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E S T R U T U R A E P R O P R I E D A D E S D E P O L Í M E R O S L I V R O D I D Á T I C O E E - G U I D E M A R C E L O S I L V E I R A R A B E L L O Marcelo Silveira Rabello Engenheiro de Materiais, Mestre em Engenharia Química, Doutor em Engenharia de Materiais Professor Titular da Universidade Federal de Campina Grande (PB) Currículo Lattes Estrutura e Propriedades de Polímeros Texto didático e e-guide Campina Grande, março de 2021. http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4780876P5 Arte da capa: Camila Petrucci dos Santos Rosa Dedico este livro a todos aqueles que me acompanham na jornada da vida, em especial Célia (esposa), Neli (filha) e Rafael (filho). Prefácio Prefaciar o livro Estrutura e Propriedades de Polímeros do Prof. Marcelo Rabello é uma enorme honra. Primeiramente, pela grande experiência e competência comprovadas do autor e, ainda, pela inovadora metodologia que esta obra representa. O livro está “aparentemente” organizado em 7 capítulos, a saber: 1. Introdução, 2. Conceitos e estruturas básicas, 3. Estados físicos e transições, 4. Estrutura dos polímeros cristalinos, 5. Cinética de cristalização e fusão cristalina, 6. Comportamento mecânico e 7. Fatores que controlam as propriedades. Uso a palavra “aparentemente” pois, quando comecei a leitura, já no primeiro capítulo, pude perceber que ele nos traz uma amplitude de informações que nos faz viajar por referências e fontes nacionais e internacionais, ampliando os conceitos e ideias sobre os temas que estamos lendo. Alguns dos sites aos quais nossa leitura é direcionada mostram, de forma descontraída e com uma linguagem simples, aspectos fundamentais da área de materiais poliméricos. Além disso, neste capítulo são apresentados dados de mercado dos materiais, desenvolvidas discussões e mostradas inovações em desenvolvimento, tanto nas Universidades como nos demais setores da economia. Esses são alguns dos pontos que tornam o livro do Prof. Rabello atemporal, pois algumas informações são atualizadas na origem automaticamente, o que garante ao leitor que ele terá acesso a conteúdo sempre renovado. Esse livro, pelo que percebi, traz também os temas trabalhados de forma prática e vai se aprofundando à medida que se avança na leitura dos capítulos. Esse aprofundamento provavelmente se dá pois o Prof. Marcelo usa, em alguns momentos, artigos originais que são clássicos da literatura. Além disso, temos em cada capítulo quadros que nos provocam sobre o entendimento que tivemos acerca dos temas apresentados, além de nos propor experimentos simples, práticos e seguros. Adorei verificar o cuidado na diagramação dos rodapés - coloridos – um verdadeiro convite a verificar as informações ali contidas, sempre relevantes e não apenas genéricas. Desde a capa, o livro conta com um design gráfico sofisticado, cujos elementos, como figuras e gráficos, contemplam um planejamento visual que facilita nosso entendimento sobre os temas abordados. O fato de ser digital, nos permite ampliá-los para ver detalhes do que está sendo apresentado. No capítulo 1 você verá, de forma resumida mas servindo de motivação para os próximos capítulos, os fatores que afetam o comportamento de um material; os temas são abordados em diferentes níveis, para que possamos entender desde as transições físicas e químicas até o desempenho dos produtos acabados. Os conceitos iniciais de polímeros, as suas estruturas básicas e as arquiteturas moleculares, são apresentadas no Capítulo 2. De forma contextualizada e mostrando aspectos fundamentais das ligações químicas, as configurações e transições são mostradas. As transformações dos polímeros amorfos e semicristalinos e as suas influências cinéticas, regadas de exemplos práticos, estão discutidas nos capítulos 3, 4 e 5. O autor relaciona mudanças ambientais com eventuais alterações na morfologia dos materiais e as decorrentes alterações das suas propriedades. Apresenta também, de forma simplificada e direta, o efeito da estrutura molecular sobre a cristalinidade dos polímeros. Em seguida, se aprofunda na cinética de cristalização e evidencia como as propriedades de produtos acabados são alteradas, a depender do mecanismo de cristalização desenvolvido por um material cristalino, em função da natureza do processo ou das condições operacionais nas quais o processamento foi conduzido. O Capítulo 6 inicia apresentando um gráfico de propriedades mecânicas, evidenciando sua relação com a morfologia dos materiais. Além disso, apresenta os mecanismos de deformação e discorre sobre os principais conceitos associados às propriedades mecânicas. São evidenciadas, ainda, as formas pelas quais fraturas podem ocorrer nos polímeros, em função de suas características estruturais. No último capítulo do livro você vai encontrar discussões acerca dos demais fatores que definem as propriedades dos polímeros. Tópicos não abordados anteriormente como, por exemplo, a degradação química, são apresentados. O ensaio de stress cracking, para a previsão e prevenção das falhas inesperadas em polímeros termoplásticos, é discutido por um dos maiores especialistas do país. É claro que em um prefácio não posso falar muitos detalhes do livro, mas posso garantir que você ficará animado em utilizar essa importante contribuição para a área de materiais poliméricos e, quando perceber, já leu ele todo. Parabenizo ao Prof. Marcelo Rabello