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LUKÁCS - O Jovem Hegel

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Prévia do material em texto

O jovem Hegel 
Gyõrgy Lukács em Moscou, década de 1930. 
Gyõrgy Lu kács 
O jovem Hegel 
e os problemas da sociedade capitalista 
Tradução: Nélio Schneider 
Revisão técnica e notas da edição: José Paulo Netto 
e Ronaldo Vielmi Fortes 
© 2018, Boitempo (desta edição) 
© 2014, T he Estate of Gyõrgy Lukács 
Tradução dos originais alemães Der junge Hegel. Über die Beziehungen von Dialektik und Ôkonomie 
(Zurique, Europa, 1948; 3. ed. Neuwied/Berlim, Hermann Luchterhand, 1967) e Der junge Hegel 
und die Probleme der kapistalistischen Gesellschaft (Berlim, Aufbau, 1954) 
Direção geral lvana Jinkings 
Coordenação da Biblioteca Lukács José Paulo Netto e Ronaldo Vielmi Fortes 
Edição Isabella Marcatti 
Assistência editorial T haisa Burani e Artur Renzo 
Tradução Nélio Schneider 
Revisão técnica José Paulo Netto e Ronaldo Vielmi Fortes 
Preparação T hais Rimkus 
Revisão Clara Altenfelder 
Coordenação de produção Livia Campos 
Capa David Amiel 
sobre foto, na contracapa, de Gyõrgy Lukács, 
em 9/ 4/1948 - ano da primeira edição de O jovem Hegel-, 
na Academia Política do Partido Comunista Húngaro 
Diagramação Antonio Kehl 
Equipe de apoio: Ana Carolina Meira, Ana Yumi Kajiki, André Albert, Bibiana Leme, 
Clarissa Bongiovanni, Eduardo Marques, Elaine Ramos, Frederico Indiani, Heleni Andrade, 
lvam Oliveira, Kim Doria, Luciana Capelli, Marlene Baptista, Maurício Barbosa, 
Renato Soares, Talita Lima, T haís Barros, Tulio Candiotto 
CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PU BLICAÇÃO 
SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RI 
L98j 
Lukács, Gyõrgy, 18 85-I 971 
O jovem Hegel e os problemas da sociedade capitalista / Gyõrgy Lukács; tradu­
ção Nélio Schneider ; revisão técnica e notas da edição José Paulo Netto , Ronaldo 
Vielmi Fortes. - 1. ed. - São Paulo : Boitempo, 2018. 
(Biblioteca Lukács) 
Tradução de: Der junge hegel und die probleme der kapitalistischen gesellschaft 
ISBN 97 8-85-7559-656-2 
1. Hegel, Georg Wilhelm Friedrich, l 770-I 831. 2. Idealismo alemão. 3. Filosofia 
marxista. 1. Schneider, Nélio. II. José Paulo Netto. III. Fortes, Ronaldo Vielmi. 
IV Título. V Série. 
18-52815 COO: 335.4 
CDU: 330.85 
�O 
GOETHE A tradução desta obra teve o apoio do Goethe-lnstitut, que é 
� 
INSTITUT financiado pelo Ministério das Relações Exteriores da Alemanha. 
É vedada a reprodução de qualquer parte deste livro sem a expressa autorização da editora. 
l •edição: novembro de 2018 
BOITEMPO EDITORIAL 
Jinkings Editores Associados Ltda. 
Rua Pereira Leite, 373 
05442-000 São Paulo SP 
Te!.: (11) 3875-7250 / 3875-7285 
A B ib l ioteca Lu kács 
Desde 201 0, a Boitempo desenvolve sistematicamente o projeto de publica­
ção das obras de Gyõrgy Lukács ( 1 885- 1 97 1 ) . O diferencial dessas edições, 
em face das anteriores de textos lukácsianos em português, não se reduz ao 
esmero da apresentação gráfica nem ao cuidado na escolha de especialistas 
para a redação dos subsídios (prefácio, posfácio, texto para as orelhas e para 
a quarta capa dos volumes) oferecidos ao público. O diferencial consiste na 
tradução - com revisões técnicas - que se vale dos originais alemães, devida­
mente autorizada pelos detentores dos direitos autorais. 
A Boitempo não se propõe entregar ao leitor de língua portuguesa as obras 
completas de Lukács, como também não ambiciona elaborar - no sentido 
estrito - edições críticas. O projeto em curso ousa oferecer o essencial do 
pensamento lukácsiano em traduções confiáveis e dignas de crédito, posto 
que se conhecem a complexidade e a dificuldade da tarefa de verter textos 
tão densos, substanciais e polêmicos . 
Aos livros anteriormente publicados (Prolegômenos para uma ontologia do 
ser social, 201 0; O romance histórico, 201 1 ; Lenin e Para uma ontologia do ser 
social I, 201 2; e Para uma ontologia do ser social II, 201 3) , juntaram-se Rebo­
quismo e dialética (201 5), que inaugurou uma nova fase do projeto, batizado 
como Biblioteca Lukács, e Marx e Engels como historiadores da literatura 
(201 6) . Este O jovem Hegel é o terceiro volume dessa nova fase. 
Verifica-se como, ao longo de quase uma década, com o trabalho de 
tradutores de competência comprovada, de revisores técnicos de alto nível e 
com subsídios de intelectuais destacados, vem avançando a missão de divul­
gação para o leitor brasileiro do pensamento daquele que foi o maior filósofo 
marxista do século XX. E a Boitempo, empenhada em alcançar seu objetivo, 
tem orgulho de contar, na equipe responsável pela Biblioteca Lukács, com a 
colaboração permanente dos professores José Paulo Netto (coordenador) e 
Ronaldo Vielmi Fortes (coordenador adjunto) . 
Sumário 
Nota editorial ......................................................................... 11 
Sobre a tradução ................................................................ 15 
Apresentação - Os novos problemas da pesquisa hegeliana ...... 19 
Nota introdutória ................................................................ 1 9 
A conferência ...................................................................... 20 
Prefácio . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 4 1 
Introdução . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ..... . .. . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . 45 
1. O período republicano do jovem Hegel {Berna, 1793 -1 796) .. 67 
1. O período "teológico" de Hegel: uma lenda reacionária ..... 67 
li. O que significa "positividade" no caso do jovem Hegel? .... 85 
Ili. Concepção da história e o presente ................................. 99 
IV. As repúblicas antigas ..................................................... 113 
V. Cristianismo: despotismo e escravização dos homens ....... 129 
VI. O significado da "positividade" para o desenvolvimento 
intelectual de Hegel. .......................................................... 1 4 7 
2. A crise das concepções sociais de Hegel e os primórdios de seu 
método dialético {Frankfurt, 1 797-1800) ............................ 167 
1. Caracterização geral do período de Frankfurt ................... 167 
li. O velho e o novo nos primeiros anos de Frankfurt ........... 183 
Ili. Fragmentos de duas brochuras sobre questões 
alemãs atuais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 2 1 O 
IV. Análise crítica da ética de Kant . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 229 
V. Os primeiros estudos econômicos . . . .. . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . 255 
VI. "O espírito do cristianismo e seu destino" . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 269 
VII. O fragmento de sistema de Frankfurt . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 305 
VIII. A nova formulação do problema da positividade . . . . . . . . . . 322 
3. Fundamentação e defesa do idealismo objetivo 
(lena, 1 80 l - 1 803) ............................................................ 339 
1. O papel de Hegel na separação de Schelling e Fichte . . . .. . . 340 
li. A crítica do idealismo subjetivo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 363 
Ili. Contra o individualismo abstrato na ética ....................... 39 1 
IV. A concepção hegeliana de história nos primeiros 
anos em lena .................................................................... 4 l O 
V. A economia do período de lena ...................................... 43 1 
VI. O trabalho e o problema da teleologia .......................... 453 
VII. As limitações da economia hegeliana ............................ 484 
VIII. "A tragédia no ético" ................................................... 525 
4. O rompimento com Schelling e Fenomenologia do espírito 
(lena, 1 803- 1 807) ............................................................555 
1. O amadurecimento das diferenças entre Schelling 
e Hegel até o rompimento ................................................. 555 
li. A orientação política e a concepção de história de 
Hegel no período de Fenomenologia do espírito . . . . . . . . . . . . . . . . . . 585 
Ili. Esboço da estrutura de Fenomenologia do espírito . . . . . . . . . . 605 
IV. A "alienação" como conceito filosófico central de 
Fenomenologia do espírito . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 687 
Índice de autores e obras citados ............................................ 725 
Nota ed ito ria l 
Este livro, que agora enriquece a Biblioteca Lukács, traduzido pela primeira 
vez para o português por Nélio Schneider a partir da 3ª edição alemã da obra 1 , 
é consensualmente avaliado como um dos trabalhos filosóficos mais impor­
tantes de Gyõrgy Lukács e mereceu diferentes versões em idiomas neolatinos 
e em inglês. O texto publicado pela H. Luchterhand, sobre o qual Schneider 
elaborou sua tradução, reproduziu o título da edição original2, mas outras 
versões, autorizadas pelo autor, optaram por alterá-lo, como se verifica em 
distintas traduções3. 
A presente edição retoma o título da segunda, preparada para os leitores 
da então República Democrática da Alemanha, O jovem Hegel e os problemas 
1 Der junge Hegel. Über die Beziehungen von Dialekitk und Ôkonomie [O jovem Hegel. Sobre 
as relações entre dialética e economia] (3. ed., Berlim/Neuwied, H. Luchterhand, 1 967). 
2 Der junge Hegel. Über die Beziehungen von Dialektik und Ôkonomie {ZuriqueNiena, Europa, 
1948) . 
3 Ver Il giovane Hegel e i problemi della società capitalistica (Turim, Einaudi, 1960), em tradução 
de Renato Solmi (1927-201 5); El joven Hegel y los problemas de la sociedad capitalista {Cidade 
do México, Grijalbo, 1963), em tradução de Manuel Sacristán (1925-1 985); The Young Hegel. 
Studies in the Relations between Dialectics and Economics (Londres, Merlin Press, 1975), em 
tradução de Rodney Livingstone (1934); Le jeune Hegel. Sur les rapports de la dialectique et de 
l'économie (Paris, Gallimard, 1981) , em tradução de Guy Haarscher (1 946) e Robert Legros 
(1945). No prólogo que escreveu, em fevereiro de 1963, para a citada versão espanhola da 
Grijalbo, Lukács menciona ainda, de O jovem Hegel, uma edição abreviada no Japão e uma 
integral na então Iugoslávia - não pudemos localizar nenhuma das duas. 
