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Serviço Social Integrado U416. 01 Autora: Profa. Maria de Fátima Matos Cardoso Colaboradoras: Profa. Amarilis Tudela Nanias Profa. Maria Francisca S. Vignoli Serviço Social Integrado Professora conteudista: Maria de Fátima Matos Cardoso Natural Vitória da Conquista (BA) e residente em São Paluo (SP), é graduada em Serviço Social e mestre em Educação Interdisciplinar pela Faculdade Zona Leste de São Paulo, atual Universidade Cidade de São Paulo (Unicid). Docente da graduação em Serviço Social da Universidade Paulista (UNIP) e coordenadora local de Serviço Social do campus Pinheiros, já ministrou aulas na Universidade de Guarulhos (UnG), no Centro Universitário das Faculdades Metropolitanas Unidas (UniFMU) e na Faculdade Paulista de Serviço Social (FAPSS). Atua como consultora social e educacional para instituições municipais e do terceiro setor. © Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou quaisquer meios (eletrônico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da Universidade Paulista. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) C268s Cardoso, Maria de Fátima Mattos Serviço social integrado / Maria de Fátima Mattos Cardoso. – São Paulo: Editora Sol, 2014. 104 p., il. Nota: este volume está publicado nos Cadernos de Estudos e Pesquisas da UNIP, Série Didática, ano XVII, n. 2-106/14, ISSN 1517-9230. 1. Serviço social. 2. Realidade brasileira. 3. Globalização. I. Título. CDU 364.46 Prof. Dr. João Carlos Di Genio Reitor Prof. Fábio Romeu de Carvalho Vice-Reitor de Planejamento, Administração e Finanças Profa. Melânia Dalla Torre Vice-Reitora de Unidades Universitárias Prof. Dr. Yugo Okida Vice-Reitor de Pós-Graduação e Pesquisa Profa. Dra. Marília Ancona-Lopez Vice-Reitora de Graduação Unip Interativa – EaD Profa. Elisabete Brihy Prof. Marcelo Souza Prof. Dr. Luiz Felipe Scabar Prof. Ivan Daliberto Frugoli Material Didático – EaD Comissão editorial: Dra. Angélica L. Carlini (UNIP) Dra. Divane Alves da Silva (UNIP) Dr. Ivan Dias da Motta (CESUMAR) Dra. Kátia Mosorov Alonso (UFMT) Dra. Valéria de Carvalho (UNIP) Apoio: Profa. Cláudia Regina Baptista – EaD Profa. Betisa Malaman – Comissão de Qualificação e Avaliação de Cursos Projeto gráfico: Prof. Alexandre Ponzetto Revisão: Andréia Gomes Amanda Casale Sumário Serviço Social Integrado APRESENTAçãO ......................................................................................................................................................7 INTRODUçãO ...........................................................................................................................................................8 Unidade I 1 CAPITALISMO, GLOBALIZAçãO ..................................................................................................................11 2 ESTADO, ESTADO-NAçãO E DESIGUALDADES SOCIAIS ................................................................... 23 3 DESIGUALDADES SOCIAIS ........................................................................................................................... 28 4 DESIGUALDADES SOCIAIS NA REALIDADE BRASILEIRA .................................................................. 34 Unidade II 5 REALIDADE BRASILEIRA, EXPRESSõES DA QUESTãO SOCIAL, DIREITOS SOCIAIS ............... 51 6 MUNDIALIZAçãO E FINANCEIRIZAçãO DO CAPITAL ........................................................................ 56 7 MUNDIALIZAçãO E PODER LOCAL ........................................................................................................... 61 8 SERVIçO SOCIAL NA REALIDADE BRASILEIRA .................................................................................... 79 7 APreSentAção Este livro-texto tem como objetivo fazer uma breve imersão em alguns dos conhecimentos sobre a realidade regional e local, espaços territoriais ocupados e vivenciais que possibilitem análises dos fatores socioculturais, políticos e econômicos, que exijam intervenções técnicas reflexivas, críticas e propositivas, fomentadas no processo de aprendizagem do Serviço Social Integrado e capazes de estimular perspectivas profissionais que promovam estratégias para demandas sociais desafiadoras. A disciplina Serviço Social Integrado faz parte do núcleo de fundamentos teórico-metodológicos da vida social, do projeto pedagógico do curso de Serviço Social da Universidade Paulista (UNIP), o qual segue as recomendações das Diretrizes Curriculares Nacionais. O objetivo do curso é instrumentalizar os futuros assistentes sociais para conhecer as dimensões do ser social integrado à realidade local, identificar demandas e posicionar-se, adotando iniciativas ético- políticas no cotidiano profissional. Ao se tratar da situação contemporânea em Serviço Social, há que se contextualizar historicamente saberes e algumas das referências conceituais, como globalização, desigualdade e exclusão social, entre outras, de sorte que permitam dimensionar a realidade social em que inscreve sua intervenção e igualmente iluminar possíveis construções profissionais cotidianas impostas pelo projeto societário. Trata-se de analisar criticamente o Serviço Social no enfrentamento das diversas expressões da Questão Social1 na sociedade brasileira. Quando se busca analisar a situação da desigualdade social na cena contemporânea, convém considerar aspectos multidimensionais e históricos desse fenômeno no mundo, incluindo noções de pobreza e suas facetas no processo de expansão capitalista. Para estabelecimento do nível de pobreza, é considerado como patamar mínimo o suprimento das necessidades fundamentais à manutenção da vida social, tendo em vista que, além das biológicas, a qualidade das relações sociais e da vida em sociedade também são igualmente importantes para o desenvolvimento das capacidades humanas. A definição dos limites de pobreza baseia-se em índices definidos abaixo desses patamares. No entanto, os níveis para estabelecimento dos índices de pobreza levam em conta também processos políticos e culturais, como o exercício democrático de participação popular nas decisões orçamentárias quanto aos investimentos públicos na área social e a definição de prioridades programáticas locais para inserção de recursos culturais, sociais, econômicos e políticos. Quanto menor for a participação das pessoas e seus potenciais de decisão na vida em sociedade, em todos os níveis, maior será a exposição aos fatores que geram a pobreza. 1 Questão Social apreendida enquanto o conjunto das expressões das desigualdades da sociedade capitalista que tem uma raiz comum: a produção social é cada vez mais social, enquanto a apropriação dos seus frutos mantém-se privada, monopolizada por uma parte da sociedade (IAMAMOTO, 2007). 8 Nessa análise do que pode ocasionar e expor pessoas a situações de pobreza, fazem parte também questões relacionais que levam em conta a singularidade dos sujeitos, o fortalecimento de suas organizações coletivas e comunitárias e suas expressões cotidianas, como, por exemplo, a ausência de oportunidades e escolhas que culminam em situações de violação de direitos. O modo de produção capitalista gera desigualdades entre as classes sociais que se aprofundam ainda mais à medida que ocorrem processos acentuados de acumulação do capital e desequilíbrio na distribuição de renda, com redução do acesso a outros processos políticos de participação na vida das sociedades. A composição dos espaços relacionais nesse mundo de trabalhadores e capitalistas integra diferentes sujeitos sociais, que figuram como empregadores, empresariado, Estado, associações da sociedade civil e trabalhadores, com intencionalidades e práticas diferentes na divisão social e técnica do trabalho que irão condicionar o caráter do trabalho realizado em relação aos objetivos de ganhos de capital,possibilidades e limites dos impactos no desenvolvimento da sociedade. Fica evidente, nessa forma de análise, que o trabalho profissional articula-se em sua intervenção ao conjunto das relações e condições sociais do contexto em que se insere. Introdução Há estudos que apontam que o capitalismo surgiu na Europa, como fenômeno tipicamente inglês, dadas as condições favoráveis da Inglaterra de mão de obra abundante, esgotamento das atividades agrárias, disponibilidade e qualidade de recursos minerais no período e posição privilegiada de afastamento da região inglesa das regiões de conflitos (HOBSBAWM, 2003). Esse cenário transformador já vinha ocorrendo no final de Idade Média, mas a partir do desenvolvimento inglês e de sua força comercial nas rotas marítimas, o movimento econômico e social ampliou-se pela Alemanha, França e Holanda, expandindo-se em seguida para os Estados Unidos (HOBSBAWM, 2003). Originava-se um novo modo de produção, baseado na acumulação do capital, com fronteiras geográficas redimensionadas para alcançar novos mercados e o fortalecimento de atividades econômicas, sem precedentes na história da humanidade. Pode-se claramente visualizar que esse processo de desenvolvimento gerou profundas transformações sociais, culturais e econômicas, evidenciando a configuração da relação capital x trabalho e uma consequente divisão de classes sociais entre capitalistas (burgueses) e trabalhadores assalariados (proletários). Desse modo, pode-se perceber que, ao expandir-se, o desenvolvimento do capital fez aumentar a complexidade de suas proporções multifacetadas por todos os países que o adotaram como modelo de desenvolvimento, bem como os problemas sociais, marcando as regiões com profundas desigualdades sociais, que passam a caracterizar uma Questão Social (IAMAMOTO, 2007). 