também pelo desprendimento de nos brindar com uma excelente obra - e quando falo presentear me refiro ao tremendo altruísmo na gratuidade da distribuição desse livro. Isso mostra a nobreza e sensibilidade do Professor de Campina Grande, que doa uma experiência de mais de 30 anos, para um país que precisa tanto de uma educação para todos. Prof. Marcelo Rabello, seu pioneirismo no novo modelo de livro didático, sua coragem e inovação, serão sempre lembrados. Prof. Derval dos Santos Rosa Apresentação Esse livro é o resultado do trabalho de muitos anos... Como estudante, como Engenheiro de Materiais, como pós-graduando, como pesquisador e como docente vivi (e vivo) o mundo dos polímeros, procurando entender todas as suas facetas. É fascinante compreender como o resultado final na forma de um produto acabado é dependente de uma simples (ou complexa) combinação de fatores que se interconectam (ou se “emaranham”) em um conjunto de influências. A partir dessa compreensão, tudo faz sentido, como se fossemos desfiando, linha a linha, uma rede de conceitos que compõem o entendimento dos materiais poliméricos. Como docente, procuro transmitir esses ensinamentos de modo prático, que faça sentido para os alunos e, assim, contribua para a formação dos mesmos. Ministro a disciplina “Estrutura e Propriedades de Polímeros” na Universidade Federal de Campina Grande e, ao longo dos anos, fui amadurecendo esse assunto na perspectiva de ensino-aprendizagem. Não “inventei” o conteúdo, mas dei uma versão ao mesmo e que, acredito, atinge os objetivos propostos para a disciplina. Com a evolução dessa abordagem, chegou o momento disponibilizar essa perspectiva na forma de um livro didático. Essa é a ideia central de Estrutura e Propriedades de Polímeros, que lhes apresento. Um livro essencialmente didático – escrito para o aluno. Para o aluno aprender o conteúdo proposto e ir além, com estímulos para adquirir mais conhecimento e ampliar os seus horizontes. Acredito ser útil também para professores, igualmente envolvidos no desafio e nobreza de formar pessoas preparadas para os desafios da vida. Profissionais atuantes no vasto mercado de materiais poliméricos poderão fazer uso das considerações e exemplos aqui contidos para entender melhor essa classede materiais e, assim, solucionar problemas e desenvolver produtos ainda melhores. O livro não tem, absolutamente, a pretensão fazer uma revisão do estado da arte, muito menos de dar a última palavra. Sendo repetitivo, é um livro concebido para o aluno aprender mais. Muitos dos assuntos aqui presentes, como cinética de cristalização e mecânica da fratura, apenas para citar dois exemplos, são tão importantes e tem conteúdo tão vasto que até poderiam ser tema de livros independentes. Estão aqui como partes de um todo – nessa teia de conhecimentos – em nível de profundidade compatível com a proposta geral do livro. Há alguns anos, ministrando curso para profissionais de indústria, um dos participantes (que tinha 40 anos de experiência em polímeros) me falou que, durante as aulas, sempre refletia “como posso utilizar isso que estou aprendendo agora?” Essa reflexão “catalisou” o meu propósito de tornar o ensino mais direcionado à realidade prática, explicitando a importância de cada conceito, cada equação, cada gráfico, cada representação esquemática... Esse livro tem muito dessa filosofia! Evitei abordar teorias muito complexas e equações sem propósito prático, concentrando todos os meus esforços na aplicabilidade de cada tópico aqui abordado. Espero ter conseguido. Estrutura e Propriedades de Polímeros não é apenas um livro didático. É também um guia eletrônico para outras fontes de informação, como sites e vídeos, em que o leitor poderá dinamizar o seu estudo com informações complementares, casos correlatos e tecnologias envolvidas. Dessa forma, mesmo preferindo estudar pela versão impressa, recomenda-se que mantenha a versão digital para fazer uso dos inúmeros links disponibilizados. Por ser eletrônico, o livro pretende ser dinâmico, com atualizações frequentes, e posso até considerar sugestões de conteúdo para edições futuras. Preciso da sua ajuda também na identificação de incorreções e imprecisões, links inválidos, etc., o que pode ser feito neste site. Por fim, gostaria de dizer que oferecer esse trabalho no formato digital, totalmente gratuito, foi uma forma de agradecimento por muito que a vida me deu, tanto no âmbito pessoal quanto profissional. Mais ou menos próximo do tempo de aposentadoria e refletindo sobre tudo que me ocorreu ao longo da minha trajetória, posso dizer que sou muito feliz profissionalmente e compartilho com você esse momento através desse livro. Espera que lhe seja útil. Marcelo Silveira Rabello Campina Grande, 22 de Março de 2021 https://sites.google.com/view/marcelorabello/home Sumário 1. Introdução ............................................................................................................ 12 2. Conceitos e estruturas básicas .............................................................................. 20 2.1. Arquitetura molecular e forças coesivas .................................................................... 22 2.2. Orientação molecular e anisotropia ........................................................................... 28 2.3. Configurações moleculares ........................................................................................ 