1 2 1 O jovem Hegel 
da sociedade capitalista4, em cujo prefácio, datado de janeiro de 1 954, 
Lukács escreveu : 
Este livro foi concluído no fim de 1 938. A irrupção da guerra, que ocorreu logo 
em seguida, impediu sua publicação. Quando a impressão se tornou possível entre 
1 94 7 e 1 948, submeti o texto a uma revisão minuciosa; contudo, em consequência 
das muitas tarefas que demandavam minha atenção, foi-me possível levar em conta 
somente uma pequeniníssima parcela da literatura sobre Hegel publicada depois de 
1 938. A nova edição disponibilizada para a República Democrática Alemã passou 
por outra revisão, mas, além de melhoramentos estilísticos, o texto praticamente 
não sofreu modificações. 5 
É fato que, no curso das diferentes edições autorizadas dadas à luz em 
vida de Lukács, o texto finalizado no outono de 1 938 e só publicado dez anos 
depois6 não passou por nenhuma modificação substancial ou teórico-meto­
dológica - são registráveis mudanças pontuais e tópicas, sempre adjetivas, 
especialmente na supressão de qualificações ideológicas. Compreendem-se 
tais mudanças recorrendo-se, entre outros escritos de Lukács, ao prólogo que o 
filósofo redigiu, em fevereiro de 1 963, especialmente para a edição espanhola 
de O jovem Hegel e os problemas da sociedade capitalista: 
A causa principal do atraso da aparição desta obra (dez anos depois de sua re­
dação) foi a "nova concepção" da filosofia hegeliana formulada durante a guerra 
4 Der junge Hegel und die Probleme der kapístalistíschen Gesellschaft (Berlim, Aufbau, 1 954) . 
Em carta a Wolfgang Harich, responsável pela reedição do livro na Alemanha, Lukács sugere 
retomar o título original dos manuscritos, que, na época da primeira edição, por recomendação 
do então editor da Europa Verlag, Emil Oprecht, havia sido modificada provavelmente por razões 
políticas. Reproduzimos, aqui, o trecho da carta encaminhada por Lukács datada de 4 de maio 
de 1953: "Sobre [o livro O jovem] Hegel, eu sugeriria retornar ao título antigo e original que 
tive de declinar por causa da covardia de Oprecht. Nesse caso, o subtítulo atual a ser substituído 
pode ser omitido, mas também pode eventualmente permanecer. Escreva-me sua opinião sobre 
isso" (Deutsche Zeítschrift für Philosophie, Berlim, Akademie, ano 45, n. 2, 1997, p. 296) . 
5 Ver, neste volume, p. 4 1 . 
6 Entrementes, como anotou Guido Oldrini, em seu alentado e brilhante ensaio Gyorgy Lukács 
e i problemi del marxismo del Novecento (Nápoles, La Città dei Sole, 2009), p. 260- 1 , o 
texto, logo que concluído, foi anunciado por Lukács como monografia dirigida ao Instituto de 
Filosofia da Academia de Ciências da URSS, que, em dezembro de 1942, conferiu-lhe o título 
de doutor em Filosofia (ver também István Mészáros, O conceito de dialética em Lukács, trad. 
Rogério Bettoni, São Paulo, Boitempo, 201 3, p. 106) . Lembre-se de que o título de doutor 
em Direito de Lukács, obtido em 1906, foi cassado pelo regime implantado por Horthy na 
Hungria após a derrota da Comuna Húngara (1919) - o mesmo regime que o condenou à 
morte in absentia. 
jobim
Realce
Noto editoria l 1 l 3 
por Jdánov7• Como parte da propaganda de guerra grosseiramente simplificadora 
produzida durante o período de Stálin, decidiu-se, por decreto, que Hegel fora 
um representante da reação feudal contra a Revolução Francesa. Essa concepção, 
ademais, coincidia amplamente com a vulgarização geral própria da tendência 
dominante naquele período.8 
Com efeito, as teses centrais constitutivas de O jovem Hegel colidiam 
frontalmente com a vulgata dogmática patrocinada por Stálin e que Jdánov 
operacionalizava no plano da política cultural. A interpretação lukácsiana do 
jovem Hegel, propondo-o como precursor de Marx e da dialética materialista, 
bem como desmistificando o traço reacionário que o jdánovismo lhe atribuía, 
era um capítulo da luta de princípio que Lukács levava a cabo nas difíceis 
condições de um partisan - a atmosfera cultural da União Soviética, durante 
a segunda metade dos anos 1 930, era, para dizer o mínimo, muito rarefeita9• 
O significado deste livro, porém, ultrapassa largamente tanto a biografia 
intelectual de Lukács quanto a recepção de Hegel nos séculos XIX e XX- ainda 
que ele expresse uma essencial inflexão nesses dois âmbitos. 
No primeiro, o da constituição do pensamento de Lukács, O jovem Hegel 
assinala a conclusão do processo evolutivo mediante o qual o filósofo húngaro 
incorporou criativa e integralmente em seu universo teórico a elaboração de 
Marx e de Lênin, processo iniciado em Moscou, entre 1 930 e 1 93 1 , com o 
7 Andrei A. Jdánov (1 896-1948) foi o principal ideólogo da política cultural do período stalinista; 
algumas de suas ideias estão acessíveis em Maksim Górki e Andrei A. Jdánov, Literatura, 
filosofia y marxismo (Cidade do México, Grijalbo, 1 968). Sobre Jdánov, ver Dênis de Moraes, 
O imaginário vigiado (Rio de Janeiro, José Olympio, 1 994), p. 1 1 3-30; para uma didática 
síntese de sua intervenção, ver Leandro Konder, Os marxistas e a arte (São Paulo, Expressão 
Popular, 201 3), p. 89-94. 
8 Gyõrgy Lukács, El joven Hegel y los problemas de la sociedad capitalista, cit., p. 9. 
9 Para uma aproximação a essa atmosfera, há elementos importantes em Lászlo Sziklai, Georg 
Lukács und seine Zeit. 1930-1945 (Viena, Bõhlau, 1 986) e Guido Oldrini, Gyorgy Lukács e 
i problemi dei marxismo dei Novecento, cit., esp. p. 1 3 1 -9 1 . A relação de Lukács com a era 
stalinista (durante a qual foi preso pela polícia política de Stálin, em 194 1 ,e teve seu enteado 
F. Jánossy prisioneiro por anos) já foi objeto de enorme documentação; apenas para ilustrar 
interpretações muito diversas, ver Michael Lõwy, "Lukács and Stalinism", New Left Review, 
Londres, New Left, n. 9 1 , 1975; Alberto Scarponi, "Lukács critico dello stalinismo", Critica 
Marxista, Roma, Riuniti, n. l, jan.-fev. 1 979; Nicolas Tertulian, "G. Lukács e o stalinismo", 
Práxis, Belo Horizonte, Projeto 2, set. 1 994; Michael Lõwy, A evolução política de Lukács. 
1909-1929 (São Paulo, Cortez, 1 998); e Tibor Szabó, Gyorgy Lukács. Filosofo autonomo 
(Nápoles, Città dei Sole, 2005), esp. p. 1 52-9; vale ainda ler a correspondência (1961 -1 969) 
reunida em Gyõrgy Lukács, Cartas con W Hofmann sobre el stalinismo (Buenos Aires, Kohen 
e Asociados Internacional, 1 994). 
jobim
Realce
l 4 1 O jovem Hegel 
conhecimento de textos até então desconhecidos do jovem Marx e com o estudo 
sistemático de Lênin1 0• Tais conhecimento e estudo permitiram a Lukács, de 
uma parte, superar concretamente a concepção teórico-filosófica que desen­
volvera em História e consciência de classe ( 1 923) 1 1 e, doutra, elevar a um 
novo plano sua crítica literária e sua reflexão estética12 . É nessa década que o 
perfil teórico de Lukács adquire seus traços mais decisivos e duradouros - e 
eles comparecem, consolidados, em O jovem Hegel. 
Quanto à recepção de Hegel, o livro de Lukács oferece um aporte radical­
mente original, seja no marco da bibliografia até então produzida referida a 
Hegel, seja no campo dos estudos conduzidos por marxistas. Confrontando-se 
com as várias apropriações operadas por pensadores de distinta extração (neo­
-hegelianos tradicionais, outros ideólogos de inclinação fascista e ainda alguns 
que, contemporaneamente, trilhavam vias irracionalistas) , Lukács polemiza com 
intérpretes relevantes (por exemplo, Dilthey) e introduz na análise da obra 
de Hegel uma nova perspectiva para situá-lo no interior da cultura filosófica. 
E, em face da posição até então dominante no campo marxista, ele rompe 
decisivamente tanto com os vestígios de uma interpretação positivizada quanto 
com as concepções que não apreendiam as reais e profundas conexões entre 
Marx e Hegel; nesse campo, a contribuição de Lukács inaugurou efetivamente 
um padrão analítico inédito. 
O significado de O jovem Hegel, entretanto, vai além do que sumaria­
mente se registrou nas linhas acima: é nesta obra que se delineia a concepção 
segundo a qual no pensamento de Marx há uma constitutiva e ineliminável 
inspiração ontológica. É na década de 1 930 que a reflexão do filósofo húngaro 
apreende esse substrato fundamental da elaboração de Marx, numa óptica 
que permitiria ao "último" Lukács formular, de forma sistemática (ainda que 
inacabadamente) , sua concepção da obra marxiana como uma ontologia do ser 
10 Ver Gyõrgy Lukács, "Meu caminho para Marx" (1 933), Revista Ensaio, São Paulo, Ensaio, 
n. 11-12, 1983. 
11 Observe o leitor, especialmente, o item IV, "A 'alienação' como conceito filosófico central de 
Fenomenologia do espírito", do capítulo 4 deste volume. 
12 Elevação visivelmente flagrante, ademais de O romance histórico (São Paulo, Boitempo, 2011 ), 
em ensaios ainda inéditos em português, como os reunidos (em 1947) em Goethe und sein 
Zeit [Goethe e sua época] (Neuwied/Berlim, Luchterhand, 1964) e alguns outros coligidos 
em Deutsche Realisten des 19. Jahrunderts [Realistas alemães do século XIX] (Neuwied/ 
Berlim, Luchterhand, 1 964) . 
jobim
Realce
Nota editorial 1 1 5 
socíal13• Aqui, portanto, O jovem Hegel aparece como um ponto de inflexão 
também na história do que a tradição - inclusive Lukács - convencionou 
designar como marxismo; de fato, nenhuma história que pretenda resgatar 
a riqueza do movimento das ideias que o constituem pode ser construída 
sem levar em conta esse significado do livro que agora entregamos ao leitor 
de língua portuguesa . 