9 Segundo Antunes (2002), na década de 1980, os países de capitalismo avançado passaram por profundas transformações no mundo do trabalho. O autor explica que mudaram as formas de estruturação produtiva com o advento da revolução tecnológica, que introduz uma ampliação das formas de trabalho imaterial, exigindo trabalhadores “pensantes e produtores de saberes” (grifo nosso), capazes de desenvolver no mundo da tecnociência a produção de conhecimento como um elemento essencial da produção de bens e serviços. Para Antunes (2002, p. 9), ainda fazem parte desse período novas formas de representação sindical e política no mundo do trabalho, que foram tão intensas que se pode mesmo afirmar “que a classe trabalhadora viveu a mais intensa crise deste século, que atingiu não só a sua materialidade, mas teve profundas repercussões na sua subjetividade e, no íntimo inter-relacionamento destes níveis, afetou a sua forma de ser”. A internacionalização do capital, a globalização e a revolução tecnológica possibilitaram relações entre países, culturas e a transformação de novas formas de organização social e econômica, em escala inimaginável. Ao nos basearmos nesta breve análise sobre os efeitos do capitalismo nas sociedades, podemos deduzir os desafios e as complexidades para conceituar a pobreza, os processos que geram as desigualdades sociais, especialmente ao se levar em conta que não existe um enfoque absoluto, que vários são os pontos que nos levam a estabelecer níveis de pobreza, como aspectos nutricionais, econômicos, habitação, vestuário etc., capazes de assegurar uma vida humana com qualidade. De acordo com Netto (2001, p. 48), “o contexto societário cria uma diversidade de expressões sócio- humanas complexas e diferenciadas, de acordo com as condições de exploração produzidas pelo mundo do trabalho”. Para ele, tal situação implica o agravamento imediato da Questão Social, dado que amplia as desigualdades de classe com intensa vulnerabilidade social, política, econômica e cultural da classe trabalhadora. Sobre esse contexto, Iamamoto (2007) assinala que, no caso brasileiro, o processo de desenvolvimento tem particularidades históricas, visto que o moderno se constrói por meio do arcaico, conservando as marcas tradicionais e, ao mesmo tempo, transformando outras de acordo com os ventos auspiciosos da globalização. Segundo a autora, esse movimento produz um ritmo específico que leva tanto o velho quanto o novo a se alterarem. Essa coexistência histórica faz que a Questão Social hoje se apresente com conservadorismo e mudanças radicais. Os trabalhadores do capital e do Estado histórica e conjunturalmente buscam estratégias para enfrentamento da Questão Social, e é na organicidade desse enfrentamento, como uma divisão social e técnica do trabalho, que surge o Serviço Social. A construção do projeto profissional “resulta tanto da socialização da política conquistada pelas classes trabalhadoras quanto dos avanços de ordem teórico-metodológica, ética e política acumulados no universo do Serviço Social a partir dos anos de 1980” (IAMAMOTO, 2007, p. 8). 10 Unidade I Re vi sã o: A nd ré ia - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 4/ 08 /1 2 Essas contradições historicamente contextualizadas apresentam à profissão algumas das expressões das forças sociais em correlação: tanto “o movimento do capital quanto os direitos, valores e princípios que fazem parte das conquistas e do ideário dos trabalhadores” (IAMAMOTO, 2007, p. 11). As bases que promovem reflexões éticas e políticas dos agentes profissionais e conduzem à renovação da profissão são resultantes exatamente dessas forças contraditórias que integram a dinâmica dos processos sociais. 11 Re vi sã o: A nd ré ia - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 4/ 08 /1 2 Serviço Social integrado Unidade I 1 CAPItAlISMo, GlobAlIzAção Análises sobre o capitalismo evidenciam as contribuições marxistas para entender os processos de formação e desenvolvimento do capital. Destaca-se, entre suas contribuições, demonstrar que o capitalismo revolucionou o modo de produção do artesanal para o industrial, promovendo mudança substancial quanto à atribuição do valor à mercadoria, que, no processo artesanal era calculado pelo tempo de trabalho individual e nas oficinas organizadas pelo capitalista, e depois passa a ser calculado pela média do trabalho coletivo, o que coloca um paradigma: “se existe na sociedade um tempo médio de produção de determinada mercadoria, os capitalistas individualmente devem se colocar na concorrência conforme este tempo médio” (HOBSBAWM, 2003, p. 21). Com isso, segundo o autor, Marx quis dizer que o capitalista não tem liberdade para escolher o modo como deseja produzir e, para enfrentar a concorrência, precisa necessariamente produzir de acordo com a média do trabalho social, que é determinado pelo desenvolvimento das forças produtivas do período histórico em que se encontra produzindo e concorrendo. É nessa condição que se revela o verdadeiro movimento do capitalismo em todo o seu processo de desenvolvimento. O capitalismo promove modificações estruturais ao criar a figura do trabalhador coletivo, que limita a individualidade de cada trabalhador e institui o processo cooperativo e a capacidade genérica dos modos de produção. Encerra-se aí uma contradição central do trabalho no capitalismo, quando se destaca a possibilidade do trabalho coletivo, que liberta o homem para produzir condições materiais de vida em larga escala, sem depender somente da natureza. Essa forma de transformação econômica separa os trabalhadores dos seus meios de produção e dá origem, inicialmente, à burguesia e à classe operária, e mais adiante à classe profissional ou tecnoburocrática. O trabalho é uma atividade que emprega o uso da razão para determinados fins, tais como a produção de uso e transformação da natureza para suprir as necessidades humanas. É na relação entre o homem e a natureza que se evidenciam a formação de valores quanto ao uso social dos resultados produzidos ou como compartilhar a natureza transformada pela ação do homem. Dessa forma, pode-se entender queo trabalho concreto resulta na formação de valores, que são próprios da condição de existência humana e que o desafiam em como desempenhar essa ação de forma livre e consciente. Essa ação transformadora do homem leva à liberação de forças e qualidades da natureza, que são por ele apropriadas como fruto de seu trabalho e que o elevam a níveis que o fazem superar as próprias capacidades. Em outras palavras, ele transforma a natureza e se transforma nessa ação. 12 Unidade I Re vi sã o: A nd ré ia - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 4/ 08 /1 2 Uma visão de trabalho, como explica Andrade Filho (1999, p. 440), modifica e dá sentido à vida humana: [...] o trabalho é uma expressão fundante do homem. Pelo trabalho, o homem potencializa o caminho da humanização e projeta seu futuro em uma nova forma de sociabilidade. O autor investiga o trabalho como ação transformadora das realidades, em uma resposta aos desafios da natureza, relação dialética entre teoria e prática. Pelo trabalho, entende, “o homem se autoproduz, alterando sua visão de mundo e de si mesmo, do mundo econômico, político e social, com perspectivas éticas e direitos econômicos de humanização”. O capitalismo encerra ainda um elemento negativo, porque a própria materialidade do regime capitalista, que potencializa essa coletivização dos produtos do trabalho do homem, tem por objetivo a acumulação de capitais e a reprodução do sistema que a possibilita. A consolidação do capitalismo subordina tudo o mais no sistema ao processo de acumulação de capitais. Com esse processo de cooperação instituído, a motivação e a conexão dos trabalhos na produção de mercadorias são externas, é de domínio do capital e inacessível aos trabalhadores, os quais ainda fornecem gratuitamente a força coletiva gerada no processo de produção, pois o pagamento é dado apenas aos trabalhadores isolados. Andrade Filho (1999) refere que, segundo Marx, não é somente no interior da produção que a manufatura causa impactos significativos, a estruturação capitalista interfere também no sistema de produção como um todo e na sociedade em geral. Nesse caso, o desenvolvimento do capital irá ocorrer numa determinada região territorial, o que acarreta uma especialização espacial da produção com o estabelecimento de controle na oferta de matérias-primas, de recursos naturais disponíveis, dentre outros. A lógica criada pelo sistema capitalista determina a formação de mão de obra operária não apenas para a finalidade da produção, mas define a lógica da divisão territorial. A aderência dos trabalhadores subordina-se de tal forma que, em determinadas regiões, se cria a demanda de certo tipo de trabalhador, diferente de outras demandas regionais, cuja base produtiva é diferenciada. Nesse contexto analítico, depreende-se que há semelhanças entre a divisão técnica do trabalho e a divisão social do trabalho. Outro ponto estrutural significativo do capitalismo é que gera no trabalhador uma dependência de que o capitalista compre sua mão de obra, como única possibilidade para realizar a sua força de trabalho. “Tem início nesse processo a relação de dupla expropriação do trabalhador: de um lado é expropriado de seus conhecimentos e ofícios anteriores; de outro lado, é expropriado da autonomia de trabalhar para si” (HOBSBAWM, 2003, p. 34). 