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Anais do III Congresso de Saúde Mental da UFSCar Artigos completos Taís Bleicher Gustavo Emanuel Cerqueira Menezes Júnior Maycon Leandro Conceição Simone Peixoto Conejo (Organizadores) - 1 - Organizadores: Taís Bleicher Gustavo Emanuel Cerqueira Menezes Júnior Maycon Leandro Conceição Simone Peixoto Conejo Avaliadores: Anna Karynne da Silva Melo Crispim Antonio Campos Daniela Vitti Ribeiro da Silva Fabiana Cristina de Souza Gustavo Emanuel Cerqueira Menezes Júnior Larissa Campagna Martini Maria Fernanda Barboza Cid Maycon Leandro Conceição Simone Peixoto Conejo Taís Bleicher Arte da capa: Raíssa Sansaloni Anais do III Congresso de Saúde Mental da UFSCar: artigos completos São Carlos – SP Janeiro de 2021 - 2 - Ficha catalográfica elaborada pelo DePT da Biblioteca comunitária da UFSCar C749s III Congresso de Saúde Mental da UFSCar (3 : 2019 : São Carlos, SP) Anais do III Congresso de Saúde Mental da UFSCar: artigos completos / III Congresso de Saúde Mental da UFSCar, 04-06 outubro 2019. -- Documento eletrônico. -- São Carlos, SP, Brasil; organizadores: Taís Bleicher ... [et al.]. – São Carlos: Universidade Federal de São Carlos, 2021. – 169 p.- Modo de acesso: https://congressosm3.faiufscar.com/anais#/ ISBN 978-65-990627-7-3 1. Saúde mental. 2. Práticas em saúde mental. 3. Universidade Federal de São Carlos. I. Título. CDD – 362.2 (20a) CDU – 371.78 - 3 - SUMÁRIO APRESENTAÇÃO ...................................................................................................................... 4 FATORES ASSOCIADOS AO CONSUMO DE PSICOFÁRMACOS POR FAMILIARES CUIDADORES DE PESSOAS COM TRANSTORNO BIPOLAR ....................... 5 OS DIFERENTES OLHARES NA CONSTRUÇÃO DO PROJETO TERAPÊUTICO NO SERVIÇO RESIDENCIAL TERAPÊUTICO: RELATO DE EXPERIÊNCIA ...................... 19 DESAFIOS DE UM SERVIÇO RESIDENCIAL TERAPÊUTICO ............................................. 26 PROJETOS DE VIDA E GRAVIDEZ NA ADOLESCÊNCIA: IMPACTO NA SAÚDE MENTAL DE ESCOLARES ...................................................................................................... 35 QUALIDADE DE VIDA: ANÁLISE COMPARADA ENTRE ESTUDANTES DE MEDICINA DA 1° E 4° SÉRIES POR MEIO DO WHOQOL-BREF ......................................... 41 A CONSTRUÇÃO DA INTERSETORIALIDADE NOS SERVIÇOS DE SAÚDE MENTAL PELA PERCEPÇÃO DOS TRABALHADORES DA REDE ...................................... 47 DIREITOS HUMANOS & SAÚDE MENTAL: MEDIAÇÕES DO MINISTÉRIO PÚBLICO NA CRIAÇÃO DE RESIDÊNCIAS TERAPÊUTICAS ............................................. 59 ATUAÇÃO DE UM PROFISSIONAL DE EDUCAÇÃO FÍSICA COMO PARTE INTEGRANTE DE EQUIPE MULTIDISCIPLINAR EM UM CAPS II ....................................... 70 ENCONTROS, PARCERIAS E CONSTRUÇÕES: A BUSCA PELA INTEGRALIDADE DO CUIDADO EM UM GRUPO DE MULHERES NA COMUNIDADE ................................... 77 ATUAÇÃO DA PSICOLOGIA NA ATENÇÃO BÁSICA: DESAFIOS DA PRÁXIS EM UMA UNIDADE DE SAÚDE DA FAMÍLIA ................................................................................ 85 A PRODUÇÃO DO CUIDADO EM SAÚDE MENTAL NA ESTRATÉGIA SAÚDE DA FAMÍLIA .................................................................................................................................... 95 A ATENÇÃO INTERDISCIPLINAR À SAÚDE DO TRABALHADOR NO CONTEXTO DE UMA EMPRESA DE ECONOMIA MISTA: OS DESAFIOS NA CONSTRUÇÃO DE REDES DE SUPORTE .......................................................................................................... 106 NECESSIDADES E FRAGILIDADES DA POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE RUA NO ATENDIMENTO EM SAÚDE MENTAL: UMA REVISÃO INTEGRATIVA .............................. 111 RELATO DE EXPERIÊNCIA: A ORGANIZAÇÃO DOS FÓRUNS ESTADUAIS DE REDUÇÃO DE DANOS EM CONTEXTOS UNIVERSITÁRIOS ........................................... 118 POTÊNCIAS E POSSIBILIDADES NOS MATRICIAMENTOS DE UM CAPS AD III EM UNIDADES BÁSICAS DE SAÚDE: UM RELATO DE EXPERIÊNCIA ................................. 126 A IMPORTÂNCIA DO TRABALHO INTERDISCIPLINAR EM SAÚDE MENTAL NO TRATAMENTO DE SINTOMAS DE ANSIEDADE, DEPRESSÃO E TDAH EM CRIANÇA ............................................................................................................................... 133 APOIA USP: RELATO DE EXPERIÊNCIA DA CONSTRUÇÃO DE UM SERVIÇO DE ATENÇÃO PSICOSSOCIAL NO CAMPUS DA USP SÃO CARLOS .................................... 139 UM RELATO DE EXPERIÊNCIA DO TRABALHO PSICOLÓGICO NO PRONTO ATENDIMENTO DE UM HOSPITAL MUNICIPAL ................................................................. 150 ASSISTÊNCIA ESTUDANTIL E SAÚDE MENTAL: UMA REVISÃO BIBLIOGRÁFICA FOCADA NA REALIDADE DE UNIVERSIDADES FEDERAIS BRASILEIRAS.................... 158 - 4 - APRESENTAÇÃO O Congresso de Saúde Mental da UFSCar consagrou-se como momento máximo de encontro de pesquisadores, profissionais do campo e discentes dedicados ao tema da Saúde Mental, no âmbito da Universidade Federal de São Carlos. Em 2019, o congresso teve como tema “A importância da interdisciplinaridade frente aos desafios atuais”, com os seguintes eixos temáticos: experiências interdisciplinares em Saúde Mental; Desafios atuais em Saúde Mental e sistemas universais de saúde; Saúde mental na universidade: estudantes, técnicos e docentes; Saúde Mental e grupos vulneráveis. O evento reuniu, em sua organização, pesquisadores de departamentos diversos (Medicina, Psicologia, Terapia Ocupacional, etc.), da Universidade Federal de São Carlos e de outras universidades brasileiras (ITES, UNIFOR, UFBA, USP, UNIARA, UNICEP, Universidade de São Francisco, etc.), programas de pós-graduação (como o programa de Gestão da Clínica - UFSCar), e demais espaços de formação (estágios do curso de Psicologia, etc.), articulando, portanto, ensino, pesquisa, extensão e estágios, no âmbito da graduação e da pós-graduação. Temos falado sobre Saúde Mental, mas como? Em um contexto macropolítico que precisa fazer crer que o sofrimento se reduz ao biológico, ao individual, ao passível de subordinação medicamentosa, é preciso retomar, reafirmar e atualizar velhos debates. Compreender o campo da Saúde Mental para além dos discursos de especialistas, no que possui de acúmulo, não só nas diversas disciplinas, mas, também, do saber popular e seus coletivos. O III Congresso de Saúde Mental da UFSCar reafirmou esta compreensão de mundo já presentes em suas edições anteriores e reiterou o que tem sido sua especificidade: pensar a Universidade integrada a este contexto maior. Assim, o III Congresso de Saúde Mental da UFSCar foi também o II Congresso Internacional Universidade e RAPS. Convidamos todos aqueles que se dedicam ao tema a apreciarem os trabalhos apresentados no congresso. Comissão organizadora do III Congresso de Saúde Mental da UFSCar - 5 - FATORES ASSOCIADOS AO CONSUMO DE PSICOFÁRMACOS POR FAMILIARES CUIDADORES DE PESSOAS COM TRANSTORNO BIPOLAR Danubia Cristina de Paula Adriana Inocenti Miasso Kelly Graziani Giacchero Vedana Universidade de São Paulo danubiac.paula@gmail.com; amiasso@hotmail.com; kellygiacchero@eerp.usp.br Resumo O objetivo deste estudo foi verificar a prevalência do consumo de psicofármacos e fatores associados em familiares cuidadores de pessoas com Transtorno Bipolar. Trata-se de estudo transversal para avaliar fatores associados ao consumo de psicofármacos entre os familiares cuidadores. Participaram 100 familiares mediante aplicação da escala de avaliação da sobrecarga familiar; escala de avaliação da qualidade de vida e questionários para verificar o consumo de psicofármacos e dados sociodemográficos.O consumo de psicofármacos foi de 32%, com predomínio de prescrições feitas por psiquiatras (41%), de antidepressivos (65,6%) e ansiolíticos (59,4%) e diferença estatisticamente significante quando o consumo é comparado com as variáveis sexo (p=0,031) e ocupação (p=0,006). A sobrecarga não apresentou associações estatisticamente significantes, enquanto a qualidade de vida foi melhor entre familiares cuidadores que não consumiam psicofármacos. Os resultados desta pesquisa oferecem maior compreensão do fenômeno estudado e subsídios para a melhoria da assistência para