Sobre a tradução 
Para esta edição foram utilizadas as duas edições alemãs disponíveis, a de 1 943 
e a edição de 1 956. Muito embora apresentem subtítulos diferentes, no cote­
jamento feito entre ambas as edições não se observou nenhuma modificação; 
o texto se mantém o mesmo, indicando que Lukács não se deu ao trabalho de 
reescrever nenhuma das passagens de seu texto. 
Nesta edição foi necessário fazer opções bem específicas quanto à tradu­
ção de termos já consagrados no pensamento ocidental. O primeiro desses 
termos, Aufhebung, decerto um dos mais referidos na filosofia hegeliana, 
nos colocou diante de dificuldades. Optamos por traduzir o termo alemão 
Aufhebung por "superação" . Muito embora não se negligenciem outras opções 
feitas por tradutores para as edições das obras de Hegel - por exemplo, o 
uso de "suprassunção" em particular em Fenomenologia do espírito -, como o 
leitor poderá verificar, Lukács destaca o sentido completamente distinto dessa 
terminologia nas obras de juventude. Assim, usar "suprassunção" nesses casos 
poderia induzir o leitor a equívocos no que tange à trajetória da construção 
do pensamento de Hegel. 
Outro termo já consagrado em traduções brasileiras é a expressão alemã 
bürgerlichen Gesellschaft, geralmente traduzida por "sociedade civil" . A opção 
aqui foi por manter a literalidade da expressão em alemão, ou seja, "sociedade 
burguesa". Vale lembrar, a esse propósito, que tanto em Hegel quanto em Marx 
13 Ver Gyõrgy Lukács, Prolegômenos para uma ontologia do ser social (trad. Lya Luft e Rodnei 
Antônio do Nascimento, São Paulo, Boitempo, 2010), Para uma ontologia do ser social I (2 . 
ed., trad. Carlos Nelson Coutinho, Mario Duayer e Nélio Schneider, São Paulo, Boitempo, 
201 8) e Para uma ontologia do ser social II ( trad. Ivo Tonet, Nélio Schneider e Ronaldo Vielmi 
Fortes, São Paulo, Boi tempo, 2013) . Precisamente por isso, não seguimos o modelo dos títulos 
precedentes da coleção Biblioteca Lukács, nos quais a apresentação coube a especialistas - neste 
volume, para o mesmo espaço, concedemos a palavra ao próprio Lukács: verificará o leitor 
que sua conferência, transcrita adiante, já assinala algumas das teses seminais que articulam 
estas duas obras. 
l 6 1 O jovem Hegel 
a assim chamada "sociedade civil" coincide com o surgimento da "sociedade 
burguesa", momento em que esta se emancipa do Estado, retirando as amarras 
que obstavam seu livre desenvolvimento. Trata-se do surgimento, em Marx, 
da separação entre o citoyen e o indivíduo privado, tal como aparece descrito 
em Sobre a questão judaica14• 
Cabe também advertir para a tradução das expressões Entiiusserung (alie­
nação) e Entfremdung (estranhamento) 15 • Sem desconsiderar o largo debate 
para seus correlativos em português, aqui seguimos indicações feitas pelo 
próprio Lukács por ocasião de sua conferência em Paris em 1949. Como 
o próprio autor salienta, "podemos também traduzir Entiiuflerung por 'exte­
riorização'; essa palavra é uma tradução do termo econômico 'alienação', que 
Hegel recolheu provavelmente da economia inglesa, mas que nele perde outra 
vez seu sentido econômico e prático" 1 6• Seguindo aqui as considerações do 
próprio Lukács sobre as origens da terminologia na língua alemã, mantivemos 
o correlato oriundo dos economistas ingleses, qual seja, alienation17• Quanto 
ao termo Entfremdung (estranhamento) quer nos parecer que, nesta obra em 
particular, Lukács o utiliza praticamente como sinônimo de Entiiusserung. Em­
bora este último seja bem mais frequente, pode-se observar que a opção pelo 
Entfremdung por parte de Lukács acompanha, em linhas gerais, as citações e 
comentários feitos por ele da obra marxiana Manuscritos econômico-filosóficos18, 
14 Trad. Nélio Schneider e Wanda Nogueira Caldeira Brant, São Paulo, Boitempo, 2010. 
15 Remetemos também às considerações de Marcelo Backes na "Nota à tradução" de Karl Marx 
e Friedrich Engels, A sagrada família ou a critica da Critica critica: contra Bruno Bauer e 
consortes, trad. Marcelo Backes (São Paulo, Boitempo, 2003), p. 10- 1 . 
16 Ver, neste volume,p. 34. 
17 Nossa opção toma por base igualmente a tradução feita por Karl Marx em seus manuscritos 
sobre As teorias da mais-valia, conforme pode se observar na seguinte passagem: "Diese 
falsche Auffassung des Geldes beruht aber hei Ric[ardo] darauf, daB er überhaupt nur die 
quantitative Bestimmung des Tauschwerts im Auge hat, nãrnlich daB er = bestimmtem Quan­
tum Arbeitszeit, dagegen die qualitative Bestimmung vergiBt, daB die individuelle Arbeit 
nur durch ihre EntãuSerung (alienation) ais abstrakt allgemeine gesellschaftliche Arbeit sich 
darstellen muB" [Essa falsa concepção do dinheiro repousa entretanto em Ric[ardo] sobre 
o fato de que para ele apenas a determinação quantitativa do valor de troca é considerada, 
ou seja, que ele = um quantum determinado de tempo de trabalho, e esquece por sua vez 
sua determinação qualitativa, a saber que é preciso que o trabalho individual se apresente, 
por meio de sua alienação (alienation), como trabalho social abstratamente geral.] (Werke, 
26.2, p. 504-5; MEGA II, 3.3, p. 1 . 1 26). Os parênteses são de Marx, está grafado em seu 
manuscrito desse modo, indicando a forma pela qual ele traduz a expressão inglesa alienation 
para o alemão. 
18 Trad. Jesus Ranieri, São Paulo, Boitempo, 2004. 
Noto editorial 1 1 7 
em que o pensador alemão faz uso das duas expressões quase sempre de ma­
neira simultânea . Não nos cabe aqui dar a palavra definitiva sobre a adequação 
mais precisa da tradução desses termos para o português. Julgamos ser mais 
importante utilizar duas terminologias distintas para indicar ao leitor o uso de 
expressões diferentes por parte do próprio autor. Cabe, evidentemente, ao 
leitor estudioso a palavra final sobre se os termos são apresentados nessa obra 
como termos correlatos, ou se estes apresentam sutis diferenciações. Essa não 
deixa de ser uma questão relevante para os estudiosos do autor, pois em sua 
obra tardia, Para uma ontologia do ser social, Lukács faz uma clara distinção 
entre ambas as categorias. 
Nesta edição, mantivemos as notas de rodapé inseridas pelo autor o mais 
próximo possível da edição original, em vez de submetê-las ao padrão editorial 
adotado pela Boitempo, para que o leitor que queira se remeter ao texto em 
alemão tenha mais facilidade no cotejo. 
Por fim, procuramos destacar ao longo de todo o texto o termo original em 
alemão, em particular para aquelas categorias mais decisivas do pensamento 
hegeliano e da filosofia em geral. Foi a forma encontrada para apresentar da 
maneira mais precisa possível as categorias originais da língua alemã, buscando 
com isso deixar claro ao leitor os elementos conceituais clássicos da tradição 
filosófica presentes nas elaborações do pensador húngaro. 
Nota introdutória 
Apresentação 
Os novos prob lemas da 
pesqu isa hege l ia na 
A conferência apresentada nas próximas páginas - pronunciada por Lukács em francês 
na sessão de 29 de janeiro de 1949, iniciada às 16h30, da Sociedade Francesa de Filoso­
fia- foi originalmente publicada, com evidentes marcas de oralidade, sob o título "Les 
Nouveaux problemes de la recherche hegelienne'', no Bulletin de la Société Française 
de Philosophie, Paris, ano 43, n. 2, abr.-jun. 1949, p. 53-80. Não reproduzimos aqui o 
debate que a ela se seguiu e do qual participaram os filósofos E. Bréhier, J. Hyppolite 
e J. Wahl. Observe-se que nenhuma das notas apostas a este texto, salvo o roteiro que 
abaixo se reproduz, consta do original publicado. 
Previamente, Lukács apresentou o seguinte roteiro para a conferência: 
São os problemas do presente que determinam as novas questões da história da filo­
sofia . Se considerarmos Hegel um precursor de Marx, descobriremos novos aspectos 
do próprio Hegel. Tratei dessa questão em meu novo livro sobre o jovem Hegel: Der 
junge Hegel. Uber die Beziehung von Dialektik und Ôkonomie (ZuriqueNiena, Euro­
pa, 1948) . Nesta oportunidade, limitar-me-ei a destacar alguns dos problemas mais 
importantes tratados nessa obra: 1 . Hegel e a economia política. É importante saber 
que o jovem Hegel foi adepto da Revolução Francesa e que foram as esperanças nela 
depositadas que determinaram a filosofia da história que ele elaborou no período de 
Berna . Depois do Termidor, sua tomada de posição se modificou, tornando-se mais 
positiva no que se refere à sociedade burguesa de seu tempo. Disso resultam seus 
estudos de economia (Steuart, Smith) . A influência deles na criação e na elaboração 
da dialética. A importância das categorias econômicas em Lógica de Hegel (teleologia 
20 1 O jovem Hegel 
e trabalho); 2. As relações de Fenomenologia do espírito com as opiniões políticas e 
econômicas de Hegel. Sua atitude em face de Napoleão; as perspectivas históricas 
de Fenomenologia em comparação com a ulterior filosofia da história de Hegel. 
A estrutura de Fenomenologia. A relação da existência individual e da existência 
histórica; 3. "Entiiusserung" [exteriorização) e "Er-lnnerung" {interiorização) como 
categorias estruturais fundamentais. A relação da Entiiusserung com a concepção 
de Positivitiit [positividade] do jovem Hegel . Hegel como precursor da teoria do 
fetichismo de Marx. Os limites idealistas de Hegel e suas contradições internas no 
que se refere a essa questão. 
O texto a seguir foi publicado pela primeira vez em português em Gyõrgy 
Lukács, O jovem Marx e outros escritos de filosofia, organizado por Carlos 
Nelson Coutinho e José Paulo Netto (Rio de Janeiro, Editora UFRJ, 2007), e 
revisto para a presente edição. 
