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TEORIA GERAL DA INVESTIGAÇÃO E PERÍCIA

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AULA 1 - ASPECTOS GERAIS E INTRODUTÓRIOS
Para estudarmos a sistemática da investigação e suas ramificações com aplicabilidades será importante aprofundar algumas noções sobre conflito e a finalidade contemporânea com que os juristas compreendem a investigação na pós-modernidade.
CONCEITO DE INVESTIGAÇÃO E SUA CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA
Modernamente, conceitua-se investigação como "um conjunto de atividades realizadas concatenadamente e de forma metodológica, que busca averiguar as circunstâncias de um fato construindo uma versão verossímil" (adaptação de LOPES JR, 2013, p. 92).
Contudo, a ideia de investigação não é nova, encontrando origens na própria história da humanidade.
CONSTRUÇÃO HISTÓRICA DO CONFLITO
O homem, por ser um animal gregário, somente pode viver em sociedade. Organizando-se em grupo, o homem busca a obtenção de fins comuns:
Ao se reunir em sociedade, busca alcançar o que alguns nomeiam de “felicidade” *.
Nesse contexto surge o Estado. Os homens renunciam parcela de sua liberdade com o fim de criar esse ente fictício chamado Estado, com seus três elementos: povo, território e governo. Este conceito foi extraído da obra o ilustre filósofo e teórico político Jean-Jacques Rousseau.
(* Para um aprofundamento filosófico sobre o tema ler: FREUD, Sigmund. O mal-estar na civilização. São Paulo: Companhia das Letras, 2011.)
Tourinho Filho, lecionando sobre o tema, afirma: “visando à continuidade da vida em sociedade, à defesa das liberdades individuais, em suma, ao bem-estar geral, os homens organizaram-se em Estado. Desde então eles se submeteram às ordens dos governantes, não mais fazendo o que bem queriam e entendiam, mas o que lhes era permitido ou não proibido”.
É certo que a criação do Estado e a reunião do homem em sociedade não têm o condão de eliminar as intempéries externas por completo, mas podem reduzi-las para níveis controláveis. Contudo, a própria evolução da sociedade, acompanhada da evolução científica e do domínio do homem sobre a natureza, fizeram nascer novos fatores de risco à sobrevivência do ser humano, enquanto raça humana. Foi o que o sociólogo Ulrich Beck chamou de “sociedade de risco” *.
(* O conceito de sociedade de risco foi originariamente desenvolvido pelo sociólogo alemão Ulrich Beck, em 1986, quando publicou seu livro Risikogesellschaft: Auf dem Weg in eine andere Moderne, traduzido para o português como Sociedade de Risco: rumo a uma outra modernidade. 2. ed. São Paulo: Editora 34, 2011. Beck, ao realizar uma análise entre o capitalismo e a evolução tecnológica, conclui que vivemos em um momento de ruptura da sociedade moderna, que passa a assumir novos contornos de uma sociedade de risco. O advento dessa nova modernidade opera, nos dizeres de Beck, mudanças radicais na política, na economia e no comportamento, na medida em que a produção social de riquezas se faz acompanhar, cada vez mais, de uma produção social de riscos da instabilidade dos mercados às catástrofes ambientais e ao terrorismo, por exemplo.)
CONFLITO DE INTERESSES
No entanto, não foram apenas os riscos externos que atemorizaram os homens no viver em sociedade. A própria convivência gera conflitos internos que ameaçam sua própria existência. Aqui sobressai a relevância ao que os processualistas chamam de conflito de interesses.
Frequentemente, surge no âmbito social conflitos entre seus integrantes. O sentido comum do vocábulo interesse nos remete à ideia de desejo, anseio, aspiração, cobiça, ambição, ou seja, a coisa que o homem quer. Não raro duas pessoas desejam o mesmo bem, ou seja, possuem interesse pelo mesmo objeto, inclusive acreditando terem direito a tal bem.
Entretanto, os bens são limitados à porção do mundo exterior e que possam satisfazer a necessidade do homem, enquanto esta mesma necessidade é ilimitada, fazendo surgir um conflito de interesses, pois um depende do outro, há uma ligação entre esses dois termos, daí a decorrência do conflito. E sendo os bens limitados e a vontade humana ilimitada, a sociedade precisou disciplinar tal conflito que surgiam em torno dos bens.
Surge o conflito de interesses quando a situação favorável à satisfação de uma necessidade excluir a situação favorável à satisfação de uma necessidade distinta. Isso é vislumbrado quando uma pessoa possuir mais de um interesse que se sobrepõe ao interesse do outro.
Quando uma das partes envolvidas nesse conflito resiste à pretensão da outra, diz-se que existe o conflito de interesses ou litígio.
Pois bem, o conflito está intimamente ligado à ideia de interesse, uma vez que deste decorre. Cada ser humano possui a sua necessidade e procura a sua satisfação. Ocorre que muitas vezes a busca por essa satisfação se dá por meio de um bem, confrontando ao interesse de outrem, pois os bens são limitados. Segundo orientação de Schnitman (1999):
MODOS DE SOLUÇÃO DOS CONFLITOS
Para a solução de conflitos, os homens desenvolveram, ao longo da história, inúmeras formas de resolução de conflitos, inicialmente relegadas ao próprio particular, conhecida como justiça privada.
A primeira delas e, talvez, a mais usual, era o uso da força, conhecida tecnicamente como autodefesa ou autotutela. Dito de outra forma, quando a decisão do conflito depende da força dos competidores, o mais forte sempre terá a razão ao seu lado.
A autodefesa sempre apresentou graves inconvenientes, pois a solução do conflito estaria ligada diretamente à superioridade de forças de uma das partes.
Considerando os inconvenientes da justiça privada e da autotutela, nasceu a necessidade de que a solução dos conflitos na sociedade fosse realizado de forma pacífica e justa, e que o ato de decidir ficasse a cargo de uma terceira pessoa, não interessada diretamente no litígio, pois assim poderia solucioná-lo com equidade e justiça. Mas não poderia ser qualquer terceira pessoa. Haveria a necessidade de termos um terceiro forte o suficiente para que pudesse ter sua decisão aceita espontaneamente ou imposta coercitivamente, principalmente aos integrantes do conflito.
Dessa necessidade, surgiu o monopólio da administração da justiça pelo Estado. A tutela pelo Estado. Nesta feita, ele avoca para si a tarefa de compor os conflitos da sociedade, afastando a possibilidade da vingança privada, que somente passa a ser possível de forma excepcional.
O Estado detém, portanto, o monopólio da administração da justiça , cabendo a ele, na pessoa do Juiz, dizer o direito no caso concreto de maneira definitiva. Para tanto, se utiliza do processo, visto como instrumento que dispõe o Juiz e as partes para reconstruírem os fatos objeto do conflito, possibilitando que o Juiz possa aplicar a lei ao caso concreto, ou seja, solucionar os conflitos.
Nesta linha, a investigação criminal e a consequente instrução processual passam a ser instrumentos para a busca da verdade, possibilitando ao julgador (juiz) decidir o conflito.
Aqui utilizaremos a investigação criminal como norte já que foi desta espécie de investigação que se ramificou as demais investigações que estudaremos nesta disciplina.
A VERDADE COMO FORMA DE SOLUÇÃO DO CONFLITO
A verdade nem sempre foi a forma encontrada pela sociedade para a composição do conflito. Outras fórmulas foram utilizadas ao longo da história da sociedade.
Por exemplo, na Alta Idade Média (século V a X) a composição do conflito se dava por meio da denominada justiça privada, pelo mecanismo da autodefesa; pelo duelo; ordálios ou juízos de Deus.
Já na Baixa Idade Média (séculos XI a XIV) o conflito ocorria pela sujeição e submissão do suserano ao vassalo, com fortes influências da Igreja, período denominado de Feudalismo. Na Idade Moderna, o Estado absolutista (séculos XV a XVIII) substitui pela ideia dos contratualistas a dominação por uma pessoa na figura de um ente fictício, qual seja o Estado, como acumulando todos os poderes de legislar, executar e julgar, até os dias de hoje com a idade Contemporânea (século XIX até hoje), na qual esses poderes são divididos em três.
A ideia de verdade surge no Estado absolutista como mecanismode substituição de forças. Substitui-se a força privada e do mito pela força do Estado, e futuramente pelas ideias de fé, que até hoje norteiam alguns paradigmas jurídicos, como o denominado senso comum teórico, que é objeto de desconstrução das ciências sociais aplicadas, como é o caso do Direito e sua interdisciplinariedade.
A verdade que se quer comprovar, por muito tempo se afirmou ser uma verdade real, capaz de reconstruir com absoluta perfeição os fatos exatamente como aconteceram. Por isso, se afirmava que adotávamos o princípio da verdade real no processo penal.
Contudo, esse conceito, ao longo do tempo, foi sendo alterado, pois se percebeu que a busca por essa verdade tida como real acabava por cegar o caminho da investigação, que se preocupava apenas em alcançá-la a qualquer custo. Naquela época os fins justificavam os meios, e tanto é verdade essa afirmação que a tortura era aceita, pois era um instrumento eficaz para se conseguir a confissão.
A prova obtida por meio da confissão era a que possuía maior valor, com efeito, satisfatória para dar por reconstruído os fatos exatamente com aconteceram. Acreditava ser possível reconstruir, em especial com a confissão, os fatos exatamente como aconteceram em uma “verdade” absoluta, por isso tida como real.