13 Re vi sã o: A nd ré ia - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 4/ 08 /1 2 Serviço Social integrado Saiba mais Para conhecer um pouco mais sobre as consequências da Revolução Industrial, assista ao filme Daens. Dir. Stijn Coninx. Bélgica, 132 minutos, 1992. No caso da formação do trabalhador coletivo, a expropriação é ainda maior, pois todos os trabalhos parciais somados são revertidos para o capital, que ainda fica com a mais-valia2 expropriada individualmente, garantindo-lhe um duplo ganho. Observa-se, no cenário contemporâneo, que esse processo de expropriação manifesta-se também nas produções baseadas na realidade da microeletrônica. Com relação a essas transformações, Hobsbawm (2003) destaca uma afirmação de Marx, de que as formas de produção, das relações de trabalho e a divisão social somente ocorrem quando decorrentes de revolução nos instrumentos de trabalho. Ao se analisar historicamente o desenvolvimento dos processos de produção, revela- se porque as relações de trabalho no mundo contemporâneo se caracterizam pelo processo de acumulação flexível. Entende-se por acumulação flexível o processo de formação dos trabalhadores numa flexibilização determinada pelo locus3 que cada um ocupa na cadeia produtiva. Essa flexibilização aparece aos olhos do senso comum com otimismo, porque sinaliza uma espécie de autonomia para os trabalhadores, que, em tese, podem decidir sobre suas relações formais com os processos de produção e com os agentes que os controlam. Trata-se de um discurso que implica o trabalhador para que assuma, por conta e risco próprios, uma relação mais densa e eficiente com o conhecimento, para que possa se “encaixar” em uma faixa mais ampla do mercado de trabalho, ou seja, manter-se empregável. Nesse processo, tanto a tecnologia de produção quanto o capital adquirem uma mobilidade crescente e acelerada pela possibilidade de fragmentação da cadeia produtiva. A fragmentação da produção possibilita que um mesmo produto possa ser desenvolvido em vários locais diferentes, e dessa forma somente a mão de obra tornou-se o fator não móvel, permitindo a incorporação do low-wage (mão de obra barata) na lógica global. Mandel (apud IAMAMOTO, 2007) explica que, nas últimas três décadas, na América Latina o capitalismo e nossas sociedades impactaram-se com transformações históricas. 2 Segundo seu autor, Marx, é a diferença entre o valor da mercadoria produzida e a soma do valor dos meios de produção e do valor do trabalho, que seria a base do lucro no sistema capitalista (IAMAMOTO & CARVALHO,1982). 3 Locus significa lugar, em latim, e pode ser usado em diversos sentidos e para várias áreas. 14 Unidade I Re vi sã o: A nd ré ia - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 4/ 08 /1 2 observação O trabalho é uma atividade que emprega o uso da razão para determinados fins, como a produção de uso e a transformação da natureza para suprir as necessidades humanas. Sobre a crise histórica do capitalismo, as pesquisas destacam que, no final da Primeira Guerra Mundial, a indústria dos Estados Unidos era responsável por quase 50% da produção mundial. O país criou um novo estilo de vida: o american way of life, caracterizado pelo grande aumento na aquisição de automóveis, de eletrodomésticos e toda sorte de produtos industrializados. Os países europeus, nesse período, voltaram a se organizar e a desenvolver sua estrutura produtiva pela redução de importações de produtos americanos. Em oposição, os Estados Unidos aceleraram o crescimento e o ritmo de produção industrial e agrícola. Países como Inglaterra, França e Alemanha modernizaram-se rapidamente e inovaram seus métodos industriais, colaborando para aumentar o desequilíbrio entre o excesso de mercadorias produzidas e o escasso poder aquisitivo dos consumidores. Configurava-se, assim, uma conjuntura econômica de superprodução capitalista. Denominado de crack da Bolsa de Valores de Nova York, ocorreu a crise de superprodução, com ápice no dia 29 de outubro de 1929. As ações das grandes empresas sofreram uma queda vertiginosa, perdendo quase todo seu valor financeiro, forçando-as a reduzir o ritmo de suas produções. Em função disso, ocorreu um processo de demissão em massa que somou 15 milhões de desempregados. A Crise de 1929 e a depressão subsequente geraram uma relativa desarticulação da economia mundial, que foi considerada uma das consequências mais significativas e que estimulou a abertura de novas possibilidades de desenvolvimento para os países da região que já tinham alcançado certo patamar. Esses países elaboraram projetos de desenvolvimento voltados para o mercadointerno e para a industrialização via substituição de importações. lembrete É na relação entre o homem e a natureza que se evidenciam a formação de valores, quanto ao uso social dos resultados produzidos, ou como compartilhar a natureza transformada pela ação do homem. Na fase do pós-guerra, os países apresentavam imensas dificuldades para reorganização da economia, como, por exemplo, não se colocavam na época estratégias voltadas para as exportações e para promover o desenvolvimento, devido ao enfrentamento de diversos obstáculos, em particular no tocante ao financiamento externo. 15 Re vi sã o: A nd ré ia - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 4/ 08 /1 2 Serviço Social integrado Marcada pela Grande Depressão, a década de 1930 registrou a regressão das atividades econômicas em quase todos os países do mundo capitalista e o desemprego atingiu taxas elevadíssimas. Segundo Hobsbawm (1995), a queda acentuada dos preços dos produtos primários impactou as regiões menos desenvolvidas, que em muitos casos já enfrentavam problemas de superprodução desde a década anterior, que também sofreram com a depressão. A queda acentuada dos fluxos de capital, de mercadorias e da força de trabalho rompeu com a tendência de contínua integração da economia mundial. De acordo com pesquisas apresentadas na International Money and the Macroeconomic Policies of Developing Countries, de 16 a 19 de dezembro de 2002, em Muttukadu, Tamil Nadu, na Índia, observou-se na América Latina uma onda de moratórias das dívidas externas. Esse processo, denominado desarticulação da economia mundial, embora relativo, abriu espaço para a busca de saídas nacionais para a crise, obrigando a maioria dos governos e países a experimentar políticas alternativas às tradicionais da econômica neoclássica. Nessa década de 1930, os Estados passaram a intervir cada vez mais na economia, procurando regular os mercados e estimular a atividade econômica. Criou-se um forte protecionismo por parte de um número crescente de países para combater as desvalorizações competitivas de moedas, os controles de câmbio e as importações, as restrições à livre circulação de capitais e de força de trabalho, o comércio bilateral e a crise mundial, direcionando as economias para o mercado interno, exportando mais e importando menos (HOBSBAWM, 1995). Os países adotaram diferentes estratégias de desenvolvimento, condicionadas pelos resultados das lutas e dos impasses políticos e sociais de cada um. No caso do Brasil, a Revolução de 1930 deslocou a burguesia cafeeira, rompeu com o bloco hegemônico e conferiu ao Estado maior autonomia para responder rapidamente à crise e para conduzir um projeto calcado na industrialização e no mercado interno, que amadureceu paulatinamente e ganhou contornos mais nítidos no Estado Novo. O cenário de transformações econômicas evidenciado a partir do Estado Novo destaca-se para os anos seguintes com a adoção de várias medidas, entre as quais a legislação trabalhista, visando à regulação das relações entre capital e trabalho, à criação de inúmeros organismos de fomento e regulação de setores específicos da economia, à implantação da grande siderurgia e incipientes tentativas de planejamento econômico entre 1939 e 1943, por meio do Plano de Obras Públicas e do Reaparelhamento da Defesa Nacional e do Plano de Obras e Equipamentos, centrados na expansão da infraestrutura e na indústria de base, que buscava a racionalização do serviço público, referido na Constituição de 1937 e nas medidas protecionistas. Esse cenário de expansão e transformações econômicas, na realidade brasileira do Estado Novo, favorecia o surgimento de projetos nacionalistas e desenvolvimentistas que, sob a hegemonia dos EUA, participaram da reorganização da economia mundial com base em fortes economias nacionais e nos países desenvolvidos contribuíram para o florescimento do Estado de bem-estar social. Segundo Hobsbawm (1995), foi dessa forma que o grande capital financeiro internacional, enfraquecido pela depressão, teve que se adaptar à nova situação. 16 Unidade I Re vi sã o: A nd ré ia - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 4/ 08 /1 2 observação A Crise de 1929 é considerada o pior e o mais longo período de recessão econômica do século XX. Esse contexto não contemplava a América Latina até a segunda metade dos anos 1950, dado que os projetos voltados para a industrialização focavam o mercado interno, ainda que usufruindo do capital estrangeiro, que causava o endividamento das nações latinas. Esses projetos de desenvolvimento, que se associavam ao capital estrangeiro e/ou visando à autonomia, proliferaram nas décadas de 1930 e 1970 e se desmoronaram, na sua maioria, a partir dos anos 1980. Eram enormes as dificuldades para alcançar o desenvolvimento econômico, social, político e cultural, a partir das diversas e diferentes tentativas dos países da América Latina, comprometendo a formação de uma sociedade capitalista global. O sucesso parcial da industrialização, assegurando índices significativos de crescimento e do desenvolvimento tecnológico, com melhoria do nível de vida das populações, não garantiu o alcance para uma sociedade globalizada. Ao contrário, desencadeou grandes dificuldades para o enfrentamento dos graves problemas de desigualdade social, pobreza, numa demonstração da incapacidade dessas nações para completar os processos de industrialização, que dependia basicamente de financiamento interno da acumulação de capital e maior ação na economia. O excesso de intervenção estatal na economia preocupava as classes dominantes, ainda que considerando as necessidades de proteção para o setor industrial em forma de créditos para dar continuidade ao crescimento. Os capitalistas também ficavam atentos às mobilizações dos operários e suas intervenções na vida política, que volta e meia geravam momentos de crise e embates, especialmente nos casos em que essas mobilizações unificavam-se com ações populares, fragilizando, no entender das classes dominantes, os projetos nacionais de desenvolvimento. A década de 1950 marca o fortalecimento dos grandes oligopólios e empreendimentos financeiros, o que seria um dos fatores da crise da ordem econômica internacional estabelecida em Bretton Woods4 na década de 1970 e a retomada do processo de internacionalização do capital, com forte expansão das empresas multinacionais em regiões de periferia. 