A conferência 
Há cerca de dez anos concluí um longo estudo sobre o jovem Hegel, o qual foi 
publicado no ano passado, em alemão, por uma editora de Zurique1 • 
Sinto-me numa situação bastante difícil, já que não posso expor aqui nada além 
de um esboço deste livro, ou melhor, nada além dos fragmentos de um esboço. 
Assim, vou apresentar, muito sinteticamente, como posso fazê-lo numa confe­
rência, alguns desses fragmentos - os momentos mais importantes de meu livro. 
Decerto este esboço sumário não pode fornecer do livro um verdadeiro 
quadro. O famoso escritor russo Turguêniev disse, de forma bem acertada, que 
o verdadeiro talento se mostra nos detalhes. As reflexões que vou apresentar 
agora - que parecem excessivamente abstratas ou até mesmo, se escutadas pela 
primeira vez, arbitrárias - não podem ser demonstradas em detalhes durante 
uma conferência. Posso apenas declarar que tais detalhes existem na edição 
alemã a que me referi. 
Proponho-me a apresentar em seguida alguns pontos de vista que me parecem 
interessantes sobre o problema de Hegel. Para isso, é necessário, antes de mais 
nada, deixar claro meu ponto de partida, ou seja, o de que Hegel é o precursor 
da dialética materialista de Marx. Examinar a história da filosofia, o passado, do 
1 Lukács remete ao livro que cita no roteiro apresentado na nota anterior e que o leitor de 
língua portuguesa tem agora em mãos. 
Apresentação - Os novos problemas do pesquiso hegeliano 1 2 1 
ponto de vista do presente não é algo de todo novo. A primeira história clássica 
da filosofia, precisamente aquela que Hegel nos legou, foi também elaborada 
segundo essa perspectiva, buscando demonstrar como a filosofia, o pensamento 
dialético, caminha na direção de sua conclusão na filosofia do próprio Hegel. 
Abordar assim a história da filosofia - isto é, do ponto de vista do presen­
te - é algo bastante frequente na historiografia filosófica de nosso tempo. O 
problema é que, neste caso, utiliza-se um princípio subjetivo que relativiza a 
história da filosofia. No entanto, a proposta de encaminhar a análise a partir 
do presente tem também um sentido objetivo. Se olharmos a filosofia como 
parte importante do movimento total da história, se observarmos que este 
movimento da história tem certa direção, fica claro que o presente pode trazer 
à tona tendências latentes no passado; e, se tendências latentes vêm à tona, 
torna-se naturalmente possível enxergar num filósofo do passado bem mais 
coisasdo que puderam ser vistas por seus contemporâneos . 
Temos muitos exemplos disso na história da filosofia . Acredito que obte­
remos novos esclarecimentos sobre Hegel se o examinarmos como precursor 
de Marx. Essa observação não é nova - já foi feita por Engels e por Lênin. 
Foram muitos os que se ocuparam dessa questão. Creio, contudo, que fui um 
dos primeiros que, ao examinar Hegel desse ponto de vista, colocou a relação 
entre economia e dialética como questão fundamental do método filosófico. 
Naturalmente, a relação entre a dialética materialista e a revelação das contra­
dições da economia capitalista é um princípio fundamental do próprio Marx, 
como sabem todos os que conhecem sua evolução. 
Podemos agora propor a seguinte questão: tal relação não estaria também 
na origem da dialética de Hegel? Colocando assim a questão, entramos em 
contradição com o modo pelo qual o próprio Hegel trata a história da filosofia: 
em suas lições sobre esse tema, ele põe como premissas históricas de sua própria 
filosofia, da realização da dialética, o pensamento de Kant, Fichte e Schelling. 
Num plano genérico, seria possível de certo modo aceitar essa formulação; 
mas, quando se observa o problema mais de perto, surgem dificuldades para 
explicar o que efetivamente ocorreu. 
Desse modo de tratar a filosofia pelo próprio Hegel deduziu-se, em primeiro 
lugar, a seguinte consequência: teria havido um período "schellinguiano" na 
evolução de Hegel, assim como haveria um momento "fichtiano" na evolução 
de Schelling. Não me parece inteiramente correto tratar as coisas desse modo. 
Se lermos com atenção o primeiro escrito que Hegel publicou com seu nome 
2 2 1 O jovem Hegel 
- ou seja, Diferença entre a filosofia de Fichte e a de Schelling -, encontrare­
mos decerto uma obra plenamente acabada e madura; mas os que estudaram 
e conhecem bem Hegel sabem que já se manifesta aqui uma dialética de tipo 
mais elevado do que aquela proposta por Schelling. Isto é, Hegel jamais foi 
um verdadeiro schellinguiano. 
Há, porém, outro aspe�to que nos faz desconfiar dessa concepção apresen­
tada pelo próprio Hegel. Schelling soube distinguir o idealismo subjetivo do 
idealismo objetivo e operou concretamente a passagem de um para o outro; 
mas, se examinarmos o debate entre Fichte e Schelling, travado essencialmente 
por meio de cartas, veremos que Schelling não tinha muita consciência do passo 
que estava dando. E, se analisarmos esse debate num espectro mais amplo, 
veremos que a demonstração decisiva da incompatibilidade entre o idealismo 
subjetivo e o idealismo objetivo foi feita por Hegel, não por Schelling. Já em 
1 842, em seu panfleto contra Schelling, Engels demonstrou o papel desempe­
nhado por Hegel na diferenciação entre a filosofia de Fichte e a de Schelling2. 
Tudo isso mostra como é importante observar exatamente a evolução de 
Hegel antes de sua chegada a lena3. Para tanto, devem ser examinados com 
atenção os manuscritos de sua juventude, que não foram publicados durante 
a vida do autor (e muitos deles se perderam para sempre) . Uma análise desse 
período é importante também porque, na história da filosofia das últimas déca­
das, predominou, pelo menos na Alemanha, a concepção de Dilthey, segundo a 
qual haveria um período teológico na evolução do jovem Hegel4• Nesse suposto 
período teológico, Hegel teria sido um irracionalista, um precursor da filosofia 
da vida, segundo expressão utilizada no período imperialista . Na história da 
filosofia alemã - por exemplo, em Glockner5 e nos demais neo-hegelianos -, 
2 Lukács se refere certamente ao escrito do jovem Engels, publicado em maio de 1 842, inti­
tulado Schelling e a revelação. Crítica da mais recente tentativa da reação contra a filosofia 
livre. Antes, em dezembro de 1 841 , Engels publicara o texto "Schelling sobre Hegel". 
3 Como verificará o leitor de O jovem Hegel, Lukács demarca três períodos na evolução do 
filósofo: o de Berna (1 793-1 796), o de Frankfurt (1 797-1 800) e o de lena (1801- 1 807). No 
fim deste último período, Hegel escreve Fenomenologia do espírito. 
4 Wilhelm Dilthey (1 833-191 1 ) , um dos principais expoentes da "filosofia da vida", foi o pri­
meiro a tratar em detalhes dos manuscritos juvenis de Hegel, publicados postumamente. Ver 
Wilhelm Dilthey, "Die Jugendgeschichte Hegels" (1 907), em Gesammelte VV11rke (Leipzig/ 
Berlim, B. G . Teubner, 192 1 ) , v. 4, p. 2 19 e seg. 
Hermann Glockner (1 896- 1987), que buscou aproximar Hegel do irracionalismo, foi respon­
sável pela primeira edição crítica das obras do filósofo alemão; ver G . W F. Hegel, Siimtliche 
Apresentação - Os novos problemas da pesquisa hegeliana 1 23 
manifestou-se também uma tendência a colocar em oposição o jovem Hegel 
e o Hegel da maturidade. Tudo isso significou uma tentativa de aproximar 
a filosofia de Hegel do irracionalismo contemporâneo. Também na França, 
manifestam-se tendências semelhantes, como, por exemplo, no livro de Jean 
Wahl, em que é muito clara a aproximação entre Hegel e Kierkegaard6. 
Tentei apresentar até aqui um esboço desses problemas. Agora vou exa­
minar algumas questões que considero importantes nessa direção. No início, 
falei da relação de Hegel com a economia política . Infelizmente, os manus­
critos em que ele trata deste assunto se perderam. O jovem Hegel estudou 
economia na obra do inglês James Steuart; conhecemos apenas os títulos 
de seu comentário, escrito entre fevereiro e maio de 1 799. No entanto, as 
poucas linhas que Rosenkranz escreveu sobre isso mostram que o biógrafo 
nada compreendeu do assunto7• Conhecemos bem mais os manuscritos sobre 
economia que Hegel redigiu em lena. Sabemos que ele estudou atentamente 
Adam Smith. Em meu livro, busquei demonstrar filologicamente, com base nos 
textos escritos ainda em Frankfurt, que Hegel já dominava bem a economia 
de Smith na época e que já havia aplicado em seus manuscritos o conceito de 
trabalho criado por Adam Smith. 
Por que o período de Frankfurt foi tão importante para a evolução de Hegel? 
Antes de mais nada, porque tal período precede imediatamente os primeiros 
textos publicados de Hegel, que comentarei em seguida, mas também porque 
podemos encontrar nele a chave para o seguinte problema: como e por que esses 
textos iniciais de Hegel são tão acabados em termos de conteúdo, tão maduros 
nos pontos de vista que adotam? Como já observei, esse período está no centro 
das interpretações irracionalistas de Hegel por Dilthey e sua escola. Pode-se 
provar filologicamente que Hegel se ocupava intensamente de economia po­
lítica no período de Frankfurt e que essa ocupação estava em estreita relação 
com suas concepções filosóficas. 
Para compreender isso de modo adequado, temos de voltar atrás e, embora 
apenas por breves observações, recordar o primeiro período da evolução de 
Mkrke. Jubili:iumsausgabe (ed. Hermann Glockner, Stuttgart-Bad Cannstatt, Frommann­
-Holzboog, 1927-1 940, 20 v.) . 
6 Jean Wahl (1 888-1 974), Le Malheur de la conscience dans la philosophie de Hegel (Paris, 
PUF, 1929) . 
7 Karl Rosenkranz (1 805-1 879), discípulo de Hegel, publicou uma biografia intelectual do 
mestre em 1 844. 
2 4 1 O jovem Hegel 
Hegel, ou seja, aquele transcorrido em Berna, entre 1 793 e 1 796. Em meu 
livro, apresento uma análise bem detalhada desse período, com base nos textos 
de que dispomos. Aqui, exponho apenas os pontos de vista mais importantes. 
