socioeconômicas, políticas e ideológicas – portanto, qualquer estudo sobre essa parte da cultura profissional apenas torna-se viável e fecundo quando a apreende na dialética das “relações de forças” (GRAMSCI, 2011) concretas e historicamente determinadas nas quais se inscreve. A própria cultura profissional, em si, não consiste num campo homogêneo; ela se constitui da síntese dinâmica de elaborações intelectuais sistemáticas; de sistematizações que traduzem essas elaborações para um público profissional mais amplo; da apropriação compósita e heteróclita dessa direção intelectual numa espécie de “senso comum” profissional, etc. – aqui, inspiramo-nos nas indicações de Gramsci (2011) para pensar a formação da cultura, com seus níveis de sistematicidade. Gramsci no Serviço Social I 15 ademais, que não foi exclusivo da área do Serviço Social. Preliminarmente, isso nos foi indicado, de modo explícito, por essa mesma literatura, quando se põe a fazer o diálogo crítico interno. Pense-se, por exemplo, em como a pesquisa de Simionatto (1999) aponta para as primeiras problemáticas da recepção de Gramsci no Serviço Social, relacionadas a uma aproximação inicial sem estudos sistemáticos da obra, com a recorrência a fontes secundárias, e mesmo com certa instrumentalização das ideias do autor dos Cadernos do Cárcere.6 Ademais, o trabalho de Simionatto (1999) alerta para uma leitura de Gramsci marcada pela tematização bastante simplificada de suas categorias, segmentando-as e isolando-as em face das suas articulações necessárias – uma leitura, portanto, fragmentária. A autora critica, por exemplo, o caráter simplista e redutor adotado, segundo sua visão, nas reflexões sobre o papel do intelectual orgânico nos textos por ela analisados. Outro balanço crítico onde ficaram manifestas visões destoantes sobre a assimilação de Gramsci para iluminar questões teóricas relacionadas aos fundamentos do Serviço Social diz respeito ao trabalho de Iamamoto (2010). Em parte desse livro, a autora se propõe a travar um debate com as teses da produção teórica brasileira relativa aos fundamentos do trabalho do/a assistente social vinculada ao legado crítico da “intenção de ruptura”. Na apreciação da chamada “tese da função pedagógica do assistente social” – forjada por Marina Maciel Abreu, com explícita recorrência ao pensamento de Gramsci – as posições divergentes se mostram, por 6 Veja-se, por exemplo, o depoimento que Simionatto (1999, p. 193) recolhe de Miriam Limoeiro Cardoso: “Não havia, portanto, nesses cursos [desenvolvidos nos primeiros mestrados em Serviço Social], um estudo específico nem sobre Marx nem mesmo sobre Gramsci. Certamente, ‘o conhecimento do pensamento gramsciano ocorreu, inicialmente, pelas indicações do próprio Althusser, que subsidiava, na época, as discussões oriundas do Movimento de Reconceituação. Não se verificou, neste período, um estudo da fonte marxiana para posteriormente chegar-se ao pensamento de Gramsci. A grande inquietação do movimento passava pela necessidade de buscar aportes teóricos para pensar a profissão’ (Cardoso, M. L., 1991)”. Gramsci no Serviço Social I 16 exemplo, nos limites que Iamamoto (2010) encontra no estudo de Abreu (2008), quando esta levanta a tese de que o/a assistente social emerge na sociedade capitalista como um “intelectual profissional de tipo tradicional”. Para Iamamoto (2010), a leitura de Abreu (2008) apresenta fragilidades do ponto de vista da análise da particularidade histórica brasileira para sustentar seu argumento. Uma apreciação do/a assistente social como “intelectual profissional de tipo tradicional” demandaria, mostra Iamamoto (2010), acionar esses elementos históricos dos quais o texto de Abreu (2008) está carente, ou seja: “[...] requer uma análise histórica da formação social e econômica do país e dos interesses que movem o seu desenvolvimento, das relações entre Estado e sociedade e, em particular, das conexões entre Igreja e Estado [...]” (IAMAMOTO, 2010, p. 320). E uma análise que assim proceda – diz Iamamoto (2010, p. 321-322) – teria como derivação necessária o fato de que a institucionalização e desenvolvimento da profissão apontariam para a “[...] vinculação progressiva e orgânica desse intelectual aos interesses burgueses em seus distintos matizes, ainda que tensionada, a partir da década de 60, pelas refrações das lutas e interesses das classes subalternas nesse circuito profissional”. E isso levaria a recusar a identificação estrita do/a assistente social como “intelectual profissional de tipo tradicional”, como o faz Abreu (2008). Por outro lado, Iamamoto (2010) rejeita a derivação necessária do princípio educativo subjacente à “pedagogia emancipatória”, afiançada por Abreu (2008) como parâmetro para um projeto profissional de novo tipo. Isso porque, conforme Iamamoto (2010), a argumentação resvalaria para a defesa atual do/a assistente social como um/a “intelectual orgânico” vinculado a um projeto de classe revolucionário de vocação socialista. Arremata Iamamoto (2010, p. 323): “Essa perspectiva re-atualiza o debate oriundo dos anos 80, que torna fluidos os limites entre profissão e militância política revolucionária na defesa da sociedade socialista, porque equaliza Gramsci no Serviço Social I 17 inserções e dimensões diferenciadas vividas pelo assistente social, enquanto profissional assalariado e enquanto cidadão político”. Em suma, Iamamoto (2010) está alertando para a possível reatualização de uma visão politicista nos fundamentos do Serviço Social, decorrente de limitações na assimilação dos fundamentos gramscianos acerca dos intelectuais orgânicos e tradicionais.7 Cabe acrescentar que essa crítica de Iamamoto (2010) pode ser aplicada, em parte, inclusive para seus próprios trabalhos anteriores, destacadamente para o livro Relações Sociais e Serviço Social no Brasil, elaborado em parceria com Raul de Carvalho. Nesse texto fundamental, os/as autores/as alegam que, no desempenho de sua função intelectual, o/a assistente social, dependendo da sua ação política, pode configurar-se como mediador/a dos interessesdo capital ou do trabalho, ambos presentes, em confronto, nas condições em que se efetiva a prática profissional. Acrescentam Iamamoto e Carvalho (2005, p. 95): “Pode tornar-se [o/a assistente social] intelectual orgânico a serviço da burguesia ou das forças populares emergentes; pode orientar a sua atuação reforçando a legitimação da situação vigente ou reforçando um projeto político alternativo [...]”