Esse período em que se buscava a verdade real não mais vigora em tempos atuais, sendo necessário reconhecer que a verdade que se alcança é uma versão verossímil dos fatos.
Nesse diapasão, por hora, precisamos assimilar que é impossível reconstruir os fatos exatamente como aconteceram na realidade se o meio para fazer isso é o processo, logo devemos nos contentar e aceitar que a verdade que se comprova em juízo é uma verdade caracterizada pelo princípio da verossimilhança, que é a construção de uma versão fundamentada, que seja razoável, conforme os elementos de informação colhidos.
Contudo, a comprovação dos fatos com a apresentação de uma versão verossímil necessitará, muitas vezes, de uma investigação. Essa necessidade tanto se aplica aos aspectos criminais como civis. A investigação, que na sua essência é uma pesquisa sobre os acontecimentos da vida humana (no aspecto do processo Penal ou Civil de relevância jurídica), tem incidência em qualquer fato da vida humana que desperte interesse a outra pessoa.
Por isso, podemos fazer a ilação de que a solução de um conflito de interesse, muitas vezes será decidido por quem melhor investigar e conseguir construir uma versão verossímil dos fatos como por exemplo:
  Comprovar a culpa no processo penal e com isso conseguir uma condenação.
  Construção de uma versão verossímil e com isso comprovar uma união estável para posterior solicitação de divisão de bens.
  Comprovar uma fraude de um funcionário para justificar a demissão com justa causa.
  Comprovar a infidelidade de um dos cônjuges para lhe imputar a culpa da separação e ulterior indenização por danos morais se for o caso.
Essa atividade de investigar dependerá, para ter sucesso, da competência de quem realiza a tarefa. Logo, saber quais competências profissionais o investigador deve possuir é muito importante.
ABORDAGENS SOCIOLÓGICAS DO CONFLITO
Além da abordagem sistêmica, podemos destacar abordagens sociológicas do conflito.
A teoria do conflito social se origina com o pensamento de Karl Marx, um conhecido filósofo e teórico político. Marx estudou a maneira como os conflitos dirigem os comportamentos humanos e de um grupo, indo do nível individual ao governamental. Existem vários tipos de teoria de conflito social. Cada um deles parte de um ângulo ou de uma abordagem específicos para discutir o conflito, a luta pelo poder e a alocação de recursos.
TEORIA MATERIALISTA DO CONFLITO:
A abordagem materialista do conflito social vê a história como impulsionada pelo tipo de trabalho desempenhado em uma sociedade e por como esse trabalho sustenta as necessidades básicas do trabalhador. Karl Marx teorizou que qualquer coisa de valor em uma sociedade é produto do trabalho humano. Ele postulou que o processo de trabalho e de construção da sociedade leva à consciência humana, e não o contrário.
Na teoria do conflito social baseada no materialismo de Marx, existem duas classes: a classe dominante e a classe dominada. A classe dominante detém a propriedade e o controle dos meios de produção, incluindo os trabalhadores, as fábricas e as máquinas. De acordo com Marx, a classe dominante vai continuar a oprimir a classe trabalhadora para estabelecer firmemente a divisão entre as duas.
TEORIA CRÍTICA:
A teoria crítica é um tipo de teoria do conflito que procura explicar o conflito por meio das humanidades e das ciências sociais, incluindo áreas como a literatura, a política e outras tendências sociais. A teoria crítica enfatiza a mudança social, em vez de simplesmente se concentrar em observações e descobertas sobre uma determinada classe social, movimento ou geração.
TEORIA FEMINISTA:
A teoria feminista é um tipo de teoria do conflito que vai mais longe do que os movimentos feministas que procuram entender e explicar as tendências da sociedade. Teóricos feministas examinam as desigualdades de gênero e buscam atribuir determinados males sociais e problemas a essas desigualdades. Dentro da área da teoria feminista, artes, linguagem, cinema, filosofia, geografia, política, estudos do sexo e da economia são usados ​​para fornecer um olhar sobre os problemas entre as classes sociais e as desigualdades de gênero em vários campos.
PÓS-MODERNA:
A teoria pós-moderna rejeita o pensamento modernista e o uso de contextos históricos para analisar as lutas entre as classes. Os pós-modernistas não acreditam em verdades objetivas sobre as classes sociais, movimentos e gerações, porque a narrativa histórica dos movimentos e períodos anteriores foi essencialmente escrita pelas classes dominantes. Voltando à teoria original de Marx, é fácil ver por que os pós-modernistas seriam céticos com relação aos construtos sociais de hoje, já que eles foram formados a partir das narrativas feitas pela classe dominante - aqueles com poder e dinheiro. Os pós-modernistas afirmam que muito da história foi deixado de fora da narrativa central da política global.
Existem muitos outros tipos de teoria do conflito social, como:
1. Teoria sobre gênero;
2. Teoria pós-colonial;
3. Teoria pós-estruturalista;
4. Teoria dos sistemas mundiais.
Cada uma apresenta uma abordagem diferente para a ideia fundamental de conflito-luta entre duas classes para alcançar riqueza, poder ou um bem desejado.
Esse aspecto de lutas traz reflexos em alguns teóricos ao abordar a educação, como por exemplo, a visão de Max Weber que demonstra, atualmente, não mencionando a luta de classes, mas denominando como racionalização do conhecimento pela educação, uma forma de burocratizar o acesso de controle do Estado.
Em outras palavras, será pela educação que o Estado realizará o controle da sociedade.
As reflexões de Weber sobre a educação podem ser compreendidas no âmbito de sua Sociologia Política e de sua Sociologia da Religião e que influenciaram decididamente no modo de vida das pessoas. A Educação é, segundo Weber, o instrumento que propicia ao homem a preparação necessária para o exercício de atividades funcionais adequadas às exigências das mudanças ocasionadas pela racionalização que o homem irá se deparar socialmente.
O fundamento da racionalidade, da submissão à lei, e da preparação de indivíduos para gerenciar as atividades burocráticas do estado foi lentamente se difundindo. Na constituição do Estado e do capitalismo moderno esses elementos são indissociáveis.
Por isso Weber enfatiza dois aspectos:
• A constituição pautada no Direito Racional (um dos sustentáculos do processo de racionalização da vida).
• A constituição da Administração Racional (embasada no modelo burocrático).
A Educação, para Weber, na medida em que a sociedade se racionaliza historicamente, não é mais a preparação para que o indivíduo compreenda seu papel no conjunto harmônico do contexto social. E nem é vista como meio delibertação. Torna-se o meio determinante de estratificação social, uma maneira distinta em que se busca obter privilégios sociais.
A Educação sistemática, na análise de Weber, tornou-se um conjunto de conteúdos e regras direcionadas para a qualificação de pessoas que demonstrassem reais possibilidades de gerenciar o Estado, as empresas e a política, de maneira racional.
Um dos pressupostos básicos na formação do Estado moderno é a constituição de uma administração burocrática racional. Esse processo só ocorreu na sua totalidade no Ocidente, com a substituição gradual de trabalhadores sem qualificação, por trabalhadores qualificados, e com orientação política fundamentada em normas racionais.
Esses aspectos influenciarão a formação do sistema jurídico de controle social, quando a educação não é focada para o evitamento do conflito, mas para a preparação de pessoas para manipular o sistema e manter aqueles que não se adequam a esta sistemática fora da comunidade, pela ideia autoritária do encarceramento em massa.
Para compreendermos a noção de conflito nos dias atuais podemos realizar um pequeno exercício sobre o tema e sua contextualização histórica e suas políticas do modelo de investigação criminal. Nesse sentido, qual período histórico mais adequando para a charge a seguir?
A ilustração está contextualizada nos dias de hoje, em razão da figura da televisão, porém o conflito de interesses advém da vontade do povo em exercer justiça privada, que é o comum advindo do senso comum teórico, o que nos remete a uma mentalidade da Alta Idade Média, em que prevalecia a vontade do mais forte como mecanismo de resolução de conflitos.
AULA 2 – NOÇÕES SOBRE A INVESTIGAÇÃO CRIMINAL NO BRASIL
A investigação no direito brasileiro pode ser empreendida por vários instrumentos, mas tem-se no inquérito policial a forma mais conhecida.
Regulamentado pelo art. 4º do Código de Processo Penal, de 1941, o inquérito policial é, se não o principal, talvez o mais conhecido instrumento de apuração de fatos criminosos.
A investigação busca uma reconstrução histórica dos fatos no sentido de se determinar a verdade dos acontecimentos objetos de investigação.
INVESTIGAÇÃO CRIMINAL
Lopes Jr. (2013, p.224) afirma que “O CPP de 1941 denomina a investigação preliminar de inquérito policial em clara alusão ao órgão encarregado da atividade. O inquérito policial é realizado pela polícia judiciária, que será exercida pelas autoridades policiais no território de suas respectivas circunscrições, e terá por fim a apuração das infrações penais e de sua autoria (art. 4º)”.
Segue o texto do art. 4º do Código de Processo Penal para uma melhor análise:
	