Nesse período, Hegel é, antes de tudo, um defensor da Revolução Francesa . 
Contudo, apesar disso, ele muito cedo adotará uma posição contrária às ten­
dências extremistas plebeias e jacobinas, mas aceitando sem reservas as ideias 
revolucionárias francesas. Ele está, então, sob influência espiritual do período 
do Iluminismo, ou seja, no plano internacional, dos iluministas franceses, ingle­
ses e alemães. É preciso destacar a grande influência que exerce sobre Hegel, 
nesse período, o escritor alemão Georg Foster, que foi um dos fundadores da 
república da Mogúncia durante a ocupaçãopelos exércitos revolucionários 
franceses e que morreu em Paris como jacobino exilado8. 
O jovem Hegel formula uma filosofia da história na qual é possível descobrir, 
ainda que esquematicamente, uma espécie de tríade dialética. Temos como 
primeiro período a Antiguidade, o período das repúblicas grega e romana, 
da pólis, ou seja, o período da liberdade antiga. Depois tem lugar um grande 
período de decadência, que começa com a queda dessas repúblicas, ou seja, 
particularmente no caso de Roma, com a fundação do Império Romano e da 
religião cristã, período que, segundo o jovem Hegel, dura até nossos dias. A 
importância da Revolução Francesa, para o jovem Hegel, consiste precisamente 
no fato de que ela pode vir a ser um renascimento da Antiguidade, uma síntese 
desse primeiro grande empreendimento que ele esboçou em sua obra juvenil. 
Se observarmos como essa filosofia foi construída no plano estrutural, 
encontraremos um conceito central e decisivo para o jovem Hegel; esse 
conceito se modificará, sofrerá uma evolução, mas permanecerá central para 
toda a filosofia hegeliana. No período juvenil de Hegel, tal conceito recebe 
o nome de Positivitãt [positividade] . Com esse termo, Hegel designa o que 
chamamos, em geral, de religião positiva, de direito positivo, em oposição à 
religião natural, ao direito natural etc. É assim que Hegel define "positividade" 
em seus manuscritos de Berna, os quais apontam como "positivas" verdades e 
instituições que existem independentemente de nós, que se impõem a nós com 
a força da autoridade, que são puramente objetivas e que, ao mesmo tempo, 
exigem que nós não só as reconheçamos como objetivas, mas também que as 
8 Georg Foster (1754-1 794) foi figura relevante na breve experiência da república da Mogúncia 
(outubro de 1 792-julho de 1 793) . 
Apresentação - Os novos problemas da pesquisa hegeliana 1 25 
integremos em nossa subjetividade, que as vivenciemos e as façamos nossas 
como se fossem coisas subjetivas . Se compreendermos em sua origem esse 
conceito de positividade, compreenderemos também o conceito de liberdade 
próprio das pólis republicanas da Antiguidade. 
Hegel, para resumir tudo em uma ou duas frases, compreende a coisa 
do seguinte modo: nem o Estado nem as religiões da Antiguidade eram, em 
nenhum sentido da palavra, positivos. Estado e religiões eram um produto 
imediato da subjetividade, mas não da subjetividade do homem isolado, e sim 
da subjetividade do homem que vive em sociedade, do homem cuja subjeti­
vidade consiste em sua condição de ser social. Pode-se facilmente ver aqui o 
ideal do homem cidadão próprio da Revolução Francesa, o qual, na concepção 
do jovem Hegel, não tem de modo algum traços burgueses. 
O declínio e a decadência dessas repúblicas - e surge aqui o primeiro mo­
mento em que um ponto de vista econômico ingressa na concepção do jovem 
Hegel - têm razões econômicas, em particular o aumento das riquezas. Co­
nhecemos muito bem o ponto de vista jacobino, segundo o qual o fundamento 
de uma verdadeira república é a igualdade relativa das propriedades; portanto, 
sob a influência da Revolução Francesa, o jovem Hegel vê com clareza que a 
supressão dessa igualdade de propriedades é, ao mesmo tempo, a supressão da 
liberdade e desse período não positivo, ou seja, período da verdadeira liberdade 
tal como ele a concebe. 
Essa dupla supressão marca o nascimento da positividade. É nela que se 
baseia o despotismo dos imperadores romanos. É nela que se baseia a religião 
cristã, que o jovem Hegel vê como a religião desse período de despotismo, de 
decadência do homem, período do homem privado, do homem burguês, que se 
ocupa somente de si mesmo, de seus próprios interesses individuais e egoístas, 
econômicos. Esse período prossegue até o presente. Na Revolução Francesa, 
porém, temos o renascimento do período não positivo, do período da Anti­
guidade. Basta aqui recordar que esse ideal da Antiguidade desempenhou um 
enorme papel na ideologia da Revolução Francesa, em particular no jacobinismo. 
Ao traçarmos assim as principais características do período de Berna, torna-se 
mais fácil compreender o que é conhecido como a crise de Frankfurt: trata-se do 
colapso dessa concepção, provocado pelo Termidor9 e por suas consequências. 
9 Designação do décimo primeiro mês do calendário criado pela Revolução Francesa, vigente 
entre 1792 e 1 805. Lukács refere-se ao golpe que derrubou, em 1 794, o governo jacobino. 
26 1 O jovem Hegel 
A visão do mundo de Hegel se altera: toma-se agora necessária uma reconciliação 
com a existência da sociedade burguesa, da sociedade capitalista. 
Gostaria apenas de observar que a palavra e o conceito de "reconciliação" -
que, como todos os conhecedores de Hegel sabem muito bem, é uma catego­
ria central do Hegel maduro, o que demonstra precisamente que o conceito 
apenas reflete a tomada de consciência de uma tendência da realidade obje­
tiva - surgem pela primeira vez na crise do período de Frankfurt. Em Berna, 
Hegel rechaçou de modo claro e enérgico qualquer ideia de reconciliação com 
a sociedade de seu tempo. Mais uma vez, só podemos aqui tentar demonstrar 
alguns pontos principais. 
Antes de mais nada, a Antiguidade - que, no período de Berna, aparecia 
como uma época que deveria renascer em nosso tempo - é então considerada 
algo definitivamente ultrapassado. Embora Hegel continue a caracterizar a 
Antiguidade do mesmo modo que fazia antes, considera agora que ela não tem 
mais atualidade para nossos dias, situando-se ineliminavelmente no passado. 
Essa nova posição liga-se estreitamente ao fato de que Hegel não mais con­
dena de forma global o individualismo do homem privado, como o fizera no 
período de Berna, mas, ao contrário, passa a vê-lo como o fundamento da busca 
de um novo caminho para uma vida livre e humana. Nesse período de Frankfurt, 
Hegel utiliza uma terminologia nova, falando em amor, destino etc. ; Dilthey 
vale-se de tal terminologia para defender uma interpretação irracionalista de 
Hegel. Pode-se, porém, dizer que Hegel usa novos termos para dizer o que já 
vinha dizendo: ou seja, ele busca encontrar nessa nova forma de vida, diante da 
qual assume agora uma atitude filosófica de reconciliação, as características que 
permitem ir além da positividade. Ele busca compreender como esse tipo de 
atividade pode levar a uma vida verdadeiramente humana. E, aqui,. a atividade 
econômica do homem privado torna-se uma coisa importante: torna-se, como 
diz Hegel, um destino no qual o homem deve buscar seu próprio destino, seu 
caminho, aceitando que essa vida privada, essa atividade econômica privada, 
passe a ser um dos fundamentos de sua vida. 
A religião cristã continua a ser para Hegel, também nesse novo período 
de sua evolução, a religião do homem individual, do homem privado; mas 
aqui já não nos encontramos diante de uma recusa global da religião cristã . 
Podemos ainda encontrar críticas bastante duras, mas que apresentam agora 
outra tendência: Hegel critica a ética cristã por sua atitude contra a atividade 
econômica, contra a propriedade privada, e defende essa instituição da vida 
Apresentação - Os novos problemas do pesquiso hegeliano 1 2 7 
moderna contra Jesus Cristo, demonstrando que ela é necessária para a vida 
tal como ela é hoje. 
Isso tem uma consequência muito importante na concepção do que chamei 
de "positividade" . Como tentei demonstrar, Hegel - antes da "reconciliação" 
- colocava a seguinte questão: qual estrutura da sociedade, qual estrutura da 
inter-relação entre sujeito e objeto, pode ser designada como positiva? Agora, 
ele põe a questão do seguinte modo: como algo se torna positivo - por exemplo, 
uma religião se torna positiva? Em outras palavras, ele se aproxima de uma 
visão histórica, o que implica o abandono da formulação própria do período 
de Berna, quando o que deve ser aceito e o que deve ser rejeitado eram apre­
sentados de modo abstrato. Nesse período, tínhamos a realidade superior, a 
realidade grandiosa dasrepúblicas antigas, em contraste com a vida mesquinha 
dos homens privados do Império Romano. Agora, para empregar uma fórmula 
de Hegel, uma religião pode expressar a natureza dos homens inteiramente 
mesquinhos e pode ela mesma ser mesquinha, mas sem ser positiva. Se houver 
confluência entre sujeito e objeto, se surgir nos homens mesquinhos uma von­
tade de liberdade, então a mesma religião que, num primeiro momento, não 
era positiva torna-se, em função dessa mudança da estrutura da relação entre 
sujeito e objeto, positiva. Isso significa que não mais existe, historicamente, 
privilégio para um pensamento, para uma instituição: tudo pode se tornar 
positivo e tudo pode deixar de ser positivo. 
É nesse contexto que devemos examinar as consequências metodológicas 
do interesse do jovem Hegel na economia política. Antes de mais nada, ele vê 
na economia política o método para buscar e encontrar o que há de verdadeiro 
nas contradições da atividade social do homem, da propriedade privada capi­
talista, a qual, como já vimos, ele considera absolutamente necessária para o 
presente. Aqui posso apenas mostrar alguns fragmentos do esboço. 
Em Frankfurt, e mais ainda em lena, Hegel apresenta a dialética econômica 
de toda sociedade, a qual - na sociedade capitalista, por exemplo - se mani­
festa por meio da contradição entre o crescimento da riqueza e o necessário 
crescimento da miséria, do crescimento da pobreza das massas. Contudo, 
o pensamento mais importante que resulta desse estudo da economia por 
Hegel é a descoberta do trabalho como atividade fundamental da humani­
dade, como relação fundamental entre o homem e a natureza, até mesmo 
entre o homem e a realidade. Sobre isso, posso expor aqui apenas alguns dos 
aspectos mais importantes. 