. Aqui, Marilda Iamamoto parece incorrer numa tendência, na apropriação da noção de intelectual em Gramsci, que ela mesma censura, anos depois, na “tese da função pedagógica do assistente social” levantada por Abreu (2008). Soma-se a dificuldades como essas o fato de que o estudo dos escritos de Gramsci pelos/as mais importantes intelectuais que forjaram o quadro teórico-crítico do Serviço Social parece ter se dado (quando não contaram apenas com fontes secundárias, de intérpretes), não pelo acesso à “Edição crítica” de Valentino Gerratana (mais completa, publicada em 1975 na Itália), mas pelo uso das 7 Do mesmo modo, Iamamoto (2010, p. 295) encontra problemas na utilização de Gramsci por parte de Vicente de Paula Faleiros, na polêmica com sua “tese das relações de forças”. A autora explicita uma incorporação seletiva do pensamento gramsciano em Faleiros, desarticulando construções categoriais profundamente imbricadas. Gramsci no Serviço Social I 18 chamadas “Edições Temáticas” dos Cadernos do Cárcere, na tradução incompleta feita no Brasil nos anos 1960 (e reeditada nos anos 1970).8 Ao longo dos anos, acumulou-se um conjunto de reservas críticas em torno da “Edição temática”, preparada por Palmiro Togliatti entre finais de 1940 e início de 1950. Estudiosos da obra carcerária alertam para algumas das suas principais vicissitudes: essa edição induzia o leitor a considerar o texto como um todo plenamente acabado e coerente – quando, efetivamente, caracteriza-se por sua natureza fragmentária e inconclusa; colaborava para uma imagem de Gramsci como um crítico da cultura e teórico das superestruturas, esmorecendo a sua incisiva crítica da política; impunha uma chave de leitura stalinizada e fortemente marcada pela então política do Partido Comunista Italiano (BIANCHI, 2008; COUTINHO, 1992; FRANCIONI, 1984; GERRATANA, 1981). É bastante comum a literatura que discute a difusão das ideias de Gramsci apontar para o reducionismo e simplificação pelos quais passaram seus conceitos nesse processo, denunciando um recorrente procedimento de deslocá-los do denso contexto categorial, do caráter fragmentário e inconcluso das reflexões em que se inserem (BIANCHI, 2008; FRANCIONI, 1984; GERRATANA, 1981). Além da instrumentalização pelas quais comumente foram objeto seus conceitos, muitas vezes isolados em áreas estanques do circuito acadêmico, outras vezes utilizados para a sustentação de projetos políticos dos mais diferentes matizes – desde o reformismo socialdemocrata até a defesa do espontaneísmo. Algumas dessas “leituras” usualmente levaram a uma diluição da natureza política do seu pensamento – seja na interpretação que se fez de Gramsci 8 Queremos registrar, nesse ponto, que essas limitações também são de ordem objetiva, não dependendo da vontade dos sujeitos que pesquisavam, nem de sua competência intelectual. A “Edição crítica” de Valentino Gerratana sai em 1975, na Itália, e o acesso e apropriação imediata dela não podem ser cobrados dos/as pesquisadores/as brasileiros/as do Serviço Social que, na mesma época, estavam formulando seus estudos e sistematizações – e contavam, para isso, quase que exclusivamente com as “Edições temáticas”. Gramsci no Serviço Social I 19 enquanto um estrito “teórico das superestruturas”, ou um “crítico da cultura”, seja na hipostasiação das suas elaborações em face do movimento comunista revolucionário, ao qual esteve vinculado (DIAS, 1996; PORTANTIERO, 1987). Na explicação desses vieses interpretativos, na análise dessa recepção da obra no mundo (e, em especial, na America Latina), se recorre a uma miríade de condicionantes, quase sempre de natureza política: a difusão seletiva e temática dos escritos de Gramsci conduzida pelos dirigentes do PCI (e de alguns outros PCs), na intenção de tornar público esses textos ao mesmo tempo em que se tentava equalizá-los com a visão teórico-política stalinista; com a crise dessa experiência de transição (e a reviravolta provocada na política do próprio PCI, por exemplo), também a instrumentalização do pensamento de Gramsci para o eurocomunismo, para a defesa das estratégias balizadas pela conquista gradual do consenso, da democratização e socialização da política; na realidade latino- americana, onde o estudo de Gramsci adquire consistência justo nas crises das ditaduras, ganha ímpeto a sua absorção como um teórico da democratização da “sociedade civil”, em confronto com os Estados “autoritários”, etc. Esses são elementos de determinação que nosso quadro de análise histórico-política recorre para apreender as condicionantes mais significativas que informam as modalidades de interpretação de Gramsci no próprio Serviço Social. Campo profissional no qual concorrem, para uma determinada modalidade de assimilação e circulação de Gramsci, não apenas essas condicionantes amplas, mas algumas intrínsecas à trajetória política, teórica e ideológica do mesmo. Gramsci no Serviço Social I 20 Um estudo exploratório das mais significativas construções teóricas do Serviço Social vinculadas à “intenção de ruptura”9 nos permitiu verificar que as elaborações de Gramsci foram apropriadas pelo quadro teórico-crítico profissional, formulado após finais de 1970, em três dos seus eixos principais: 1) na análise da natureza do Estado e das políticas sociais (ou serviços sociais) – onde se recorre à Gramsci (ou à gramscianos) para pontuar a “natureza contraditória” da esfera estatal, então colocada numa concepção “ampliada”, e, portanto, passível de absorver as necessidades de reprodução da classe trabalhadora, através das políticas sociais; 2) na identificação do caráter desse agente profissional assalariado, ou seja, na determinação da sua inserção específica no circuito da produção- reprodução social – eixo no qual recorrentemente afirma-se a validade da concepção gramsciana de “intelectual” (“orgânico” ou “tradicional”, dependendo do autor) para discernir a função do/a assistente social;10 e, por consequência, 3) na interpretação sobre o papel (ou funcionalidade) do Serviço Social na reprodução social, os resultados qualitativos de sua intervenção, os produtos de sua atuação profissional – nessa linha, a literatura tem associado os efeitos qualitativos dessa intervenção àqueles próprios dos “intelectuais” (“orgânicos” ou “tradicionais”, conforme o caso), isto é, 9 De modo desigual, os três eixos apresentados nesse parágrafo aparecem nas publicações selecionadas para a análise, citadas no item das aproximações metodológicas. Advertimos para o fato de que se trata apenas de uma análise aproximativa, que foi concretizada (e mesmo corrigida) no curso da pesquisa. A indicação da literatura aí mencionada, de forma geral e homogênea, não ignora as suas diferenças internas, seus choques de posição e interpretação da obra de Gramsci (ou de problematizações que recolhem da tradição de intérpretes desse autor). 