	
	
	
	
	
	
	Art. 4º, CPP. A polícia judiciária será exercida pelas autoridades policiais no território de suas respectivas circunscrições e terá por fim a apuração das infrações penais e da sua autoria (Redação dada pela Lei nº 9.043, de 9.5.1995).
	
	
	
	
	
	
	
Por essa leitura do art. 4º do Código de Processo Penal, temos uma clara alusão ao propósito do inquérito policial, que pode ser estendido para o próprio fim de toda investigação criminal: a determinação de indícios de autoria e prova da materialidade do delito.
Nessa linha, informa o professor Nicolitt (2014, p.179):
	
	
	
	
	
	
	
	A finalidade do inquérito é proporcionar ao Ministério Público, ou ao ofendido no caso de ação penal privada, os elementos necessários para dar seguimento à persecutio criminis através da ação penal, a saber: indícios de autoria e materialidade do fato.
	
	
	
	
	
	
	
Bettiol (1973, p.250), já ensinava que o fim de todo processo será a busca da verdade* dos fatos, para que sejam provados em sua subsistência histórica. A busca dessa verdade, no contexto da investigação criminal, seria, nos termos do art. 4º do Código de Processo Penal, a reconstrução histórica dos fatos, demonstrando-se quem foi o autor do fato criminoso (indícios de autoria) e a própria existência desse fato criminoso (materialidade do delito).
Nesse momento, já podemos delimitar um breve conceito sobre inquérito policial, que passará pela análise de sua natureza jurídica. Veja a seguir:
(* Essa concepção de verdade dos fatos, embora seja amplamente dominante na doutrina jurídica brasileira, vem sendo criticada, cada vez mais, frente à impossibilidade de se utilizar o método analítico-científico das ciências naturais nas ciências sociais.
Para um aprofundamento no tema, ver KHALED JR., Salah. A busca da verdade no processo penal: para além da ambição inquisitorial. São Paulo: Atlas, 2013.)
O inquérito, embora seja doutrinariamente o principal instrumento utilizado na investigação, não é o único e, atualmente, talvez seja o menos prestigiado. Pelo seu excessivo formalismo, produto de uma legislação datada de 1941*, a sociedade moderna demandou novos instrumentos investigativos.
Uma dessas inovações foi a edição da Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995, que, entre outros institutos, criou os chamados Termos Circunstanciados de Ocorrências, com o objetivo de desburocratizar as investigações e substituir o inquérito policial.
(* O inquérito policial encontra-se previsto principalmente no Código de Processo Penal, promulgado pelo Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941.)
	
	
	
	
	
	
	
	Art. 69, Lei 9.099/95. A autoridade policial que tomar conhecimento da ocorrência lavrará termo circunstanciado e o encaminhará imediatamente ao Juizado, com o autor do fato e a vítima, providenciando-se as requisições dos exames periciais necessários.
Parágrafo único. Ao autor do fato que, após a lavratura do termo, for imediatamente encaminhado ao juizado ou assumir o compromisso de a ele comparecer, não se imporá prisão em flagrante, nem se exigirá fiança. Em caso de violência doméstica, o juiz poderá determinar, como medida de cautela, seu afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a vítima (Redação dada pela Lei nº 10.455, de 13.5.2002).
	
	
	
	
	
	
	
Essa maneira de investigação (procedimento investigativo) encontrava-se restrita às infrações penais de menor gravidade chamadas de pequeno potencial ofensivo, ou de menor potencial ofensivo*. Nesses casos, o inquérito policial era substituído por outro procedimento investigatório, menos formal, chamado Termo Circunstanciado de Ocorrência (TCO).
Embora o inquérito policial e o Termo Circunstanciado apresentem peculiaridades procedimentais distintas, ambos preservam sua finalidade como princípio reitor: a busca pela reconstrução história da verdade dos fatos (autoria e materialidade do delito).
(* O próprio legislador definiu as infrações de pequeno potencial ofensivo como sendo todas as contravenções penais e os crimes cuja pena máxima cominada em abstrato não fosse superior a 2 anos, conforme art. 61 da Lei 9.099/95:
“Consideram-se infrações penais de menor potencial ofensivo, para os efeitos desta Lei, as contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a 2 (dois) anos, cumulada ou não com multa.” (Redação dada pela Lei nº 11.313, de 2006).)
CARACTERÍSTICAS DA INVESTIGAÇÃO CRIMINAL
Vejamos algumas características da investigação criminal, também chamada de persecução penal. Essas características são apontadas pelos doutrinadores como sendo características do inquérito policial, mas se estendem às outras formas procedimentais de investigação.
Esse tema será melhor estudado no conteúdo da disciplina de Processo Penal, mas necessitamos desenvolver antecipadamente algumas dessas características. 
UNIDIRECIONAL:
Essa é a característica do inquérito policial (e de todas as outras formas de investigação). Nicolitt (2014, p. 185), ao estudar essa característica, afirmou:
	
	
	
	
	
	
	
	O objetivo único do inquérito policial é apurar os fatos e encaminhar os resultados à apreciação do Ministério Público.
	
	
	
	
	
	
	
Em razão desse raciocínio, o delegado de polícia não poderia realizar nenhum juízo de valor sobre os elementos informativos do inquérito, o que na prática não ocorre, já que para o delegado aplicar a leié necessário realizar uma análise jurídica sobre os fatos. E cada fato ou ocorrência policial possui peculiaridades do caso concreto, o que forçosamente exige a aplicação do conhecimento jurídico deste profissional para aplicar a lei ao caso concreto, sejam as normas penais ou processuais penais.
Em algumas ocasiões, a própria lei já deixa essa necessidade de forma expressa, como ocorre no art. 52, I da Lei 11.343/06:
	
	
	
	
	
	
	
	Art. 52. Findos os prazos a que se refere o art. 51 desta Lei, a autoridade de polícia judiciária, remetendo os autos do inquérito ao juízo:
I - relatará sumariamente as circunstâncias do fato, justificando as razões que a levaram à classificação do delito, indicando a quantidade e natureza da substância ou do produto apreendido, o local e as condições em que se desenvolveu a ação criminosa, as circunstâncias da prisão, a conduta, a qualificação e os antecedentes do agente;”
	
	
	
	
	
	
	
A investigação, com base nessa perspectiva controvertida, portanto, tem como seu principal destinatário o Ministério Público¹, órgão com atribuição constitucional para a propositura da ação penal pública em juízo², ou o próprio ofendido (vítima do crime), nos casos de ação penal privada.
(¹ O Ministério Público, por força constitucional, é o órgão responsável pela propositura da ação penal nos crimes de ação pública, conforme art. 129, inciso I, da CRFB: São funções institucionais do Ministério Público: I - promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei; [...].)
(² Somente para uma breve contextualização, necessitamos antecipar alguns conceitos. A doutrina processual penal classifica a ação penal como sendo: crime de ação pública (incondicionada e condicionada) e crimes de ação privada. Nos primeiros (crimes de ação pública), caberá ao próprio Estado, mediante a atuação do Ministério Público, a propositura da ação penal, mediante uma peça técnica chamada de “denúncia”. Já nos crimes de ação privada, cabe à própria vítima do crime, chamada de querelante, a propositura da ação penal, mediante a peça técnica chamada de “queixa-crime”. A repercussão social do crime, definida na própria lei, é que determinará se o crime é de ação penal pública (quando o interesse lesado atinge, além da vítima do crime, a sociedade/Estado/coletividade) ou de ação penal privada (quando o interesse lesado atinge apenas a vítima).)
Essa concepção não é tão clara assim em relação ao delegado de polícia. No entanto, na 6ª edição de seu livro, Nicolitt (2016, p. 201) alterou seu entendimento com base na doutrina do professor e Delegado Henrique Hoffmann: “nas edições anteriores afirmávamos que o inquérito era unidirecional, no intuito de demonstrar que sua função é exclusivamente direcionada a formar a opinião do MP sobre a propositura ou não da ação penal. No entanto, a doutrina tem vinculado que o sentido de tal característica seria a impossibilidade do delegado de polícia fazer juízo de valor no âmbito do inquérito policial. Certo é que, no curso da investigação, a autoridade policial emite inúmeros juízos de valor.”
INQUISITORIAL OU INQUISITIVO:
O inquérito policial também é inquisitivo ou inquisitório, se contrapondo ao processo que, por previsão expressa na Constituição, deve respeitar o princípio do contraditório (art. 5º, inciso LV, CRFB).
	
	
	
	
	
	
	
	Art. 5º, CRFB. [...]
LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes; [...].
	
	
	
	
	
	
	
O inquérito, bem como as demais formas de investigação, é um procedimento. E como tal, não se encontra abrangido pelo princípio do contraditório, visto como a organização dialética entre as partes (acusação e defesa). Assim, temos:
Por ser inquisitivo e unidirecional, o inquérito policial objetiva unicamente que o órgão acusador promova a acusação em juízo, ou seja, proponha a ação penal.
Nessa linha, outra característica que se relacionará com o modelo inquisitivo é o sigilo da investigação. Vejamos a seguir.
SIGILOSO:
O modelo inquisitivo sigiloso é previsto no art. 20 do Código de Processo Penal. Observe:
	
	
	
	
	
	
	
	Art. 20, CPP. A autoridade assegurará no inquérito o sigilo necessário à elucidação do fato ou exigido pelo interesse da sociedade.
	
	
	
	
	
	
	
Desde a edição do Código de Processo Penal, o sigilo do inquérito sofreu grande mitigação, inclusive ganhando novos contornos e funções.
Por uma leitura exclusiva do art. 20 do CPP, tem-se um sigilo absoluto, visto sob uma “função utilitarista”, ou seja, com o fim de assegurar a eficácia da investigação no interesse da sociedade.
Contudo, modernamente, principalmente após a promulgação da Constituição de 1988*, a pessoa investigada (suspeita de um crime) deixa de ser vista como mero objeto de uma investigação, passando a ser observada como sujeito de direitos. Nessa linha, desenvolve-se uma função garantista do sigilo do inquérito policial, no sentido de garantir a intimidade e dignidade da pessoa investigada (que tecnicamente se chama indiciado).
(* A Constituição de 1988 prevê no art. 1º a dignidade da pessoa humana como fundamento da República.
Art. 1º, CRFB. A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
[...]
III - a dignidade da pessoa humana; [...].)
Além disso, com a promulgação do Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil, Lei 8.906, de 4 de julho de 1994, restou mitigado o sigilo do Inquérito, na medida em que o art. 7º, inciso XIV, concedeu a prerrogativa funcional ao advogado ter acesso à procedimentos de investigação.
	
	
	
	
	
	
	
	Art. 7º, Lei 8.906/94. São direitos do advogado:
[...]
XIV - examinar, em qualquer instituição responsável por conduzir investigação, mesmo sem procuração, autos de flagrante e de investigações de qualquer natureza, findos ou em andamento, ainda que conclusos à autoridade, podendo copiar peças e tomar apontamentos, em meio físico ou digital; (Redação dada pela Lei nº 13.245, de 2016).
	