28 1 O jovem Hegel 
Creio que, filosoficamente, o mais importante é que Hegel foi, ao que me 
consta, o primeiro a mostrar que o trabalho é ao mesmo tempo teleológico e 
causal; com isso, ele deu ao conceito de teleologia uma nova formulação no pen­
samento filosófico. Podemos precisar essa formulação dizendo que o trabalho tem 
uma estrutura teleológica. Tanto no plano ideal quanto no fático, é necessário de 
início formular a finalidade, ou seja, a finalidade deve existir idealmente antes 
mesmo que o trabalho comece. O trabalho, por sua essência, é uma atividade 
teleológica; mas essa atividade teleológica é inseparável da categoria da cau­
salidade, já que somente se conhecermos as relações causais entre as coisas, a 
qualidade da matéria com que trabalhamos, a qualidade dos instrumentos de que 
nos valemos, somente assim é que um trabalho efetivo é possível. Quanto maior 
for nosso conhecimento, mais amplo será nosso trabalho. Nos textos escritos 
em lena, Hegel mostra isso por deduções muito espirituais, mas o fundamental 
são as relações entre teleologia e causalidade no próprio trabalho. 
Há outra categoria que se tornará fundamental no pensamento de Hegel, 
a de List der Vernunft [astúcia da razão] . Hegel vê no trabalho a mobilização 
das forças da natureza independentemente de suas tendências naturais, até 
mesmo contra suas tendências naturais, com base no conhecimento da causa­
lidade nelas presente e de sua utilização pela teleologia do trabalho concreto. 
Com tudo isso, no entanto, essa dialética ainda não está completa, nem 
em seus traços mais simples. Vemos aqui o ponto de vista teleológico (a fi­
nalidade) e a causalidade como m'eios. Agora, porém, essa relação se inverte. 
Hegel mostra que, para quem trabalha, a finalidade é uma coisa particular e 
individual, ou seja, o interesse do indivíduo que trabalha. Mas o meio com 
que ele trabalha - o instrumento do trabalho, a máquina - torna-se algo geral, 
universal, social, que vai muito além dessa pequena finalidade particular do 
trabalho individual. Temos aqui, portanto, a afirmação dialética - que se encon­
tra com frequência na Filosofia da história10 e em outros textos hegelianos -
segundo a qual o meio é algo mais elevado, mais geral, mais universal do que 
as finalidades individuais dos homens. 
E essa estrutura é estreitamente ligada à "astúcia da razão" : no meio, na 
atividade do homem, realiza-se algo inteiramente diverso do que ele projetou. 
O homem trabalha de acordo com suas finalidades, com seus projetos; mas o 
10 A obra hegeliana aqui referida, Vorlesungen über die Philosophie der Geschichte, foi publicada 
postumamente, em 1 837. 
Apresentação - Os novos problemas do pesquiso hegeliano 1 29 
sentido objetivo da história, da evolução das sociedades, é algo inteiramente 
diverso das finalidades a que os homens, enquanto indivíduos, enquanto sin­
gularidades, se propuseram. 
Não posso aqui nem mesmo esboçar o modo como esse problema foi trata­
do antes de Hegel. Contudo, se recordarmos a filosofia do século XVII, a de 
Espinosa ou a de Hobbes, por exemplo, veremos que teleologia e causalidade 
estão numa relação de completo antagonismo. Em minha opinião, que aqui 
não posso justificar, foi Kant quem tentou uma reconciliação, mas foi Hegel 
quem conseguiu formular o problema de um modo decisivo para o futuro 
da filosofia. E isso coloca outro problema de extrema importância para toda 
a filosofia de Hegel: Hegel vê o homem como criador de si mesmo. O homem, 
ao trabalhar, faz de si mesmo um homem: ele se torna homem por meio do 
trabalho. É esse o pensamento principal de Fenomenologia do espírito. 
Recordemos o capítulo muito conhecido desse livro, dedicado ao senhor e 
ao escravo. Esse capítulo foi examinado em muitas histórias da filosofia, mas 
nem sempre de modo adequado à compreensão do que Hegel efetivamente 
quis dizer. Se o senhor fez do outro um escravo, foi porque ganhou a liberdade 
para viver uma verdadeira vida humana; e o escravo, comparado a seu senhor, 
vive uma vida não muito humana . Mas, para a evolução da humanidade (o que 
pode ser visto se examinamos o conjunto de Fenomenologia), o senhor é um 
episódio na evolução do gênero humano; a evolução ulterior da humanidade 
tem seu ponto de partida no escravo, no trabalho do escravo. É a evolução 
desse trabalho que se torna o veículo, o motor do processo que faz avançar 
cada vez mais a história do gênero humano. 
Naturalmente, encontramos aqui uma das mais importantes contradições 
da filosofia hegeliana, a qual só posso abordar em seus aspectos principais: 
1) Temos de início a afirmação de que o homem, ao trabalhar, se faz ho­
mem, que ele se torna homem trabalhando. Poderíamos dizer que se encontra 
aqui a fórmula definitiva de um ateísmo histórico. Com tal afirmação, Deus 
é completa e definitivamente eliminado da história; já nem mais lhe cabe, 
como se supunha no século XVII, dar corda ao relógio; ele não é mais de modo 
algum necessário na história . Mas sabemos muito bem que continua a existir 
um Deus na filosofia da história de Hegel. 
2) Hegel não pode ser consequente até o fim em sua argumentação porque, 
nele, a esfera do Estado e do direito em sua totalidade não nasce organicamente 
dessa estrutura do homem que trabalha, da existência econômica do homem, 
30 1 O jovem Hegel 
mas é uma superestrutura mais elevada e independente dessa existência. 
Segundo a fórmula de Hegel, a função do Estado, da organização jurídica da 
sociedade humana, é o reconhecimento dos fatos econômicos; contudo, o 
Estado se torna não somente uma potência mais elevada, mas também algo 
independente desse fundamento real da atividade humana. 
3) É preciso mencionar que Hegel, com suas concepções do trabalho, 
racionalizou a teleologia, dela eliminando todos os elementos teológicos. No 
entanto, se observarmos o modo pelo qual Hegel aborda a totalidade da histó­
ria, veremos surgir de novo o Weltgeist, o "espírito do mundo", que funciona 
para a totalidade do mundo como uma espécie de demiurgo ao velho estilo. 
Também aqui, portanto, Hegel não retira todas as consequências concretas de 
suas afirmações para a estrutura da filosofia. 
Depois desse esboço, torna-se possível encarar Fenomenologia doespírito 
como uma síntese, um resumo enciclopédico dessas ideias de Hegel. Tudo isso 
foi preparado em Frankfurt, aperfeiçoado em lena, mas chega à maturidade 
em Fenomenologia do espírito. Muito se discutiu para saber se Fenomenologia 
do espírito pode ser colocada ao lado das obras do Hegel maduro . Vemos em 
todas as questões puramente filosóficas, em todas as questões metodológicas, 
que Hegel já é senhor absoluto da dialética. Pode-se, com facilidade, ver a 
Lógica hegeliana como o anunciado segundo volume de Fenomenologia. Sabe-se 
que Fenomenologia do espírito foi publicada como primeiro tomo de uma obra 
cujo segundo tomo deveria ser uma lógica ou uma espécie de enciclopédia, 
compreendendo a lógica e as filosofias da natureza e da história. 
Caso se queira compreender concretamente a posição de Fenomenologia 
do espírito no conjunto do sistema de Hegel, é preciso examinar a situação 
histórica . Esse livro foi escrito na época de Napoleão - mais precisamente, foi 
concluído nos dias da batalha de lena 1 1 . Lógica e, sobretudo, Enciclopédia foram 
escritas depois da queda de Napoleão. Essas diferenças na evolução histórica 
tiveram enormes e decisivas consequências na visão do mundo de Hegel. 
Hegel era um adepto entusiasta de Napoleão. Aqui posso apenas lembrar 
que essa adesão pode ser comprovada em suas obras, particularmente nas cartas 
que escreveu ao amigo filósofo Niethammer12• Ele via em Napoleão não o gênio, 
1 1 A batalha de lena, em outubro de 1 806, marcou a vitória de Napoleão sobre as forças 
prussianas. 
1 2 F. I . Niethammer (1766- 1 848) . 
Apresentação - Os novos problemas da pesquisa hegeliana 1 3 1 
não o general vitorioso, mas aquele que deveria liquidar os restos do sistema 
feudal, o que mais tarde foi chamado de "miséria alemã" . Numa carta, ele o 
chama de "grande mestre do direito público", que vive em Paris e que deve trazer 
a ordem à Alemanha, que deve fazer nascer uma nova Alemanha. E é possível 
acompanhar, por meio de suas cartas, como Hegel se desencantou, como surgiu 
nele uma crise depois de compreender que a queda de Napoleão era inevitável. 
Não estamos aqui diante de problemas biográficos, mas de questões de 
filosofia da história: só as podemos ver com clareza se compreendermos que 
o método empregado por Hegel em Fenomenologia do espírito se torna seu 
método permanente. Podemos ver como os conteúdos e as posições de Hegel 
mudaram nos diversos períodos históricos. Tomarei como exemplo um momen­
to absolutamente decisivo - a posição do filósofo em face da história, em face 
de seu presente. Hegel demonstra que, na evolução histórica, todo fenômeno, 
todo momento se apresenta, de início, de modo abstrato para, em seguida, 
tornar-se concreto. Hegel manter-se-á fiel a esse pensamento por toda a vida. 
Estamos no início de um novo período histórico: é o que Hegel nos diz nos 
cursos ministrados em lena. A evolução da humanidade - que conheceu uma 
crise na época da Ilustração e, em particular, com a Revolução Francesa - atingiu 
agora uma nova forma, recebeu uma nova figura no período napoleônico; e a 
tarefa da Alemanha é encontrar em sua literatura, em sua filosofia, a ideologia 
e o espírito do novo período. Essa é a razão pela qual, nesse momento, tudo 
é novo, tudo é apenas nascimento, começo, abstração. Mesmo polemizando 
com Schelling, Hegel demonstra a necessidade histórica do abstrato. E é por 
isso que o capítulo VI de Fenomenologia do espírito contém somente a crítica 
de Kant, de Fichte e de Jacobi. E é por isso que, referindo-se ao presente, ele 
fala apenas por indicações, sentindo que a essência dos tempos modernos só 
pode ser expressa de modo ainda abstrato. 
