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1. INTRODUÇÃO À MECÂNICA DOS SOLOS 1.1 Contextualização A mecânica dos solos estuda as características físicas dos solos e as suas propriedades mecânicas (equilíbrio e deformação) quando submetido a acréscimos ou alívio de tensões. O objetivo principal desta ciência é substituir por métodos científicos os métodos empíricos aplicados no passado. Neste contexto, destaca-se que o grande problema a resolver está ligado à própria natureza do solo. O solo é formado pela natureza, apresentado como consequência uma ampla variação das suas propriedades físicas, sendo a maioria delas, distintas em relação às determinadas condições. Esta tendência dos solos variarem nas suas propriedades físicas é uma contradição se compararmos com o comportamento dos materiais manufaturados como o aço, concreto, ferro, etc., cujas propriedades são relativamente constantes. As propriedades dos dependem do tipo do solo, estas por sua vez são mais ou menos desfavoravelmente afetadas por muitos fatores, incluindo a presença da umidade, proximidade com águas subterrâneas, umidade do ar, enchentes, congelamento e descongelamento, etc. Uma das dificuldades para tratar com o solo como um material é que as suas propriedades físicas no campo podem variar entre distâncias consideravelmente pequenas (ordem de 1 m, ou até menos). A influência da água no desempenho do solo quando carregado é um dos fatores mais importantes a Mecânica dos Solos, a umidade é considerada como um dos fatores que regem as propriedades dos solos. A água influencia na capacidade de carga do solo, pode levar um solo coesivo a se comportar plasticamente, contrair ou inchar, etc. A água é controlada para compactar o solo com a finalidade de aumentar a sua resistência. Portanto, uma das operações mais frequentes num programa de ensaios laboratoriais é o controle da água presente nos seus vazios. A natureza diversa do solo é o problema mais difícil com o qual o engenheiro enfrenta. Para os profissionais atuantes na área, as principais razões que levam à necessidade de se compreender a Mecânica dos Solos são: a) Aprender a entender e poder avaliar as propriedades dos materiais geológicos, em particular o solo; b) Aplicar o conhecimento dos solos de uma maneira prática para projetar obras geotécnicas de forma segura e econômica; c) Desenvolver e progredir no conhecimento da Mecânica dos Solos através da pesquisa e experiência, e então acrescentar novos conhecimentos conceituais, e, d) Estender conhecimentos a outros ramos do aprendizado ainda a serem desenvolvidos. Além da importância do conhecimento destas razões, o engenheiro geotécnico tem ainda que se lembrar de duas importantes responsabilidades: primeiro, projetar e construir estruturas seguras, e segundo, dar proteção às vidas das pessoas que usam ou passam sob estas estruturas. Por causa destas razões, e também porque o solo é considerado não apenas material de fundação (que serve de suporte às estruturas), mas também como material de construção (barragens de terra, rodovias, etc.), os engenheiros devem ter um sólido conhecimento das propriedades e comportamento dos solos. Baseado no exposto acima se pode notar que existem problemas fundamentais que requerem soluções seguras e econômicas para uma dada estrutura. Pode-se concluir também que a aplicação do conhecimento da Mecânica dos Solos para o engenheiro é de grande importância. Para ilustrar a importância da Mecânica dos Solos para o engenheiro pode-se fazer o seguinte paralelo: nos projetos estruturais a estática das estruturas depende do conhecimento da resistência dos materiais. Da mesma forma, um projeto de fundação depende da disciplina Introdução à Mecânica dos Solos |2 Mecânica dos Solos, o que nos leva a concluir que essa disciplina se torna essencial na formação básica do engenheiro geotécnico. Nenhum engenheiro, arquiteto ou construtor pode ignorar o problema de investigação das propriedades físicas locais e a possibilidade das variações destas decorrentes da variação da umidade durante e após a construção da obra. Uma investigação detalhada destas propriedades é a melhor maneira de se evitar o colapso do sistema solo-estrutura, além dos problemas de exploração, manutenção, financeiro, etc., que podem ocorrer no futuro. Se as propriedades dos solos forem estudadas convenientemente os resultados consequentes interpretados corretamente e inteligentemente aplicados num projeto e posterior construção desta obra, as falhas podem ser evitadas. 