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José Eduardo Palacio Soares DISTÚRBIOS HIDROELETROLÍTICOS INTRODUÇÃO A população idosa é particularmente predisposta a alterações hidroeletrolíticas, causadas por senescência renal, doenças crônicas, uso de diversos medicamentos e desequilíbrio de hormônios responsáveis pela homeostase. Um sistema altamente especializado de receptores comanda os mecanismos de reabsorção de sódio e água, por meio da percepção de oscilações no volume e na pressão. Estes receptores estão distribuídos em regiões especiais, concentrando-se no tórax, sistema arterial (barorreceptores) e nos rins. Estes últimos respondem, principalmente, com mudanças na filtração glomerular e na resposta a inúmeros sistemas de controle humorais como liberação de hormônio antidiurético (ADH), do peptídeo natriurético atrial (PNA) e ativação do sistema renina-angiotensina-aldosterona. →O ADH age sobre os canais de aquaporina conservando a água corporal. Os estudos são conflitantes, mas de um modo geral não se verifica modificação nos níveis basais do ADH com a idade, no entanto, sua secreção ocorre de forma mais exacerbada na hipernatremia. Mas existe maior resistência renal à atuação do ADH, o que limita a habilidade de responder à hipovolemia. Observa-se ainda uma perda do ciclo normal de aumento de ADH, o que contribui para maior incidência de noctúria. →A secreção do PNA está aumentada de duas a cinco vezes em idosos e, sobretudo, em presença de disfunção cardiovascular, como na insuficiência cardíaca. O PNA é sintetizado e armazenado no átrio, e é um importante regulador da excreção de sódio. Sua ação sobre o rim se traduz por marcada diurese e natriurese, além de vasodilatação e queda na pressão arterial. Interage com o sistema renina-angiotensina-aldosterona (SRAA) e seu aumento causa supressão da secreção da renina, de sua atividade plasmática e dos níveis de angiotensina II e aldosterona. Assim, promove perda renal de sódio por inibição da liberação de aldosterona. Com o envelhecimento, o sistema renina-angiotensina-aldosterona altera-se para diminuir a função que pode ser consequente à perda de néfrons. Isto sobrecarregará os néfrons remanescentes que procuram compensar com hiperfiltração e o aumento da liberação de sódio. A confluência destas alterações leva a dificuldade para concentração das soluções e excretar excessos de ácidos, além de levar a menor secreção de potássio. Sob condições normais, os idosos são capazes de manter o equilíbrio hidroeletrolítico corporal, porém sob condições de estresse, esta habilidade é perdida e se tornam mais suscetíveis a disnatremias, depleção ou excesso de volume, hiperpotassemia e acidose metabólica. José Eduardo Palacio Soares Resumo das alterações hormonais relacionadas com a idade DINÂMICA DO SÓDIO E DA ÁGUA Em condições normais, o equilíbrio de água depende da interação bem-sucedida de três locais diferentes: o hipotálamo, o centro da sede e o rim. Estes interagem um com o outro para manter a osmolaridade de plasma. Os osmorreceptores percebem uma pequena mudança na tonicidade plasmática que resulta na liberação ou inibição de ADH. A hipovolemia ou um decréscimo no volume de sangue estimulam barorreceptores localizados no seio da carótida, no arco aórtico, átrio e nas veias pulmonares e causam a liberação de ADH. Uma diminuição de 10% do volume de sangue resulta em liberação de ADH de forma exponencial. No entanto, diminuição na quantidade das proteínas aquaporinas tem sido observada com o envelhecimento nos rins de animais. Isto pode explicar a incapacidade para concentrar e diluir a urina. Não há alteração específica nos parâmetros eletrolíticos em idosos sadios capazes de manter o equilíbrio sódico na ausência de doença renal. No entanto, o rim é muito suscetível ao estresse e responde mal à maioria dos distúrbios, mostrando descompensação quanto a modificações funcionais do transporte tubular e resposta aos estímulos hormonais. A dinâmica do sódio é normal no túbulo proximal, mas a capacidade de absorção no ramo ascendente da alça de Henle encontra-se comprometida nos idosos. A sede é importante na manutenção da osmolalidade do plasma. A sede é estimulada pelo aumento da osmolaridade do plasma, por estimulação dos barorreceptores (em resposta à diminuição do volume