essa clientela. Palavras-chave: Familiares Cuidadores, Transtorno bipolar, Psicofármacos INTRODUÇÃO O Transtorno Bipolar (TB) é um transtorno mental potencialmente incapacitante, e o 2000-2012 Global Burden of Disease Study considera esse quadro psicopatológico como a sexta causa de invalidez nos homens, e a terceira em mulheres, considerando toda a população que apresenta algum tipo de incapacidade (WHO, 2014). No Brasil, o tratamento dos transtornos mentais, a partir de 1980, preconiza a reabilitação psicossocial, a redução dos leitos psiquiátricos e a reorganização dos serviços de saúde voltados para os atendimentos em saúde mental (Brasil, 2012). Nesse contexto, a família passa a ser protagonista na promoção e manutenção de saúde da pessoa com transtorno mental, pois representa importante prolongamento do projeto terapêutico iniciado nos serviços de saúde mental, tornando-se aliada na prestação de cuidado (Santos, Eulálio & Barros, 2015). A função do cuidado atribuída ao familiar pode resultar em sobrecarga e afetar a Qualidade de Vida (QV) desse indivíduo (Delibera, Presa, Barbosa & Leal, 2015), pois em alguns estudos a QV de cuidadores de pessoas com transtorno mental é considerada pior quando comparada à da população em geral (Margeti et al., 2013; Noghani et al., 2016; Wong, Lan, Chan & Chan, 2012). Estudo brasileiro realizado com familiares de pessoas com transtorno de humor identificou que os familiares experimentam importantes sofrimentos e percebem os medicamentos utilizados pela pessoa com transtorno de humor como uma fonte de “tranquilidade e preocupação” (Giacchero et al., 2016). mailto:danubiac.paula@gmail.com mailto:amiasso@hotmail.com mailto:kellygiacchero@eerp.usp.br - 6 - Contudo, não foram identificados estudos sobre o consumo de psicofármacos entre estes familiares e fatores associados. No Brasil, a assistência em saúde mental no Brasil parece valorizar o uso de psicofármacos como ferramenta de cuidado. Estudos brasileiros realizados com a população adulta identificaram prevalência de uso de 5,8% em um mês (Quintana et al., 2013), de 7,1% nos últimos 12 meses e 16,8% em qualquer momento da vida (Blay, Fillenbaum, Pitta & Peluro, 2014). Pesquisa brasileira conduzida com pessoas que buscavam atendimento na atenção primária à saúde encontrou uma taxa de consumo de 25,8% (Borges et al., 2016). Não foram identificados estudos que tenham investigado o consumo de tais medicamentos em familiares cuidadores de pessoas com TB. Para os referidos familiares tal aspecto pode ser muito importante, pois não se sabe ao certo se essas pessoas buscam o psicofármaco como alternativa de apoio diante da responsabilidade de cuidado com a pessoa com TB. Considerando a possibilidade de consumo de psicofármacos pelos familiares cuidadores de pessoas com TB e a importância de compreender os fatores envolvidos nesse consumo, o objetivo deste estudo foi verificar a prevalência do consumo de psicofármacos em familiares cuidadores de pessoas com TB e os possíveis fatores associados. MÉTODO O estudo é transversal e foi realizado com 100 participantes em três serviços da rede de saúde mental de um município do interior paulista (um serviço ambulatorial de um hospital terciário, um núcleo de saúde mental e um centro de atenção psicossocial). Para determinar os familiares elegíveis para o estudo, inicialmente foi realizado o levantamento de todas as pessoas com idade igual ou superior a 18 anos, com diagnóstico médico de TB de acordo com a 10ª edição da Classificação Internacional de Doenças/CID-10 (ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE, 2000), que tiveram consulta médica agendada nos serviços selecionados durante o ano da inserção da pesquisadora no serviço. Os critérios de inclusão foram: ser capaz de se comunicar verbalmente em português, ser mencionado pela pessoa com TB (acompanhada em algum dos serviços selecionados) como membro da família mais envolvido no cuidado dela e estar envolvido nas tarefas cotidianas de cuidado da pessoa com TB, não precisando necessariamente residir com essa pessoa. O critério de exclusão foi ter idade menor que 18 anos. Para identificar as variáveis: sexo, idade, escolaridade, estado civil, religião, ocupação, renda individual, renda familiar, número de moradores na casa, número de filhos e o consumo de psicofármacos, utilizou-se o Questionário sociodemográfico e consumo de psicofármacos, elaborado pela própria pesquisadora. Para a avaliação da sobrecarga utilizou-se a escala de avaliação da sobrecarga familiar The Family Burden Interview Schedule versão brasileira (FBIS-BR). A FBIS-BR é uma escala que avalia a sobrecarga de familiares de pacientes psiquiátricos de diferentes grupos e foi aplicada individualmente em todos os participantes pela pesquisadora. Os itens dos instrumentos têm como referência os 30 dias anteriores à aplicação e são avaliados os aspectos da vida do familiar cuidador tais como: assistência na vida cotidiana da pessoa com transtorno mental - 7 - (subescala A que avalia sobrecargas objetivas e subjetivas); supervisão diante dos comportamentos problemáticos da pessoa com transtorno mental (subescala B que avalia sobrecargas objetivas e subjetivas); gastos financeiros do familiar com a pessoa com transtorno mental (subescala C que avalia sobrecarga financeira); impacto nas rotinas diárias da família (subescala D que avalia sobrecarga objetiva) e preocupações do familiar com a pessoa com transtorno mental (subescala D que avalia sobrecarga subjetiva). Há um único item da escala que se refere ao passado (Bandeira, Calzavara & Castro, 2008). A escala FBIS-BR não apresenta um ponto de corte específico, mas a indicação de sobrecarga elevada é estimada considerando a porcentagem de respostas dos dois últimos pontos da escala Likert para cada uma das subescalas (Bandeira, Calzavara & Varella, 2005; Bandeira, Calzavara, Freitas & Barros, 2007; Bandeira, Calzavara & Castro, 2008). A World Health Organization Quality of Life Assessment-Bref (WHOQOL-Bref) foi desenvolvida em 1998 pelo WHOQOL-Group da Organização Mundial de Saúde (OMS) (Whoqol Group, 1998). A WHOQOL- Bref é composta de 26 questões, sendo duas perguntas gerais “Como você avaliaria sua qualidade de vida?” (Pergunta 1) e “Quão satisfeito (a) está com a sua saúde?” (Pergunta 2) e 24 itens distribuídos em quatro domínios (WHO, 1998). Os domínios são assim nomeados: domínio I (físico: domínio I - físico: dor e desconforto, energia e fadiga, sono e repouso); domínio II (psicológico: sentimentos positivos, pensamento, aprendizagem, memória e concentração, autoestima, imagem corporal e aparência, sentimentos negativos); domínio III (relações sociais: relações pessoais; apoio social, atividade sexual); domínio IV (meio ambiente: segurança física e proteção, ambiente doméstico, recursos financeiros; cuidados de saúde e sociais: acessibilidade e qualidade; oportunidades para adquirir novas informações e habilidades e oportunidades de recreação/lazer) (Whoqol Group, 1998). Nesta pesquisa a coleta de dados foi realizada no período de outubro de 2013 a dezembro de 2016, após a aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa. A abordagem dos entrevistados foi realizada com a utilização de linguagem simples e clara. Um teste-piloto com cinco familiares cuidadores de pessoas comTB em um núcleo de saúde mental foi desenvolvido para o ajuste dos questionários, correção de erros, estimativa de tempo das entrevistas, organização e viabilização da pesquisa. Os participantes do teste-piloto foram incluídos do estudo. Para coleta dos dados quantitativos foi empregada a técnica de entrevista estruturada. As entrevistas foram realizadas pela própria pesquisadora com os familiares cuidadores na instituição de cuidado em saúde mental, em local privativo e em horário conveniente para participante e pesquisador. A pesquisa recebeu aprovação de Comitê de Ética em Pesquisa (Processo: 15922713.0.0000.5393) e todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. RESULTADOS Os entrevistados tinham de 18 anos a 81 anos de idade, a maioria com idade de 41 a 59 anos (41%), mulher (70%), casado/amasiado (66%), com renda per capita