1.2 Origem e Evolução da Mecânica dos Solos O registro do primeiro uso que uma pessoa fez do solo como material de construção perde-se na Antiguidade. Mas, em termos técnicos, a compreensão da engenharia geotécnica, como é conhecida hoje, começou no início do século XVIII (Skempton, 1985). Durante anos, a arte da engenharia geotécnica teve como base apenas uma sucessão de experimentos sem nenhum caráter científico verdadeiro. De acordo com esses experimentos, foram construídas muitas estruturas – algumas das quais ruíram, enquanto outras ainda estão firmes. A história registrada nos conta que as civilizações antigas floresceram ao longo das margens dos rios, como o Nilo (Egito), o Tigre e o Eufrates (Mesopotâmia), o Huang Ho (Rio Amarelo, na China) e o Indo (na Índia). Diques datados de aproximadamente 2000 a.C. foram construídos na bacia do Indo para proteger a cidade de Mohenjo Dara (no que se tornou o Paquistão após 1947). Durante a dinastia Chan, na China (112 a.C. a 249 a. C.), muitos diques foram construídos para fins de irrigação. Não há evidência de que tenham sido tomadas medidas para estabilizar as fundações ou verificar a erosão causada por inundações (Kerisel, 1985). A civilização da Grécia antiga utilizou sapatas isoladas e corridas para a construção de edifícios. Começando por volta de 2750 a.C., as cinco pirâmides mais importantes (Saqqarah, Meidum, Dashur Sul e Norte e Quéops) foram construídas no Egito em um período de menos de um século. Isso impôs formidáveis desafios relacionados a fundações, estabilidade de encostas e construção de câmaras subterrâneas. Com a chegada do Budismo à China durante a Dinastia Han Oriental em 68 d.C., milhares de pagodes foram construídos (Figura 1.1). Muitas dessas estruturas foram levantadas sobre camadas de silte e argila moles. Em alguns casos, a pressão da base excedeu a capacidade de carga do solo, causando danos estruturais extensivos. Figura 1.1 – Templo Pagode Sakyamuni de Fogong construído em 1056 Fonte: http://querosaber.sapo.pt Introdução à Mecânica dos Solos |3 Um dos exemplos mais famosos de problemas relacionados à capacidade de carga do solo na construção de estruturas antes do século XVIII é a Torre Inclinada de Pisa, na Itália (Figura 1.2). A construção da torre começou em 1173 d.C., quando a República de Pisa estava crescendo, e continuou em vários estágios por mais de 200 anos. A estrutura pesa aproximadamente 15.700 toneladas métricas e é suportada por uma base circular de diâmetro de 20 m. No passado, a torre inclinou para o leste, norte, oeste e, finalmente, para o sul. Investigações recentes mostraram que uma camada frágil de argila existe a uma profundidade de cerca de 11 m abaixo da superfície do solo, o que fez a torre inclinar. Ela ficou mais de 5m fora de prumo com a altura de 54 m. A torre foi fechada em 1990 porque havia o temor de que caísse ou ruísse. Recentemente ela foi estabilizada pela escavação do solo sob o lado norte. Cerca de 70 toneladas métricas de terra foram removidas em 41 extrações separadamente, que se estenderam por toda a largura da torre. À medida que a terra recalcou gradualmente para preencher o espaço resultante, a inclinação da torre diminuiu. Agora, ela está inclinada em 5 graus. A mudança de meio grau não é perceptível, mas torna a estrutura consideravelmente mais estável.Figura 1.2 – Torre Inclinada