	
	
	
	
	
	
O aparente conflito entre o direito de acesso do advogado a investigações em curso e o sigilo do inquérito policial acabou chegando ao Supremo Tribunal Federal, que pacificou o tema com a edição da Súmula Vinculante nº 14, permitindo o acesso do advogado aos elementos de prova já documentados na investigação, no interesse do exercício de defesa do investigado. Observe:
	
	
	
	
	
	
	
	Súmula Vinculante nº 14 do STF: É direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de prova que, já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com competência de polícia judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa.
	
	
	
	
	
	
	
ESCRITO:
O inquérito policial também possui como característica o fato de ser escrito, conforme dispõe o art. 9º do Código de Processo Penal.
	
	
	
	
	
	
	
	Art. 9º, CPP. Todas as peças do inquérito policial serão, num só processado, reduzidas a escrito ou datilografadas e, neste caso, rubricadas pela autoridade.
	
	
	
	
	
	
	
INDISPONÍVEL:
O inquérito policial pode ser, ainda, indisponível, pois uma vez instaurado não pode a Autoridade Policial determinar seu arquivamento, conforme art. 17 do Código de Processo Penal.
DISPENSÁVEL:
O inquérito policial também pode ser dispensável, pois o titular da ação penal poderá utilizar outras fontes de informação para a propositura da ação penal.
	
	
	
	
	
	
	
	Art. 17, CPP. A autoridade policial não poderá mandar arquivar autos de inquérito.
	
	
	
	
	
	
	
	
	
	
	
	
A investigação criminal é procedimento normalmente conduzido por delegado de polícia, servidor público integrante das Polícias Civis, no âmbito estadual, ou da Polícia Federal, no âmbito federal.
Contudo, a função de investigar não é monopólio das polícias, conforme interpretação do parágrafo único, art. 4º do CPP e art. 144 da CRFB. Veja a seguir.Art. 4º, CPP. A polícia judiciária será exercida pelas autoridades policiais no território de suas respectivas circunscrições e terá por fim a apuração das infrações penais e da sua autoria (Redação dada pela Lei nº 9.043, de 9.5.1995).
Parágrafo único. A competência definida neste artigo não excluirá a de autoridades administrativas, a quem por lei seja cometida a mesma função.
Art. 144, CRFB. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:
I - polícia federal;
II - polícia rodoviária federal;
III - polícia ferroviária federal;
IV - polícias civis;
V - polícias militares e corpos de bombeiros militares.
[...]
§ 4º Às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares.
	
	
	
	
	
	
	
O monopólio da investigação penal pela polícia é tema que já chegou aos Tribunais brasileiros. Nesse sentido, o Supremo Tribunal Federal decidiu que ao cuidar das funções de polícia judiciária e investigações criminais atribuídas às Polícias Civis, o texto constitucional do §4º do art. 144 não utiliza o termo exclusividade*.
(* O tema restou pacificado no julgamento do RE 593727 (18.05.15), com repercussão geral reconhecida.)
Assim, outros órgãos podem realizar investigação criminal. São eles:
MINISTÉRIO PÚBLICO:
Possui atribuição para praticar atos de investigação* por força de interpretação de vários dispositivos legais e constitucionais esparsos.
(* A possibilidade do Ministério Público realizar investigações criminais decorreria da interpretação conjunta do art. 129, VIII, CRFB; Art. 7º e 8º da LC 75/83; art. 26 da Lei 8.625/93; e aplicação da chamada teoria dos poderes implícitos, reproduzido no brocado “quem pode o mais, pode o menos”, na medida em que se o Ministério Público pode realizar a propositura da ação penal, por ser o titular da ação penal pública, poderia, também, realizar investigação criminal.)
COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITOS (CPI):
Possui competência expressa para realizar investigações criminais por força do art. 58, § 3º, da CRFB.
	
	
Art. 58, CRFB. O Congresso Nacional e suas Casas terão comissões permanentes e temporárias, constituídas na forma e com as atribuições previstas no respectivo regimento ou no ato de que resultar sua criação.
[...]
§ 3º As comissões parlamentares de inquérito, que terão poderes de investigação próprios das autoridades judiciais, além de outros previstos nos regimentos das respectivas Casas, serão criadas pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal, em conjunto ou separadamente, mediante requerimento de um terço de seus membros, para a apuração de fato determinado e por prazo certo, sendo suas conclusões, se for o caso, encaminhadas ao Ministério Público, para que promova a responsabilidade civil ou criminal dos infratores.
TRIBUNAIS:
Também poderão, embora excepcionalmente, realizar investigação criminal quando houver indício da prática de crime por parte de magistrado.
	