individual mensal maior do que um salário-mínimo até três salários-mínimos (52%) e renda per capta familiar mensal de até um salário- - 8 - mínimo (53%). Houve maior frequência de entrevistados católicos (42%), com ensino médio completo (40%), com quatro ou mais moradores na casa (43%), dois filhos (32%) e com trabalho regular (48%). Dentre os familiares cuidadores de pessoas com TB, 32% consumiam psicofármacos. Entre os medicamentos prescritos, destacaram-se os antidepressivos (65,6%), seguidos pelos ansiolíticos (59,4%). Ressalta-se a presença de antipsicóticos nas prescrições (9,4%), embora em menor porcentagem. Observou-se 34,4% dos familiares usuários de psicofármacos deste estudo referiram consumir dois ou mais tipos destes medicamentos. Em relação ao tempo de consumo, a maioria (62,5%) dos familiares consumiam o psicofármaco por período superior a um ano. Verificou-se que houve maior frequência de prescrições realizadas por psiquiatra (41%) e por clínico geral (31%). Destaca-se, ainda, a identificação de pessoas que consumiam psicofármacos sem prescrição médica (6%). A Tabela 1 mostra as porcentagens de respostas das subescalas objetiva, subjetiva e do total de sobrecarga. Tanto nas escalas objetiva (72%), subjetiva (60%) como no total de sobrecarga (67%), a maior porcentagem de recaiu nos tipos 1 e 2, o que classifica os familiares cuidadores como não sobrecarregados. Tabela 1 - Porcentagens de respostas das subescalas e sobrecarga total da Escala de Avaliação da Sobrecarga Familiar (FBIS-BR) dos familiares cuidadores de pessoas com TB (n=100). Ribeirão Preto, São Paulo, 2013-2016. Subescalas/ Sobrecarga Total Grau de Sobrecarga Não sobrecarregado Mais ou menos sobrecarregado Sobrecarregado % respostas 1 e 2 % respostas 3 % respostas 4 e 5 Subescala objetiva 72 20 8 Subescala subjetiva 60 32 8 Sobrecarga Total 67 31 2 No que se refere à qualidade de vida, 52% dos participantes autoavaliaram a própria QV como boa, 37% nem ruim nem boa, 4% muito boa ou muito ruim e 3% como ruim. Em relação à satisfação com a própria saúde, 60% estavam satisfeitos, 14% nem satisfeitos nem insatisfeitos, 11% muito insatisfeitos, 10% insatisfeitos e 5% muito satisfeitos. Em relação as médias dos escores dos domínios da escala WHOQOL-Bref, observou-se que o escore médio dos domínios da escala de QV variou de 58,07 a 64,92. O domínio que obteve maior escore foi o domínio psicológico (64,92), seguido pelo físico (64,61), domínio meio ambiente (60,83) e com menor escore o domínio relações sociais (58,07). A investigação sobre a associação entre consumo de psicofármacos e fatores demográficos e socioeconômicos revelou diferença estatisticamente significante entre consumo de tais medicamentos e as variáveis sexo (p=0,031) e ocupação (p=0,006) (Tabela 2). - 9 - Tabela 2 - Características demográficas e socioeconômicas dos participantes do estudo e consumo de psicofármacos (n=100). Ribeirão Preto, São Paulo, 2013-2016. Variáveis Uso psicofármaco Total valor p Não (n=68) Sim (n=32) Unidade 0,076* Núcleo Saúde Mental 26 (56,5) 20 (43,5) 46 Ambulatório HC 25 (78,1) 7 (21,9) 32 CAPS II 17 (77,3) 5 (22,7) 22 Sexo 0,031* Masculino 25 (83,3) 5 (16,7) 30 Feminino 43 (61,4) 27 (38,6) 70 Faixa etária (anos) 0,831* 18 a 40 21 (72,4) 8 (27,6) 29 41 a 59 27 (65,9) 14 (34,1) 41 60 ou mais 20 (66,7) 10 (33,3) 30 Escolaridade 0,802* Ensino Fundamental 23 (63,9) 13 (36,1) 36 Ensino Médio 28 (70,0) 12 (30,0) 40 Ensino Superior 17 (70,8) 7 (29,2) 24 Estado civil 0,600* Solteiro 14 (63,6) 8 (36,4) 22 Casado/Amasiado 47 (71,2) 19 (28,8) 66 Viúvo/Divorciado 7 (58,3) 5 (41,7) 12 Religião 0,055** Católica 34 (81,0) 8 (19,0) 42 Evangélica 20 (55,6) 16 (44,4) 36 Outra 7 (53,8) 6 (46,2) 13 Não tem 7 (77,8) 2 (22,2) 9 Ocupação 0,006** Desempregado 6 (54,5) 5 (45,5) 11 Trabalho eventual 3 (50,0) 3 (50,0) 6 Trabalho regular (informal) 13 (81,3) 3 (18,8) 16 Trabalho regular (registrado) 24 (75,0) 8 (25,0) 32 Afastado do trabalho 0 (0,0) 4 (100) 4 Aposentado INSS 19 (82,6) 4 (17,4) 23 Outra 3 (37,5) 5 (62,5) 8 Renda individual 0,098** Sem renda 8 (47,1) 9 (52,9) 17 Até 1 salário-mínimo 13 (65,0) 7 (35,0) 20 >1 a 3 salários-mínimos 37 (71,2) 15 (28,8) 52 >3 salários-mínimos 10 (90,9) 1 (9,1) 11 Renda familiar 0,350** - 10 - Sem renda 4 (80,0) 1 (20,0) 5 Até 1 SM 32 (60,4) 21 (39,6) 53 >1 a 3 SM 20 (80,0) 5 (20,0) 25 >3 a 5 SM 12 (70,6) 5 (29,4) 17 Número de moradores 0,771** Sozinho 2 (66,7) 1 (33,3) 3 Duas pessoas 16 (69,6) 7 (30,4) 23 Três pessoas 23 (74,2) 8 (25,8) 31 Quatro ou mais pessoas 27 (62,8) 16 (37,2) 43 Quantidade de filhos 0,517** Nenhum 18 (72,0) 7 (28,0) 25 Um filho 11 (73,3) 4 (26,7) 15 Dois filhos 23 (71,9) 9 (28,1) 32 Três filhos 6 (46,2) 7 (53,8) 13 Mais de três 10 (66,7) 5 (33,3) 15 *teste Qui Quadrado **teste exato de Fischerita O teste de comparação de médias não revelou diferença significante entre consumo de psicofármacos e sobrecarga familiar, considerando as subescalas subjetiva e objetiva e seus escores totais, bem como o total de sobrecarga. No teste de comparação das médias dos domínios da escala de QV entre os participantes que consumiam ou não psicofármacos houve diferença estatisticamente significante entre o consumo de psicofármacos e os escores médios da escala em seus quatro domínios. Os escores médios de QV foram maiores entre os participantes que não consumiam psicofármacos, indicando que tais participantes percebiam-se com melhor qualidade de vida (Tabela 3). Tabela 3 - Escores médios dos domínios da Escala de Qualidade de Vida (WHOQOL-Bref) atribuídos pelos cuidadores de pessoas com TB, usuários e não usuários de psicofármacos (n=100). Ribeirão Preto, São Paulo, 2013-2016. Domínios Uso de psicofármaco Valor p Média (Desvio Padrão) Domínio Físico 0,015** Não 67,75 (14,20) Sim 57,92 (18,96) Domínio Psicológico 0,001* Não 68,38 (13,55) Sim 57,56 (18,00) Domínio Relações Sociais <0,001* Não 63,47 (16,48) Sim 46,60 (22,27) Domínio Meio Ambiente 0,001* Não 63,60 (10,65) - 11 - Sim 54,94 (14,09) *Test U DE Mann-Whitney **Teste t de Student Foi elaborado modelo de regressão logística para identificar os preditores de consumo de psicofármacos em familiares cuidadores de pessoas com TB. Os resultados mostraram que, para cada ponto a mais no domínio social da escala de QV, a chance de consumo de psicofármacos aumenta em 0,95 vezes, ou seja, a chance de não consumir psicofármaco era uma vez maior. Os familiares cuidadores das pessoas com TB em seguimento no Ambulatório do HC tinham 0,26 vezes mais chances de consumir algum tipo de psicofármaco do que aqueles familiares cuidadores de pessoas com TB em seguimento no NSM. Isso significa que familiares cuidadores do NSM têm quase quatrovezes (3,8) mais chances de consumir psicofármaco do que os do Ambulatório HC. DISCUSSÃO A prevalência de consumo de psicofármacos observada neste estudo foi de 32%. A escassez de estudos sobre a temática específica do consumo em familiares não permite estabelecer comparações diretas. Embora a literatura sobre o consumo de psicofármacos sugere taxas bastante variadas (Beck et al., 2005; Kjosavik, Ruth & Hunskaar, 2009; Lima et al., 2018; Ohayon & Lader, 2002; Rodrigues, Facchini & lima, 2006; Telles et al., 2017), o consumo de psicofármacos identificado na presente pesquisa foi superior ao identificado em outros estudos brasileiros. Um estudo conduzido na cidade de São Paulo com pessoas com idade de 15 a 75 anos identificou prevalência de uso de 5,8% em um mês (Quintana et al., 2013). Outro estudo realizado na mesma cidade com adultos encontrou taxa de consumo de psicofármacos de 7,1% nos últimos 12 meses e 16,8% em qualquer momento da vida (Blay, Fillenbaum, Pitta & Peluso, 2014). Pesquisa conduzida com pessoas atendidas na atenção primária à saúde de um município brasileiro também revelou prevalência inferior de consumo de psicofármacos (25,8%) em com comparação aos achados da presente pesquisa (Borges et al., 2016). Estudos internacionais também evidenciam taxas entre 9 e 13% no consumo de psicofármacos (Kapp. Klop & Jenkins, 2013; Mark, 2010). A assistência em saúde mental no Brasil reconhece e valoriza o uso de psicofármacos como ferramenta de cuidado. Todavia, apesar