31 2.4. Conformações e flexibilidade da cadeia polimérica .................................................. 34 2.5. A transição vítrea ....................................................................................................... 37 Sugestões de atividades práticas ................................................................................................. 44 Sugestões para estudo complementar ........................................................................................ 46 Referências .................................................................................................................................. 46 3. Estados físicos e transições .............................................................................................. 48 3.1. Transições em polímeros amorfos ............................................................................ 49 3.2. Transições em polímeros semicristalinos .................................................................. 57 3.3. Os copolímeros e seus estados físicos e transições. Alguns exemplos ...................... 62 Sugestões de atividades práticas ................................................................................................. 69 Sugestões para estudo complementar ........................................................................................ 70 Referências .................................................................................................................................. 71 4. Estrutura dos Polímeros Cristalinos ................................................................................. 72 4.1. Cristalinidade e cristalizabilidade ......................................................................................... 73 4.2. Cristalinidade vs. propriedades – exemplos ........................................................................ 79 4.2.1. O polietileno e os seus tipos ...................................................................................... 80 4.2.2. O polipropileno copolímero ....................................................................................... 83 4.3. Determinação do grau de cristalinidade ............................................................................... 86 4.3.1. Cristalinidade por densidade ..................................................................................... 87 4.3.2. Cristalinidade por DSC ............................................................................................... 88 4.3.3. Cristalinidade por difração de raios-X ........................................................................ 92 4.3.4. Comparação entre os métodos para determinar a cristalinidade ............................. 94 4.4. Morfologia dos polímeros .................................................................................................... 95 4.4.1. Teorias para explicar a cristalinidade dos polímeros ................................................. 95 4.4.2. Células cristalográficas em polímeros ........................................................................ 100 4.4.3. Cristais lamelares e fibrilares ..................................................................................... 102 4.4.4. Esferulitos .................................................................................................................. 103 4.4.5. Conexões interlamelares e interesferulíticas ............................................................. 108 4.4.6. Esferulitos por microscopia ótica ............................................................................... 112 Sugestões de atividades práticas ................................................................................................. 114 Sugestões para estudo complementar ........................................................................................ 115 Referências .................................................................................................................................. 115 5. Cinética de cristalização e fusão cristalina ........................................................................ 117 5.1. Cinética de cristalização ........................................................................................................ 118 5.2. Agentes nucleantes ............................................................................................................... 123 5.3. Acompanhamento da cristalização ....................................................................................... 130 5.3.1. Acompanhamentopor observação direta ................................................................. 132 5.3.2. Cinética de cristalização isotérmica por DSC ............................................................. 135 5.3.3. Cinética de cristalização não isotérmica por DSC ...................................................... 138 5.4. Cristalização a frio e recozimento ......................................................................................... 142 5.5. Cristalização durante o processamento ............................................................................... 148 5.5.1. Efeitos térmicos ......................................................................................................... 149 5.5.2. Efeitos de pressão e de fluxo ..................................................................................... 