10 Acerca desse ponto, já tivemos a oportunidade de indicar acima, ligeiramente, o que aparece em Abreu (2008) e Iamamoto (2010, 2005). Mas também é levantado, de modo tácito ou subjacente, em várias outras produções importantes do Serviço Social, das quais cabe fazer rápida menção, sem pretensão de um levantamento exaustivo e integral:Ammann (2003), Carvalho (1983), Mota (1998), Simionatto (1999). Gramsci no Serviço Social I 21 através de suas consequências “diretivas”, “pedagógicas”, “hegemônicas”, “coesivas”, dentre outros.11 A partir desse rastreamento inicial, colocamos como hipótese de trabalho (preliminar e aproximativa) que os vieses detectados nessa assimilação (e recepção) da obra de Gramsci – ligada à tradição socialista revolucionária – ajudaram a moldar idealmente uma cultura profissional crítica, amalgamada por vieses reformistas (possibilistas) e politicistas (messiânicos) no seu lastro teórico.12 Desse modo, nossa pesquisa visa contribuir também para analisar como as possíveis vicissitudes interpretativas da referida obra nessa construção teórica do Serviço Social podem ter confluído (ou estar confluindo) para o reforço de uma cultura profissional que se aspira crítica e anticapitalista, mas resulta amalgamada por traços militantistas e reformadores. Colocamos como problema de pesquisa essa apropriação de Gramsci no Serviço Social, seus impactos para a construção da cultura profissional. Em específico, nos perguntamos sobre a influência que essas interpretações de Gramsci no Serviço Social possuem para a conformação de traços reformistas e politicistas no quadro teórico-crítico profissional da “intenção de ruptura”. Assim como os determinantes sociais, políticos e profissionais que condicionaram (e condicionam) esse modo particular de apropriação do pensamento de Gramsci pelo Serviço Social. Em última instância, nos move o problema da formação da cultura profissional crítica; em específico, essa pesquisa deseja colaborar com os estudos sobre a composição teórico-intelectual dessa cultura profissional, que configura o quadro da validação teórica do Serviço Social na “intenção de ruptura”. 11 Como esse terceiro eixo constitui um desdobramento lógico-categorial do segundo, podemos repetir aqui, como universo da elaboração teórica onde ele se manifesta, a mesma bibliografia citada na nota anterior. 12 Em parte, a própria pesquisa de Simionatto (1999) chama atenção para isso. Assim como a crítica de Iamamoto (2010) a algumas ideias de Abreu (2008). Gramsci no Serviço Social I 22 2. Aproximações metodológicas Colocamos como problema de pesquisa as tendências de assimilação e circulação do pensamento de Gramsci no quadro teórico que baliza a análise do significado social do exercício profissional em suas conexões com a produção-reprodução capitalista. Isso significa que a pesquisa não se restringe aos autores gramscianos do Serviço Social. O estudo se debruça sobre as produções que, direta ou indiretamente, absorvem as ideias de Gramsci para fundamentar a análise da inserção do Serviço Social na reprodução das relações sociais. Dessas produções disponíveis, selecionamos os/as autores/as e livros mais destacados e referenciados que contribuíram para a leitura dos fundamentos do Serviço Social no bojo da “intenção de ruptura”, abarcando, cronologicamente, os anos finais da década de 1970 até os anos 2000. Dentre os/as principais autores/as estão: Vicente de Paula Faleiros, Alba Maria Pinho de Carvalho, Marina Maciel Abreu, Franci Gomes Cardoso, Marilda Iamamoto, Ana Elizabete Mota e José Paulo Netto. Antes de avançarmos nos balizamentos metodológicos da análise, apresentamos abaixo as publicações do Serviço Social selecionadas previamente para a pesquisa. Como será observado, essa seleção foi aperfeiçoada no avanço da investigação. Inicialmente, o material bibliográfico havia sido assim definido: 1) Vicente de Paula Faleiros, Metodologia e Ideologia do Trabalho Social (1972).13 2) Creusa Capalbo, Encontro de Sumaré (1978) – Conferência: Considerações sobre o pensamento dialético em nossos dias.14 13 Faleiros (1981). Encontra-se uma análise dessa produção nos trabalhos de Lopes (1979) e Carvalho (1983). 14 Capalbo (1984; 1991). Gramsci no Serviço Social I 23 3) Safira Ammann, Ideologia do desenvolvimento de comunidade no Brasil (1979).15 4) Alba Marial Pinho de Carvalho, A questão da transformação e o trabalho social. Uma análise gramsciana (1983).16 5) Aldaíza Sposati et. al., A assistência na trajetória das políticas sociais brasileiras: uma questão em análise (1985).17 6) Ana Elizabete Mota, O feitiço da ajuda: as determinações do serviço social na empresa (1985).18 7) Marilda Iamamoto: Legitimidade e crise no Serviço Social (1982) e Relações Sociais e Serviço Social no Brasil: esboço de uma interpretação histórico-metodológica (1982), O Serviço Social na contemporaneidade: trabalho e formação profissional (1998) e Serviço Social em tempo de capital fetiche: capital financeiro, trabalho e questão social (2007).19 8) Marina Maciel Abreu e Franci Lopes Cardoso, Metodologia do Serviço Social: a práxis como base conceitual (1989).20 9) Vários autores: Serviço Social e ética: convite à nova práxis (1996).21 A análise das produções bibliográficas acima relacionadas buscou selecionar, num primeiro recorte mais amplo, os extratos onde seus autores/as forneciam insumos para o quadro teórico- metodológico que a “intenção de ruptura” construiu para apreender o significado social do Serviço Social na sociedade capitalista. Desses insumos mais gerais selecionados, foi identificado o tratamento 15 Ammann (2003). 16 Carvalho (1983). 17 Sposati et. al. (2014). 18 Mota (1998). 19 Iamamoto (2004, 2006, 2010) e Iamamoto e Carvalho (2005). 20 Abreu e Cardoso (1989). 