de sua relevância, tais medicamentos são insuficientes para atender à complexidade de demandas dos familiares cuidadores. Desse modo, faz-se necessário o cuidado ampliado que contemple o familiar em sua singularidade, visando suprir suas necessidades individuais e grupais (Bezerra et al., 20160. Nessa direção, deve-se valorizar o uso racional do psicofármaco, ou seja, ele pode e deve ser prescrito caso seja a melhor escolha de tratamento e não como única solução oferecida pelos serviços de saúde para promoção de cuidado do familiar. Em relação ao tipo de psicofármaco prescrito, os mais consumidos foram os antidepressivos (65,6%), seguidos dos ansiolíticos (59,4%). Estudos desenvolvidos na atenção primária à saúde também revelaram maior consumo de antidepressivos (taxas de 73 e 59%), seguidos dos benzodiazepínicos (46,8 e 38,7%) (Borges et al., 2016; Telles et al., 2017). Na presente pesquisa, os familiares cuidadores não foram considerados sobrecarregados e a sobrecarga encontrada não esteve estatisticamente associada ao consumo de psicofármacos. Tal - 12 - achado é difere daqueles identificados na literatura disponível sobre o assunto em familiares de pessoas com transtorno mental, nos quais se encontrou sobrecarga considerada moderada ou severa (Adewuya, Oweye & Erinfolami, 2011; Bandeira et al., 2014; Ukpong, 2012). Revisão integrativa sobre a sobrecarga do cuidador familiar de pessoas com transtorno mental mostra que mesmo diante da tarefa do cuidado, há familiares cuidadores que sentem satisfação no cuidado dos parentes acometidos (Eloia et al., 2014). Considerando esse aspecto, é preciso aprofundar o conhecimento que permita compreender melhor por que alguns familiares se sentem sobrecarregados e outros não, e quais os possíveis fatores específicos associados à sobrecarga e/ou à capacidade de enfrentamento do cuidado. Visualizando individualmente os aspectos apontados pela literatura como principais influenciadores na determinação da sobrecarga, observa-se que os comportamentos problemáticos das pessoas com transtorno mental (avaliados pela subescala B da Escala de Avaliação da Sobrecarga Familiar utilizada no presente estudo) apresentam importante influência na sobrecarga (Barroso, Bandeira & Nascimento, 2009; Grover et al., 2012; Lauber et al., 2003; Reis et al., 2016; Zahid & Ohaeri, 2010). Em relação à QV, 52% dos participantes a avaliaram como boa e 60% disseram estar satisfeitos com a própria saúde. No que se refere à satisfação com a própria saúde, em estudo de base populacional sobre QV, relacionada à saúde, em adultos, mostrou que a ausência de doenças crônicas aumentou os níveis de QV no campo físico (Noronha et al., 2016). Tal aspecto pode, em parte, explicar os achados da presente pesquisa, pois a maioria dos entrevistados informaram não possuir comorbidades ou doenças crônicas graves ou incapacitantes. Os domínios do meio ambiente e das relações sociais apresentaram os menores escores de QV. Tais domínios englobam o cuidado social e de saúde, ambiente no convívio de casa, capacidade de conseguir informações, oportunidades de recreação e lazer, suporte (apoio) social e a qualidade das relações sociais, aspectos esses que podem sofrer interferência direta quando se assume a função de cuidador. Estudos desenvolvidos em Hong Kong, na Europa e no Irã, mostram que a QV de cuidadores de pessoas com transtorno mental é considerada pior em comparação com a população em geral (Margetic et al., 2013; Noghani et al., 2016; Wong, Lam, Chan & Chan, 2012). Em pesquisa sobre a QV de cuidadores de pessoas com transtornos mentais graves, desenvolvida em Uganda, na qual 45% da amostra foi composta por familiares cuidadores de pessoas com TB, evidenciou-se que 57,3% dos entrevistados tiveram sua QV prejudicada em razão dos efeitos da responsabilidade do cuidado, da inclusão de novas ocupações decorrentes dessa nova tarefa e do gasto de energia e cuidado envolvido (Ndikuno et al., 2016). A amostra da presente pesquisa foi constituída majoritariamente por mulheres (70%). Tal resultado converge em relação aos encontrados em estudos nacionais e internacionais sobre o cuidado por familiares nos transtornos mentais, nos quais também se revelou a predominância do sexo feminino (Albuquerque, Cintra, Bandeira, 2010; Barroso, Bandeira & Nascimento, 2007; Hou et al., 2008; Jeyagurunathan et al., 2017; Oliveira et al., 2017; Pegoraro, Caldana, 2008; Villalobos et al., 2017). Considerando o consumo de psicofármacos como variável desfecho, o presente estudo revelou - 13 - associações estatisticamente significantes com as variáveis sexo, ocupação e com a variável QV. Em relação à variável sexo, verificou-se maior uso de psicofármacos entre os familiares cuidadores do sexo feminino. Em estudo desenvolvido no Brasil, para a avaliação do perfil epidemiológico e prevalência do uso de psicofármacos em unidade referência para a saúde mental, constatou-se que 68% dos participantes também eram do sexo feminino (Guerra et al., 2013). Em outros que apresentam dados sobre consumo de psicofármacos em relação ao sexo, os resultados assemelham-se aos do presente estudo, com maior prevalência de consumo entre o sexo feminino (Araújo, Silveira, 2006; Goulart, 2006; Kantorski et al., 2011; Lima et al., 2018; Nascimento, Guarido, 2008). A variável ocupação mostrou-se associada ao consumo de psicofármacos, sendo o referido consumo mais presente entre os familiares cuidadores desempregados ou com trabalho sem registro em carteira quando comparados àqueles com trabalho regular registrado. Em dois estudos nos quais se investigaram o perfil e os fatores associados ao consumo de psicofármacos, também foi evidenciada maior prevalência de consumo de tais medicamentos entre pessoas com trabalho não regular (Firmino, Abreu, Perini & Magalhães, 2011; Guerra et al., 2013). Os familiares cuidadores que não consumiam algum tipo de psicofármaco apresentaram escores médios mais elevados na WHOQOL-Bref quando comparados àqueles que consumiam. A escassez de estudos sobre o consumo de psicofármacos por familiares cuidadores de pessoas com TB impossibilita a realização de comparações entre a associação do consumo com a QV, mas a literatura disponível permite fazer algumas aproximações. Estudo brasileiro sobre a QV em estratégia de saúde da família identificou que o consumo de psicofármacosesteve associado à menor pontuação na escala de QV (Miasso et al., 2017). Outra pesquisa brasileira realizada com pessoas com transtorno mental comum atendidas na atenção básica evidenciou para alguns dos participantes, o consumo de psicofármacos esteve associado à menor pontuação nos domínios da escala de QV (Borges et al., 2016). Pesquisa desenvolvida no Rio Grande do Sul, Brasil na atenção primária, também mostrou que o consumo de maiores quantidades de psicofármacos foi associado a pontuações baixas nos domínios físico, psicológico e de QV geral (Koop et al., 2011). Em um estudo austríaco sobre a QV de pessoas em tratamento com psicofármacos foram verificados os prejuízos na saúde e, consequentemente, na QV, com a presença de maior número de doenças físicas e necessidade de atenção médica (Frohlich, Zaccolo, da Silva & Mengue, 2010). Estudar o consumo de psicofármacos torna-se necessário porque algumas questões ainda precisam de maiores esclarecimentos, principalmente no que se refere aos familiares cuidadores de pessoas com TB. No caso do consumo de tais medicamentos e da QV, não se sabe ainda por que o uso parece não impactar de maneira positiva a QV, e tais questionamentos apontam a importância de investigações mais detalhadas e abrangentes (Miasso et al., 2017). No modelo de regressão logística, contribuíram de modo significante as variáveis domínio relações sociais, da escala WHOQOL-Bref, e a unidade Ambulatório HC. Os resultados mostram que quanto melhor a QV no domínio relações sociais a chance de não consumir psicofármaco é uma vez maior, e os familiares cuidadores de pessoas com TB atendidas no NSM têm quase quatro vezes mais chances de consumir algum tipo de psicofármaco do que os daquelas atendidas no Ambulatório HC. - 14 - A influência do domínio relações sociais