Repito: o caminho do abstrato ao concreto permanece como um fundamento 
metodológico da filosofia da história de Hegel. No entanto, no período suces­
sivo à queda de Napoleão, a grande crise, o começo dos novos tempos, deixa 
de ser a Revolução Francesa e passa a ser visto no Renascimento, na Reforma 
protestante. Isso quer dizer que o processo que leva do abstrato ao concreto 
dos novos tempos vai da Reforma a nossos dias. O período de Hegel - quando 
ele escreve, por exemplo, Filosofia do direito 1 3 - é já um período concreto, um 
13 Hegel publicou essa obra (Philosophie des Rechtes) em 1 82 1 . 
3 2 1 O jovem Hegel 
período pleno de conteúdo, no qual o processo de formação já se concluiu. E, 
por isso, a filosofia não tem mais um papel de vanguarda, papel de antecipação 
de um período que ainda irá se completar. É conhecida a afirmação de Hegel, 
na introdução a Filosofia do direito, segundo a qual a filosofia, como a coruja 
de Minerva, só levanta voo ao entardecer: agora estaríamos já no fim de uma 
época, enquanto em Fenomenologia, ao contrário, Hegel supunha que estávamos 
no começo de um período histórico. 
São certamente de grande alcance as consequências que isso teve sobre a 
estrutura da filosofia hegeliana, mas não disponho do tempo necessário para 
abordá-las aqui. Gostaria, contudo, de tratar ainda de duas importantes ques­
tões. A primeira delas diz respeito à estrutura de Fenomenologia do espírito. Não 
se deve esquecer que Hegel concebeu essa obra como introdução à filosofia. 
No entanto - e temos aqui a essência da filosofia hegeliana -, a introdução à 
filosofia não é algo que deva ser feito antes do ingresso na filosofia: trata-se da 
própria filosofia, de parte essencial da filosofia, da evolução da humanidade . 
Todos sabem que, em Fenomenologia do espírito, há dois caminhos cujos 
traçados se entrelaçam continuamente. Um é o caminho do indivíduo, que vai 
da certeza sensível ao saber absoluto; nesse sentido, trata-se de uma introdu­
ção à filosofia. O outro é uma reprodução abreviada da trajetória do gênero 
humano; nesse caminho, devemos encontrar todas as etapas importantes da 
evolução histórica, todas as categorias importantes da filosofia. Naturalmen­
te, todas essas etapas e todas essas categorias aparecem relacionadas com o 
caminho do sujeito. Nesse duplo sentido, Engels dizia que Fenomenologia do 
espírito era uma embriologia e uma paleontologia do espírito 14 • Esse ponto de 
vista determina a estrutura de Fenomenologia do espírito. 
Não pretendo aqui analisar em detalhe tal estrutura. Gostaria apenas de 
assinalar rapidamente, sem pretender propor nenhuma polêmica, a solução 
que julgo ter encontrado para a relação desses dois caminhos . Creio que nada 
é arbitrário em Fenomenologia do espírito; mas a organização não arbitrária 
provém do fato de que o caminho histórico é percorrido não uma vez, mas três 
vezes, e que há duas recapitulações de toda a história . Permitam-me tentar 
demonstrar, naturalmente de modo muito breve, sem apresentar as provas, a 
solução que acredito ter encontrado. 
14 Lukács refere-se a uma passagem engelsiana contida em Ludwig Feuerbach e o fim da filosofia 
clássica alemã (I 888) . Ver Karl Marx e Friedrich Engels, Obras escolhidas em três volumes 
(Rio de Janeiro, Vitória, 1 963), v. 3, p. 1 75 . 
Apresentação - Os novos problemas do pesquiso hegeliano 1 33 
O ponto de partida para Hegel, como se sabe, é a consciência natural, a 
consciência ordinária, e trata-se aqui do caminho que vai da certeza sensível 
à razão, à autoconsciência. Essa elevação da consciência, porém, é objetiva; 
ela é, em si, o produto de toda a evolução global da humanidade. E é preci­
so percorrer essa evolução. Mas - e insisto nisso - não ainda como história 
conscientemente compreendida, e sim, num primeiro momento, como uma 
série de destinos humanos que têm em si uma ordem objetiva. E uma ordem 
objetiva que ainda não se tornou consciente para o sujeito, para a "figura da 
consciência ", como diz Hegel, que age sobre essas etapas somente quando, no 
fim dessa evolução, nasce a autoconsciência. Essa evolução vai do primeiro ao 
quinto capítulo da obra que estamos analisando. Somente então a consciência 
compreende num plano abstrato, precisamente de modo consciente, que a 
história é sua própria história.Voltamos ao segundo ponto: já que a construção de Fenomenologia do es­
pírito é histórica, já que ela é a unidade dialética da evolução do indivíduo e 
daquela do gênero humano, não basta constatar abstratamente a chegada a esse 
nível, no qual o sujeito compreende agora a história como a própria história . 
É necessária ainda uma explicação concreta, ou seja, é preciso, no novo nível, 
recapitular mais uma vez a história, mas, dessa feita, a história como história 
efetiva, isto é, não mais como objetividade real, que nasce para o sujeito como 
algo morto, e sim como produto consciente da atividade, da práxis da própria 
humanidade. É o que vemos no sexto capítulo de Fenomenologia do espírito. 
Penso que se pode também observar que a expressão hegeliana "figura da 
consciência", que se tornou popular, altera-se neste ponto. Nesse período que 
chamei de história efetiva, nessa primeira recapitulação da história, não se trata 
mais de figura da consciência, mas de figura do mundo real, de figura real. 
Gestalt des Bewusstssein [figura da consciência] era a terminologia de Hegel na 
primeira parte; na segunda, temos Gestalt einer Welt [figura de um mundo] , 
com o que ele pretende assinalar o início de algo novo. Caso se examinem as 
partes A, B e C do sexto capítulo, pode-se ver que ele começa na Antiguidade 
e vai, passando pela Revolução Francesa, até os dias de Hegel. 
Percorrendo a evolução da humanidade pela segunda vez, o sujeito agora 
de fato chegou a si mesmo, criou seu mundo próprio, e lança um olhar re­
trospectivo sobre sua história. Temos aqui a segunda recapitulação da história 
em sua totalidade. No entanto, nesse momento não se trata mais - e me 
permitam insistir nessas distinções - de realidade histórica; aqui se trata das 
34 1 O jovem Hegel 
leis, da compreensão do caminho que a humanidade já percorreu. Vale dizer: 
agora, no primeiro plano, não estão mais as atividades da humanidade, não 
mais as etapas, as revoluções, os momentos econômicos, a atividade humana . 
O sétimo e o oitavo capítulos de Fenomenologia do espírito tratam do pro­
blema que, mais tarde, Hegel chamará de espírito absoluto, ou seja, a arte, 
a religião e a filosofia. 
A categoria central desse período é o que Hegel designou como Er-Innerung, 
em contraste com Entiiuflerung, que aparece na primeira e na segunda partes 
(respectivamente capítulos 1-V e capítulo VI) . É difícil traduzir com acuida­
de essas palavras; costuma-se traduzir Er-Innerung por "interiorização" , mas 
Er-lnnerung também quer dizer "recordação"; ou seja, a humanidade atinge 
sua meta e agora olha para trás. Embora eu use "interiorização", gostaria de 
recordar que Er-Innerung tem sempre esse duplo sentido. Podemos também 
traduzir Entiiuflerung por "exteriorização"; essa palavra é uma tradução do 
termo econômico "alienação", que Hegel recolheu provavelmente da economia 
inglesa, mas que nele perde outra vez seu sentido econômico e prático. 
Esse movimento de "interiorização" significa a retomada do processo obje­
tivo pelo sujeito, ou seja, a conclusão de Fenomenologia do espírito, a transfor­
mação da substância em sujeito, a realização do sujeito-objeto idêntico, que 
é a base necessária de todo idealismo objetivo. Se examinarmos essa esfera, 
veremos que ela se hierarquiza, indo da arte à religião e desta à filosofia. A 
retomada da objetividade pelo sujeito, o aniquilamento da exteriorização pela 
interiorização, é realizada de modo cada vez mais profundo. Isso determina a 
gradação hierárquica entre arte, religião e filosofia. 
E vemos aqui uma contradição central da filosofia de Hegel no que se 
refere ao posto da religião nessa esfera. Em Fenomenologia do espírito, Hegel 
interpreta a religião e, em especial, a religião cristã de tal modo que encontra 
em seus mitos todas as categorias importantes da dialética. Mais precisamente, 
ele projeta todas as categorias dialéticas nos mitos religiosos. A contradição 
reside em que, depois de projetar essas categorias em tais mitos, ele censura 
a religião por ser apenas percepção, por não ser capaz de expressar adequada­
mente essas relações dialéticas, por expressar todas essas estruturas dialéticas 
de modo imperfeito. Eis uma das maiores ambiguidades da filosofia de Hegel, 
que se expressa de modo mais intenso na questão da religião. 
Com tudo isso, chego à última questão, ou seja, a da importância do 
Entiiuflerung, da exteriorização, na filosofia de Hegel . Desde o início, a 
Apresentação - Os novos problemas da pesquisa hegel iana 1 35 
"exteriorização" teve relações com a "positividade". Já falei das acepções 
de positividade no período de Berna e no período de Frankfurt. Já vimos 
também como a concepção de Entaufterung ganha essa designação somente 
nos cursos filosóficos que Hegel ministrou em 1 805, recebendo sua forma 
definitiva apenas em Fenomenologia do espírito . Se analisarmos mais de perto 
essa concepção de exteriorização, de Entaufterung, constatamos três diferentes 
acepções, mescladas entre si. 
A primeira refere-se ao trabalho, sobre o qual já falei - e nunca pecaremos por 
excesso ao sublinhar sua importância na filosofia de Hegel. Temos no trabalho 
uma estrutura das relações sujeito-objeto na atividade humana, relações que 
determinam o que poderíamos chamar de dinamismo do processo histórico: 
o trabalho torna possível o desenvolvimento de toda a história como história da 
atividade humana. E pode-se facilmente ver o progresso contido nessa concep­
ção hegeliana se a compararmos, por um lado, com a filosofia do século XVIII, 
na qual as explicações sociais eram dadas somente por categorias tomadas da 
natureza (clima etc.), e, por outro, com a filosofia alemã, com Kant e Fichte, 
que tentavam explicar a história da atividade humana, mas concebiam essa 
atividade de modo abstrato e como ato puro. Aqui, nesse conceito, Hegel é 
claramente um precursor da filosofia marxista . 