de Pisa, na Itália Fonte: http://www.culturamix.com/turismo/a-famosa-torre-de-pisa Depois de encontrar vários problemas relacionados à fundação durante a construção nos séculos passados, engenheiros e cientistas começaram a tratar propriedades e comportamentos dos solos de forma mais metódica, a partir do início do século XVIII. Com base na ênfase e na natureza do estudo na área de engenharia geotécnica, o intervalo de tempo de 1700 a 1927 pode ser dividido em quatro períodos principais (Skempton, 1985): 1. Pré-clássico (1700 a 1776 d.C.) 2. Mecânica dos solos clássica – Fase I (1776 a 1856 d.C.) 3. Mecânica dos solos clássica – Fase II (1856 a 1910 d.C.) 4. Mecânica dos solos moderna (1910 a 1927 d.C.) Descrições breves de alguns desenvolvimentos significativos durante cada um desses períodos são discutidas a seguir. Introdução à Mecânica dos Solos |4 1.2.1 Período pré-clássico da mecânica dos solos (1700 a 1776) Este período concentrou-se em estudos relativos a encostas naturais e a pesos específicos de vários de solos, bem como em teorias semi-empíricas de empuxos de terra. Em 1717, um engenheiro francês, Henri Gautier (1660 – 1737), estudou taludes naturais de solos quando teve a inspiração para formular os procedimentos de projeto de muros de arrimo. A encosta natural é o que chamamos agora como ângulo de repouso. De acordo com esse estudo, as encostas naturais da areia seca e limpa e da terra comum eram de 31° e 45°, respectivamente. Além disso, os pesos específicos recomendáveis da areia seca limpa e da terra comum eram de 18,1 kN/m³ e 13,4 kN/m³, respectivamente. Não foi informado nenhum resultado de ensaio com argila. Em 1729, Bernard de Belidor (1671 – 1761) publicou um livro-texto para engenheiros militares e civis na França. No livro, ele propôs uma teoria para a pressão lateral de terra em muros de arrimo, que era uma continuação do estudo original de Gautier (1717). Ele também especificou um sistema de classificação dos solos da forma mostrada na tabela a seguir. Tabela 1.1 – Pesos específicos para diferentes tipos de solos Peso Específico Classificação kN/m³ Rocha - Areia firme ou dura Até 16,7 Areia compressível 18,4 Terra comum (em locais secos) 13,4 Terra fofa (principalmente silte) 16,0 Argila 18,9 Turfa - Fonte: Das (2007) Os primeiros resultados de ensaio de laboratório em modelo em um muro de 76 mm de altura construído com aterro de areia foram relatados em 1746 por um engenheiro francês, Franois Gadroy (1705 – 1759), que observou a existência de plano de escorregamento no solo sob ruptura. O estudo de Gadroy foi resumido posteriormente por J. J. Mayniel, em 1808. 1.2.2 Mecânica dos solos clássica – Fase I (1776 a 1856) Durante esse período, a maior parte do desenvolvimento na área de engenharia geotécnica veio de engenheiros e cientistas da França. No período pré-clássico, praticamente todas as considerações teóricas usadas no cálculo da pressão lateral de terra em muros de arrimo tiveram como base uma superfície de ruptura no solo arbitrariamente definida. Em seu famoso artigo técnico apresentado em 1776, o cientista francês Charles Augustin Coulomb (1736 – 1806) usou os princípios de cálculo de máximo e mínimos para determinar a posição exata da superfície de deslizamento no solo por trás de um muro de arrimo. Nessa análise, Coulomb usou as leis do atrito e da coesão para corpos sólidos. Em 1820, casos especiais do trabalho de Coulomb foram estudados pelo engenheiro francês Jacques Frederic Français (1775 – 1883) e pelo professor francês de mecânica aplicada Claude Louis Marie Henri Navier (1785 – 1836). Esses casos especiais estavam relacionados a aterros inclinados e aterros que suportavam sobrecarga. Em 1840, Jean Victor Poncelet (1788 – 1867), um engenheiro militar e professor de mecânica, estendeu a teoria de Coulomb, fornecendo um método gráfico para determinar a magnitude da pressão lateral de terra em muros de arrimo verticais e inclinados