151 5.5.3. A estrutura “skin-core” e outras variações ................................................................ 153 5.6. Fusão cristalina ..................................................................................................................... 159 5.6.1. A faixa de fusão e a temperatura de fusão de equilíbrio ........................................... 160 5.6.2. Picos duplos em termogramas de DSC ....................................................................... 163 5.6.3. HDT e Tvicat – propriedades alternativas .................................................................. 166 Sugestões de atividades práticas ................................................................................................. 168 Sugestões para estudo complementar ........................................................................................ 170 Referências .................................................................................................................................. 170 6. Comportamento mecânico .............................................................................................. 173 6.1. Mecanismos de deformação ................................................................................................ 174 6.1.1. Deformação hookeniana ........................................................................................... 177 6.1.2. Deformação borrachosa ............................................................................................ 179 6.1.3. Microfrilamento (crazing) .......................................................................................... 182 6.1.4. Escoamento plástico (yielding) .................................................................................. 188 6.1.5. Deformação pseudo-dúctil (elástica forçada) ............................................................ 192 6.1.6. Viscoelasticidade ....................................................................................................... 197 6.2. Fratura .................................................................................................................................. 207 6.2.1. Etapas da fratura ....................................................................................................... 207 6.2.2. Noções de mecânica da fratura ................................................................................. 208 6.2.3. Falha prematura de polímeros .................................................................................. 215 6.2.4. Topografia da fratura ................................................................................................. 218 Sugestões de atividades práticas ................................................................................................. 223 Sugestões para estudo complementar ........................................................................................ 224 Referências .................................................................................................................................. 225 7. Fatores que controlam as propriedades ........................................................................... 228 7.1. Natureza química ....................................................................................................... 229 7.2. Massa molar. .............................................................................................................. 231 7.3. Estrutura física ........................................................................................................... 234 7.4. Aspectos de projeto ................................................................................................... 236 7.5. Fatores ambientais .................................................................................................... 238 7.5.1. Efeito da temperatura ................................................................................................ 238 7.5.2. Efeito da umidade ...................................................................................................... 240 7.5.3. Degradação oxidativa ................................................................................................. 248 7.5.4. Agentes químicos ....................................................................................................... 253 7.6. Aditivos presentes ..................................................................................................... 258 7.7. Sumário dos fatores que afetam as propriedades dos polímeros ............................. 264 Sugestões de atividades práticas ................................................................................................. 266 Sugestões para estudo complementar ........................................................................................ 267 Referências .................................................................................................................................. 267 12 Esquema geral das principais influências sobre as propriedades de um produto polimérico. 