4 Quando a guerra aproximava-se do fim, a Conferência de Bretton Woods foi o ápice de dois anos e meio de planejamento da reconstrução pós-guerra pelos Tesouros dos EUA e do Reino Unido. Representantes estadunidenses estudaram com os colegas britânicos a reconstituição do que tinha estado faltando entre as duas guerras mundiais: um sistema internacional de pagamentos que permitisse que o comércio fosse efetuado sem o medo de desvalorizações monetárias repentinas ou flutuações selvagens das taxas de câmbio — problemas que praticamente paralisaram o capitalismo mundial durante a Grande Depressão (MAGNOLI, 2008). 17 Re vi sã o: A nd ré ia - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 4/ 08 /1 2 Serviço Social integrado Essas transformações redesenharam a divisão internacional do trabalho e colocaram novas questões para os projetos nacionais de desenvolvimento, que estavam com sérios problemas de financiamento interno e externo. A ideia baseava-se na entrada das empresas multinacionais para atuar nos mercados internos das nações, interferindo fortemente no crescimento da mão de obra barata e no esgotamento dos recursos naturais, em abundância na época. A autonomia nacional passava a depender de como os projetos de desenvolvimento das nações se apropriavam de modo dependente desse capital estrangeiro. No Brasil, esse era o caso de Getúlio Vargas, que esperava industrializar o Brasil e garantir sua soberania, com papel de destaque na América Latina, contando para isso com apoio político, financeiro e tecnológiconorte-americano. Nos anos 1960, observa-se a ampliação da produção e da capacidade produtiva em escala mundial, causada pela entrada de produtos japoneses e alemães no mercado mundial e também devido ao avanço das industrializações tardias em países periféricos. As lutas sindicais pressionavam para manter os lucros nos mesmos patamares e forçavam a elevação dos salários, o que afetou inclusive a economia norte-americana, que também era pressionada pela elevação dos gastos decorrentes da Guerra do Vietnã, da Guerra Fria e dos investimentos sociais destinados a responder à onda de contestação social que varreu o país na segunda metade dos anos 1960. No mesmo período, décadas de 1960 e de 1970, observa-se crescente contestação social, caracterizada pela ascensão das forças de esquerda e dos movimentos sociais, que pareciam estar sendo tomados pelo nacionalismo, pelo fundamentalismo e pela esquerda, motivando a formação de uma cultura anticapitalista. Surgiram também, nessa época, movimentos em defesa de várias causas, como o feminista, o negro, o ambientalista e o ecológico, em contraponto a outros movimentos burocratizados tradicionais de esquerda. Dessa forma, para se compreender a crise do padrão de acumulação desenvolvimentista e as novas estratégias de desenvolvimento e inserção na economia mundial, é necessário contextualizar a nova fase do capitalismo iniciada no final da década de 1970, denominada por Chesnais (1996, p. 43) “de mundialização do capital, compreendida como um aprofundamento do processo de internacionalização do capital, cujo traço principal é a hegemonia do capital financeiro”. Na visão de Antunes (2002, p. 27), essa crise capitalista do pós-1970 teve seis principais razões: Primeira, uma queda da taxa de lucro decorrente do aumento do preço da força de trabalho conquistado, principalmente pela intensificação das lutas sociais dos anos 60. Segunda, o esgotamento do padrão de acumulação taylorista/fordista de produção. Terceira, a hipertrofia da esfera financeira que ganhava relativa autonomia frente aos capitais produtivos. Quarta, a maior concentração de capitais graças às fusões entre as empresas monopolistas. Quinta, a crise do Welfare State (Estado de bem-estar social) e 18 Unidade I Re vi sã o: A nd ré ia - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 4/ 08 /1 2 de seus mecanismos de funcionamento, acarretando a crise fiscal do Estado capitalista e a necessidade de retração dos gastos públicos e sua transferência para o capital privado. Sexta, incremento acentuado das privatizações, tendência generalizada às desregulamentações e à flexibilização dos processos produtivos, dos mercados e da força de trabalho. Todas estas razões apontadas pelo autor consolidam mundialmente o projeto de sociabilidade capitalista neoliberal, que pode ser entendido dialeticamente como resultado e resultante do processo de reestruturação, e, portanto, de resposta à crise do capital como relação social global. Os capitalistas individuais enfrentaram uma concorrência que exigiu mecanismos que não são essencialmente econômicos e técnicos (de reestruturação produtiva), mas de criação de nova plataforma ou parque industrial e uma complexa estruturação política e ideológica capaz de transformar o comportamento de empresas e todo o conjunto da sociedade. Essa nova lógica de mercado, de divisão do capital, passou a condicionar as demais formas de movimentação econômica, configurações de dependência distintas das fases de desenvolvimento anteriores. Observa-se, nos anos 1980, intenso crescimento dos mercados de capitais, de câmbio e de títulos em escala global. Mais uma vez, a liderança dos Estados Unidos na constituição desse mercado financeiro, tornando o dólar uma moeda-chave desse mercado, e a transnacionalização do sistema financeiro constituem peça fundamental na sustentação do mercado financeiro global, marcada, por sua vez, pela instabilidade e pela rapidez de seus fluxos. A financeirização do capital passa a ocorrer na busca de fundos, resultados de curtíssimo prazo a qualquer preço, num processo especulativo que aumenta ainda mais nos momentos de grande liquidez na economia mundial, como no início da década de 1990. Algumas das formas de especulação desse capital financeiro ocorrem, por exemplo, com o petróleo, commodites5, ações, títulos, moedas e expansão imobiliária em diversos países. Os países latino-americanos continuaram enfrentando intensas crises de endividamento externo e inflacionária, com enormes dificuldades de se inserir na dinâmica dessa nova ordem e deixam de lado as estratégias desenvolvimentistas, passando a assumir as políticas recomendadas pelo chamado Consenso de Washington. Essa expressão, Consenso de Washington, também conhecida como neoliberalismo, foi cunhada em 1989 pelo economista inglês John Williamson, ex-funcionário do Banco Mundial e do Fundo Monetário 5 Commodities (significa mercadoria em inglês), principalmente minérios e gêneros agrícolas, que são produzidos em larga escala e comercializados em nível mundial. As commodities são negociadas em bolsas mercadorias, portanto seus preços são definidos em nível global pelo mercado internacional. O Brasil é um grande produtor e exportador de commodities (ANTUNES, 2002). 19 Re vi sã o: A nd ré ia - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 4/ 08 /1 2 Serviço Social integrado Internacional (FMI), com intenção de indicar políticas adotadas pelos Estados Unidos em relação aos países da América Latina. Algumas de suas características, segundo Chesnais (1996), são: • abertura da economia por meio da liberalização financeira e comercial e da eliminação de barreiras aos investimentos estrangeiros; • amplas privatizações; • redução de subsídios e gastos sociais por parte dos governos; • desregulamentação do mercado de trabalho, para permitir novas formas de contratação que reduzissem os custos das empresas. Vinculavam-se ao Consenso de Washington algumas imposições referentes a negociações das dívidas externas dos países latino-americanos, por meio do modelo do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Mundial, para todo o planeta. A ideia neoliberal baseia-se no funcionamento da economia com livre mercado, em que a presença do Estado inibe o setor privado e breca o desenvolvimento. Esse processo de globalização expande a tendência de abertura comercial e financeira das economias nacionais, numa onda de inovações tecnológicas, de reestruturação dos processos produtivos, de intensificação dos fluxos de capitais e da realocação espacial de inúmeros setores industriais para países periféricos, sobretudo para o Leste Asiático. A adoção do modelo neoliberal de paralisar o setor industrial e estimular o setor primário de exportações de produtos agrícolas e minerais, com destaque para o papel da China nesse cenário, conduz a retomada do crescimento e a criação de políticas sociais mais abrangentes. Surge, assim, um novo dinamismo para a acumulação de capital no Leste Asiático, enquanto o restante dos países com menor desenvolvimento passou por fases mais lentas de crescimento e maiores crises sociais. Nessa época, eclode uma diversidade de ideologias e projetos políticos de como o Estado deveria responder aos ditames desse novo modelo de desenvolvimento capitalistas. O processo de descentralização aparece como uma estratégia em contraponto ao alto grau de rigidez e centralidade do modelo anterior. Os governos são cada vez mais exigidos a equilibrar a coerência das grandes infraestruturas econômicas com as desigualdades regionais e a inserção de seus países na economia mundial, com investimentos tecnológicos de grande prazo. Para Harvey (2000), tem início uma urbanização com características de planejamento diferenciadas, baseada na metropolização, aqui no Brasil conhecida como municipalização, com conteúdo social, cultural e processos de vida cotidiana pautados em padrões de sociabilidadesdiversos de períodos históricos anteriores. As transformações somente permitem análises ao se decifrar