circulante) ou por estímulos hormonais, em particular a liberação da angiotensina II. Os vários distúrbios de água conhecidos podem ser corrigidos com um centro da sede intacto, que está localizado adjacente aos osmorreceptores no hipotálamo. Nos idosos, menor percepção da sede tem demonstrado contribuir para um estado hiperosmótico que é ainda mais exacerbado pela diminuição da capacidade de concentração que ocorre com o envelhecimento. Como resultado destas alterações, o limiar para o desequilíbrio estreita-se por redução da água total corporal, percepção diminuída de sede, menor capacidade de reter água, somados à presença constante de múltiplas comorbidades. A tendência à desidratação está sempre presente nos cognitivamente comprometidos. José Eduardo Palacio Soares Há relação direta entre o grau de disfunção cognitiva e a hipertonicidade por alteração da liberação de vasopressina nos pacientes com doença de Alzheimer. DISTRÚRBIOS HIDROELETROLÍTICOS →HIPONATREMIA: A hiponatremia é o distúrbio mais comum entre os idosos. A idade é fator de risco independente para o desenvolvimento de ambos, hiponatremia e hipernatremia. Define-se hiponatremia como a presença de sódio sérico abaixo de 130 mEq/ℓ. O estabelecimento desse quadro desencadeia mecanismos multifatoriais que incluem ação sobre a secreção de ADH, de PNA, sobre a função tubular e no sistema renina-angiotensina-aldosterona. Idosos apresentam diminuição do limiar para o desequilíbrio hidroeletrolítico por diversos fatores de risco (Quadro 100.1). Chama-se atenção para o fato de que não deve ser considerada uma síndrome isolada, pois a concentração plasmática de sódio é meramente uma medida da relação sódio-água corporal. Hiponatremia representa, portanto, frequentemente uma anormalidade na regulação da água em vez de sódio. • Importância da síndrome da secreção inapropriada de ADH: Conclui-se que a maioria das causas da síndrome da secreção de ADH (SIADH) são patologias que afetam o SNC (estruturais, metabólicas, psiquiátricas, fármaco induzidas) ou os pulmões. Inúmeros medicamentos estão relacionados, devendo-se chamar atenção para o encontro frequente da síndrome em idosos por uso de antidepressivos inibidores seletivos da recaptação de serotonina, principalmente a fluoxetina. Na SIADH, a liberação de ADH acontece sem estímulos, osmolalidade ou volume-dependentes. O paciente é euvolêmico. Nesta síndrome, a secreção de ADH ocorre sem estímulo osmótico adequado, resultando em retenção de água e hiponatremia dilucional. José Eduardo Palacio Soares • Avaliação clinico-laboratorial do paciente com hiponatremia: Pacientes que mantêm, cronicamente, sódio de 125 mEq/ℓ podem se mostrar assintomáticos, mas uma queda brusca a este nível pode desencadear sintomas claros. A clínica está mais relacionada com o SNC, caracterizada por fadiga, letargia, desorientação, confusão, convulsão e coma. Na avaliação o objetivo inicial deve ser orientado para distinção de hiponatremia dilucional ou por depleção. Além disso deve-se revisar os medicamentos que podem gerar hiponatremia. →HIPERNATREMIA: A prevalência de hipernatremia aumenta marcadamente com a idade e é dependente da população estudada. Há predisposição de hipernatremia, entre os idosos, pela diminuição de percepção da sede, por dificuldade de acesso ou ingestão de água (sobretudo em pacientes com disfunção cognitiva ou institucionalizados) ou porque o rim apresenta dificuldade de maximizar a conservação de água. • Avaliação clinico-laboratorial do paciente com hipernatremiaHipernatremia em pessoas mais idosas pode ser assintomática como os sintomas clássicos de desidratação ausente. Devido a menor percepção da sede nesta população, alguns casos podem estar associados a desidratação grave. Observa-se diminuição do turgor da pele, mucosa oral seca e mudança do nível de consciência. A mortalidade é alta e gira em torno de 50%, aumentando conforme o nível de sódio. A ocorrência súbita de hipernatremia grave causa sintomas neurológicos pela desidratação e retração do cérebro, que podem levar à hemorragia. A correção da hipernatremia deve ser feita preferencialmente com solução glicosada a 5% ou salina hipotônica até que o sódio plasmático esteja abaixo de 150 mEq/ℓ. A mortalidade também aumenta em reposições muito rápidas. José Eduardo Palacio