	
Art. 33, LC 33/79 (Loman). São prerrogativas do magistrado:
Parágrafo único - Quando, no curso de investigação, houver indício da prática de crime por parte do magistrado, a autoridade policial, civil ou militar, remeterá os respectivos autos ao Tribunal ou órgão especial competente para o julgamento, a fim de que prossiga na investigação.
Como examinamos, o inquérito policial, visto como uma das formas procedimentais mais conhecidas para se realizar a investigação criminal, é o instrumento utilizado para a busca da verdade dos fatos. Ou seja, por meio da investigação criminal busca-se provar algo.
O vocábulo prova não possui um único sentido, podendo ser entendido de duas maneiras:
Desse binômio entre objeto de prova e meio de prova é que ganhará relevância o tema das perícias, vista como um dos meios de prova mais relevantes na investigação e no processo judicial.
AULA 3 - NOÇÕES SOBRE A INVESTIGAÇÃO CRIMINAL NO DIREITO COMPARADO
Os países da América Latina dos anos 1980 em diante realizaram diversas alterações em seus ordenamentos, frutos da transição de sistemas autoritários para democráticos.
Por essa razão se faz necessário compreender a investigação criminal inserida em um contexto político com essa perspectiva e quais os efeitos colaterais dessa transição no Brasil.
NESSECIDADE DE MUDANÇA
Estudiosos partiram de algumas premissas para a construção de um sistema processual penal democrático, fundamentalmente, em uma instrução processual penal informada pelos seguintes corolários:
Os elementos informativos colhidos na fase investigativa, prévia ao processo, servem exclusivamente para a formação da opinio delicti do acusador, a ser aferida pelo juiz, não podendo ingressar nos autos e ser valorados como provas (salvo se forem provas antecipadas, de natureza cautelar, que serão submetidas ao contraditório posterior);
O exercício da jurisdição depende de acusação formulada por órgão ou pessoa diversa do juiz (o que corresponde ao aforismo romano nemo in iudicium tradetur sine accusatione);
Todo o processo há de desenvolver-se em contraditório, perante o juiz natural. Eis o ponto nodal desses estudos: o modelo de instrução processual penal, adotado na Espanha, em Portugal e na América Latina incorpora esses postulados fundamentais do modelo acusatório? Quais são os países que o adotam, quais os projetos de reforma que dele se aproximam, quais os sistemas ainda renitentes às novas exigências de uma instrução penal que siga o modelo acusatório?
Em uma tentativa de sistematização, os países da comunidade ibero-americana serão agrupados em três categorias básicas:
Observe-se que os dois primeiros modelos se enquadram no sistema misto, também denominado de instrução formal, em que a etapa de instrução pode ser confiada, dependendo de cada sistema, ao juiz de instrução ou ao Ministério Público.
A diferença entre os dois tipos não se fez pela autoridade inquirente, mas sim pela circunstância de existir, ou não, contraditório nessa etapa. O terceiro modelo é o da denominada citação direta, em que o Ministério Público apresenta sua acusação, na base dos elementos colhidos na investigação prévia, correndo todo o processo por audiências, suprimida a etapa prévia de instrução.
O SISTEMA MISTO CLÁSSICO
Ao sistema misto clássico, ainda preso aos princípios do sistema inquisitório, filiam-se os seguintes países: México, Venezuela e Uruguai, além da Argentina, quanto aos Códigos provinciais que não passaram por reformas. Neste modelo, o processo é dividido em duas etapas, sendo a primeira relativa ao juizado de instrução (pré-sumário e/ou sumário) e a segunda, ao juízo (debate).
As principais características desse sistema são as seguintes:
A etapa da instrução pode ser precedida por uma fase investigativa prévia, conduzida pela polícia, no Uruguai e na Venezuela. Esta fase prévia não existe no México.
Os direitos constitucionais não são observados na etapa de instrução do sistema uruguaio, inteiramente divorciado das garantias constitucionais e onde a prisão preventiva é a regra geral. No México, os direitos e garantias constitucionais atuam de forma bastante limitada, estando o sumário sujeito ao poder discricionário do Ministério Público, embora com possibilidade de recursos; na Venezuela, há direitos e garantias constitucionais asseguradas para o sumário mas, na prática, é permanente a luta contra as violações cometidas sobretudo pela polícia. Contudo, importantes inovações relativas às garantias constitucionais e à liberdade do acusado submetido a processo foram introduzidas neste país pela legislação mais recente.
As medidas cautelares (prisão, busca e apreensão, sequestro, interceptações telefônicas etc.) são determinadas pela própria autoridade inquirente, com controle interno, pelos recursos aos tribunais superiores (Venezuela, Uruguai); e no México existeum juiz para as medidas cautelares, uma vez que a etapa de instrução é presidida pelo Ministério Público.
O direito de defesa, na instrução, não é assegurado no pré-sumário do Uruguai; é fortemente limitado no México, na Venezuela e no sumário uruguaio, sendo que, neste último sistema, a assistência técnica pode tomar conhecimento dos atos praticados, exercendo sobre eles um certo controle.
O sumário desenvolve-se inteiramente sem contraditório (no Uruguai, para o pré-sumário), ou em contraditório limitado (como na Venezuela e no sumário uruguaio em que, na prática, o inquirido pode requerer a produção de provas e o tribunal pode deferi-las, não lhe sendo dado, porém, intervir na prova; ou como no México, limitadamente a certos atos, como o interrogatório).
O sumário pode ser dirigido por um juiz (Venezuela, Uruguai) ou pelo Ministério Público (México), mas em qualquer caso não existe a separação entre as funções de acusar, defender e julgar, havendo apenas o inquirente e o inquirido.
Em alguns países, a etapa do sumário não é regida pelos princípios da concentração, da imediação, da identidade física da autoridade inquirente; em outros, apenas pela imediação (México) ou pela imediação e concentração (Venezuela), ou ainda pela identidade física (Uruguai).
Trata-se de etapa escrita e secreta, sendo que o informe mexicano prefere falar em publicidade restrita às partes e aos procuradores; no Uruguai, essas características acentuam-se no pré-sumário. Na Venezuela, mesmo na legislação especial mais recente, a oralidade só começa com o "acto de cargos", praticado em audiência pública, já no plenário.
QUANTO À ETAPA DE INSTRUÇÃO:
O juiz pode formar seu convencimento, embasando-se livremente nas provas produzidas na etapa do sumário, no México e no Uruguai; na Venezuela, só pode apoiar-se nas provas produzidas na fase de instrução, se elas forem submetidas a contraditório posterior.
As provas colhidas na etapa do sumário ingressam livremente na do juízo, no México e no Uruguai; na Venezuela também, embora sejam submetidas a contraditório na etapa do juízo.
O princípio observado na etapa do juízo é o da imediação, no México e na Venezuela. Não se observam a concentração e a identidade física do juiz, exceto no sentido de que é o juiz da etapa do sumário que preside a dos debates, na Venezuela e no Uruguai.
A publicidade é ampla no México, na Venezuela e no Uruguai.
A forma é escrita no México e no Uruguai; também é escrita na Venezuela, ressalvado o "acto de cargos", oral. É oral nos demais países pesquisados.
Desenvolve-se perante juiz monocrático, no México, no Uruguai e na Venezuela, sendo que nestes últimos países é o mesmo juiz da etapa do sumário que preside a do juízo.
QUANTO À ETAPA DO JUÍZO:
O SISTEMA MISTO COM INSTRUÇÃO CONTRADITÓRIA
Neste modelo, que já representa um notável avanço com relação ao anterior, enquadram-se os seguintes países: Espanha, Peru (código vigente), El Salvador e Uruguai (Código de Processo Penal novo). Filia-se a esse sistema, também, o Código Federal da Argentina. E, no Brasil, apenas o procedimento da instrução preparatória nos crimes de competência do Tribunal do Júri.
O traço comum, nesse sistema, é a manutenção do processo bifásico, com uma etapa atribuída ao juizado de instrução e outra dedicada ao juízo. Mas a instrução não se reveste das características inquisitoriais próprias do sumario do sistema misto clássico, distinguindo-se nitidamente as funções do juiz, da acusação e da defesa, atribuídas a órgãos distintos, e abrindo-se a instrução ao contraditório. 
Assim podem ser indicadas as características desse sistema, pelos países pesquisados:
Os direitos e garantias constitucionais, amplamente assegurados na etapa da instrução, são efetivamente operantes e sua observância é submetida ao controle dos tribunais superiores, em todos os países. A Espanha ressalta o avanço da Constituição de 1978, que incorporou diversas garantias processuais. O Anteprojeto do Uruguai reafirma todas as garantias oriundas da Constituição e da Convenção Americana sobre Direitos Humanos. Há instrumentos processuais adequados, em todos os países - incluindo, em alguns deles, o habeas corpus - para assegurar a efetiva operacionalidade dos direitos e garantias fundamentais na fase de instrução. O habeas corpus brasileiro é utilizado não somente em relação à privação da liberdade, mas também como controle sobre o procedimento, que deve ser pautado pelas garantias do devido processo legal.
Quanto às medidas cautelares, pessoais e reais, são elas de competência do juiz da instrução em todos os países pesquisados. Na Espanha, o ordenamento permite excepcionalmente a expedição de provimentos cautelares por parte do Ministério Público e da Polícia Judiciária, com controle posterior e imediato do juiz da instrução. Os provimentos cautelares, em todos os países, estão submetido ao controle jurisdicional, pelos recursos ordinários ou por habeas corpus.
O direito de defesa é plenamente observado em todos os países analisados, tendo sido extraordinariamente potenciado pela Constituição, na Espanha.
Com exceção do Peru e de El Salvador, onde o contraditório é limitado a certos atos, nos demais sistemas estudados, a instrução desenvolve-se em contraditório pleno. Na Espanha, prevê-se expressamente a produção antecipada da prova, em incidente processual, para os casos legalmente contemplados. Todavia, há hipóteses em que a prática do ato pode ser acompanhada apenas pelo Ministério Público e ainda casos de sigilo nas diligências, declarado pelo juiz.
Em todos os países analisados, as funções de acusar, defender e julgar, na instrução, são separadas e atribuídas a órgãos distintos.
Os princípios que regem a instrução são, no Peru, a concentração, a imediação e a identidade física do juiz; no Anteprojeto do Uruguai e em El Salvador, a identidade física do juiz. Na Espanha e no Brasil (para a instrução preparatória do Júri) os princípios mencionados não se aplicam à etapa da instrução.
A instrução é sigilosa no Peru, sendo regida pela publicidade restrita às partes na Espanha (salvo nos casos em que seja declarado, especial e limitadamente, o sigilo), em El Salvador e no Anteprojeto do Uruguai. A publicidade é ampla no Brasil, na instrução dos processos de competência do Tribunal do Júri.