no modelo de regressão mostra a relação entre o consumo de psicofármacos e a QV para a amostra investigada. Outros estudos sobre a associação entre o consumo de psicofármacos e a QV apontam que o consumo de tais medicamentos influencia negativamente a QV (Borges et al., 2016; Koop et al., 2011; Miasso et al., 2017). Contudo, não é possível afirmar que boas relações sociais diminuem a chance de consumo de psicofármacos, já que há pesquisas que identificam que o domínio das relações sociais não influencia o consumo desses medicamentos (Anjos, Boery & Pereira, 2014; Frohlich, Zaccolo, da Silva & Mengue, 2010). Em relação à contribuição do Ambulatório HC no modelo de regressão, a escassez de estudos em que se avalia a influência de tipos de serviços de saúde mental no consumo de psicofármacos por familiares não possibilita fazer afirmações. Em estudo sobre a satisfação de familiares de pacientes psiquiátricos com os serviços de saúde mental e seus fatores associados, desenvolvido em dois Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) e um ambulatório, mostra-se que a variável serviço não foi considerada fator associado ao grau de satisfação, mesmo sendo dois tipos diferentes de serviço, CAPS e ambulatório (Bandeira, Silva, Camilo, Felício, 2011). É preciso investigar com maior precisão as características dos serviços de saúde mental que podem estar envolvidas no consumo de psicofármacos dos familiares de pessoas que utilizam tais serviços. Seria necessário aprofundar o entendimento das características de cada tipo de serviço, do perfil dos usuários e dos profissionais, dos tipos de tratamentos oferecidos e do apoio oferecido aos familiares nos serviços. CONCLUSÃO Observou-se que a prevalência do consumo de psicofármacos foi de 32% e as classes de psicofármacos mais consumidas foram os antidepressivos (65,6%) e os ansiolíticos (59,4%). O consumo de psicofármacos mostrou-se estatisticamente associado às variáveis sexo e ocupação. O domínio relações sociais da escala de qualidade de vida (WHOQOL-Bref) e o Ambulatório HC contribuíram para o modelo de regressão. Os familiares cuidadores não foram considerados sobrecarregados e não houve associação estatisticamente significante entre a sobrecarga e o consumo de psicofármacos. Contudo, houve diferença estatisticamente significante entre a variável QV e o consumo de psicofármacos. Familiares cuidadores que não consumiam psicofármacos apresentaram resultados melhores na QV que aqueles que utilizavam tais medicamentos. É possível que taxas elevadas de consumo de psicofármacos na amostra estudada podem ter relação com a necessidade, vivenciada pelos familiares cuidadores, de encontrar suporte para lidar com a tarefa complexa do cuidado e buscar estabilidade emocional. Tal achado aponta, ainda, para a necessidade de avanço no campo da saúde mental, no que se refere ao suporte oferecido para os familiares envolvidos diretamente no cuidado de pessoas com TB e outros transtornos mentais, pois o elevado consumo de psicofármacos pode ser reflexo da necessidade de ajuda vivenciada pelos familiares cuidadores. As informações resultantes da presente investigação contribuem para ampliar o conhecimento que permite compreender com maior profundidade e abrangência os aspectos envolvidos na dinâmica - 15 - do consumo dos psicofármacos por familiares cuidadores de pessoas com TB e os possíveis fatores associados, além de fornecer subsídios para a melhoria da assistência para essa clientela. REFERÊNCIAS Adewuya, A. O., Owoeye, O. A. & Erinfolami, A. R. (2011). Psychopathology and subjective burden amongst primary caregivers of people with mental illness in South- Western Nigeria. Social Psychiatry and Psychiatric Epidemiology, 46(12), 1251-1256. Albuquerque, E. P. T., Cintra, A. M. O. & Bandeira, M. (2010). Sobrecarga de familiares de pacientes psiquiátricos: comparação entre diferentes tipos de cuidadores. Jornal Brasileiro de Psiquiatria, 59(4), 308-316. Anjos, K. F., Boery, R. N. S. O. & Pereira, R. (2014). Qualidade de vida de cuidadores familiares de idosos dependentes no domicílio. 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O trabalho no Serviço Residencial Terapêutico, visando a ressocialização do morador na lógica territorial e no desenvolvimento de atividades do cotidiano, se centra no desenvolvimento de um projeto terapêutico que visa a construção progressiva da autonomia. Esse instrumento aparece como o aparato essencial para a construção da autonomia em atividades da vida cotidiana, inserção social, bem como, o resgate da história, e elaboração de estratégias para o cuidado e desenvolvimento do morador/usuário da rede. Contudo, a composição da equipe e sua efetiva participação, bem como a implicação da rede na construção dos projetos terapêuticos nem sempre se mostram alinhadas com a proposta. Tal prática evidencia a ausência e, consequentemente, o desafio de uma construção coletiva com a participação dos atores envolvidos no processo e uma precariedade na articulação com os demais dispositivos da rede. Palavras-chave: Saúde Mental, Práticas Interdisciplinares, Reforma Psiquiátrica, Residência Terapêutica INTRODUÇÃO O presente artigo tem como objetivo discutir, na modalidade relato de experiência, a importância da diversidade de olhares na construção do projeto terapêutico dos moradores do Serviço Residencial Terapêutico (SRT) do município de Belo Horizonte. Na saúde mental, a interdisciplinaridade e a construção do Projeto Terapêutico Singular (PTS) se inserem diretamente no contexto da reforma psiquiátrica, produzindo práticas de desinstitucionalização hospitalar e instaurando outros dispositivos para a atenção e cuidado em saúde mental. A necessidade de reformar a assistência psiquiátrica alastrou-se pelo mundo após a segunda guerra mundial, com isso diversos modelos foram criados e incorporados pelos países. A reforma psiquiátrica brasileira iniciada na década de 1980, se deu a partir de denúncias dos trabalhadores dos hospitais psiquiátricos a respeito das violações de direitos humanos e sofreu influência das ideias reformistas de Franco Basaglia. A I Conferência Nacional de Saúde Mental contou com a participação dos trabalhadores da saúde, bem como das lideranças políticas, usuários e seus familiares, se tornando o marco do movimento. (Fassheber & Vidal, 2007). Como aponta Almeida (2019), o foco da reforma foi a substituição do modelo hospitalar, por serviços territoriais e a garantia da proteção dos direitos humanos para os usuários. As manifestações mailto:nataliafg96@yahoo.com.br mailto:samanthaquaresmac@gmail.com - 20 - tiveram como resultado a aprovação da Lei 10.216 em 2001, conhecida como Lei da Reforma Psiquiátrica Brasileira, que tem como objetivo a proteção dos direitos humanos das pessoas com sofrimento mental e o redirecionamento do modelo assistencial em saúde mental. (Lei n. 10.216, 2001). A Lei da Reforma é a base da Política Nacional de Saúde Mental, que tem o intuito de consolidar o modelo de cuidado na lógica comunitária e aberta, promovendo a inserção e participação social das pessoas com sofrimento mental. A Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) é também uma das diretrizes da Política Nacional de Saúde Mental, ela integra o Sistema Único de Saúde (SUS) e estabelece os pontos de atenção para o atendimento dos usuários nos diversos níveis de atenção à saúde no país. (Ministério da Saúde, 2013). Diante do exposto surge o questionamento sobre como tem sido a articulação dos diversos olhares presentes nas equipes dos serviços da RAPS para a construção do Projeto Terapêutico Singular (PTS), em especial dos moradores do Serviço Residencial Terapêutico (SRT). A relevância deste artigo se dá por viabilizar a discussão e análise acerca dessa articulação. A REDE E O CAMPO A rede de serviços que norteia o presente artigo é do município de Belo Horizonte - Minas Gerais. Atualmente o município dispõe de serviços localizados nos diversos pontos de atenção à saúde. Dessa forma apresentamos a rede de saúde mental a partir desses pontos. A Atenção Primária: conta com os serviços de Consultórios de Rua e Unidades de Acolhimento – ambos destinados