21 Bonetti et. al. (2001). Gramsci no Serviço Social I 24 teórico fornecido aos três eixos principais nos quais supomos haver ampla influência do pensamento gramsciano: 1) na análise da natureza do Estado e das políticas sociais (ou serviços sociais); 2) na identificação do caráter desse agente profissional assalariado, ou seja, na determinação da sua inserção específica no circuito da produção- reprodução social; 3) na interpretação sobre o papel (ou funcionalidade) do Serviço Social na reprodução social, os resultados qualitativos de sua intervenção, os produtos de sua atuação profissional. A partir das elaborações teórico-conceituais apresentadas no estudo desses eixos, foi verificada a incidência, apreensão e adaptação do pensamento de Gramsci, realizada pelos autores do Serviço Social. Nas primeiras aproximações à base bibliográfica previamente definida – articuladas ao estudo das pesquisas já realizadas sobre a circulação das ideias de Gramsci no Serviço Social – observamos que a produção teórica de determinados protagonistas assumiu centralidade para a apreensão do objeto. E o conjunto mais amplo da produção da área do Serviço Social, de certo modo gravitava da assimilação |de Gramsci desdobrada por esses protagonistas principais. Desse modo, embora a pesquisa tenha absorvido um amplo leque de produções bibliográficas na sua apreciação panorâmica sobre a presença de Gramsci no Serviço Social, uma seleção mais restrita de textos foi verificada como de maior peso para uma análise em profundidade, a partir da qual foram costuradas as informações sobre o quadro mais amplo da literatura profissional. Concretamente, foram as elaborações teóricas de Vicente de Paula Faleiros e Marilda Iamamoto que demonstraram essa posição estratégica na assimilação e circulação das ideias de Gramsci na apreensão do significado social do Serviço Social nas relações sociais – pelos motivos que serão apresentados nos resultados da pesquisa, onde igualmente informaremos as obras que foram objeto de análise mais detida. Gramsci no Serviço Social I 25 Esse estudo sobre a incidência e assimilação das ideias de Gramscino Serviço Social se debruçou – utilizando como matéria- prima as elaborações teórico-conceituais provenientes do estudo daqueles três eixos – sobre uma tripla dimensão dessas interpretações de Gramsci: 1°) um aspecto mais estritamente formal, ou seja, o método de estudo do pensamento gramsciano subjacente à pesquisa/interpretação que os autores do Serviço Social desenvolvem na sua recorrência ao mesmo – aqui, além do critério sobre o uso de fontes indiretas ou originais, coube perquirir sobre a remissão a edições específicas da obra (mais ou menos problemáticas), a adoção (ou não) da noção acerca do caráter fragmentário e inconcluso da reflexão gramsciana, a utilização (ou não) do método de restauração do léxico gramsciano, dentre outros; 2) um aspecto relacionado às balizas metodológicas, isto é, a apropriação (ou não) dos fundamentos teórico-metodológicos com os quais Gramsci labora – aqui, trata-se da perspectiva de totalidade para a determinação do conteúdo teórico e histórico das suas categorias, comumente fixada pela noção de bloco-histórico nos Cadernos do Cárcere; e 3) um aspecto mais teórico-conceitual, a interpretação fornecida às categorias gramscianas que foram absorvidas nas análises dos três eixos antes referidos – aqui, além do mapeamento das categorias de Gramsci mais utilizadas, avaliamos sua interpretação e apropriação no quadro teórico sobre o significado social da profissão na sociedade capitalista. O caráter das fontes de dados aos quais recorremos – diga-se, a busca quase exclusiva por sistematizações publicadas em livros, em sua maioria já consolidados no mercado editorial da área do Serviço Social – remeteu o estudo às estratégias e técnicas próprias das Gramsci no Serviço Social I 26 pesquisas com delineamento bibliográfico.22 É conhecido que esse tipo de delineamento permite a cobertura de (e acesso à) uma gama de fenômenos muito mais ampla do que aquela que o pesquisador poderia captar diretamente (GIL, 1987). Essa característica oportuniza que o raio da problemática ganhe maior abrangência – em nossa pesquisa, isso se expressa no fato de que ela examina problemáticas ideoteóricas que afetam o Serviço Social nacionalmente, e desde as últimas décadas. Por outro lado, o delineamento bibliográfico apresenta a desvantagem de que o trabalho com dados secundários poderia distorcer o resultado final do estudo – tendo em vista o risco de que os critérios das investigações que primariamente coletaram e sistematizaram esses dados tenham sido comprometidos de alguma forma. Em nosso caso, essa desvantagem é contornada, na medida em que são as próprias sistematizações teóricas que compõem a matéria-prima da análise, e não as possíveis instâncias de realidade que elas apreenderam. O que nos interessou, a priori, foram as teorizações, as construções teóricas, que são diretamente acessadas nos livros alvos da pesquisa. Ademais, sabe-se que a pesquisa com fontes bibliográficas tem fornecido grande auxílio aos estudos históricos, posto que as possibilidades de conhecimento de fatos passados, em variadas circunstâncias, não podem ser alcançadas, senão através de fontes secundárias. Nossa experiência precedente com estudos bibliográficos (e pesquisas documentais) alertou para a necessidade de programarmos previamente a realização de algumas tarefas, visando à coleta, organização e análise dos dados. Prevemos um roteiro que se 22 Gil (1987, p. 70) afirma que, na atividade de pesquisa, o delineamento se refere ao “[...] planejamento da pesquisa em sua dimensão mais ampla, envolvendo tanto a sua diagramação quanto a previsão de análise e interpretação dos dados. Entre outros aspectos, o delineamento considera o ambiente em que são coletados os dados, bem como as formas de controle das variáveis envolvidas”. Gramsci no Serviço Social I 27 aproximou daquele esboçado em Gil (1987, p. 72-73):23 1) exploração das fontes bibliográficas, que permitiu obter importantes informações sobre os livros estudados, seus conteúdos gerais, contextos históricos e políticos, etc.; 2) leitura e estudo do material, trabalhando com o enfoque nos eixos de análise selecionados e balizando-se pelas hipóteses diretrizes24 construídas (e reconstruídas) a partir de aproximações sucessivas à realidade pesquisada; 3) elaboração de fichamento, catalogando aspectos decisivos das sistematizações teóricas recolhidas, que interessavam à resolução do problema de pesquisa; 4) análise teórica e histórica dos dados coletados, conforme a problemática e os objetivos da pesquisa. Assumimos a perspectiva teórico-metodológica estratégica da crítica ontológica das construções teórico-ideológicas. A perspectiva que orientou a abordagem desse estudo referencia-se na concepção de “crítica ontológica” identificada por Lukács (1979) como o procedimento fundamental desenvolvido por Marx. O que significa tratar as sistematizações teóricas (e suas correspondentes dimensões político-ideológicas) não apenas na sua historicidade, mas buscar suas vinculações orgânicas e nexos constitutivos com a totalidade social em causa. Tal abordagem parte da totalidade do ser social historicamente constituído e busca apreender o objeto determinado em todas as suas intricadas e múltiplas relações com essa totalidade, no grau de máxima aproximação possível. Tratou-se de uma 23 Veja-se também as indicações de Lakatos e Marconi (2002), informando que a pesquisa com publicações (livros, teses, monografias, etc.) envolve, normalmente, quatro fases distintas: identificação, localização, compilação e fichamento. Essa última fase compreenderia as subfases de redação da ficha, classificação das fichas e crítica documental/bibliográfica. 