Soares Reposição muito rápida pode ocasionar sobrecarga de volume e falência cardíaca, além de edema cerebral e danos neurológicos. Nos pacientes com hipernatremia e hipervolêmicos, pode-se usar diuréticos com potência natriurética como hidroclorotiazida na dose a partir de 50 mg/dia e espironolactona na dose a partir de 100 mg/dia. ALTERAÇÕES NO EQUILÍBRIO DO POTÁSSIO Em idosos sadios o potássio sérico é normal. No entanto, há redução de atividade de renina plasmática e do nível sérico de aldosterona, ocasionando menor excreção renal de potássio e favorecendo descompensação para hiperpotassemia. Acontece com mais frequência na administração de inibidores da enzima conversora da angiotensina (IECA), anti- inflamatórios não esteroidais, betabloqueadores e diuréticos poupadores. Já diuréticos de alça causam, mais frequentemente, hipopotassemia. Por outro lado, o potássio eritrocitário, considerado uma expressão do intracelular, é diminuído, o que, somado à perda de massa muscular, torna o potássio corporal total também diminuído. →HIPOPOTASSEMIA: A causa mais comum em idosos advém de terapia com diuréticos. Outros mecanismos desencadeadores são: diarreia, uso abusivo de laxativos, vômito, desnutrição, perda por glicosúria, cetonúria e adenomas vilosos (pela secreção entérica de potássio). Clinicamente, o paciente apresenta-se confuso, desorientado, com fadiga, miopatia, apatia e anorexia. No ECG, uma indicação pode ser o encontro de depressão do segmento ST, presença de ondas U e onda T achatada. O tratamento mais seguro é administrado por via oral, mais rapidamente absorvido. O tratamento intravenoso é indicado somente para casos graves. →HIPERPOTASSEMIA: Incomum na ausência de doença. Um dos mais importantes mecanismos protetores na prevenção da hiperpotassemia, na presença de sobrecarga de potássio, é a ação da aldosterona que, ao aumentar a reabsorção de sódio, facilita a excreção de potássio. No entanto, no envelhecimento, há atividade reduzida do sistema renina-angiotensina-aldosterona e a possibilidade de desequilíbrio para hiperpotassemia. Somam-se diminuição do índice de filtração glomerular (IFG), possibilidade de sangramento gástrico e administração intravenosa do sal. É frequente na administração de diuréticos poupadores, anti-inflamatórios não esteroidais, betabloqueadores e IECA. Os sinais clínicos mais importantes relacionam-se às alterações do ECG. A primeira manifestação é o desenvolvimento de ondas T pontiagudas, quando o potássio ultrapassa 6,5 mEq/ℓ (um terço dos pacientes com estes níveis não manifestam alterações no ECG). Se ultrapassar 8 a 10 mEq/ℓ, o ECG desenvolve padrão de onda sinusoidal, indicando que pode ocorrer parada cardíaca. O tratamento consiste em descontinuar medicamentos desencadeadores, melhorar a função renal em pacientes volume-depletados ou com insuficiência cardíaca. Hiperpotassemia grave, com alterações eletrocardiográficas, requer tratamento imediato com gliconato ou cloreto de cálcio, posto que ambos antagonizam o efeito da hiperpotassemia sobre o miocárdio. José Eduardo Palacio Soares METABOLISMO DO CÁLCIO Com o envelhecimento, o nível sérico de cálcio poderá diminuir, especialmente nas seguintes situações: pouca exposição à luz solar; capacidade diminuída da pele em converter colesterol à vitamina D, absorção prejudicada de vitamina D intestinal, ingestão deficiente, fármaco-induzido. →HIPOCALCEMIA: Considerada quando os níveis de cálcio sérico total e ionizado estão abaixo de 8,8 e 4,8 mg/dℓ , respectivamente. Geralmente assintomática em idosos, apesar de, em alguns casos graves, haver risco de morte. Dentre os sintomas estão: fadiga, astenia, alteração do estado mental com ansiedade, labilidade emocional, agitação, depressão, delirium. Em situações graves, tetania, convulsões, alterações eletrocardiográficas. →HIPERCALCEMIA: Considerada quando os níveis séricos de cálcio total e ionizado estão acima de 10,4 mg/dℓ. Ambulatoriamente, o hiperparatireoidismo primário é a causa mais frequente, devido, sobretudo, a adenoma de paratireoide ou, menos comumente, hiperplasia. Os sintomas podem ser leves como constipação intestinal e poliúria ou até mais graves como coma e azotemia (presença de ureia ou de outros compostos nitrogenados no sangue).
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