ao suporte social de pessoas em situação de rua. Além de, Equipes complementares e Equipes de Saúde Mental – realizam o atendimento dos usuários com sofrimento mental grave, em parceria com as Equipes de Saúde da Família. A Atenção Psicossocial Estratégica: conta com o Centro de Referência em Saúde Mental (CERSAM), o Centro de Referência em Saúde Mental Infantil (CERSAMI) e o Centro de Referência em Saúde Mental Álcool e Drogas (CERSAM AD). Vale ressaltar que estes dispositivos são conhecidos em outros municípios do Brasil, respectivamente, como, Centro de Atenção Psicossocial (CAPS), Centro de Atenção Psicossocial Infantil (CAPS I) e Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Outras Drogas (CAPS AD). Atenção de Urgência e Emergência: tem disponível o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU) e o Serviço de Urgência Psiquiátrica (SUP). O horário de funcionamento do SUP é exclusivamente noturno, sendo a referência de cuidado aos casos inscritos em Hospitalidade Noturna (HN) nos CERSAMs, como também para os casos encaminhados peloSAMU e outros serviços de urgência da cidade. Os serviços de Estratégias de Reabilitação Psicossocial disponíveis na cidade são os Centros de Convivência, que consistem na inserção social e a cidadania, através de ações socioculturais, oferecendo oficinas de artes visuais, artes plásticas, música, artesanato entre outras atividades. E a Incubadora de Empreendimentos Econômicos e Solidários/SURICATO, que atua na promoção de trabalho e geração de renda para os usuários da rede de saúde mental do município. - 21 - Por fim, como principal dispositivo da Estratégia de Desinstitucionalização tem-se o Serviço Residencial Terapêutico. Por esse ser o foco de atenção norteador deste trabalho, se faz necessário abordá-lo de forma mais detalhada. O SRT encontra respaldo no Art. 5º da Lei da Reforma: O paciente há longo tempo hospitalizado ou para o qual se caracterize situação de grave dependência institucional, decorrente de seu quadro clínico ou de ausência de suporte social, será objeto de política específica de alta planejada e reabilitação psicossocial assistida, sob responsabilidade da autoridade sanitária competente e supervisão de instância a ser definida pelo Poder Executivo, assegurada a continuidade do tratamento, quando necessário. (Lei n. 10.216, 2001, pp. 1-2) A regulamentação do serviço é feita através da Portaria 106 (BRASIL, 2000) que caracteriza o SRT como moradias localizadas na comunidade, destinadas a cuidar das pessoas com sofrimento mental egressas de internações de longa permanência em instituições psiquiátricas, que não possuem suporte social e laços familiares. Para o Mistério da Saúde (2004), a Residência Terapêutica (RT) deve viabilizar a inserção social das pessoas com sofrimento mental, bem como, proporcionar cuidado interdisciplinar, considerando a singularidade de cada morador e não o coletivo dos moradores. O município de Belo Horizonte abriga atualmente 33 casas, administradas por 3 Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIPS). A equipe de cada casa é composta basicamente por 4 cuidadoras (dia), que se revezam no trabalho, 1 supervisor (formado na área da saúde ou da assistência social), 1 estagiário da mesma área de formação do supervisor, 2 cuidadoras (noite) que se revezam no trabalho e 1 supervisor técnico específico para cada OSCIP, que realiza a coordenação das casas. As estagiárias são contratadas para realizarem o acompanhamento terapêutico dos moradores. O trabalho das estagiárias objetiva pautar o cuidado na singularidade do usuário, na construção de autonomia, na horizontalidade dos saberes, bem como, na vinculação do sujeito com o território. (Pitta & Furegato, 2009). RELATO DE EXPERIÊNCIA No Brasil, impulsionada pelos movimentos reformistas, o acompanhamento terapêutico tem início na década de 60. Nomeado como atendente psiquiátricos, a prática ainda era pautada pelos moldes hospitalocêntricos. Nas décadas de 70/80 a prática recebe o nome de acompanhamento terapêutico e marca o início das experiências do AT fora dos muros dos hospitais psiquiátricos. (Ferro, Holanda & Nimtz, 2018). Rolnik (1997) pontua que os desdobramentos de uma configuração social de normalidade proporcionam ao louco o título de adoentado, uma vez que lhe é negado seus desejos e as particularidades de sua existência. O louco, então é visto como um ser não desejante, sem subjetividade. Com isso, a autora pontua o trabalho do acompanhamento terapêutico como uma clínica nômade, que ocupa as ruas e viabiliza a mediação das singularidades do louco com a cidade, bem como, enxerga o seu desejo e possibilita a existência dos seus territórios singulares. Diante disso, cabe as ATs construírem mediações não só entre vários locais da cidade, mas também entre o acompanhado e a família e rede de saúde, a fim de criar possibilidades reais de vida não doente. - 22 - A primeira experiência de estágio abordada será de uma RT localizada no município de Belo Horizonte. A equipe e os moradores frequentam e possuem vínculo afetivo com a equipe da Unidade Básica de Saúde (UBS), como também o Centro de Convivência. Devido a estabilização do quadro dos moradores, como também a dificuldade dos moradores em ocupar os serviços de urgência, o CERSAM não é utilizado com regularidade. Apesar do vínculo e parceria em alguns projetos, a discussão dos casos não ocorre em conjunto com a rede de saúde e saúde mental que se localiza no território. Com isso, não há participação desses serviços na construção dos Projeto Terapêutico Singular (PTS), como prevê as diretrizes da Portaria 106 (BRASIL, 2000), uma vez que “o PTS é um conjunto de propostas de condutas terapêuticas articuladas, para um sujeito individual ou coletivo, resultado da discussão coletiva de uma equipe interdisciplinar, com apoio matricial se necessário". (Ministério da Saúde, 2007, p.40). Outra dificuldade encontrada na realização do PTS nesse SRT, é a centralidade do saber especializado, ou seja, do supervisor, e em alguns momentos do estagiário, ambos alocados nas residências. Tal prática evidencia a ausência, da participação das cuidadoras, limitando o PTS ao olhar apenas dos especialistas. Com isso, a construção coletiva, equipe da casa e equipe dos serviços da rede, se constitui como um desafio para essa RT. Percebe-se que isso se deve a centralidade do saber dentro da equipe da casa, bem como sobrecarga nos serviços devido as altas demandas, a sobrecarga de trabalho das referências nos serviços e a lógica de funcionamento das reuniões nesses serviços. Dessa forma, a rede de atenção, assim como as cuidadoras da moradia, em muitos momentos se torna secundárias na construção dos PTS e são utilizados apenas como parceiros para a sua execução. Coutinho e Coutinho (2017) evidenciam a importância da interdisciplinaridade como viabilizador da construção de práticas que reconheçam o usuário em sua integralidade e levem em consideração as complexidades que permeiam as práticas nos campos de saúde. Isso demostra a importância de os atendimentos ocorrerem de forma horizontal, e a necessidade da elaboração do Projeto Terapêutico Singular (PTS). No contexto do SRT, a construção coletiva implica a inclusão do morador, supervisor, estagiário, cuidador, supervisor técnico, familiares e rede de saúde do território, na discussão conjunta da elaboração do PTS. A segunda experiência trata-se também de uma RT localizada no município de Belo Horizonte e possibilita pensar as práticas e articulações de saberes para construção dos projetos terapêuticos e resoluções de problemas no dia a dia. O desafio da atuação neste contexto, se dá pela complexidade das demandas e do grande fluxo de atividades, que são vivenciadas diariamente na residência e nos serviços ao qual os moradores estão vinculados. Dessa forma, o grande fluxo de atividades impossibilitou, por um tempo, a participação de todos da equipe na articulação dos projetos terapêuticos. Inicialmente a construção dos projetos terapêuticos perpassavam exclusivamente pelo saber dos estagiários e supervisor, que já era atribuído a função de observar as singularidades dos moradores e da casa, a