com superfícies de solo na forma de poligonais arbitrárias. Poncelet também foi o primeiro a usar o símbolo ϕ para o ângulo de atrito do solo. Ele também determinou a primeira teoria do limite de capacidade de carga para fundações superficiais. Em 1846, o engenheiro Alexandre Collin (1808 – 1890) forneceu os Introdução à Mecânica dos Solos |5 detalhes para escorregamentos profundos em taludes de argilas, cortes e aterros. Collin formulou a teoria de que, em todos os casos, a ruptura ocorre quando a coesão mobilizada excede a coesão existente no solo. Ele também observou que as superfícies reais de ruptura poderiam ser aproximadas por arcos de cicloides. O fim do período da Fase I da mecânica dos solos clássica geralmente é marcado pelo ano (1857) da primeira publicação de William John Macquorn Rankine (1820 – 1872), um professor de engenharia civil na University of Glasgow. Esse estudo forneceu uma teoria notável sobre o empuxo de terra e o equilíbrio de massas de terra. A teoria de Rankine é uma simplificação da teoria de Coulomb. 1.2.3 Mecânica dos solos clássica – Fase II (1856 a 1910) Nesta fase, vários resultados experimentais de ensaios de laboratório em areia apareceram na literatura. Uma das primeiras e mais importantes publicações é do engenheiro francês Henri Philibert Gaspard Darcy (1803 – 1858). Em 1856, ele publicou um estudo sobre a permeabilidade de filtros de areia. Com base nesses ensaios, Darcy definiu o termo coeficiente de permeabilidade (ou condutividade hidráulica) do solo, um parâmetro muito útil na engenharia geotécnica atualmente. Sir George Howard Darwin (1845 – 1912), um professor de astronomia, fez ensaios em laboratório para determinar o momento de tombamento de um muro articulado que fazia a contenção de areia nos estados fofos e compacto. Outra contribuição notável, publicada em 1885 por Joseph Valentin Boussinesq (1842 – 1929), foi o desenvolvimento da teoria da distribuição de tensões sob áreas carregadas em um meio homogêneo, semi-infinito, elástico e isotrópico. Em 1887, Osborne Reynolds (1842 – 1912) demonstrou o fenômeno da dilatância na areia. 1.2.4 Mecânica dos solos moderna (1910 a 1927) Neste período foram publicados os resultados de pesquisas realizadas em argilas, nos quais as propriedades e parâmetros fundamentais das argilas foram estabelecidos. As publicações mais notáveis são mostradas na Tabela 1.2. Tabela 1.2 – Estudos importantes sobre argila (1910 – 1927) Pesquisador Ano Tópico Albert Mauritz Atterberg (1846 – 1916), Suécia 1911 Consistência do solo, ou seja, propriedades de liquidez, plasticidade e contração Jean Frontard (1884 – 1962), França 1914 Ensaios de cisalhamento duplo (não-drenado) em argila sob carga vertical constante Arthur Langtry Bell (1874 – 1956), Inglaterra 1915 Pressão lateral e resistência da argila; capacidade de carga da argila; e ensaios de cisalhamento direto por medição da resistência ao cisalhamento não- drenado usando amostras indeformadas Wolmar Fellenius (1876 – 1957), Suécia 1918,1926 Análise do círculo de deslizamento em taludes de argila saturada Karl Terzaghi (1883 – 1963), Áustria 1925 Teoria do adensamento para argilas Fonte: Das (2007) Introdução à Mecânica dos Solos |6 1.2.5 A engenharia geotécnica depois de 1927 A publicação de Erdbaumechanik auf Bodenphysikalisher Grundlage, de Karl Terzaghi, em 1925, fez surgir uma nova era no desenvolvimento da mecânica dos solos. Karl Terzaghi é merecidamente conhecido como o pai da mecânica dos solos moderna (Figura 1.3). Terzaghi nasceu em 2 de outubro de 1883, em Praga, então capital da província austríaca da Boêmia. Em 1904, ele formou-se na Technische Hochschule em Graz, Áustria, como engenheiro mecânico. Depois da graduação, ele serviu no exércitoaustríaco por um ano. Após o serviço militar, Terzaghi estudou mais um ano, concentrando-se em assuntos geológicos. Em janeiro de 1912, recebeu o grau de Doutor em Ciências Técnicas na sua instituição