24 Para Fernandes (1976) apud Iamamoto e Carvalho (2005, pp. 71-72, notas), as hipóteses diretrizes “[...] constituem ‘a base estratégica para a investigação do fenômeno...’; não são concebidas ‘como hipóteses para verificação, inferidas empiricamente por meio da pesquisa anterior; mas hipóteses de trabalho baseadas nos quadros reais da pesquisa e formuladas com o fim de orientar teoricamente a pesquisa’”. Gramsci no Serviço Social I 28 abordagem que “[...] no processo de generalização, nunca abandona esse nível, mas que, apesar disso, em toda verificação de fatos singulares, em toda reprodução ideal de uma conexão concreta, tem sempre em vista a totalidade do ser social e utiliza essa como metro para avaliar a realidade e o significado de cada fenômeno singular” (LUKÁCS, 1979, p. 27). Consistiu, portanto, em tentar não coagular os fenômenos estudados em abstrações, pondo-as acima dos mesmos, mas de, ao contrário, captá-los em plena concreticidade da forma de ser que lhe é própria. Nesse percurso, embora tenha sido indispensável o recurso às abstrações e generalizações, foi igualmente fundamental a especificação dos complexos e das conexões concretas. Ou seja, foi necessário examinar a incidência de determinadas leis, de sua concretização, modificação, tendencialidade, de sua atuação concreta em situações concretas determinadas (LUKÁCS, 1979). Isso nos remete à reflexão de como, precisamente, a questão do método esboçada por Marx (2013) foi útil na análise da nossa problemática particular. Em um dos poucos momentos nos quais esse autor enveredou em formulações de ordem estritamente metodológica25, tentou advertir os leitores sobre a differentia specifica do seu empreendimento, frente aos campos habituais de produção do conhecimento: “[...] na análise das formas econômicas não podemos nos servir de microscópio nem de reagentes químicos. A força da abstração [Abstraktionskraft] deve substituir-se a ambos” (MARX, 2013, p. 78). O ato da “abstração” constitui um meiopelo qual a “representação caótica do todo” tem seus elementos constitutivos separados analiticamente, para que possam ser apropriados no plano do pensamento em todos os seus pormenores. Segundo Dussel (2012, p. 52): “O ato da abstração é analítico no sentido de separar da ‘representação plena’ um a um os seus múltiplos conteúdos neoéticos (momentos da realidade da própria 25 Para um debate mais detido acerca da reflexão metodológica da obra marxiana, ver Netto (2011). Desenvolvemos, também, algumas considerações a respeito da relação entre método e história em Marx no artigo Silveira Jr. (2012). Gramsci no Serviço Social I 29 coisa); separa uma parte do todo e o considera como todo”. Apropriadas, de modo adequado, as “determinações abstratas” que compõem o objeto em questão, pode-se iniciar a “viagem de retorno” no sentido de reproduzir o objeto enquanto síntese dialética de múltiplas determinações, enquanto “totalidade concreta” (MARX, 2011, p. 54). A análise da apropriação da reflexão de Gramsci no quadro teórico-crítico do Serviço Social supôs um procedimento semelhante. Sem pretensão de saturar as definições metodológicas necessárias ao desenvolvimento da investigação, coube-nos partir de alguns daqueles movimentos de “abstração” (enquanto ato analítico) que antevemos, dadas as determinações concretas desse objeto, já preliminar e aproximativamente delineadas através do nosso contato com a literatura do Serviço Social, os intérpretes de Gramsci e os escritos carcerários.26 De posse dos dados coletados na literatura estudada, resultante do estudo que se debruçou sobre aqueles três eixos da assimilação de Gramsci no Serviço Social, buscamos alcançar: 1) Os condicionantes históricos e políticos da difusão (e recepção) dos primeiros estudos gramscianos, da própria obra desse autor e de suas vicissitudes editoriais e interpretativas no mundo e, particularmente, no Brasil. Com isso, visamos apreender as determinações políticas que conformaram a modalidade de apropriação específica dessa obra pelo Serviço Social na conjuntura brasileira dos anos 1970-1990. Aqui, tomamos como pressuposto uma forte ponderação dos fatores político-sociais (com ênfase na particularidade da chamada “transição democrática” aberta com a crise do ciclo ditatorial) na determinação do tipo de interpretação que essa obra sofreu pelo Serviço Social no país (assim como por outras áreas das ciências sociais e humanas, e por movimentos políticos e 26 As principais sínteses de nossas aproximações à obra carcerária encontram-se em Silveira Jr. (2014a, 2014b, 2014c, 2015, 2016). Gramsci no Serviço Social I 30 sociais). No caso do estágio do desenvolvimento profissional, isso significa nuançar as mudanças no lastro ideal e político que o Serviço Social operou internamente, em interação com essa conjuntura específica, e que impulsionaram, com intensidade especial, a absorção de algumas problematizações e ideias gramscianas. Ressaltamos, de outro lado, que a ponderação desses fatores político-sociais, no caso do Serviço Social, apenas ganha relevo e densidade considerando-se a própria base da profissionalidade desse tipo de trabalho assalariado, inscrito da divisão social (e técnica) do trabalho. Apontamos, assim, para a hipótese de Netto (2005) acerca de como o sincretismo inscrito na base da profissionalidade do Serviço Social tende a implicar na construção de lastros ideais, e de validação teórica, marcados pelo ecletismo, o que demonstrou ter ocorrido, inclusive, com a recepção do pensamento gramsciano. 