estruturas institucionais, atores, determinadas estratégias locais e termos para tomada de decisões políticas. O curso de internacionalização do capital e a mundialização da produção motivaram governos locais a adotarem estratégias para maior 20 Unidade I Re vi sã o: A nd ré ia - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 4/ 08 /1 2 participação de atores na vida urbana, com projetos de gestão e desenvolvimento de renda, com caráter de fortalecimento da economia regional por meio de incentivos fiscais e outros subsídios que marcaram a década de 1980. As funções do Estado ampliam-se também para a implementação de programas ativos a fim de atrair investimentos privados para essas iniciativas locais, visando ao aumento do desempenho macroeconômico dessas localidades. Essa reestruturação elevou a níveis inimagináveis as taxas de desemprego, diante de novas formas de organização do processo de produção. Por sua vez, a classe trabalhadora vivenciou consequências profundas na cultura, na consciência de classe e nas formas de organização com o enfraquecimento dos sindicatos, que passaram a contribuir para a mudança da correlação de forças a favor da grande burguesia mundializada e para a hegemonia do capital financeiro. Alguns representantes organizados da classe dos trabalhadores radicalizaram, devido à perda da capacidade de analisar concretamente as situações e de criar propostas consistentes, causando a desorganização e o afastamento dos trabalhadores das esferas sindicais. O Estado de bem-estar social dos países em desenvolvimento, que mantinha domínio sobre as grandes economias, sofreu desmontes, para que fosse possível sustentar a valorização do capital financeiro, sobretudo por meio da ampliação da dívida pública. Ressalta-se que, principalmente no pós-década de 1970, o capitalismo vinha tentando dar respostas a sua crise. Uma contradição interminável e imanente à lógica do capital o levou a passar por momentos de crise, segundo Marx (HOBSBAWM, 2003). O aumento do capital constante, obtido por meio de maquinário que substituiu a força de trabalho (capital variável), provoca a queda da taxa de lucro. E, para escapar da sempre presente tendência à crise (queda da taxa de lucro), o capital dá respostas por meio da reestruturação. Em outras palavras, o processo de reestruturação do capital nada mais é do que uma ofensiva do capital para aumentar a produtividade do trabalho e atingir outros níveis de lucratividade. Em resposta a essa longa crise, o capitalismo internacionalizou a produção e os mercados, aprofundando o desenvolvimento desigual e combinado entre as nações, entre classes e grupos sociais e nas relações dialéticas entre imperialismo e dependência, promovendo “ajustes estruturais”6 por parte 6 Trata-se de um conjunto de condicionalidades econômicas, financeiras, políticas e ideológicas exigidas, propostas e requeridas pelas agências financeiras multilaterais, produzidas e ancoradas nas proposições dos países cêntricos do capitalismo mundial: EUA, Itália, Alemanha, Inglaterra, Canadá, França e Japão. O ajustamento estrutural ganhou força sistêmica principalmente a partir do início dos anos 1980, período em que se agravou o endividamento externo dos países, particularmente dos periféricos e endividados. Desse modo, o receituário de reformas condicionadas pelas instituições multilaterais (agentes destacados do capitalismo) como o Banco Mundial/BIRD – Banco Internacional para a Reconstrução e Desenvolvimento, o FMI – Fundo Monetário Internacional e o BID – Banco Interamericano de Desenvolvimento, para que houvesse anuência para a formalização de empréstimos em qualquer área, passou a exigir um conjunto de reformas como a estatal, educacional, trabalhista, previdenciária, fiscal etc. (ANTUNES, 2002). 21 Re vi sã o: A nd ré ia - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 4/ 08 /1 2 Serviço Social integrado dos estados nacionais. Segundo Antunes (2002), esses ajustes estimularam livremente a especulação do capital financeiro, sem regulamentações e com foco para assegurar a lucratividade dos grandes conglomerados multinacionais, o que exige um Estado forte. O termo globalização relaciona-se agora a um fenômeno econômico que apresenta a imagem de uma única economia, de um único interesse. Em seu nome, “a movimentação internacional dos capitais é liberada, o setor público produtivo é privatizado ou desmantelado e a política monetária prioriza a estabilidade dos preços em detrimento do crescimento econômico” (SINGER, 2000, p. 15). Esse processo chamado globalização econômica acentuou mais fortemente mecanismos ideológico- políticos e econômicos inovadores, adotados pelo capital para aumentar sua produção e manter o controle sobre a organização dos trabalhadores. A terceirização, a flexibilização, a informalidade, a busca por mão de obra barata, o controle de qualidade constituem-se em novas estratégias para aumentar o lucro e simultaneamente contribuíram para o aumento da precarização, da exploração do trabalho e do trabalhador brasileiro. Como já vimos, a flexibilização e a adoção de novos instrumentos de trabalho, como as tecnologias, microinformática, dispensam a mão de obra, especialmente não qualificada, para esse novo cenário tecnológico e implementam os mecanismos de aumento das exportações em vários setores. Essa agilidade e o aumento do volume de produção facilitam de modo expressivo o atendimento das demandas externas. lembrete Para Harvey (2000), a urbanização no Brasil, é conhecida como municipalização, com conteúdo social, cultural e processos de vida cotidiana pautados em padrões de sociabilidades diversos de períodos anteriores. Segundo Frigotto (2000, p. 43), [...] os grandes líderes da produção global, como é caso da indústria automobilística, tradicionalmente desconcentrada, atualmente têm sua produção concentrada em apenas cinco fabricantes com cerca de 40% da produção mundial, demonstrando que os países que assumiram o controle da primeira fase da internacionalização do capital, entre 1450-1850, ainda mantêm a liderança da produção mundial. Tal análise reforça o caráter especulativo do capital, independentemente do tempo histórico e do contexto territorial em que se desenvolva. Segundo o autor, os investimentos realizados pelos grandes capitais rapidamente se fetichizam (ato de atribuir, simbolicamente, a indivíduos, parte do corpo e objetos, propriedades de outros objetos e diferentes significados) para todos os contextos sociais neste mundo globalizado e impactam no desmonte das conquistas civilizatórias dos trabalhadores, nas 22 Unidade I Re vi sã o: A nd ré ia - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 4/ 08 /1 2 relações sociais, alcançando seu ápice na “hegemonia do capital que rende juros – denominado por Marx de capital fetiche – e obscurece o universo dos trabalhadores que produzem a riqueza e vivenciam a alienação como destituição, sofrimento e rebeldia” (ANTUNES, 2002, p. 34). A globalização recria e intensifica a Questão Social, que tem sua origem no modo de produção capitalista e, apesar das crises e das constantes transformações, mantém inalterada a sua base exploratória sobre o trabalhador, exigindo reinvenção nas formas de intervenção político-social, cultural e econômica nesse processo. Segundo Gorz (apud SINGER, 2000, p. 128), há registros de que mudanças ocorridas no mundo do trabalho “deixaram, há muito tempo, de fazer parte da liberdade do homem ou da sua identificação com sua atividade e passaram para o reino da necessidade”. Nessa reflexão, surge o neoproletário. Este desenvolve um trabalho que pertence ao aparelho de produção social, o qual o gerencia, determina suas formas de operacionalização e o mantém externo aos indivíduos com os quais se articula. Esse cenário globalizado cria a ilusão de que não existirão mais trabalhadores,pois os computadores e os softwares dispensariam, em tese, a mão de obra. Sobre esse suposto fim do trabalho, Frigotto (2000, p. 295) afirma que: o grau de extração da mais-valia continua voraz e o que se libera não é o tempo livre, mas tempo de desemprego, de trabalho precário e de aumento de sobrantes. “Na tese do mercado autorregulado há consumidores soberanos que livremente tomam suas decisões otimizadas. Na perspectiva do pós-modernismo, no limite, cada um é sua teoria, é sua utopia é seu projeto histórico.” A produção mundial nessa escala é fragmentada e acentua a competição entre as grandes empresas e os líderes desse mercado globalizado, exigindo maiores investimentos, com o objetivo de manter ou adquirir lideranças tecnológicas e restringir as lideranças nos processos decisórios da produção mundial. Corporações oligopolizadas (diz respeito a oligopólio, ou seja, várias empresas se juntam para monopolizar determinado setor da economia; monopolizar quer dizer ter total controle sobre tal coisa) destacam-se nesse cenário globalizado, como as montadoras de automóveis, de extração, de refino e distribuição de petróleo e de comunicação, com seus investimentos espalhados pelos cinco continentes. Assim, concentram a maioria dos estoques dos investimentos globais diretos e dos fluxos de pagamentos internacionais. Dessa forma, constituem-se a formação de oligopólios, que vão influir nas transformações da economia mundial para uma escala globalizada, conhecida também como mundialização do capital. Essas mudanças influem ainda nas transições de governos e nas conformações das organizações dos Estados capitalistas. 