de formação original, em Graz. Em 1916, aceitou o cargo de professor na Imperial School of Engineers, em Istambul. Depois do fim da Primeira Guerra Mundial, trabalhou como pesquisador no American Robert College, em Istambul (1918-1925). Lá começou a pesquisar sobre o comportamento dos solos e recalque de argilas e sobre a ruptura devida ao piping em areia sob barragens. A publicação de Erdbaumechanik é o resultado principal dessa pesquisa. Figura 1.3 – Karl Terzaghi Em 1925, Terzaghi aceitou o cargo de pesquisador visitante no Massachusetts Institute of Technology, onde trabalhou até 1929. Durante esse tempo tornou-se conhecido como o líder da nova área de engenharia civil chamada mecânica dos solos. Em outubro de 1929, Terzaghi retorna à Europa para assumir o cargo de professor na Technical University de Viena, que logo se tornou o centro para engenheiros civis interessados em mecânica dos solos. Em 1939, retornou aos Estados Unidos para lecionar na Universidade de Harvard. A primeira conferência da International Society of Soil Mechanics and Foundation Engineering (ISSMFE – Sociedade Internacional de Mecânica dos Solos e Engenharia de Fundações) foi realizada na Universidade de Harvard, em 1936, sob a presidência de Karl Terzaghi. Foi pela inspiração e orientação de Terzaghi nos 25 anos anteriores que artigos técnicos foram apresentados nessa conferência, abrangendo uma ampla gama de assuntos, como resistência ao cisalhamento, tensões efetivas, ensaios in situ, penetrômetro de cone holandês, ensaio centrífugo, recalque por adensamento, distribuição de tensões elásticas, pré-carregamento para melhoria do solo, ação de congelamento, argilas expansivas, teoria do arqueamento da pressão da terra, dinâmica dos solos e terremotos. Nos 25 anos seguintes, Terzaghi foi o papa do desenvolvimento da mecânica dos solos e da engenharia geotécnica em todo o mundo. Em relação a isso, em 1985, Ralph Peck escreveu que “poucas pessoas, durante a vida de Terzaghi, Introdução à Mecânica dos Solos |7 teriam discordado de que ele era não apenas o papa da mecânica dos solos, mas também o centro de intercambio para a pesquisa e a aplicação em todo o mundo. Nos anos seguintes, ele se envolvia em projetos em todos os continentes, exceto Austrália e Antártida”. Peck continuou, “Portanto, mesmo hoje em dia, mal podemos aprimorar as avaliações de seu tempo a respeito dos desafios da mecânica dos solos, em seus artigos de síntese e palestras”. Em 1939, Terzaghi apresentou-se na 45 th James Forrest Lecture na Institution of Civil Engineers, em Londres. Sua palestra tinha o título “Soil Mechanics – A New Chapter in Engineering Science” (Mecânica dos solos – um novo capítulo na ciência da engenharia). Nela, ele proclamou que a parte das falhas de fundações que ocorreram não se tratava mais de “casos fortuitos”. A seguir são apresentados alguns destaques no desenvolvimento da mecânica dos solos e da engenharia geotécnica que evoluíram depois da primeira conferência da ISSMFE, em 1936: Publicação do livro Theoretical Soil Mechanics, por Karl Terzaghi, em 1943; Publicação do livro Soil Mechanics in Engineering Practice, de Karl Terzaghi e Ralph Peck, em 1948; Publicação do livro Fundamentals of Soil Mechanics, de Donald W. Taylor, em 1948 Início da publicação de Geotechnique, o periódico internacional de mecânica dos solos, em 1948; Apresentação do artigo técnico sobre o conceito de ϕ = 0 para argilas, por A. W. Skempton, em 1948; Publicação do artigo técnico de A. W. Skempton sobre parâmetros da pressão de água nos poros A e B, em 1954; Publicação do livro The Measurement of Soil Properties in the Triaxial por A. W. Bishop e B. J. Henkel, em 1957; ACSE’s Research Conference on Shear Strenght of Cohesive Soils realizada em Boulder, Colorado, em 1960. Desde o princípio a profissão de engenheiro geotécnico passou por um longo caminho e amadureceu. Agora é uma área estabelecida engenharia civil e milhares