2) As principais problematizações e elementos categorias gramscianos absorvidos no quadro teórico-crítico do Serviço Social brasileiro no estágio da “intenção de ruptura”, analisando as modalidades dessa interpretação e como ela operou articulações (sincréticas ou não) com problemas e fundamentos conceituais de outros interlocutores da tradição marxista, das correntes socialdemocratas e mesmo liberais. Esse momento analítico é mais propriamente teórico-metodológico, dedicando-se às questões de filtragem, adaptação e transplantação de formulações conceituais para a elaboração ideal do Serviço Social. Aproveita, portanto, o acúmulo teórico disponível dos estudos gramscianos sobre as categorias dos Cadernos do Cárcere, além de contar com o nosso esforço próprio de interpretação dessa obra, para poder estabelecer uma base madura para a avaliação da recepção e assimilação de Gramsci no Serviço Social. Gramsci no Serviço Social I 31 3) As implicações ideológicas (e políticas) para a cultura profissional das interpretações (específicas e socialmente determinadas) de Gramsci que o quadro teórico-crítico do Serviço Social brasileiro realizou entre 1970-2000. Esse estágio analítico fornece insumos para o estudo da formação da cultura profissional crítica, em específico sua dimensão político- pedagógica (portanto, como parte das relações de hegemonia entre as classes). Aqui, foi nossa tarefa perquirir sobre determinadas articulações teóricas, filtradas e absorvidas para o quadro teórico do Serviço Social brasileiro, que se constituem ideologias orgânicas refratadas nesse circuito profissional específico, ou seja, cooperam para dirigir o horizonte intelectual e moral do corpo profissional de acordo com os interesses de supremacia das classes em luta na sociedade. Nesse ponto, apresenta-se a fronteira (linha de transição e, portanto, o limite) da pesquisa ora proposta, posto que seu aprofundamento requer uma pesquisa que translade o campo da validação teórica e aborde os outros planos da cultura profissional. Os resultados gerais do estudo foram sistematizados na forma das duas sínteses apresentadas na sequência, construídas como textos independentes, a partir da análise sobre a presença de Gramsci nas elaborações de Vicente de Paula Faleiros e Marilda Iamamoto. Referências ABREU, Marina Maciel. 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Em especial, objetiva analisar tais processos na produção de Vicente de Paula Faleiros, assistente social com conhecida influência teórica e profissional nos quadros acadêmicos e corporativos do Serviço Social que se engajaram, após finais de 1970, na afirmação de um projeto crítico de ruptura com o tradicionalismo. O estudo pretende contribuir com as pesquisas sobre a influência de Gramsci na construção teórica sobre o significado social do exercício profissional em suas conexões com a produção-reprodução capitalista. Através disso, almeja apreender o modo pelo qual as formulações gramscianas foram absorvidas por esse aparato teórico- crítico, e as implicações político-ideológicas decorrentes dessas tendências de interpretação. De modo mais preciso, o estudo se debruça sobre recepção e assimilação de Gramsci no quadro teórico do Serviço Social brasileiro legatário da “intenção de ruptura” (NETTO, 2004). Mas não se trata de uma análise extensiva da interpretação do pensamento de Gramsci em pesquisas do Serviço Social que necessariamente se assumem vinculadas aos aportes gramscianos, como o fez Simionatto (1999). Nem de examinar amplamente a produção teórica recente do Serviço Social brasileiro que se fundamenta nesse pensador, como o fizeram Gramsci no Serviço Social I 38 Negri (2016) e Simionatto e Negri (2017). Diferentemente, delimitamos a absorção das formulações teórico-metodológicas de Gramsci na elaboração teórica do Serviço Social que fundamentou a análise do significado social da profissão a partir da “intenção de ruptura”. A intenção é rastrear e analisar a contribuição de Gramsci para a construção do aparato teórico-crítico a partir do qual esse veio da renovação do Serviço Social brasileiro forjou sua interpretação da profissão na produção-reproduçãodas relações sociais. Com isso, desejamos apreender o papel que as ideias associadas a Gramsci possuíram (e possuem) para a construção de uma cultura profissional determinada no Serviço Social – especialmente na sua elaboração teórica sistemática, mas também com seus impactos no modo de pensar do corpo profissional em geral. Assim, a pesquisa centra-se, não exclusivamente na interpretação (ou nas leituras) de Gramsci na área de conhecimento do Serviço Social, mas em identificar as modalidades de apropriação do seu pensamento pelos/as autores/as que colaboraram (e colaboram) na construção dos fundamentos da análise da profissão. Nossa problemática envolve as determinações e tendências da divulgação e circulação das ideias de Gramsci no Brasil. Nesse quadro, se desenvolvem e expressam a assimilação e interpretação das mesmas em elaborações teóricas e políticas diversas, com pretensões analíticas variadas. Tais elaborações são constitutivas de um amplo leque de interpretações de Gramsci – frequentemente alimentadas também por outras fontes e/ou tradições teóricas – que, embora sustentando vínculos com seu universo teórico-metodológico, resultam em construções ideais particulares e originais. Com caráter bibliográfico, o estudo possuiu como fonte principal a produção teórica do Faleiros, da qual foram cotejados os livros das décadas de 1980 e 1990 que possuíam como problemática central o Serviço Social, seus fundamentos históricos e bases ocupacionais, em especial: Trabajo social - ideología y método, de 1972 (FALEIROS, 1976); A política social do Estado capitalista, de 1980 Gramsci no Serviço Social I 39 (FALEIROS, 1980a); Metodologia e Ideologia do Trabalho Social: crítica ao funcionalismo, de 1981 (FALEIROS, 2011); Saber Profissional e Poder Institucional, de 1985 (FALEIROS, 1997); O Que é Política Social? de 1985 (FALEIROS, 2004); Estratégias em Serviço Social, de 1997 (FALEIROS, 1999). De tal universo, nosso estudo se deteve nas obras em que a reflexão de Gramsci se expressa de modo pioneiro, com desenvolvimentos mais substanciais e balizadores, para reflexão sobre o significado social do Serviço Social: o já citado Metodologia e Ideologia... (FALEIROS, 2011) e sua primeira edição em espanhol.27 Para conhecer a trajetória pessoal, profissional e acadêmica de Faleiros, tomamos como subsídio os depoimentos e entrevistas fornecidos pelo autor em Faleiros (1980b, 2007), Silva (1991) e Simionatto (1999). Ademais, as análises se fundamentam na leitura da história da profissão já consolidada por importantes pesquisadores/as (IAMAMOTO e CARVALHO, 2005; IAMAMOTO, 2010; CARVALHO, 1986; NETTO, 2004; SIMIONATO, 1999). Inicialmente, o texto busca fixar o lugar e a contribuição de Faleiros para a circulação e interpretação do pensamento de Gramsci no Serviço Social brasileiro, quando das primeiras aproximações ao autor dos Cadernos do Cárcere na área. Em seguida, é analisado o livro Metodologia e Ideologia do Trabalho Social: crítica ao funcionalismo (FALEIROS, 2011), considerando a apropriação que opera de Gramsci para pensar o Serviço Social nas relações sociais, e as perspectivas profissionais decorrentes. 