fim de construir estratégias eficazes para estabilização, desenvolvimento de habilidades e autonomia dos moradores. Entretanto, notou-se através da complexibilidade de alguns casos a necessidade de integrar toda a equipe e moradores na elaboração dos projetos, uma vez que o cuidado e as intervenções eram vivenciados por todos diariamente. - 23 - Ao longo do tempo, ao perceber que uma das limitações que restringiam a elaboração do PTS, era focalizar apenas em um saber especializado, foi adotado algumas medidas com objetivo de horizontalizar os saberes dentro da residência. Uma dessas medidas foi apresentar alguns PTSs em reuniões da equipe, para que todos contribuíssem com a discussão do caso de acordo com sua perspectiva.A discussão dos casos foi importante para construir outros manejos, com isso, ao longo das reuniões os casos eram discutidos e reformulados em equipe. Essa prática impulsionou o desejo de algumas cuidadoras a pesquisar sobre práticas em saúde mental para elaborar um PTS. Foi possível perceber também que a equipe apesar do acúmulo de tarefas diárias, desenvolveu um olhar mais sensível em relação aos moradores e a importância do trabalho desenvolvido na residência. Observa-se em alguns momentos, a resistência de alguns profissionais da UBS em relação a residência, isso se deve ao fato de a atuação desses profissionais serem atravessadas ainda por uma lógica manicomial de tratamento. Uma estratégia adotada para ampliar a interdisciplinaridade na construção dos PTS foi promover uma aproximação da equipe desse serviço com a casa, uma vez que esse é o mais utilizado pelos moradores. Dessa forma, esses profissionais foram convidados para um café da tarde na casa com os moradores, o intuito foi promover a sensibilização e fortalecimento dos laços com a rede. Outra tentativa de aproximação com a rede, foi realizada com o CERSAM de referência da casa. O objetivo foi convidar o serviço para contribuir com a discussão de alguns casos mais complexos e a elaboração dos PTS. Contudo, devido ao grande fluxo de atividade nos dois serviços ainda não foi possível realizar as reuniões de discussão de caso. A interdisciplinaridade é de extrema importância para possibilitar manejos e construções no serviço de saúde mental, em especial na residência, em que o trabalho é totalmente voltado para a reestruturação da vida do sujeito. Porém, ainda é um processo desafiador devido as questões já citadas que atravessam os serviços. Sobre isso, Vasconcellos (2010) ressalta que para a efetividade da interdisciplinaridade é necessário ações que caminhem na direção da integralidade dos atendimentos, bem como a possibilidade de um espaço que dialogue sobre a complexidade da atuação em saúde mental e nas dificuldades que cada profissional vivencia. CONSIDERAÇÕES FINAIS Percebe-se ao longo do trabalho que o PTS dos moradores e da casa é um dos recursos fundamentais no Serviço Residencial Terapêutico. É esse recurso que permite identificar déficits e potencialidades, estabelecer estratégias de intervenções e avaliar os avanços alcançados. A horizontalidade dos saberes, bem como a interdisciplinaridade são ações importantes para discussão de casos e construção dos PTS, dentro dos dispositivos da rede assistencial de Belo Horizonte. Entretanto, com o relato das experiências de estágio no SRT, se torna evidente que a realização dessas atividades é um desafio. Isso se dá devido à complexidade das discussões e à sobrecarga dos serviços da rede de saúde e saúde mental, fazendo com que o PTS não alcance o sujeito em sua totalidade. - 24 - Dessa forma, o AT se apresenta como um importante aliado na construção de vínculo com a rede. O AT atua também objetivando alcançar os pressupostos presentes nas diretrizes do SRT, como a singularização e subjetivação das intervenções, reinserção social dos moradores, apropriação, ocupação e ampliação dos espaços urbanos e reestabelecimento do projeto de vida. Conclui-se que a horizontalidade dos saberes garante a diversidade de olhares na construção do Projeto Terapêutico Singular, e um trabalho pautado na lógica antimanicomial e de humanização do sistema SUS. Promovendo não só a humanização do cuidado psiquiátrico, mas também a integralidade da assistência as pessoas com sofrimento mental. REFERÊNCIA Almeida, José Miguel Caldas de. (2019). Política de saúde mental no Brasil: o que está em jogo nas mudanças em curso. Cadernos de Saúde Pública, 35(11), e00129519. Epub October 31, 2019. https://doi.org/10.1590/0102-311x00129519 BRASIL. Lei n. 10.216, de 6 de abril de 2001. Dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental. Diário Oficial da União: Seção 1, Brasília, DF, n. 69-E, p.2, 09 abril 2001. BRASIL. Portaria n. 106, de 11 de fevereiro de 2000. Dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental. Diário Oficial da União: Seção 1, Brasília, DF, n. 39-E, p.23, 24 fev. 2000. Coutinho, Dalsiza Cláudia Macedo & Coutinho, Wellington Macedo. A propósito da interdisciplinaridade: o serviço social e o trabalho em equipe na saúde mental. II Seminário Nacional de Serviço Social, Trabalho e Políticas Sociais. UFSC. Disponível em: https://repositorio.ufsc.br/bitstream/handle/123456789/180076/101_00280.pdf?sequence=1 Fassheber, Vanessa Barreto, & Vidal, Carlos Eduardo Leal. (2007). Da tutela à autonomia: narrativas e construções do cotidiano em uma residência terapêutica. Psicologia: Ciência e Profissão, 27(2), 194-207. https://doi.org/10.1590/S1414-98932007000200003 Ferro, Luis Felipe, Mariotti, Milton Carlos, Holanda, Adriano Furtado, & Nimtz, Mirian Aparecida. (2018). Acompanhamento terapêutico em saúde mental: estrutura, possibilidades e desafios para a prática no SUS. Revista da Abordagem Gestáltica, 24(1), 66-74. https://dx.doi.org/10.18065/RAG.2018v24n1.7 Ministério da Saúde. (2004). Residência Terapêutica para quem precisa de cuidados em saúde mental, o melhor é viver em sociedade. Brasília: Autor. Recuperado de https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/120.pdf Ministério da Saúde. (2007). Clínica ampliada, equipe de referência e projeto terapêutico singular. Brasília: Autor. Recuperado de http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/clinica_ampliada_2ed.pdf Ministério da Saúde. (2013). Conheça a RAPS Rede de Atenção Psicossocial. Brasília: Autor. Recuperado de http://bvsms.saude.gov.br/bvs/folder/conheca_raps_rede_atencao_psicossocial.pdf https://doi.org/10.1590/0102-311x00129519 https://doi.org/10.1590/S1414-98932007000200003 https://dx.doi.org/10.18065/RAG.2018v24n1.7 https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/120.pdf http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/clinica_ampliada_2ed.pdf http://bvsms.saude.gov.br/bvs/folder/conheca_raps_rede_atencao_psicossocial.pdf - 25 - Pitta, Ana Celeste de Araújo, & Furegato, Antonia Regina Ferreira. (2009). O Acompanhamento Terapêutico (AT): dispositivo de atenção psicossocial em saúde mental. Interface - Comunicação, Saúde, Educação, 13(30), 67-77. https://doi.org/10.1590/S1414- 32832009000300007 Rolnik, Suely. Clínica nômade. In: Equipe de AT do hospital-dia “A Casa”. Crise e cidade: acompanhamento terapêutico. São Paulo: EDUC, 1997. Vasconcellos, Vinicius Carvalho de. (2010). Trabalho em equipe na saúde mental: o desafio interdisciplinar em um CAPS. SMAD. Revista eletrônica saúde mental álcool e drogas, 6(1), 1- 16. Recuperado em 19 de maio de 2020, de http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1806- 69762010000100015&lng=pt&tlng=pt. https://doi.org/10.1590/S1414-32832009000300007 https://doi.org/10.1590/S1414-32832009000300007 http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1806-69762010000100015&lng=pt&tlng=pt http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1806-69762010000100015&lng=pt&tlng=pt - 26 - DESAFIOS DE UM SERVIÇO RESIDENCIAL TERAPÊUTICO Ana Carolina Ledo de Abreu Isabel Cristina Carniel Letícia Mantovani Maggi Mariana Moro Sabain Instituição Universidade Paulista - UNIP ana.ledo@otmail.com; ccarniel@gmail.com; leticia.mantovani@hotmail.com; marianacfc@hotmail.com Resumo O presente artigo aborda alguns dos desafios enfrentados pelo Serviço Residencial