23 Re vi sã o: A nd ré ia - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 4/ 08 /1 2 Serviço Social integrado Sobre as origens e formas de compreensão do Estado, é válido analisar as reflexões que Norberto Bobbio (1987) faz sobre as perspectivas de Weber, ressaltando que é somente na civilização ocidental, com o capitalismo racional e fenômenos culturais com certa universalidade, que se cria em valor e significado um Estado como uma “entidade política, com uma ‘Constituição’ racionalmente redigida, um Direito racionalmente ordenado e uma administração orientada por regras racionais, as leis, e administrado por funcionários especializados” (BOBBIO, 1987, p. 129). Tomando por base essa perspectiva weberiana, o Estado adquire um sentido estrito, como entidade política, com atributos desenvolvidos precariamente no Ocidente antes do século XVIII. Trata-se de um Estado em sentido lato, caracterizado como uma entidade de poder e/ou dominação presente em outros lugares e épocas. Em análises compartilhadas por Marx e Weber, que são de perspectivas opostas, o Estado é antediluviano (que significa “antes do dilúvio”, referindo-se ao antigo dilúvio bíblico, usado para descrever qualquer coisa pré-histórica; o tempo antes das civilizações deixarem registros históricos). A revolução capitalista consiste num processo de transformação histórica, porque as ações sociais deixaram de ser conduzidas pela tradição e pela religião para serem conduzidas pelo Estado e pela principal instituição econômica por este regulada – o mercado. A natureza desse modo de desenvolvimento capitalista produz um crescente interesse em novos mercados e em novas formas de acumulação do capital, independente das dimensões territoriais e políticas que o adotam. 2 eStAdo, eStAdo-nAção e deSIGuAldAdeS SoCIAIS No pós-guerra, surgem novos interesses e expectativas criados entre os profissionais da classe média, e a classe operária já compreendia que o Estado podia desenvolver ações a seu favor. Dessa forma, originam-se as nações e os Estados-nação. Bresser-Pereira (2008) esclarece que, para cada Estado-nação ou Estado nacional, existe uma nação ou uma sociedade civil, um Estado e um território. Tanto a nação quanto a sociedade civil são a sociedade politicamente organizada enquanto agente político dotado de crenças e valores. Tais transformações produzem nessas novas conformações sociais movimentos em torno da luta por direitos humanos, defesa de princípios democráticos e de cidadania. Segundo Bresser-Pereira, o Estado-nação surge do processo político da revolução capitalista, e assim é denominado porque agrega a ideia de Estado como elemento fundante, com a concepção de nação e sua relação com a sociedade civil, ou como ele próprio afirma: A Revolução Capitalista, no plano econômico, deu origem ao capital e às demais instituições econômicas fundamentais do sistema – o mercado, o trabalho assalariado, os lucros e o desenvolvimento econômico decorrente da 24 Unidade I Re vi sã o: A nd ré ia - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 4/ 08 /1 2 acumulação de capital combinada com o progresso. No plano social, surgem as três novas classes sociais: a burguesia, os trabalhadores assalariados e, em uma segunda fase, a classe profissional. No plano político, além do estado, surgem a nação e a sociedade civil e definem-se, sucessivamente, os grandes objetivos políticos e as respectivas ideologias: a liberdade e o liberalismo, a autonomia nacional e o nacionalismo, o desenvolvimento econômico e a racionalidade instrumental ou eficientismo, a justiça social e o socialismo e a proteção da natureza e o ambientalismo (BRESSER PEREIRA, 2008, p. 26). A nação é a sociedade que compartilha um destino comum e procura reunir condições para organizar e manter um Estado, tendo como principais objetivos a segurança ou autonomia nacional e o desenvolvimento econômico. O Estado-nação permite conceber a ideia de “comunidade”, em que se identificam as diferenças, semelhanças e desigualdades internas (de gênero, de classe, de religião etc.) entre as pessoas de uma mesma comunidade e em relação a nações diferentes, muitas vezes originando, com base na defesa dos interesses considerados fundamentais para a comunidade, preconceitos e radicalismos que geram conflitos, guerras e embates políticos e econômicos. Bresser-Pereira (2008, p. 28) afirma que: A sociedade civil é a sociedade politicamente organizada que se motiva principalmente pela garantia dos direitos civis e dos direitos sociais. O Estado, por sua vez, é o sistema constitucional-legal e a organização que o garante; é a organização ou aparelho formado de políticos e burocratas e militares que tem o poder de legislar e tributar, e a própria ordem jurídica que é fruto dessa atividade. O Estado nessa perspectiva configura-se como uma instituição abrangente usada pela nação para promover seus objetivos políticos, como instrumento da ação coletiva da nação ou da sociedade civil. Em suas reflexões sobre o Estado, Pereira (2009) diz que são recentes estudos sobre a relação Estado e sociedade, em que o Estado é dotado de obrigações positivas que o impelem a exercer regulações sociais por meio de políticas. Segundo a autora, ao se considerar a questão da liberdade, essa regulação do Estado é, no mínimo, contraditória, embora necessária, e, quanto à igualdade, não é diferente essa ingerência do Estado, quando se tratar da substantiva que contemple a todos e de fato dê condições de pleno acesso às políticas e ações desse Estado social. Mesmo se considerando que liberdade e igualdade substantiva sejam conquistadas no pleno exercício democrático, é necessário que o Estado regule com ações positivas para que setores da sociedade civil se fortaleçam no equilíbrio do jogo democrático de participação e acesso, minimizando os efeitos do capital e das lutas de classe, em favor, claro, das classes mais impactadas com a desigualdade. 25 Re vi sã o: A nd ré ia - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 4/ 08 /1 2 Serviço Social integrado Ainda segundo Pereira (2009), a busca do bem-comum por parte do Estado fundamenta-se numa naturalização das desigualdades sociais e da pobreza, quando imprime à execução das políticas sociais um caráter residual e superficial que não passa nem perto das questõessistêmicas e estruturais e, claro, sem provocar alterações na distribuição desigual de renda. Em qualquer sociedade, há desigualdades sociais, por se tratar de um componente estrutural inevitável, e as políticas sociais constituem apenas um dos elementos, dentre outros, para sua redução. Nessa perspectiva, as políticas sociais são criadas para solucionar problemas gerados pelas desigualdades, mas a ideia é que, se a fórmula usada para distribuição original de renda favorece mais a uns que outros, logicamente, as políticas sociais, ao serem planejadas e executadas, devem também alcançar mais àqueles que têm menos acesso a essa renda originalmente distribuída. Contudo, essa redistribuição, por si, não é suficiente para promover equilíbrio estrutural no processo de distribuição de renda, porque não promove transformações na esfera produtiva nem na lógica de mercado, que enquanto sistema econômico se mantém inalterado e constantemente gerador de desigualdades. lembrete As nações e os Estados-nação, segundo Bresser-Pereira (2008), formam- se de uma nação ou uma sociedade civil politicamente organizada, enquanto agente político dotado de crenças e valores que passam a representar-se num Estado e num território. Então, o caráter de redistribuição tem em sua essência o efeito de mero deslocador de recursos, que no final se opera em caráter de repasse reorganizador de custos para o mesmo sistema e fazendo uso das sobras que não comprometam a estrutura do sistema produtivo. A tributação permanece inalterada, sendo atribuída a todos que fazem parte da cadeia produtiva, inclusive os menos favorecidos, e o acesso às políticas sociais culminam por se traduzir na ação redistributiva do Estado em elemento dispendioso e um risco para a hegemonia do capital. Para Pereira (2009), explica-se esse protagonismo estatal por meio das aplicações de medidas sociais por parte do Estado em situações para a reposição de perdas moralmente injustificadas. Investindo assim, o Estado exercita poderes conferidos pela sociedade para garantir direitos sociais. Historicamente o Estado sempre interveio politicamente para atender demandas e necessidades produzidas na esfera do trabalho e geradas pelo capital. É certo que transformações econômicas, sociais e políticas promovidas pelo avanço industrial criaram condições objetivas para o comprometimento do Estado com problemas resultantes das desigualdades sociais. Depreende-se dessa análise que os problemas se tornaram tão grandes e complexos que já não seria possível que as relações livres do mercado e de instituições tradicionais pudessem controlar e criar estratégias para resolvê-los. 26 Unidade I Re vi sã o: A nd ré ia - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 4/ 08 /1 2 observação O advento do capitalismo no mundo radicaliza nos modos de produção, na divisão social e técnica do trabalho, nos intensos processos de desigualdades sociais e na divisão social de classes – trabalhadores e capitalistas. A partir da metade do século XX, o sistema capitalista fortaleceu-se ainda mais, com a difusão maciça da tecnologia da informação nas atividades econômicas, que imprimiram a esse sistema características e impulsos sem precedentes na história da humanidade. O desenvolvimento e a difusão da informática possibilitaram a adoção de novas estratégias de produção e distribuição das atividades das corporações produtivas. A partir da introdução da informática, as unidades de produção puderam ser reformuladas, transformando as empresas integradas verticalmente em um modelo das networks7, redes de relacionamentos e de produção, que incorporam diferentes empresas em um mesmo projeto global. Therborn mostra-nos que a história global e os processos nacionais são os mais importantes, especialmente porque diferenciam Estados fortes de Estados débeis. Para o autor: Enquanto a história, reproduzida pelos fluxos de comércio, de capital e de migração, acumulou a desigualdade econômica, o fluxo de conhecimento, sobretudo o médico, favoreceu uma maior igualdade, observando-se também novas