de engenheiros civis declaram que a engenharia geotécnica é sua área de especialização preferencial. Desde a primeira conferência, em 1936 exceto por uma breve interrupção durante a Segunda Guerra Mundial, as conferências da ISSMFE foram realizadas em intervalos de quatro anos. Em 1997, a ISSMFE mudou para ISSMGE (International Society of Soil Mechanics and Geotechnical Engineering) para refletir seu escopo verdadeiro. Essas conferências internacionais serviram de ferramenta para a troca de informações relativas a novos desenvolvimento e atividades de pesquisa em andamento na engenharia geotécnica. 1.3 Histórico da Engenharia Geotécnica no Brasil Com a chegada da família real portuguesa ao Brasil, em 1808, foram fundadas as primeiras escolas de ensino superior, além de bibliotecas, museus e jardins botânicos. A engenharia civil, e com ela as técnicas de construções e fundações começam a serem ensinadas na Academia Militar, vindo a se tornar um curso específico apenas em 1845. Em 1847 é criada a Escola Politécnica do Rio de Janeiro e a Escola de Minas de Ouro Preto, em cujos programas já se contemplavam as técnicas de fundações na disciplina Estudo dos Materiais de Construção e sua Resistência, Tecnologia das Profissões Elementares, Arquitetura Civil. Esta disciplina daria origem às disciplinas de Construção e Grande Estruturas, que posteriormente se transformariam nas atuais Mecânica dos Solos e Fundações. No século XIX foi grande o interesse pelos estudos geológicos no Brasil, principalmente devido aos interesses ligados à mineração do ferro. A primeira obra de geologia do Brasil surge em 1874, publicada em Boston por Charles Frederick Hartt e intitulada como “Geologia e Introdução à Mecânica dos Solos |8 Geografia Física do Brasil”. Neste livro são frequentes as citações às investigações geológicas ao longo dos traçados das estradas de ferro construídas na época, contribuindo assim para o surgimento da Geologia de Engenharia, que só viria a acontecer em 1907, quando Miguel Arrojado Lisboa investigou as formações geológicas ao longo do traçado da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil, e em 1909 estudou geologicamente os locais de construção de barragens de obras contra a seca no Nordeste do país. No início do séc. XX, com o advento do concreto armado foram construídos os primeiros edifícios de grande porte no Rio de Janeiro e em São Paulo, dos quais infelizmente não existem informações a respeito das suas fundações. Informações mais precisas a respeito das fundações dos edifícios construídos datam da década de 1930, quando os edifícios de concreto armado já se apoiavam sobre sapatas de concreto armado ou blocos de concreto simples. As fundações profundas eram de estacas de madeira ou pré-moldadas de concreto armado e capeadas por blocos de concreto. Dentre as primeiras publicações pioneiras na área de Mecânica dos Solos, destaca-se aquela publicada em 1920 por Domingos J. S. Cunha, professor de Materiais de Construção da Politécnica do Rio, na Revista Brasileira de Engenharia, intitulada “Experimentação dos Terrenos para Estudos de Fundação”. Uma série de trabalhos foi publicada entre 1926 e 1927 por Emydio de Moraes Vieira sobre as características de deformabilidade dos solos. Outros pioneiros que se destacaram foram Victor Ribeiro Leuzinger e Mário Whately. Na década de 1920 houve uma verdadeira revolução na engenharia brasileira, com o aparecimento da pesquisa tecnológica. Em 1926 foi criado o Laboratório de Ensaios de Materiais, destinado a resolver principalmente problemas relacionados ao concreto armado, e que se transformaria posteriormente, em 1934, no Instituto de Pesquisas Tecnológicas(IPT). Figura 1.4 – Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) Fonte: http://www.ipt.br/institucional Em 1938 foi criada no IPT por Odair Grillo, que teve como assistentes Raimundo de Araújo Costa, Othelo Machado e Milton Vargas, a Seção de Solos e