Terapêutico (SRT) em uma cidade do interior do estado de São Paulo e como a prática do Acompanhamento Terapêutico (AT) pode ajudar no enfrentamento de tais dificuldades. O Serviço Residencial Terapêutico (SRT) aqui referido foi criado com o intuito de desinstitucionalizar egressosde hospitais psiquiátricos e reinseri-los na sociedade. A experiência aqui descrita foi realizada a partir de encontros semanais entre as estagiárias e os moradores de um SRT, durante o período de um ano. Ao longo deste período, também foram evidenciadas necessidades de atendimento aos cuidadores da residência, o que motivou as estagiárias a acolher também semanalmente aos cuidadores que estivessem presentes no momento do encontro. Palavras-chave: Acompanhamento Terapêutico; Saúde Mental; Residência Terapêutica. INTRODUÇÃO O Serviço Residencial Terapêutico (SRT) é um programa que compõe a Rede de Atenção Psicossocial (RAPS), criado pelo Sistema Único de Saúde (SUS) na Reforma Psiquiátrica em 2000, visando desinstitucionalizar pacientes de hospitais psiquiátricos, além de dar suporte a outros serviços de saúde mental que atendem usuários de drogas e moradores de ruas acometidos de transtorno mental severo e pessoas com transtornos mentais graves, a fim de dar moradia a aqueles que não podem retornar a suas casas por não terem vínculos com seus familiares, ou algum suporte financeiro e social e assim reinseri-los novamente na sociedade (BRASIL, 2004). As Residências Terapêuticas são casas localizadas no meio urbano, em meio à sociedade para que de fato possa ser feito o que o programa propõe, a residência deve vincular-se com a equipe de saúde mental de referência (Centros de Atenção Psicossociais, Ambulatórios especializados em Saúde Mental, Equipe de Saúde da Família), para auxiliar no que for necessário, com vistas a um atendimento integral ao morador. De acordo com (BRASIL, 2011) a Portaria Nº 3.090 de 2011, há dois tipos de moradia e os critérios vão de acordo com cada morador, o SRT I é o tipo mais comum de residência, o foco é na desinstitucionalização dos moradores e na reinserção social para que possam ter autonomia, trabalhar, estudar, ter lazer, ir ao banco, ter acompanhamento médico, odontológico, entre outros; para auxiliar os moradores nos afazeres do dia-a-dia e observá-los há um (a) cuidador (a) por dia, visto que não são totalmente dependentes e têm certa autonomia. O SRT II é voltado para pessoas que requerem cuidados intensivos específicos, apresentam dependência física e têm pouca ou nenhuma autonomia, portanto há mais de um (a) cuidador (a) e também um (a) técnico (a) de enfermagem para esses mailto:ana.ledo@otmail.com mailto:ccarniel@gmail.com mailto:leticia.mantovani@hotmail.com - 27 - cuidados, focando no resgate do significado do lar, estreitar laços entre os moradores e resgate; esse tipo de residência pode conter até dez moradores. Em 2004 havia duzentos e cinquenta e seis Residências Terapêuticas em quatorze estados no Brasil (BRASIL, 2004), atualmente o número é de seiscentos e trinta e três residências. Ainda que não tenhamos contabilizado os estados em quais estão distribuídas, em 2019 foram destinados R$ 2,3 milhões de reais pelo Ministério da Saúde para implantar cento e quinze Serviços Residenciais Terapêuticos em sete estados e dezenove municípios espalhados pelo Brasil (BRASIL, 2019). Moradores da Residência Terapêutica Os moradores que foram acompanhados durante o estágio de Acompanhamento Terapêutico em 2018, são egressos do Hospital Santa Tereza de Ribeirão Preto - antigo hospital psiquiátrico deste município do qual começou funcionando como "sucursal do Juqueri de onde foram removidos doentes e transferidos funcionários" (GUIMARAES, SAEKI, 1994). Juqueri é uma das mais antigas e maiores colônias Psiquiátricas do Brasil. Já no Hospital Santa Tereza, se encontram o Serviço Residencial Terapêutico tipo I. Nele haviam sete moradores, sendo dois do sexo masculino e cinco do sexo feminino, onde somente uma moradora tinha o diagnóstico confirmado de epilepsia, os outros não tinham diagnósticos confirmados, porém suas sintomatologias indicavam uma variação entre esquizofrenia e transtorno bipolar. Apesar das variáveis diagnósticas, os moradores em sua maioria, demonstravam ter uma feição semelhante, embotada e mais lenta, que podem ser advindas da idade e/ou dos vários anos vividos em instituições psiquiátricas, levando dessa forma os mesmos a um aspecto similar, podendo indicar a iatrogênica que representa a institucionalização. Alguns deles não aparentam ter qualquer tipo de doença psiquiátrica, porém, quando foram internados nos hospitais psiquiátricos não era necessariamente preciso oferecer risco para si ou para os demais com os quais conviviam, a internação era um precedente natural para qualquer disfunção de comportamento que fugisse do considerado “normal”. Esta situação vem sendo modificada efetivamente a partir da aprovação da Lei de Reforma Psiquiátrica atual (BRASIL, 2001). Além dos moradores, existiam mais duas cuidadoras que revezavam entre si para auxiliá-los nos cuidados domésticos, medicações e entre os moradores mais necessitados, pois estes não conseguiam realizar tarefas simples sem dificuldades. Em sua maioria, os pacientes se mantinham sempre dentro de casa, visto que alguns tinham dificuldades com a locomobilidade, no geral, só saíam com um motorista da residência para consultas médicas e ir ao banco. Cuidadoras De acordo com o Ministério da Saúde, a pessoa a auxiliar os moradores pode ser um (a) cuidador (a) especializado (a) em cuidado específico, de alguma instituição como CAPS, PSF, entre outras, ou ser um (a) trabalhador (a) doméstico/a contratado/a pela SRT, com carteira assinada através do programa De Volta Para Casa. No ano em que ocorreu o estágio havia duas cuidadoras que trabalhavam na Residência Terapêutica estagiada, ambas contratadas pela entidade que administra o local. As duas revezavam os dias tendo dessa forma, uma cuidadora em loco por dia, o que é indicado para reforçar o aspecto de lar, diversificando do ambiente hospitalar. - 28 - Ser cuidador de um SRT implica em zelar pela saúde, higiene, alimentação e recreação do paciente, representando, muitas vezes, experiências com grande desgaste emocional por parte do cuidador, pois em muitas vezes a relação com o paciente pode se tornar difícil, visto que os mesmos podem dificultar o trabalho respondendo de forma ríspida, se negando ao banho ou em se alimentar no mesmo horário que os demais. Nestas situações os cuidadores podem desenvolver um sentimento aversivo em relação ao o paciente, fazendo com que seu trabalho se torne mais exaustivo e menos eficaz. Durante o período de estágio, houve bastante contato com as cuidadoras, tendo inclusive uma delas demonstrado grande cansaço emocional, níveis preocupantes de estresse - a mesma sofria de dermatite severa agravada pelo estado emocional - e atrito com alguns moradores. O trabalho de Acompanhamento Terapêutico O Acompanhamento Terapêutico (AT) surgiu na Argentina na década de 1970 e chegou ao Brasil entre os anos 70 e 80 (CHAUÌ-BERLINK, 2012) porém sua prática passou a ser mais valorizada após a Reforma Psiquiátrica que ocorreu em 2001 (BRASIL, 2001). O AT pode ser descrito como uma prática clínica que veio somar à reforma, afinal, o intuito desta modalidade de atendimento é o de transpor as barreiras da psicoterapia clínica tradicional, permitindo que o setting terapêutico se configure através das necessidades do paciente, podendo ser realizado em atendimento domiciliar, em praça, lanchonete, em atividades de lazer, acompanhamento em uma consulta, acompanhamento escolar, entre outros. Visa melhorar a autonomia em pessoas com grande sofrimento psíquico, como esquizofrênicos, dependentes químicos, deficientes mentais e idosos no enfrentamento de doenças decorrentes da idade. Também podem ser indicados para crianças com dificuldades em processos de escolarização, a fim de ajudá-las a conduzir sua vida e seus projetos. Portanto, o atendimento ocorrer fora do contexto clínico pode auxiliar muito pessoas com transtornos mentais
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