A forma da instrução é escrita na Espanha, Peru, e no Anteprojeto do Uruguai, ressalvados, evidentemente, os atos processuais orais por natureza, como os depoimentos; e é mista (escrita e oral) em El Salvador e no Brasil, quanto aos procedimentos de competência do Júri.
A instrução é dirigida pelo juiz instrutor, ressalvada a previsão do art. 785 bis LECRIM espanhola, em que a instrução, nos procedimentos abreviados, pode excepcionalmente, e sob certas condições, ser dirigida pelo Ministério Público.
QUANTO À ETAPA DA INSTRUÇÃO:
A atividade probatória da etapa do juízo destina-se à formação do convencimento judicial sobre a pretensão punitiva, em todos os países. Mas duas questões devem ser realçadas: há que saber-se, em primeiro lugar, se, na etapa do juízo, podem ser aproveitadas as provas produzidas na etapa de instrução; e, em segundo lugar, se o juiz ou tribunal, para julgar o mérito, pode apoiar-se nas provas produzidas durante a instrução. E aqui as respostas divergem.
Em todos os países pesquisados, a etapa do juízo é pública, sendo regida pelos princípios da concentração, da imediação e da identidade física do juiz. A oralidade é plena na maioria dos países, com exceção de alguns atos preparatórios escritos no Anteprojeto Uruguaio (acusação e defesa), prosseguindo depois o processo por audiências. Também no Brasil, para os atos preparatórios do julgamento do Tribunal do Júri, embora o juízo seja essencialmente oral, há alguns atos escritos.
O juízo desenvolve-se perante um juiz monocrático - que é o mesmo da instrução - no Anteprojeto uruguaio; perante um juiz unipessoal ou um tribunal colegiado, conforme o caso, na Espanha; sempre perante um tribunal colegiado, no Peru e em El Salvador. E, no Brasil,perante o Tribunal do Júri, pois só a instrução dos processos da competência deste submetem-se ao regime bifásico.
QUANTO À ETAPA DO JUÍZO:
A etapa da instrução é precedida por uma fase investigativa prévia, necessária no Peru, em El Salvador e no Brasil (neste país, no tocante aos crimes da competência do Tribunal do Júri); e eventual na Espanha e no Uruguai. A investigação prévia é conduzida pelo Ministério Público, com o auxílio da Polícia Judiciária, no Peru. Nos demais países, é levada a cabo diretamente pela Polícia, normalmente a Polícia Judiciária, com exceção do Uruguai, que não conta com essa instituição. Na Espanha, a Polícia Judiciária é órgão auxiliar do Poder Judiciário e do Ministério Público, trabalhando sob as ordens destes. Se os fatos investigados se caracterizam como infrações penais, a fase investigativa incorpora-se à fase judicial de instrução. Se os fatos não constituírem delitos, a fase conserva caráter administrativo.
No CPP uruguaio é expressa a determinação de que as informações administrativas da fase investigativa policial só podem ter valor de indicação para a instrução, carecendo de qualquer força probatória. No Brasil, a Polícia Judiciária integra o Poder Executivo, mas é submetida ao controle externo do Ministério Público (órgão considerado como exercendo funções essenciais à Justiça e contemplado fora do capítulo do Poder Judiciário e do Poder Executivo, tendo asseguradas todas as garantias da magistratura).
- Quanto à formação do convencimento do juiz ou tribunal do mérito poder basear-se, ou não, nas provas produzidas na instrução: O Uruguai, pelo Anteprojeto, admite que na etapa do juízo o juiz do debate forme seu convencimento com base nas provas produzidas em contraditório na fase da instrução.
O mesmo ocorre no Brasil, onde, porém, o veredicto dos jurados - que julgam sobre os fatos - é de consciência, não sendo motivado. No Peru, as provas da instrução, desde que submetidas a contraditório na etapa do juízo, embasam o convencimento do juiz ou tribunal do mérito. Em El Salvador, o tribunal não pode apoiar-se em provas produzidas apenas na fase de instrução, salvo no que respeita às irrepetíveis. Na Espanha, coerentemente com a linha segundo a qual só as provas produzidas antecipadamente em incidente probatório, regido pelas mesmas regras aplicáveis ao debate oral, podem ingressar na etapa do juízo, somente nestas, entre as colhidas durante a instrução, pode fundamentar-se a decisão do juiz ou tribunal do mérito, observada, porém, a possibilidade de leitura das diligências sumariais, sob certos pressupostos, que também podem embasar a formação do convencimento do juiz ou tribunal.
- Quanto ao aproveitamento, na etapa do juízo, das provas produzidas durante a instrução: No Anteprojeto uruguaio, todas as provas que tenham sido submetidas a contraditório na etapa da instrução ingressam livremente na fase do juízo. É o mesmo sistema do Júri brasileiro, que incorpora perante os Jurados as provas produzidas durante a instrução, todas submetidas a contraditório nesta fase. No Peru, todas as provas lícitas, relevantes e pertinentes, produzidas na instrução, ingressam livremente na fase do juízo, sendo submetidas a contraditório nesta. El Salvador não admite o ingresso, na fase do juízo, das provas produzidas na etapa de instrução, com exceção das irrepetíveis. Também na Espanha, somente são consideradas provas as produzidas na fase do juízo, não podendo ser aproveitadas as da instrução, salvo quando se tratar de prova antecipada, em incidente probatório, que se desenvolve segundo os mesmos princípios que regem o juízo oral. A informação recebida, porém, também se refere à "leitura de diligências sumariais, sob pressupostos estritos".
O SISTEMA ACUSATÓRIO SEM JUIZADOS DE INSTRUÇÃO
A última etapa do caminho evolutivo da instrução rumo ao modelo acusatório cumpre-se pela adoção de um sistema que aboliu os juizados de instrução, substituindo-os por uma fase investigativa prévia de índole administrativa, produzida pelo Ministério Público ou pela Polícia Judiciária, como ocorre no Reino Unido, denominado sistema inglês, cuja acusação e cujos elementos informativos não são consideradas provas, nem podem fundamentar a decisão de mérito. Após a investigação preliminar, oferecida a acusação, inicia-se o processo, todo moldado pelo contraditório e conduzido em audiências públicas, sendo emprenhado de maior ou menor oralidade, conforme os diversos países.
Filiam-se a esse sistema, que é o do Código de Processo Penal, Portugal, Bolívia, Brasil - para os crimes que não sejam da competência do Tribunal do Júri - Chile, Costa Rica, Guatemala, Honduras e Paraguai. Seguem o mesmo modelo os códigos argentinos das Províncias de Tucumã, de Córdoba e de Santiago del Estero.
A Espanha poderia ser incluída neste sistema somente com relação à hipótese excepcionalíssima do art. 785 bis LECRIM, relativa a casos muito restritos atinentes aos procedimentos abreviados (semelhantes aos juizados especiais criminais aqui no Brasil).
São as seguintes as características fundamentais do processo, nos países agrupados nesse sistema:
A etapa das investigações é dirigida pelo Ministério Público, com o auxílio da Polícia Judiciária, ou a Polícia Judiciária investigando diretamente como ocorre no sistema inglês da Europa Continental, submetida ao controle externo do Ministério Público, que pode a qualquer momento intervir nas investigações.
O juiz das medidas cautelares é um juiz diverso daquele do processo, no Código Modelo na Bolívia, na Costa Rica, no Chile, na Guatemala, em Honduras e no Paraguai; mas é o mesmo juiz da futura instrução e julgamento, em Portugal e no Brasil.
Durante a investigação, o juiz intervém necessariamente para autorizar as medidas cautelares requeridas pelo Ministério Público, bem como para presidir à colheita das provas antecipadas, em contraditório.
A finalidade desta etapa é a de colher elementos informativos para a formação do convencimento do acusador, a fim deste poder, oportunamente, acusar ou não, na base de sua opinio delicti.
QUANTO À INVESTIGAÇÃO PRÉVIA, DE ÍNDOLE ADMINISTRATIVA:
AULA 4 – VERDADE E INVESTIGAÇÃO
É possível encontrarmos diversos parâmetros científicos para a abordagem da verdade e seus reflexos no processo penal, que vai desde a Bíblia, Jo: 18, 38, O que é verdade?, passando pela filosofia de Aristóteles na Ética a Nicômaco, Habermas, na obra Teoría de la Acción Comunicativa ou Hanna Arendt na obra Verdade e Política, cujo reflexo direta ou indiretamente surge no conceito do justo como igualdade ou neutralidade, ou até mesmo em relação de dominação por lutas entre poderes, como ocorre na abordagem do sociólogo Michel Foucault na obra A verdade e as formas jurídicas, com reflexos diretos no sistema processual penal por toda a história da humanidade.
INÍCIO DO SISTEMA DE PROVAS
Vamos viajar no tempo e compreender o surgimento do sistema de provas...
PERÍODO APROXIMADO DOS SÉCULOS V A X:
No direito feudal germânico, na Idade Média, a prova recaía na estratégia pela vitória e não na revelação de uma verdade, ou seja, não havia uma sistematização comunicacional em busca de uma verdade, no período aproximado dos séculos V a X.
SÉCULOS XI AO XII:
Quando alcançamos os séculos XI ao XII surgiu o sistema de provas denominado ordálios, que era um sistema de provas de cunho social, como critério de solução de conflito, revelando-se a importância dos membros da sociedade como um mecanismo de autopreservação, consequentemente, um mecanismo excludente.
SÉCULO XIII:
A partir do século XIII surgiu o procurador do Rei associado à Igreja (clero) que passaram a balizar ideologias da fé cristã como paradigma de controle social, inclusive punindo seus opositores como hereges.
SÉCULOS XIV E XV:
A opressão desse sistema fez surgir nos séculos XIV e XV formas de estabelecimento da verdade por testemunhos, geralmente pessoas com conhecimentos científicos, que perduraram até o XVIII, sofisticando-se as regras sobre provas, através da disputatio, queconsistia em um resultado do processo como elementos de confirmação e refutação.
SÉCULO XIX:
No século XIX, a sofisticação iluminista influenciou o desenvolvimento do método da verdade como forma de pesquisa, origem da Sociologia, da Psicologia, da Criminologia no contexto social da Idade Moderna.
Sedimentou-se, na doutrina hodierna, que o processo como meio heterogêneo de composição de conflitos sociais, entre outras finalidades, visa à reconstrução de determinado fato pretérito, tendo como resultado final a aplicação de uma regra jurídica adequada*, prevista no ordenamento positivo.
(* “As exposições clássicas costumam apresentar o mecanismo do julgamento sob a forma de um silogismo, em que a premissa maior seria a norma, e a menor o enunciado fático. Essa explicação um tanto simplista desfigura em certa medida a dinâmica do ato de julgar, mas não sofre dúvida que norma e fato serão sempre dois pontos básicos de referência no processo mental do julgador” (MOREIRA, 1988, p. 73).)
Se esse pensamento tradicional é correto, não se deve esquecer que essa suposta reconstrução fática ocorre, inevitavelmente, em termos de linguagem (comunicação entre os sujeitos processuais), pois, no processo, de acordo com lições de Taruffo, os fatos são representados pelo que se diz dele.
Não se provam fatos, e sim alegações fáticas, consoante suas lições:
“No processo, o fato, na realidade, é o que se diz acerca dele: é a enunciação fática, não o objeto empírico que é enunciado” (TARUFFO, 2002, p.114).