27 As demais obras e artigos cotejados expressaram, no geral, sínteses parciais e passageiras, das questões levantadas em Metodologia e Ideologia... Além disso, em tal literatura, as referências a Gramsci, quando não desvanecem completamente, são bastante episódicas. Gramsci no Serviço Social I 40 1.1 O lugar de Faleiros na recepção de Gramsci no Serviço Social brasileiro No precursor estudo sobre a influência de Gramsci no Serviço Social brasileiro, Simionatto (1999, p. 188, nota) apresenta o seguinte apontamento histórico: “Vicente de Paula Faleiros é o primeiro profissional, no Brasil e provavelmente na América Latina, a utilizar o pensamento gramsciano nas reflexões sobre o Serviço Social”. Tal argumento apenas teria validade considerando-se a referência à Gramsci no livro Trabajo social - ideología y método, publicado por Faleiros em 1972, através da Libreria ECRO de Buenos Aires. Após esses anos, já não se conseguiria apontar um sujeito isolado; Gramsci passava a penetrar o Serviço Social brasileiro por diversos poros. Em todo caso, com efeito, parece justo reconhecer tal pioneirismo. Contudo ele se reduz, basicamente, a uma remissão pontual, alusiva e imprecisa que o autor do livro de 1972 faz a Gramsci.28 Remissão cujo significado é muito menos teórico-analítico do que simbólico. Isso posto, nosso estudo sinaliza para outras duas reservas que podem ser dirigidas àquela formulação de Simionatto (1999), visando precisá-la. Primeiro, inobstante Faleiros29 seja originário do Brasil, e tenha constituído, no país, sua formação em Serviço Social, além de parte inaugural significativa da vida militante e profissional, as elaborações reunidas no livro Trabajo Social: ideología y método (assim como sua publicação mesma) se desdobram das experiências e articulações 28 Em todo o livro, apenas nesse isolado extrato, no debate sobre o conceito de ideologia, Gramsci aparece, sem qualquer indicação de fonte bibliográfica: “La ideologia asegura la cohesión social, una hegemonización de la sociedad. Según Gramsci es el cemento de la estructura social y está presente em toda vivencia humana.” (FALEIROS, 1976, p 33). É curioso como algumas passagens dos estudos de Simionatto (1999, p. 188) e de Carvalho (1986, p. 170) acabam por sugerir que a incorporação de Gramsci na obra de 1972 foi maior do que efetivamente se observa - também Iamamoto (2010, p. 294) esboça uma opinião correlata. 29 Conferir Apêndice n° 1 – Nota Biográfica de Vicente de Paula Faleiros. Gramsci no Serviço Social I 41 político-profissionais durante seu exílio. Embora fosse um profissional do Brasil (e capitalizasse a experiência ali acumulada para suas subsequentes elaborações), são circunstâncias e dinâmicas alheias a sua realidade nacional que precipitam os textos daquele livro. Trata-se de uma produção organicamente vinculada à luta política e profissional no Chile; cujo significado teórico ultrapassava, obviamente, essas fronteiras. Mesmo durante seu posterior exílio no Canadá, os intercâmbios travados por Faleiros passavam ao largo do debate brasileiro30 – malgrado se sua produção influenciasse ou não no debate do Serviço Social brasileiro.31 Grosso modo: embora um profissional brasileiro, não é no Brasil – nem direta e precisamente a partir de e para o que ocorria aí em termos de Serviço Social – que Faleiros escreve aquele texto de 1972 em que Gramsci aparece pioneira e simbolicamente. Segundo, pode-se dizer que apenas no início dos anos 1980 ganham um estatuto qualitativamente novo essas características da contribuição de Faleiros para o Serviço Social brasileiro. A partir desse marco, o centro de gravidade de suas problematizações e elaborações (ou reelaborações) é deslocado para o processo renovador da profissão no país. E nesse curso, a recepção de Gramsci em suas publicações perde aquele caráter meramente simbólico para adquirir alguma importância efetivamente teórico-analítica. Em primeiro lugar, 30 Assim recorda suas ligações com o Serviço Social de outros países no período que esteve no Canadá: “[No exílio] eu recebi alguns textos do CELATS – porque, do Canadá eu fui ao Mestrado Latino Americano, duas vezes: fui ao Peru e fui ao México. Então, eu tive mais contato com o México e o Peru, e o Mestrado em Honduras, que com o Brasil. Eu recebia um ou outro texto. Por exemplo: me mandaram o texto de Anna Augusta, ‘Possibilidades e Limites”... Que mais chegou para mim, lá? É... acho que umarevista ou outra do Debates Sociais...[...]” (FALEIROS apud SILVA, 1991, p. 428). 31 Sobre essa influência, observa Netto (2005, p. 272-273): “Exilado desde 1970, este profissional incide fortemente sobre as vanguardas progressistas [do Serviço Social brasileiro] a partir da publicação, em Buenos Aires, do seu primeiro trabalho significativo – que, circulando muito discretamente no Brasil, em função das condições sócio-políticas da época, constituiu obra basilar como insumo para a emergência e desenvolvimento da intenção de ruptura”. Gramsci no Serviço Social I 42 tal marco é definido pelo seu retorno ao país em junho de 1979, no contexto da luta pela anistia. É sintomático que o regresso seja marcado pela sua participação no III Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais (o chamado “Congresso da Virada”), ocorrido em setembro do mesmo ano na cidade de São Paulo. Ademais, em 1981 o livro Trabajo Social: ideología y método32 ganha uma edição brasileira em português, revisada e ampliada pelo autor, com o título Metodologia e Ideologia do Trabalho Social (FALEIROS, 2011). O detalhado estudo de Carvalho (1986, p. 165) sinaliza para a relevância das alterações feitas: “[...] apesar de ser definida como uma edição