transformações no sentido dos fluxos globais e seus efeitos distributivos (THERBORN, 2001, p. 122). Numa visão contemporânea, Therborn (2001) explica que a globalização não desfez o fortalecimento secular do Estado-nação do século XX, e a importância das relações interestatais significa que a cidadania é uma das mais importantes instituições mundiais de desigualdade. Por outro lado, há Estados que abrigam dentro de suas fronteiras quase tanta desigualdade econômica quanto a existente no mundo. Na análise de Therborn (2001), o cenário da globalização traduz-se em novas configurações de desigualdade porque permitem que o Estado-nação, em nome da expansão do capital internacional, 7 A palavra de origem inglesa networking vem da união das palavras “net”, que significa “rede”; e “working”, que significa “trabalhando”. A pequena palavra quer dizer nada mais nada menos do que ter uma rede de contatos em que pessoas possam dar referências boas sobre você. Conforme Darling (2007), trata-se da lista de pessoas com as quais você já manteve contatos, além das pessoas que lhe foram indicadas por outras pessoas. É conhecer pessoas de ambientes que você não frequenta e fazer espontaneamente alguma coisa por elas, é fazer sempre contatos com as pessoas que ficam conhecendo e em cada lugar trocar algumas palavras com mais pessoas. O autor expressa bem o fato de manter bons contatos com outras pessoas, e principalmente manter relações de livre e espontânea vontade a fim de atingir objetivos. 27 Re vi sã o: A nd ré ia - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 4/ 08 /1 2 Serviço Social integrado passe a integrar o chamado desenvolvimento global, adotando processos culturais, econômicos e políticos que controlam o pleno exercício da cidadania e das instituições de participação democrática. Ainda para Therborn (2001), a globalização pode ter qualquer sentido e se explica a partir de duas referências: comunicação e cognição. O conceito de globalização deveria indicar a existência de algo novo no mundo. Desde o final da década de 1980, segundo o autor, esse conceito surge em pelo menos cinco discursos centrais: O econômico, que se refere a novos padrões de comércio, investimento, produção e empreendimento. O sociopolítico, concentrando-se no papel cada vez menor do estado e de um tipo de organização social a ele associada. Um tipo de protesto sociocrítico, como uma nova forma que assume as forças adversas: o inimigo da justiça social e de valores culturais particulares. O discurso cultural, dos estudos antropológicos e culturais, que apresenta a globalização como fluxos, encontros e hibridismo culturais. E a responsabilidade social, em que a globalização é parte de um discurso ecológico e de preocupações ambientais planetárias. A globalização pode ser percebida, predominante, fundamental e basicamente, como sendo econômica, cultural ou ecológica ou, como irredutível, possível e contraditoriamente multifacetada (THERBORN, 2001, p. 125). A globalização apresenta um caráter multidimensional, composto por variáveis sociais que influem na estruturação social, na divisão do trabalho, na gestão dos direitos, na regulação da distribuição de bens e valores sociais, na universalização das oportunidades e riscos e nas transformações culturais, com maior disseminação de conhecimentos, constituição de valores, normas, entre outros. lembrete É necessário que o Estado regule com ações positivas para que setores da sociedade civil se fortaleçam no equilíbrio do jogo democrático de participação e acesso, minimizando os efeitos do capital e das lutas de classes, em favor, claro, das classes mais impactadas com a desigualdade. Segundo Therborn (2001), fruto da internacionalização do capital, as dimensões da globalização geram novos processos de desigualdade e impulsionam a ampliação das instituições democráticas, com defesa ambiental multifronteirase disseminação de conhecimento com comunicação universal, que, no entanto, são inviabilizados em razão de serem incompreensíveis e inacessíveis aos sujeitos organizados ou isolados, que também não conseguem se apropriar dos bens produzidos por esses novos modos de produção do capital. No processo de globalização, os movimentos da sociedade civil organizada são dicotomizados devido ora ao dimensionamento de uma pretensa universalidade que inviabiliza o diálogo ampliado e uma 28 Unidade I Re vi sã o: A nd ré ia - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 4/ 08 /1 2 consensualidade em esferas decisórias, ora pela individualização que igualmente destitui a legitimidade de acesso no bojo das dimensões globalizadas. Exatamente quando se configuram os processos de organização da sociedade civil para defender seus interesses enquanto nação, ante à correlação de forças na relação com o estado/capital, é que o Serviço Social na contemporaneidade procura intervir, atuando nas manifestações mais intensas da Questão Social (IAMAMOTO, 2007). A partir dessa perspectiva do Estado como promotor do bem comum, por meio das políticas sociais como meio de reequilibrar e reduzir as desigualdades, é que se tem a gênese do Serviço Social, na perspectiva filantrópica com que se instituem as ações sociais. observação Historicamente, o Estado sempre interveio politicamente para atender demandas e necessidades produzidas na esfera do trabalho e geradas pelo capital. Ao se planejar e executar as políticas sociais abarcadas pelo Estado, com caráter redistributivo, paliativo e corretivo frente às desigualdades geradas pelo sistema capitalista, observa-se que historicamente os assistentes sociais desenvolvem estruturalmente críticas e radicalização de seu papel mediador, adotando atitudes no projeto político profissional contemporâneo de defensores do bem- estar social, do combate aos processos constituidores da pobreza e suas manifestações e ainda da transformação dos instrumentos operativos do Estado, que são deficientes e reduzem a perspectiva da distribuição de renda a uma gama de ações filantrópicas, estigmatizantes e inibidoras de iniciativas críticas politicamente. 3 deSIGuAldAdeS SoCIAIS Segundo o Relatório do Banco Mundial do ano 2000, a pobreza se caracteriza por ausência de recursos e renda para assegurar a cobertura de necessidades essenciais, incluindo educação e saúde, também pela falta de legitimidade e participação política nas instituições estatais e nos processos sociais organizados e pela exposição das pessoas a riscos, sem potenciais para o enfrentamento, provocando violações de direitos e vulnerabilidades. Para Sposati (1997), há uma relatividade na forma de conceber a pobreza, haja vista a diversidade de hábitos, valores e costumes nas sociedades. A autora ressalta que os processos globalizados imprimem um tom comum, igualando as diversas formas de pobreza. E esclarece que é possível adotar indicadores para estimar os variados graus de pobreza e estabelecer medidas quantitativas comparativas para obter os padrões mínimos de uma dada sociedade. Torna-se desafiador diante de realidades sociais diferenciadas serem atribuídos significados que contemplem sentidos comuns sobre pobreza, por exemplo, e que possam esclarecer de uma ou mais 29 Re vi sã o: A nd ré ia - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 4/ 08 /1 2 Serviço Social integrado formas determinados assuntos ou situações, preservando a integridade das dimensões socioculturais de uma dada sociedade. Contudo, é certo que condições genéticas que impõem exigências básicas de vida e outras questões relacionais singulares de sociabilidade, que ocorrem em qualquer lugar ou contexto, perpassam as diferenças entre sociedades, países e evidenciam processos de desigualdades sociais que são semelhantes e se configuram de idênticas formas por resultarem do sistema capitalista. Segundo Sposati (1997, p. 11), [...] pobreza é em qualquer lugar do mundo entendida como privação ou ausência das necessidades básicas, podendo mudar a intensidade da privação como ausência total de recursos que impeçam o ser inclusive de se alimentar: condição primeira para sua sobrevivência. O que denotaria um estado de indigência. De outras formas se daria na privação de condições materiais e acesso mínimo às políticas de saúde, educação, saneamento, habitação etc. [...] Para fazer frente ao estado de privações, pesquisadores e organismos internacionais empenham- se historicamente para decifrar as estruturas das desigualdades sociais, que não afetam um país em particular e exigem que os Estados criem estratégias em forma de políticas públicas para o enfrentamento da pobreza conforme ela se apresente numa dada realidade. Recorrendo a Pereira (2009), quando analisa dados sobre as necessidades humanas, Sposati destaca pesquisas que ressaltam como essenciais uma alimentação nutritiva, o consumo de água potável e a ingestão de no mínimo 3.000 calorias diárias (homem) e 2.000 (mulher). A habitação deve proteger de climas adversos, contar com saneamento básico e planejamento face à densidade populacional local. Nessa análise de Pereira (2009), consta também que todas as pessoas devem ter oportunidade de trabalho criativo, com ambiente de qualidade, jornadas justas, segurança para a saúde e rendimento compatível com a satisfação do trabalho. Fazem parte dessas referências às necessidades humanas de um ambiente ecologicamente saudável, atenção à saúde integral, acesso à educação de qualidade, com ênfase para a infância e adolescência, estímulo à proteção das relações primárias significativas, como a convivência familiar e social e, em especial, a valorização de autonomia para que as pessoas sejam capazes de escolher e avaliar informações para agir, criticar e, quando necessário, mudar as regras e práticas da cultura da qual fazem parte (PEREIRA, 2009). Robert Castel, um dos mais notórios pesquisadores contemporâneos, desenvolveu análises sobre a realidade socioeconômica e política francesa, seu país de origem, que permitiram aprofundar conhecimentos acerca da pobreza e da desigualdade social, denominada por ele de “desfiliação”. 