Decerto, o juiz, para dar o direito no caso concreto a quem tem razão, precisa de meios que o possibilitem alcançar a veracidade dos enunciados levados pelos demais sujeitos
processuais (Ministério Público ou querelante, assistente de acusação, e acusado)
ao seu conhecimento.
A esse mister judicante, a prova representa a possibilidade palpável de encontrar (justificar) essa verdade (racionalização da descoberta da verdade) e permitir que o magistrado profira uma decisão justa, ou melhor, um provimento final socialmente aceitável.
Desse modo, em uma perspectiva processual, a verdade encontra-se delimitada pelo complexo probatório constante dos autos, que poderá ser insuficiente ou satisfatório, a depender da intensidade da atividade probatória das partes e da atuação cooperativa do juiz, sem contudo, lhe atribuir caráter de inquisitorialidade.
Sucede que, atualmente, a controvérsia doutrinária consiste em saber se a verdade almejada no processo penal, principalmente após a Constituição de 1988, que assegurou direitos e garantias fundamentais ao acusado, continua sendo absoluta ou assumiu a conotação de relativa, diante da proibição da prova obtida por meio ilícito.
VERDADE REAL, VERDADE FORMAL E PROCESSUAL
Utilizar, processualmente, a expressão verdade real (absoluta) ou verdade relativa é, ainda que inconscientemente, valorar, do ponto de vista espaço-temporal, a existência de um fato pretérito. Ora, esta é una, insuscetível de qualquer apreciação valorativa: ou o fato existiu, ou o fato não existiu.
Dito de outro modo, a verdade, em tese, não comporta predicados.
Todavia, a reflexão inadvertida sobre o assunto teve como efeito colateral a consagração da dicotomia verdade absoluta/verdade relativa.
Segundo esta classificação, no processo civil predominaria a verdade relativa ou também denominada de formal, porquanto, além da disponibilidade da relação jurídica deduzida em juízo, fenômenos como o das presunções legais, inexigibilidade de prova sobre fatos incontroversos, preclusão e outros, impediriam o desvelamento da verdade real*, que, por sua vez, corresponderia ao processo penal, já que, em nome da tutela de interesses indisponíveis (defesa social), não se toleraria o menor obstáculo para alcançá-la.
(* TARUFFO, Michel. Ob. Cit., p. 45. Quanto à impossibilidade prática de desvelar a verdade absoluta, Michele Taruffo registra que: “[...] o juiz não dispõe de instrumentos cognoscitivos nem de tempo e da liberdade de investigação que dispõe o cientista ou historiador. Diferentemente da atividade desses dois últimos, o processo deve se desenvolver em um tempo limitado, dado que tanto o interesse público quanto o privado pressionam para que o final do litígio seja alcançado rapidamente, e este é um grande obstáculo para a busca da verdade.”)
Nesse sentido, Julio Maier (1999, p. 859) sustenta que:
“por razão do ideal que persegue - averiguar a verdade objetiva, real ou material -, no
Direito Processual Penal, toda a regulação jurídica da prova, como método para alcançar esse objetivo, é favorável à investigação do caso, em uma medida muito superior a prevista por outros procedimentos judiciais. Este é, precisamente, um dos aspectos que caracteriza o Direito Processual Penal, que alguns autores tem elevado à categoria de princípio” (tradução livre).
E complementa que:
“é preciso aclarar, em princípio, que, como sucede com a persecução penal, o interesse público pela pena estatal está destituído do interesse particular, inclusive em matéria probatória. De tal maneira, o próprio Estado, por intermédio de seus órgãos competentes, é interessado em averiguar a verdade acerca da existência ou inexistência de um direito, para aplicar suas regras penais e, eventualmente, fazer atuar a consequência jurídica, prescindindo do interesse particular” (Julio Maier, 1999, p. 860 tradução livre).
Alguns doutrinadores chegam a mencionar a denominada verdade eticamente construída ou verdade processual, pois o juiz decide de acordo com as argumentações representativas dos fatos postos em juízo, o que não necessariamente representará a verdade, mas os fatos conforme a visão argumentativa de cada um, que também poderá ser diferente da verdade compreendida pelo juiz.
Entre as repercussões práticas do princípio da verdade real, uma não poderia, ainda que sucintamente, deixar de ser analisada:
A relação entre a busca da verdade absoluta e o ônus da prova objetivo (presunção de inocência enquanto regra de julgamento) no processo penal.
Em verdade, nem sempre se logra, em um primeiro momento, conhecer a verdade dos fatos alegados pelas partes no processo ou perseguido na investigação criminal, muitas vezes, possui dúvida irremovível sob ponto relevante para o julgamento ou para a conclusão da investigação.
Vale dizer: ao valorar o complexo probatório constante dos autos, não se convence, suficientemente, sobre a (in)existência da conduta delitiva imputada ao réu seja para condená-lo seja para se perquirir uma medida cautelar como a interceptação telefônica, consequentemente os aspectos da culpa ou inocência, suspeito ou testemunha.
QUAL A TERMINOLOGIA CORRETA?
Pouco importa a denominação. São apenas vocábulos que, de uma forma geral, designam a falsa representação de uma realidade, algo imaginário, não científico. São termos que demonstram o quão é inalcançável a verdade absoluta dentro da investigação criminal.
Vale lembrar que a construção da verdade real repousa suas raízes no sistema inquisitório, estando, intrinsecamente, ligado à concepção de um Estado autoritário, que, através de torturas, fez da confissão a rainha das provas.
Apesar disso, como nossa doutrina e Tribunais decidem sobre a verdade?
A análise desse princípio inicia-se pelo conceito de verdade, que será sempre relativa, enquanto não findar as possibilidades de se alcançar o retrato fiel de como os fatos ocorreram na realidade.
Malatesta afirma que a verdade é a “conformidade da noção ideológica com a realidade” e que a certeza é a crença nessa conformidade, gerando um estado subjetivo do espírito ligado a um fato, sendo possível que essa crença não corresponda a verdade objetiva.
Portanto, pode-se afirmar que a certeza e a verdade nem sempre coincidem; por vezes, duvida-se do que objetivamente é verdadeiro; e a mesma verdade que parece certa a um, a outros parece por vezes duvidosa ou até mesmo falsa.
Diante disso jamais, no processo, pode assegurar o juiz ter alcançado a verdade objetiva, aquela que corresponde perfeitamente com o acontecido no plano real.Assim, pelo princípio da livre investigação das provas, a verdade material ou real é a que mais se aproxima da realidade, tendo o legislador facultado ao juiz ir além da iniciativa das partes na colheita das provas, devendo, se for o caso, agir de ofício, esgotando todas as possibilidades para alcançar a verdade real sobre os fatos para fundamentar a sentença.
STJ. RHC 1806/RJ 6ª Turma DJ 02.05.2006, já se posicionou nesse sentido “ A busca da verdade real constitui princípio que rege o Direito Processual Penal. A produção de provas, porque constitui garantia constitucional, pode ser determinada, inclusive, pelo Juiz, de ofício, quando julgar necessário.
Ressalte-se que na esfera penal a investigação trilha caminho diverso da esfera civil, na qual o tratamento da verdade obedece a regras distintas, quando em regra de direitos disponíveis ou transacionáveis, permitindo a admissão da parte contrária quando não impugna determinado fato trazido pelo autor na petição inicial, incidindo o princípio da eventualidade e da impugnação especificada, trazendo efeitos materiais ao que ocorre em um dos efeitos materiais da revelia, também no processo civil.
Em outras palavras, no processo civil, vige a verdade formal, em se tratando de algumas hipóteses, em sua maioria admissíveis nos direitos disponíveis, e por assim o serem, atribui-se à parte inteira disposição sobre seu próprio direito material, regulamentando como um ônus processual determinadas posturas do réu, que ao ferirem preceitos e princípios (como os citados anteriormente) inerentes a esta disponibilidade, têm como consequência processual, reflexo de ordem material, como tornar incontroversa matéria não impugnada ou presumirem verdadeiros aquilo, que para o réu, não interessava impugnar.
AULA 5 – TEORIA GERAL DA PROVA E MEIOS DE PROVA
O termo prova vem do latim probatio que significa ensaio, verificação, inspeção, exame, argumento, razão, aprovação ou confirmação.
Daí vem o verbo provar - probare - significando ensaiar, verificar, examinar, reconhecer por experiência, aprovar, estar satisfeito com algo, persuadir alguém a alguma coisa ou demonstrar.
Para Adalberto José Q. T. Camargo Aranha, prova, no sentido jurídico, representa os atos e meios usados pelas partes e reconhecidos pelo juiz como sendo a verdade dos fatos alegados.
Paulo Rangel define a prova como o meio instrumental de que se valem os sujeitos processuais (autor, juiz e réu) de comprovar os fatos da causa, ou seja, os fatos deduzidos pelas partes como fundamento do exercício dos direitos de ação e de defesa.
Você conheceu o significado do termo prova. No entanto, esse tema traz alguns questionamentos que necessitam ser respondidos.
FINALIDADE DA PROVA
A prova tem por finalidade (ou objetivo) o convencimento do juiz, ou seja, tornar os fatos alegados pelas partes conhecidos do juiz, convencendo-o de sua veracidade. Portanto, o juiz é o principal destinatário da prova, mas não é o único, posto que as partes também são interessadas na verificação das provas apresentadas.
OBJETO DA PROVA
O objeto da prova é a coisa, o fato, o acontecimento que deve ser conhecido pelo juiz, a fim de que possa emitir um juízo de valor. São os fatos sobre os quais versa o processo penal. Trata-se daquilo que as partes desejam demonstrar, aquilo que o juiz deve conhecer.
Camargo Aranha vai mais longe e diz que:
MEIOS (FONTES) DE PROVAS
São os elementos que podem justificar ou esclarecer os fatos, através dos quais se irá adquirir o conhecimento de um objeto de prova.
Sendo o processo penal de caráter público, o meio probatório é quase ilimitado, somente comportando exceções em casos estremos (ver, por exemplo, artigo 155, parágrafo único, do CPP).
Desse modo, desde que os meios de prova não sejam indignos, imorais, ilícitos ou ilegais, respeitando a ética e o valor da pessoa humana, poderão ser admitidos no processo, mesmo que não sejam legalmente relacionados no Código de Processo Penal.
ELEMENTOS DE PROVA OU OBJETOS DE PROVA
São dados da realidade objetiva concernentes ao ato, fato, coisa ou pessoa que, através dos meios de prova, passam a fazer parte do processo.
São os fatos ou circunstâncias sobre os quais o juiz formará sua convicção.
NATUREZA DA PROVA
A prova tem natureza jurídica de direito subjetivo de índole constitucional de estabelecer a verdade dos fatos, pois a sociedade, por meio do Ministério Público, pretende ver a pretensão acusatória comprovada e, por outro lado, o acusado também tem o direito de provar suas alegações defensivas.
TITULARIDADE DA PROVA
O sujeito da prova é a pessoa física que, no processo, transmite o conhecimento de um objeto de prova. Trata-se de um elemento de extrema importância como ocorre nos casos da prova testemunhal, no depoimento da vítima, no interrogatório do acusado, no depoimento de informantes etc.