revisada e ampliada do original em espanhol, apresenta efetivamente uma mudança qualitativa em termos de proposta de Trabalho Social”. Dentre as notáveis alterações – elucidadas por Carvalho (1986) – figura uma incorporação mais consistente de Gramsci no texto; o que não significa uma apropriação que passa sem problemas. Todavia, nessa altura, a recorrência aos Cadernos do Cárcere na literatura especializada que começava a germinar na área do Serviço Social já não consistia propriamente num ineditismo. Daí se desdobram algumas implicações para avançarmos na questão das vias de recepção de Gramsci no Serviço Social; implicações cujo significado histórico não foi suficientemente enfatizado e explorado. Do ponto de vista dos empreendimentos iniciais, essa incorporação deslancha com caráter policêntrico (ou multicêntrico) – parece forçado sugerir a existência de um personagem pioneiro que haveria encarnado isoladamente esse feito. Ademais, não necessariamente os diversos condutos por onde ela 32 Nesse momento, o livro em espanhol já ia na sua terceira edição; depois da primeira, lançada em maio de 1972, uma segunda saiu em abril de 1974, e uma terceira em outubro de 1976. Cabe salientar, ademais, que em seu artigo de 1979, Espaço institucional e espaço profissional na revista Serviço Social & Sociedade (ano 1, nº 1, p. 137-153), Faleiros já sinaliza para a leitura das instituições, com clara marcas gramscianas, como aparelhos para o desenvolvimento e consolidação do consenso social necessários à hegemonia e direção das classes dominantes, identificadas no plano da sociedade civil (FALEIROS, 1979, p. 139-140). Gramsci no Serviço Social I 43 passou a existir influenciavam-se reciprocamente. Tudo sugere que algumas iniciativas ocorriam sem contato mútuo, marcando-se por um certo paralelismo – algo, em alguma medida, explicado pela pulverização mesma que a ditadura promoveu nas forças teórico- políticas tendentes àquela assimilação. O caráter policêntrico não se reduz a multiplicidade objetiva de sujeitos que protagonizaram a circulação e assimilação de Gramsci. Ele também assinala a diversidade teórico-política dos polos por onde desaguou inicialmente a elaboração gramsciana. Não é nossa pretensão esquadrinhar o arco de protagonistas desse processo; algo já fornecido por Simionatto (1999, p. 177-212) de modo bastante aproximativo. Interessa apenas sinalizar para os três polos mais representativos – donde se esboçam, após a segunda metade de 1970, os iniciais estudos e remissões a Gramsci no Serviço Social: (I) no âmbito da teorização empreendida pela “vertente modernizadora” (NETTO, 2004) em seu estágio de deslocamento e crise – especificamente no III Seminário de Teorização do Serviço Social, ocorrido em Sumaré, no final de novembro de 1978, a partir da intervenção de Creusa Capalbo (CAPALBO, 1986, 1979); (II) nos trabalhos de articulação latino-americana do Serviço Social com incidência no desenvolvimento da “intenção de ruptura” (NETTO, 2004) – com destaque para as pesquisas, eventos e periódicos organizados pela Associação Latino-Americana de Escolas de Trabalho Social (ALAETS) e o Centro Latino-Americano de Trabajo Social Gramsci no Serviço Social I 44 (CELATS), também após finais da década;33 e (III) nos estudos e pesquisas, em âmbito universitário, principalmente nas pós- graduações na área do Serviço Social (ou afins) localizadas no sudeste, centro-oeste e norte no país34 – este, notadamente, foi o de maior importância, inclusive porque colaborava para a formação de alguns protagonistas que intervinham nos polos anteriores. 33 Pense-se em dois eventos onde se observam debates com filiação gramsciana: o Simpósio de Playas, promovido pelo CELATS, em Guayaquil (Equador), em outubro de 1978; e o Encontro Nacional de Capacitação Continuada, promovido pelo CELATS no Rio de Janeiro, em agosto de 1979. Ademais, observe-se algumas remissões a Gramsci na Revista Acción Crítica (nº 5, abr., 1979; nº 6, set. 1979), onde se registram os debates dos eventos citados. No plano da pesquisa, basta mencionar a grande investigação, patrocinada pelo CELATS, sobre a História do Trabalho Social na América Latina, durante 1978-1979, que, no desdobramento relativo ao Serviço Social no Brasil, resultou no trabalho de Iamamoto e Carvalho (2005), com evidentes referências a Gramsci (CARDOSO e CESAR, 2015). 34 Nomeadamente, as primeiras aproximações a Gramsci, nesse âmbito, remetem aos esforços dos seguintes protagonistas: (1) Safira Bezerra Ammann, após 1975, no contexto do seu mestrado em Sociologia (entre 1973-1976, Universidade de Brasília) e do seu doutorado em Serviço Social (entre 1977-1979, na Universidade Federal Fluminense); (2) o grupo de alunas orientadas por Miriam Limoeiro Cardoso, durante o mestrado em Serviço Social da PUC-RJ, entre 1975 e início de 1980 – especificamente, Josefa Batista Lopes, Maria de Guadalupe Silva, Gelba Cavalcanti Cerqueira, Zulma Maria Lima de Souza, Alba Maria Pinho de Carvalho, além de duas não orientadas por Míriam, mas com eixo de reflexão comum, Maria Helena de Almeida Lima e Rose Mary Serra; (3) o grupo do Curso de Serviço Social da UFMA que – articulando a participação de Miriam Limoeiro Cardoso, a partir de vínculos estabelecidos no Mestrado da PUC-RJ – desenvolvia uma reflexão sobre a questão metodológica da prática profissional, subsidiada pela experiência com pescadores artesanais no bairro do Boqueirão – aqui se destacam Franci Gomes Cardoso, Marina Maciel Abreu, Josefa Batista Lopes, Maria Aparecida Fernandes, Edna Brito Ribeiro e, posteriormente, Alba Maria Pinho de Carvalho; (4) entre alunos do Curso de Pós-graduação em Serviço Social da PUC-SP, onde as primeiras discussões emergem a partir de disciplinas ministradas por Demerval Saviani, Evaldo Vieira, Octavio Ianni e Nobuco Kameyama – aqui destaca-se a dissertação de Maria da Conceição Vasconcelos Gonçalves, de 1977 (SIMIONATTO, 1999). A pesquisa de mestrado de Marilda Villela Iamamoto é um caso especial, nesse contexto: realizada entre 1976-1982 no Mestrado em Sociologia Rural da Universidade de São Paulo, assumiu um redirecionamento do objeto para o plano nos fundamentos do Serviço Social que derivou numa das mais importantes pesquisas desse período. Gramsci no Serviço Social I 45 Esse quadro policêntrico da divulgação e assimilação de Gramsci no Serviço Social brasileiro possui, por sua vez, uma implicação direta para a análise da edição
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