A segunda acepção do conceito de Entaufterung é uma espécie de anteci­
pação do que Marx irá chamar de "fetichismo da mercadoria" . Sobretudo no 
capitalismo, as relações entre os homens aparecem numa forma coisificada; 
o capitalismo é um sistema ao mesmo tempo coagulado e dinâmico, cabendo 
ao pensamento dissolver essa estrutura reificada, ao mostrar que, por trás da 
aparência coisificada, escondem-se relações verdadeiramente dinâmicas dos 
homens entre si, das classes entre si. Os limites das concepções econômicas 
de Hegel determinam aqui limites análogos. Por isso, essas antecipações do 
fetichismo na sociedade mesclam-se sempre à primeira acepção do conceito, 
ou seja, à estrutura do trabalho como exteriorização. 
A terceira acepção é a mais elevada do ponto de vista da abstração ou da ge­
neralização filosófica, ou seja, a que identifica exteriorização com objetividade . 
Quando emprego a palavra "objetividade", não quero que se pense apenas no 
termo alemão Objektivitat, mas também em Gegenstandlichkeit, que é deci­
sivo para o pensamento de Hegel nessa época - e até mesmo para toda a sua 
filosofia. É em Gegenstandlichkeit que penso quando falo em "objetividade" . 
Se a exteriorização é idêntica à objetividade, isso significa que todo o mundo 
3 6 1 O jovem Hegel 
dos objetos, das coisas etc., nada mais é do que o espírito objetivado; ou seja, 
se conhecermos a verdade sobre as coisas e suas relações, conheceremos a nós 
mesmos na medida em que participamos do sujeito universal da evolução, do 
gênero humano, do Weltgeist [espírito do mundo] . Nesse sentido, a interiori­
zação torna consciente o que era em si no processo total da história: o que era 
inconsciente torna-se aqui consciente e para si. 
Isso me parece profundo e justo quando se trata do problema da fetichi­
zação, das relações sociais que têm uma aparência reificada e que podem ser 
reduzidas à atividade humana, ao dinamismo das relações entre as classes. Essa 
mesma concepção, porém, torna-se caricatural e mistificadora quando se trata 
da objetividade que existe independentemente de nossaconsciência, como é o 
caso da objetividade natural: em Hegel, esta aparece como Entaufterung, como 
exteriorização que pode ser retomada pelo sujeito, na forma da interiorização. 
Se toda a natureza e todo o mundo exterior aparecem como simples produto 
do espírito, como matéria-prima à qual o espírito atribuiu conteúdo, então a 
interiorização retoma do mundo objetivo aquilo que ela projetou nele. 
Temos aqui dois problemas. A grande contradição da filosofia da história, e 
até mesmo de toda a filosofia de Hegel, é que, se ele tomasse sua concepção 
ao pé da letra, essa filosofia deveria se concluir num apocalipse. O espírito do 
mundo retoma em si toda a objetividade do mundo. Se levarmos isso a sério 
- e temos de levar a sério um grande filósofo -, estamos em meio a um apoca­
lipse. Naturalmente, Hegel era muito apegado à razão para chegar à afirmação 
desse apocalipse. De qualquer modo, dada toda a fenomenologia de Hegel, o 
problema de um fim da história torna-se nele um problema não resolvido. E 
aqui vemos com clareza os limites do idealismo objetivo em sua forma mais 
consequente, precisamente aquela que assumiu em Hegel. 
Depois da morte de Hegel, essas contradições de sua filosofia foram sen­
tidas de modo ainda mais vivaz. De Heine a Bruno Bauer, falou-se disso com 
frequência, afirmando-se que a filosofia de Hegel é uma totalidade, mas uma 
totalidade com essa contradição fundamental, como o jovem Marx já dizia : o 
Weltgeist, o espírito do mundo, deve fazer toda a história, como Hegel efeti­
vamente pensava; mas, na verdade, o espírito do mundo faz a história só apa­
rentemente, já que apenas post Jestum, ao fim do processo, esse espírito chega 
à consciência de algo que - seria possível dizer - faz-se independentemente 
dele. Pode-se ver que, formulada de outro modo, estamos diante da mesma 
contradição a que me referi antes. 
Apresentação - Os novos problemas da pesquisa hegel iana 1 3 7 
Numa obra publicada somente há mais ou menos quinze anos1 5 e que é 
certamente uma das mais importantes de sua juventude, Marx critica Feno­
menologia do espírito; não é casual que, falando do problema da relação entre 
economia e dialética, Marx faça uma análise exata do trabalho, demonstrando 
os limites precisos que distinguem, por um lado, o trabalho tal como é em si, 
enquanto relação entre o homem e a natureza e, por outro, o trabalho capitalista, 
no qual, nas condições da sociedade capitalista, nasce essa forma específica de 
Entauflerung, de exteriorização. 
Essa distinção é anulada na filosofia hegeliana. Ou seja, Hegel não compreen­
deu essa diferença decisiva entre o trabalho e o trabalho capitalista . E essa é 
uma das razões pelas quais se dá, em sua concepção, aquela confusão entre 
exteriorização e objetividade, confusão que leva - sendo-lhe estreitamente 
ligada - à própria contradição de seu sistema fundado no idealismo objetivo. 
Tudo isso se liga estreitamente à concepção hegeliana de Gegenstandlichkeit. 
Marx mostra que essa categoria é independente da exteriorização; que, para 
o homem, ser objetivo e viver num mundo objetivo é a mesma coisa; que o 
homem só pode ter uma atividade objetiva, só pode agir sobre o mundo dos 
objetos porque ele mesmo é um momento da natureza; que ele é feito pelo 
mundo da Gegenstandlichkeit, produto desse mundo, ou seja, dessa estrutura. 
Nesse momento, nasceu o materialismo dialético, do qual não conseguiremos 
tratar em detalhes aqui. 
Com essa crítica de Marx, a grande descoberta de Hegel no que se refere 
às ligações entre economia política e dialética tornou-se efetivamente racional. 
Sabemos que, com o sistema de Hegel, encerrou-se o período dos grandes 
sistemas do idealismo objetivo. Depois dele, temos uma época de idealismo 
subjetivo, que se afasta cada vez mais dos problemas da sociedade e se torna 
cada vez mais subjetivo, acadêmico, metodológico etc. Mais tarde, no período 
do imperialismo, muitas filosofias se valem do mito, da fabricação de mitos, 
para criar uma forma de pseudo-objetividade, com a qual criam uma pseudo­
teoria da sociedade. Não vou aqui tratar de todos esses filósofos, começando 
com Nietzsche e chegando a nossos dias. 
Vemos assim que, com Hegel, ao mesmo tempo se inicia e se encerra um 
período. Essa época da filosofia começa pela compreensão das relações entre 
1 5 Trata-se dos Manuscritos econômico-filosóficos de 1 844, publicados somente em 1932. Para 
a crítica marxiana referida aqui por Lukács, ver Karl Marx, Manuscritos econômico-filosóficos 
(trad. Jesus Ranieri, São Paulo, Boitempo, 2004), p. 1 1 5-37. 
38 1 O jovem Hegel 
dialética e economia e pela vinculação dos problemas mais abstratos e mais 
importantes da filosofia à práxis do homem e da humanidade. Nesse sentido, 
temos o início de um período. No entanto, na medida em que Hegel construiu 
sua filosofia com base numa concepção idealista-objetiva, encerra-se um grande 
período da filosofia. Com Marx, inicia-se um novo. 
A Michail Alexandrovitch Lifschitz, 
com admiração e amizade 
Prefác io 
Este livro foi concluído no fim de 1938. A irrupção da guerra, que ocorreu logo 
em seguida, impediu por muitos anos sua publicação. Quando a impressão se 
tornou possível entre 194 7 e 1 948, submeti o texto a uma revisão minuciosa; 
contudo, em consequência das muitas tarefas que demandavam minha aten­
ção, foi-me possível levar em conta somente uma pequeníssima parcela da 
literatura sobre Hegel publicada depois de 1 938. A nova edição disponibilizada 
para a República Democrática Alemã passou por outra revisão, mas, além de 
melhoramentos estilísticos, o texto praticamente não sofreu modificações. 
Na Introdução, o leitor encontrará informação detalhada sobre os pontos 
de vista metodológicos que orientaram o autor. Quanto a esse aspecto, não 
vejo qualquer razão para reconsiderar as exposições que fiz há dezesseis anos. 
As tentativas francesas de "modernizar" Hegel num sentido existencialista-ir­
racionalista - como se vê, sobretudo, no famoso livro de J. Hippolyte* - não 
oferecem o menor motivo para modificar ou mesmo complementar algo em 
minhas exposições. A crítica fundamental ao hegelianismo do período impe­
rialista também está relacionada aos esforços franceses de produzir uma nova 
interpretação de Hegel, sendo óbvio que as condições tanto exteriores quanto 
* Lukács refere-se certamente ao livro de Jean Hippolyte, Genese et structure de la Phenome­
nologie de Hegel (Paris, Aubier, 1946) . Ed. bras. : Gênese e estrutura da "Fenomenologia" de 
Hegel (trad. Sílvio Rosa Filho, São Paulo, Discurso, 2003). (N. E.) 
4 2 J O jovem Hegel 
interiores dessa "renascença de Hegel" serão distintas em muitos aspectos das 
condições vigentes na Alemanha. 
Para o leitor alemão de minhas demais obras, na maioria escritas depois 
desta, sejam admitidas aqui algumas poucas observações. A exposição do de­
senvolvimento do jovem Hegel complementa em muitos aspectos aquilo que 
tentei formular sobre a história da filosofia e da literatura alemãs em outros 
estudos. Assim, tem-se aqui, acima de tudo, uma imagem positiva contraposta 
ao período "clássico" do irracionalismo que descrevi em Die Zerstorung der 
Vernunft [A destruição da razão] . A mesma luta que é analisada lá como luta 
de Schelling e seus sucessores aparece neste livro da parte de Hegel como 
crítica e suplantação (Uberwindung) do irracionalismo, embora seja apenas 
um motivo crítico negativo para a fundamentação do novo método dialéti­
co-idealista. A complementação recíproca das duas obras, porém, vai além 
disso. Nos estudos sobre Hegel oferecidos aqui, foi possível aclarar de modo 
muito objetivo a razão pela qual justamente a filosofia hegeliana constituiu 
o grande adversário dos irracionalistas desse período e por que estes, com 
razão, combateram Hegel como o representante mais notório do progresso 
filosófico-burguês de sua época; ao mesmo tempo, foi possível aclarar por 
que a crítica dos irracionalistas à dialética do historicismo conseguiu encontrar 
nos

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