A pessoa física é o sujeito ativo da prova e o juiz, o seu receptor.
No entanto, quanto à titularidade, não se pode dizer que a prova é de uma ou de outra parte, ou seja, não existem provas da acusação e da defesa, mas sim, provas do processo, do juízo, conforme se verá no estudo do princípio da comunhão da prova.
PRINCÍPIOS APLICÁVEIS ÀS PROVAS
Veja, a seguir, os princípios que são aplicáveis às provas.
AUTORRESPONSABILIDADE DAS PARTES:
Cada parte deverá suportar ou assumir as consequências de sua inatividade, erros e negligência, pois a demonstração do fato caberá a quem interessar.
AQUISIÇÃO OU COMUNHÃO DA PROVA:
Toda prova produzida servirá a ambas as partes e ao juiz, já que é colhida no interesse da justiça e da busca da verdade.
O ônus de produzir a prova pertence a cada parte que tenha interesse, mas, uma vez produzida a prova, existirá sua comunhão.
Veja um exemplo de julgado sobre o tema:
“Exame grafotécnico e recusa do investigado
Informativo STF 639 de setembro de 2011
A 2ª Turma denegou habeas corpus em que se sustentava a nulidade de sentença condenatória por crime de falso, sob a alegação de estar fundamentada em prova ilícita, consubstanciada em exame grafotécnico a que o paciente se negara realizar. Explicitou-se que o material a partir do qual fora efetuada a análise grafotécnica consistira em petição para a extração de cópias, manuscrita e formulada espontaneamente pelo próprio paciente nos autos da respectiva ação penal. Consignou-se inexistir ofensa ao princípio da proibição da auto-incriminação, bem assim qualquer ilicitude no exame grafotécnico. Salientou-se que, conforme disposto no art. 174, II e III, do CPP, para a comparação de escritos, poderiam servir quaisquer documentos judicialmente reconhecidos como emanados do punho do investigado ou sobre cuja autenticidade não houvesse dúvida. Em seguida, aduziu-se que a autoridade poderia requisitar arquivos ou estabelecimentos públicos do investigado, a quem se atribuíra a letra. Assentou-se que o fato de ele se recusar a fornecer o material não afastaria a possibilidade de se obter documentos. Ademais, mesmo que se entendesse pela ilicitude do exame grafotécnico, essa prova, por si só, não teria o condão de macular o processo. Por fim, em relação à dosimetria, assinalou que o STF já tivera a oportunidade de afirmar entendimento no sentido de que, uma vez reconhecida a continuidade delitiva, a exasperação da pena, a teor do que determina o art. 71 do CP, ocorreria com base no número de infrações cometidas. HC 99245/RJ, rel. Min. Gilmar Mendes, 6.9.2011. (HC-99245)”
AUDIÊNCIA CONTRADITÓRIA:
Toda prova admitirá uma contraprova. A audiência, portanto, é bilateral sob pena de nulidade, por força do princípio da bilateralidade da audiência.
ORALIDADE:
Com as reformas do Processo Penal, tanto no procedimento comum, quanto no Tribunal do Júri, predomina a oralidade, pois o juiz deve formar sua convicção pela observação viva e dinâmica dos fatos, situação que somente o processo oral permite.
CONCENTRAÇÃO:
Deflui do princípio da oralidade que obriga a uma maior concentração das provas em audiência, com celeridade na sua coleta. Não obstante, é possível abrirexceções quando for imprescindível fracionar a audiência.
PUBLICIDADE:
A regra é que a produção da prova, assim como qualquer ato judicial, seja pública, somente podendo ser restringida a publicidade em casos expressamente previstos em lei.
LIVRE CONVENCIMENTO MOTIVADO:
As provas não são previamente valoradas. Não vigora em nosso processo penal o critério da prova tarifária em que cada prova tem um valor previamente fixado em lei, pois o julgador tem liberdade de valorar as provas de acordo com sua consciência e convencimento, desde que motivadamente e não extrapolando o que consta do processo.
Além do princípio do livre convencimento motivado ou persuasão racional - adotado no Brasil - e, ainda, resquícios da prova tarifada, existe, ainda, o sistema da íntima convicção no qual o juiz tem total e irrestrita liberdade para coligir e apreciar as provas, sem qualquer necessidade de fundamentar suas decisões. Esse sistema é adotado no Brasil somente no Tribunal do Júri.
ÔNUS DA PROVA E PRODUÇÃO PROBATÓRIA PELO JUÍZ
Primeiramente se faz necessário distinguir entre ônus (encargos) e dever jurídico. Veja:
No dever jurídico há sempre uma sanção prevista para o seu descumprimento, situação que não ocorre quando se está diante de um simples ônus processual.
No Processo Penal Brasileiro, a regra é a de que quem alega um fato tem o ônus (ou encargo) de prová-lo, sob pena de não obter a pretendida vantagem. É o que se extrai da leitura do artigo 156 do CPP.
De acordo com o dispositivo supramencionado, o ônus da prova é, em regra, da acusação, que apresenta a imputação em juízo através da denúncia ou queixa-crime. Entretanto, o réu pode chamar a si o interesse de produzir prova quando alega em seu benefício algum fato que propicie a exclusão da ilicitude ou da culpabilidade.
Também chamado de encargo, é uma faculdade que o sujeito processual pode suportar consigo mesmo, ou seja, por conta e risco, pois se não praticar o ato na qual a lei processual imputa um ônus, em especial, a prova, correrá o risco de não obter a vantagem pretendida no processo. Portanto, não se trata de mera faculdade, pois, nesta nada é exigido. O ônus é uma faculdade na qual o sujeito do processo suporta uma desvantagem que pode-lhe acarretar prejuízo, no entanto, não poderia alegar nulidade pois o disposto no art. 565 do Código de Processo Penal, incide o princípio do nemo turpitudinem suam allegare potest, na qual ninguém pode se beneficiar de sua própria torpeza.
O Autor deve fazer prova da ocorrência do fato e de sua autoria, o que inclui o elemento subjetivo (dolo ou culpa), embora parte da doutrina entenda que o dolo é presumido (entendimento minoritário). Por outro lado, o réu deve fazer prova da inexistência do fato ou da existência de excludentes de ilicitude, culpabilidade ou punibilidade, bem como, de qualquer circunstância que lhe traga algum benefício.
Cabe à defesa, na verdade, fazer prova dos fatos impeditivos (exclusão do dolo ou da culpabilidade), modificativos (excludentes de ilicitude) e extintivos (extinção da punibilidade).
No entanto, não se pode esquecer que, no processo penal, em virtude do princípio da presunção de inocência, o ônus da defesa não deve ser analisado de forma tão rigorosa, pois, o descumprimento do ônus de provar fato impeditivo, modificativo ou extintivo por parte do réu não acarretará, necessariamente, a procedência do pedido acusatório em razão do princípio do in dubio pro reo.
O Código de Processo Penal permite que, havendo dúvida que não tenha sido dirimida pela produção probatória das partes, possa o juiz determinar diligências ou a produção de provas de ofício.
É preciso frisar, entretanto, que o juiz somente deve determinar a produção de provas de ofício quando se tratar de ação penal pública, pois, na ação penal de iniciativa privada vigora o princípio da disponibilidade.
Entretanto, como no Brasil o sistema processual é acusatório, o juiz só deve agir na busca de provas de forma supletiva e, quando isso for necessário, a ação do juiz pode ocorrer mesmo antes de iniciada a ação penal (art. 156, incisos I e II, do CPP).
Por fim, existem alguns autores que entendem que a inovação do art. 156, inciso I, do CPP, trazida pela Lei 11.690/08, ofende o princípio acusatório e, portanto, o dispositivo deve ter interpretação conforme a Constituição no sentido de somente ser admissível ao juiz determinar a produção de provas na fase investigatória quando houver pedido de uma das partes.
AULA 6 – ASPECTOS GERAIS DA PERÍCIA
O perito é um auxiliar da justiça, devidamente compromissado, estranho às partes, portador de um conhecimento técnico altamente especializado e sem impedimentos ou incompatibilidades para atuar no processo.
A perícia legal é um dos diversos meios de prova possíveis, ou seja, formas de se reconstruir faticamente algo, possibilitando uma tomada de decisão.
PERITO E NATUREZA JURÍDICA
Perito é auxiliar da Justiça, trata-se de pessoa física que presta serviços à Justiça, sem funções judicantes. Exige-se dele que preste compromisso e que seja equidistante das partes. Além disso, deve ter conhecimento técnico especializado acerca do objeto da perícia.
Do acima exposto podemos extrair o entendimento de que o perito tem natureza jurídica de auxiliar da justiça.
PERITOS OFICIAIS E PERITOS PARTICULARES
O perito será considerado oficial quando investido na função por lei e não simplesmente por nomeação do juiz. No processo penal a perícia é realizada, normalmente, por peritos pertencentes aos quadros do Estado.
Anteriormente, exigia-se a realização da perícia por dois peritos oficiais, mas, com a mudança operada pela Lei 11.690/08, permite-se a perícia realizada por um único perito. Tal inovação visou simplificar e tornar mais ágeis as perícias.
Onde não houver perito oficial continuam valendo as seguintes regras:
a) O exame será realizado por duas pessoas idôneas, portadoras de diploma de curso superior, preferencialmente na área específica relativa ao exame;
b) Os peritos não oficiais prestarão compromisso de bem e fielmente desempenhar o encargo.
1. A reforma, a formulação de quesitos e a indicação de assistentes técnicos pelo Ministério Público, pelo assistente de acusação, pelo ofendido, pelo querelante e pelo acusado.
2. A atuação dos assistentes técnicos se dará após a conclusão do trabalho do perito oficial. Assim, admitidos pelo juiz, os assistentes técnicos devem aguardar o término do exame feito pelo perito oficial para, então, poderem atuar.
3. Durante o processo, as partes poderão requerer a oitiva dos peritos, desde que sejam estes intimados e recebam os quesitos com antecedência mínima de dez dias da audiência. Além disso, poderão também, a qualquer tempo, indicar assistentes técnicos.
4. Em se tratando de perícia complexa, abrangendo mais de uma área de conhecimento especializado, será possível designar mais de um perito oficial e a parte indicar mais de um assistente.
PERÍCIA LEGAL
Perícia legal é o gênero que comporta duas espécies: perícia criminal e medicina legal (ou perícia médico-legal).
Aqui trataremos da perícia criminal e da perícia médico-legal. Por óbvio que ambas guardem enorme similitudes, há também espaço para particularidade nestes dois seguimentos.
No âmbito penal, HERCULES (2014) assim leciona, ao abordar a perícia criminal:
	
	
	
	
	
	
	
	“Os fatos alegados em um processo precisam ser demonstrados, e essa demonstração depende de sua natureza. Quando tais fatos não deixam vestígios material e se desvanecem no mesmo instante em que ocorrem, ou logo após, a sua comprovação em juízo só pode ser feita pela prova testemunhal. E o relato de testemunhas pode, por diversas razões, não corresponder fielmente à realidade.
No entanto, se resultam vestígios duradouros dos fatos ocorridos, com a possibilidade de serem detectados pelos nossos sentidos, o seu exame e registro devem ser feitos obrigatoriamente. E por pessoas tecnicamente capacitadas para fazê-lo. O exame desses elementos materiais, quando feito por técnico

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