Fundações. Nos anos Introdução à Mecânica dos Solos |9 seguintes, vários Estados da Federação enviaram engenheiros de seus quadros para se especializarem em solos no IPT, entre eles, Mário Brandi, do Rio de Janeiro, que organizou e operou o primeiro laboratório de solos para barragem de terra, em Curema em 1938; Casimiro Munarski, do Rio Grande do Sul; Pelópidas Silveira, de Pernambuco; Hernani Sávio Sobral, da Bahia e Samuel Chamecki, do Paraná, os quais montaram e puseram em operação a seção de solos nos respectivos Estados. Na área de estradas, o desafio era desenvolver métodos de dimensionamento de pavimentos baseados nas teorias da Mecânica dos Solos. Na área das fundações de edifícios, o desafio inicial era desenvolver métodos de prospecção de subsolo, ou seja, projetar e construir equipamentos de sondagem, e treinar mão-de-obra para a realização das sondagens. Isto foi feito durante o ano de 1939 nas sondagens para estudos de fundações de pontes rodoviárias do DER de São Paulo. Em 1944, foi fundada a Geotécnica S/A, a primeira firma especializada em estudos e projetos de solos e fundações no Brasil. Em 1948, chega ao Brasil a publicação de Terzaghi e Peck, o “Soil Mechanics in Engineering Practice”, onde é apresentado um novo método de prospecção geotécnica conhecido com SPT (Standard Penetration Test), e com ele um novo parâmetro, o NSPT, largamente utilizado até os dias atuais como ferramenta de prospecção geotécnica. A partir deste momento foi crescente o desenvolvimento da engenharia geotécnica no Brasil, com contribuições de autores de diversas partes do país, na área de melhoria dos solos, desenvolvimento de novos métodos de dimensionamento e de novas técnicas construtivas para fundações, barragens, obras de contenção, etc., como também de novas técnicas e equipamentos para investigação geotécnica, seja de campo ou laboratório. Ainda assim, são inúmeras as incertezas existentes em vários métodos de dimensionamento e de avaliação de desempenho de obras geotécnicas, sendo, portanto, necessária a busca contínua de melhores metodologias de projeto e de técnicas construtivas mais eficientes. 1.4 Outras Ciências da Terra Constitui requisito prévio para o projeto de qualquer obra, sobretudo de grande porte (barragem, túnel, obra de arte, corte, aterro), o conhecimento da formação geológica local, estudo das rochas, solos, minerais que o compõem, bem como a influência da presença da água sobre ou sob a superfície da crosta. Sabe-se que, em se tratando de solos e rochas, a heterogeneidade é a regra, a homogeneidade a exceção. Portanto, os estudos são, de fato, indispensáveis, para se alcançar a "boa engenharia", isto é, aquela que garante a necessária condição de segurança e, também, de economia. Assim, além da Mecânica dos Solos, tornam-se necessários, para o atendimento desses requisitos básicos, os estudos referentes às demais ciências que compõem a constelação das chamadas Ciências da Terra (designação de Kcynine e Judd), e que são: a) Mineralogia – ciência dos minerais, sendo mais interessante para o engenheiro o estudo dos minerais argílicos. Introdução à Mecânica dos Solos |10 b) Petrologia – estudo detalhado das rochas, com o seu ramo a petrografia (criada por Werner), ou seja, a sua descrição sistemática. A classificação geral, o reconhecimento prático e o estudo detalhado dos principais tipos de rochas, são assuntos dos mais importantes. c) Geologia Estrutural ou Tectônica – ramo dedicado principalmente ao estudo das dobras e falhas da estrutura da crosta terrestre. Observemos que o estudo dos diaclasamentos (Figura 1.5) é de fundamental importância nas questões relativas a cortes, túneis e fundações de barragens e obras de terra. Figura 1.5 – Falhas (diaclase) em rochas d) Geomorfologia – ciência que estuda as formas da superfície terrestre (Figura 1.6) e as forças que as originam. O termo tem praticamente o mesmo significado que "Geografia Física", "Fisiografia" ou "Geologia Física". Segundo a clássica definição de Mackinder (1889) "a Geografia Física é o estudo do presente à luz do passado; a Geologia é o estudo do passado à luz do presente". Figura 1.6 – Diferentes formas da superfície terrestre Introdução à Mecânica dos Solos |11 e) Geofísica (Hutton) – consiste na aplicação dos métodos da Física ao estudo das propriedades dos maciços rochosos e terrosos. A Sismologia é o ramo que estuda as vibrações da Terra (fenômenos sísmicos). São de grande utilidade os "métodos geofísicos de prospecção" da crosta terrestre. f) Pedologia – tem por objeto o estudo das camadas superficiais da crosta terrestre, em particular sua formação e classificação, levando em conta a ação de agentes climatológicos. Particularmente no que se refere ao estudo da umidade dos solos, os conhecimentos pedológicos vão se mostrando de interesse nos problemas de pavimentação. g) Mecânica das rochas – propõe-se a sistematizar o estudo das propriedades tecnológicas das rochas e o comportamento dos maciços rochosos, segundo os métodos da Mecânica dos Solos. É a mais recente das ciências que compõem o conjunto das Ciências da Terra. Seus conhecimentos são indispensáveis ao engenheiro. h) Hidrologia – ciência que se ocupa do estudo das águas superficiais e subterrânea (o estudo destas é denominado de "Hidrogeologia"). Krynine e Judd incluem ainda no complexo de ciências que tratam do estudo da Terra, a Meteorologia. Figura 1.7 – Representação esquemática da água superficial e subterrânea 1.5 Aplicação da Mecânica dos solos na Engenharia Civil O solo, sob o ponto de vista da engenharia geotécnica, poderá ser utilizado tanto em suas condições naturais quanto como material de construção. Em sua condição natural, será usado como elemento de suporte de uma estrutura ou como a própria estrutura, nem sempre sendo possível melhorar suas propriedades de uma forma econômica. Introdução à Mecânica dos Solos |12 Como material de construção poderá ser usado, principalmente, na construção de aterros para as mais diversas finalidades, como sub-bases e bases de pavimentos sendo nestes casos, possível dar ao solo as características necessárias e desejadas em cada projeto (Nogueira, 1988). As cargas de qualquer estrutura têm de ser, em última instância, descarregadas no solo através de sua fundação. Assim a Fundação é uma parte essencial de qualquer estrutura. Seu tipo e detalhes de sua construção podem ser decididos somente com o conhecimento e aplicação de princípios da mecânica dos solos. Tanto as obras subterrâneas como estruturas de drenagem, dutos, túneis e as obras de contenção como os muros de arrimo, cortinas atirantadas somente podem ser projetadas e construídas usando os princípios da mecânica dos solos e o conceito de "interação solo-estrutura". Os pavimentos podem ser flexíveis ou rígidos. Pavimentos flexíveis dependem mais do solo subjacente para transmissão das cargas geradas pelo tráfego. Problemas peculiares no projeto de pavimentos flexíveis são o efeito de carregamentos repetitivos e problemas devidos às expansões e contrações do solo por variações em seu teor de umidade. A execução de escavações no solo requer frequentemente o cálculo da estabilidade dos taludes resultantes. Escavações profundas podem necessitar de escoramentos provisórios, cujos projetos devem ser feitos com base na mecânica dos solos. Para a construção de aterros e de barragens de terra, onde o solo é empregado como material de construção e fundaçãonecessita- se de um conhecimento completo do comportamento de engenharia dos solos, especialmente na presença de água. O conhecimento da estabilidade de taludes, dos efeitos do fluxo de água através do solo, do processo de adensamento e dos recalques a ele associados, assim como do processo de compactação empregado é essencial para o projeto e construção eficientes de aterros e barragens de terra.
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