30 Unidade I Re vi sã o: A nd ré ia - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 4/ 08 /1 2 Desde a década de 1960, segundo Castel (1998), o trabalhador adquire um status que lhe permite acessar elementos subjetivos de sua função social e um conjunto objetivo de proteções sociais, ampliadas durante o século XX. A teoria econômica keynesiana de pleno emprego, assegurado pela noção de uma sociedade salarial, não alcançou sua plena realização, embora tenha alimentado a noção subjetiva de direito ao trabalho e estimulado legislações que reduziram a níveis aceitáveis algumas arbitrariedades por parte dos empregadores. Os trabalhadores tiveram expansão de direitos trabalhistas sem, efetivamente, estabilizar-se no mercado de trabalho. Para Castel (1998), o trabalho assalariado funciona como um elemento de coesão e integração social, na perspectiva durkheimiana da organicidade social, que, segundo ele, se estabelece a partir da complementariedade das funções desempenhadas pelos indivíduos em relações sociais. Nesse caso, o trabalho seria o complemento motor da integração social. lembrete É possível adotar indicadores para estimar os variados graus de pobreza e estabelecer medidas quantitativas comparativas a fim de obter os padrões mínimos de uma dada sociedade. A “desfiliação” traduz-se na falta de lugares na divisão social dos trabalhos, a não ocupação ou o aproveitamento das funções do trabalhador ficam despregados da estrutura social, sem condições para acesso aos elementos orgânicos da sociedade, permanecendo numa mobilidade incômoda ao sistema. A essa perda da fonte de coesão do tecido social, o trabalho, que impede o caráter integrador, Castell (1998) denomina “nova Questão Social”, por se tratar de um fenômeno associado às consequentes mudançasno mercado de trabalho. Para o autor, desde 1970, evidencia-se o aumento de desemprego em massa e a instabilidade, sem desenvolvimento de formas de proteção social capazes de gerar postos de trabalho e manutenção das condições dos assalariados. Insiste o autor que a marca dessa “nova Questão Social” é a “remercantilização” da força de trabalho, com precariedade do trabalho e generalização do desemprego, na perspectiva contínua da aleatoriedade, com situações que podem substituir o “contrato de trabalho por tempo indeterminado” por “contratos de trabalho por tempo determinado”, por contratos de “trabalho de tempo parcial” e outras formas de emprego, por exemplo. [...] é difícil estabelecer uma separação nítida entre a precariedade e a vulnerabilidade, pois são configurações que se realimentam e têm origem no coração dos processos econômicos e não nas margens deste, ou seja, não em características ou qualidades específicas que cercam o cidadão vulnerável ou em situação de precariedade. O potencial de precarização contido na diminuição do peso do contrato de trabalho por tempo indeterminado é o que nos possibilita “compreender os processos que alimentam a 31 Re vi sã o: A nd ré ia - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 4/ 08 /1 2 Serviço Social integrado vulnerabilidade social e produzem, no final do percurso, o desemprego e a desfiliação” (CASTEL, 1998, p. 87). Na lógica do capitalismo globalizado, a empresa, para ser competitiva, deve efetivar o que o autor chama de “gestão em fluxo tenso”, gerir capacidade de produção de acordo com a demanda e contratar no mesmo movimento, o que gera a flexibilização da contratação e do uso da força de trabalho. O resultado é a “desfiliação” de uma imensa maioria de trabalhadores que são vulnerabilizados (o sistema os desqualifica, os mantém não aptos às exigências da produção; ao mesmo tempo, demanda qualificações que poucos possuem e mantém a todos suspensos pelo fio do fluxo de demanda quem advém do mercado), assim se caracteriza a máxima mercantilização da força de trabalho. Castel (1997, p. 24) explica que a “nova Questão Social” é marcada por três processos que se interligam: a) a “desestabilização dos estáveis” (ou seja, a ameaça de desintegração de parcelas da classe operária que se achavam solidamente integradas e dos assalariados de classe média); b) a “instalação da precariedade” (através do crescimento do desemprego contínuo e recorrente e da mudança na lógica de oferta dos postos de trabalho, que são agora cada vez mais temporários; e c) o déficit de lugares (que é, por sua vez, determinado pelo crescimento do desemprego e da precarização e significa que, simplesmente, há uma ausência ou uma falta de “lugares ocupáveis na estrutura social”, que possam trazer ao agente social perspectivas de integração devido exatamente à utilidade social do que está realizando). Para o autor, a “desfiliação” equivaleria à condição caracterizada pela “ausência de inscrição do sujeito em estruturas portadoras de sentido”, não é um excluído porque não vive uma situação de “ausência completa de vínculos”; não está fora da sociedade, mas distante do centro de coesão. Nessa análise de Castel (1998), existem dois elementos de coesão da sociedade – o econômico e o social. O econômico, associado ao emprego estável, várias modalidades de trabalho e desemprego, e o social ou interacional, relacionado aos laços sociais de pertencimento e aceitação, vinculados à vizinhança, parentalidade, territorialidade habitada, que impactado pelas dificuldades do mercado de trabalho pode se inibir e promover a “desfiliação”. Segundo Castel (1998, p. 27), há quatro tipos de “zonas” nas quais os indivíduos podem estar distribuídos da seguinte forma: A primeira corresponde à “integração”. Nesta, o agente social possui as garantias de um trabalho permanente e ainda está imiscuído em relações 32 Unidade I Re vi sã o: A nd ré ia - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 4/ 08 /1 2 sociais sólidas. Na segunda, a zona da “vulnerabilidade”, o indivíduo atravessa uma situação na qual é ameaçado pela precariedade do trabalho e tem seus laços sociais enfraquecidos. Na terceira, que seria a “zona da assistência”, é a esfera pública que evita o desligamento do indivíduo atingido pela precarização e pelo enfraquecimento dos laços familiares. Por último, a zona de desfiliação é ocupada por aqueles que não somente estão em desemprego, mas que também perderam as relações que haviam sido produzidas no mundo do trabalho, no bairro, na vizinhança próxima etc. Essa posição teórica desenvolvida por Castel (1998) não é exclusiva para pesquisadores que corroboram essa reflexão, ao considerar que o atendimento das necessidades humanas físicas (alimentação, habitação, vestuário, mobiliário etc.) e sociais (saneamento, transporte, saúde, trabalho, educação, cultura, cidadania etc.) deve fundamentar as propostas de desenvolvimento geral de uma nação, econômica e socialmente, permitindo conciliar as diferentes dimensões das necessidades humanas e não se ater à lógica do mercado (JACCOUD, 2009). A autora Sawaia (1999), ao explanar sobre a exclusão social, destaca outros autores e referências, além de Castel, que analisam sob outros ângulos a temática. Para Paugam (2003), a “desqualificação”, entendida como um processo relacionando fracassos e sucessos na integração e constituindo um produto da construção social que passa pelo emprego e que causa a desintegração social. Segundo a autora, Gaujelac e Leonetti referem-se à “desinserção” sem relacioná-la à pobreza, mas exaltando o valor simbólico, por exemplo, na esfera emprego e vínculo social. Em outras palavras, a identidade social de um desempregado o coloca “fora de norma”, sem utilidade social. Em suas análises, Pereira (2009) comenta que consta da literatura brasileira que o autor Cristóvão Buarque retomou o termo “apartação social”, entendido originariamente como separação do gado, e o explicou como se tratando da separação uns dos outros não apenas como desigual, mas também não semelhante, impossibilitado por força do sistema de consumir, adquirir bens, trabalhar, usar serviços e ser reconhecido como do gênero humano, o que consiste numa intolerância social. Essa forma de reflexão sobre a exclusão social a associa ao sentido de privação de ação e representação, vinculando-a estruturalmente ao eixo democrático e ao exercício da cidadania. A lógica estigmatizante impregna as ações do Estado ao assumir a criação de políticas sociais com o objetivo de equilibrar a distribuição de renda no sistema capitalista e torna essas ações reforçadoras do processo de exclusão, porque transformam direitos em benefícios, atrelados a uma cultura de favor, de assujeitamento obediente, conformista, que submete ao apadrinhamento ou tutela, com uma postura de gratidão pelo merecimento em momentos em que a necessidade de sobrevivência humana se revela. No caso brasileiro, existe uma cultura de constrangimento e humilhação em relação aos segmentos que se encontram na linha de exclusão. Esse segmento evita por todos os meios valer-se do direito de participar do equilíbrio na balança da distribuição de renda porque crê que, assumir a defesa desse direito, significa identificar-se como não participante efetivo do processo econômico do país e que, de certa forma, constitui um peso para a sociedade. 33 Re vi sã o: A nd ré ia - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 4/ 08 /1 2 Serviço Social integrado Significa que lutar para ter acesso a direito ao trabalho, à renda e aos recursos fundamentais para a sobrevivência equivale a fazer parte do segmento mais vulnerável da sociedade e se identificar na lógica de que é excluído da sociedade, porque somente aos excluídos se aplicam as iniciativas de complementação de renda e prestação de serviços sociais. As estratégias de desenvolvimento econômico e social adotadas pelas nações não reconhecem que alguns segmentos sociais
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