1. Introdução Os materiais poliméricos adquiriram, ao longo dos anos, uma importância tão significativa para a sociedade que seria praticamente impossível imaginar a nossa vida sem a existência dessa classe de materiais. Dos plásticos de uso geral aos de alto desempenho, dos polímeros biodegradáveis aos condutores de eletricidade, das fibras especiais aos plásticos de engenharia, das embalagens corriqueiras aos sensores poliméricos, das espumas aos revestimentos e adesivos, os polímeros estão presentes em todos os aspectos da atividade humana. O processo de substituição dos materiais tradicionais pelos polímeros foi acontecendo progressivamente com crescimento vertiginoso de consumo dos polímeros (Figura 1.1), dado às inúmeras vantagens que esses materiais apresentam, tais como: Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello 13 facilidade de fabricação; baixa densidade; amplas possibilidades de aditivação, atingindo propriedades sob medida; bom balanço de propriedades mecânicas; disponibilidade de tipos (grades) sintetizados pelas indústrias petroquímicas, incluindo os copolímeros; facilidade de reciclagem; durabilidade; custo compatível com o tipo de aplicação; isolamento térmico e acústico; características de amortecimento. Figura 1.1. Consumo global de materiais plásticos ao longo da história. Clique aqui para a fonte. Evidentemente, como ocorre com todo tipo de material, os polímeros apresentam as suas deficiências, especialmente no que se refere ao comportamento mecânico quando comparado com os metais ou a estabilidade ao calor em comparação com os materiaiscerâmicos. Entretanto, um dos princípios mais importantes da ciência dos materiais é que não existe material perfeito – e sim aquele mais apropriado para uma aplicação específica. Nesse contexto, os polímeros vêm desempenhando o seu papel na história, oferecendo uma diversidade de produtos para atender às necessidades da indústria e, consequentemente, da sociedade. Alguns exemplos de polímeros e suas aplicações estão apresentados de modo bastante interessante no site “The Macrogalleria”, desenvolvido por membros da University of Southern Mississippi. Um panorama geral da indústria de polímeros no Brasil pode ser http://www.statista.com/statistics/282732/global-production-of-plastics-since-1950/ https://www.pslc.ws/macrog/maindir.htm Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello 14 visualizado no site da Abiplast. Canais do YouTube também podem ser importantes fontes de aprendizagem, inclusive alguns mantidos por brasileiros, como, por exemplo, este, este e este. Por ser uma classe mais recente de materiais, os polímeros ainda carecem de um entendimento pleno do seu comportamento. As suas estruturas macromoleculares têm inúmeras implicações para o comportamento físico e mecânico dos produtos que, aliado aos aspectos estruturais, irão definir o sucesso (ou não) de suas aplicações. Entender os diversos fatores que governam as propriedades dos polímeros e como esses podem ser utilizados para potencializar o desempenho é essencial para a seleção, produção e aplicação desses materiais. O desempenho de um produto deve ser encarado como algo dependente de uma variedade de fatores e isso difere do que, academicamente, se refere ao desempenho do material. Um produto apresenta um nível de complexidade muito mais elevado do que seria a sua matéria-prima ou mesmo um corpo de prova, utilizado nos laboratórios para análise e caracterização. Um produto acabado, como utilizado pelo consumidor, tem o seu desempenho dependente de um conjunto de fatores, descritos a seguir e resumidos na Figura 1.2. Produto Polímero (incluindo o )grade Ambiente Processamento Técnica Condições Cristalinidade Morfologia Sistema cristalográfico Orientação molecular Temperatura Umidade Agentes químicos Radiações Dimensional Cantos vivos Insertos Orifícios Linhas de solda Projeto Aditivos Figura 1.2. Resumo dos fatores que afetam o comportamento de um produto acabado (elaborado pelo autor). Polímero base. Esse é o principal fator de influência – o tipo de polímero, aquele que melhor atende às necessidades da aplicação. Nessa escolha deve-se levar em consideração, além dos aspectos técnicos, os fatores mercadológicos, como o custo e a disponibilidade de fornecedores, além das questões ambientais envolvidas. Evidentemente, quanto mais especializada for a http://www.abiplast.org.br/wp-content/uploads/2020/09/Perfil_2019_web_abiplast.pdf https://www.youtube.com/channel/UCBp-mVRahe2F3aP5wKBxOBQ https://www.youtube.com/channel/UCldU2csVCIJyClOjmSJzbSQ https://www.youtube.com/channel/UC5NcClt6246cV2an6UvPwEQ Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello 15 aplicação mais restritas serão as opções de escolha do material base. Além da seleção do polímero em si, é preciso fazer a opção do grade (tipo) a ser utilizado. Considerando que as petroquímicas sintetizam diversos grades para atender aos vários tipos de processamento e aplicação, a escolha do grade em específico também deve ser considerada. Os grades variam entre si de acordo com a massa molar e sua distribuição, presença e distribuição de co-monômeros e o uso de aditivos específicos como fotoestabilizantes ou agentes deslizantes. Aditivos presentes. Praticamente nenhum polímero comercial é utilizado na sua forma pura. Os aditivos estão sempre presentes com o objetivo de ajustar as suas propriedades para atingir os requisitos da aplicação. Isso pode alterar significativamente o comportamento de um polímero de uma maneira muito mais versátil e viável economicamente e mercadologicamente do que o desenvolvimento de um novo polímero (a partir de novos monômeros). Os aditivos compreendem desde os mais básicos, como os estabilizantes e os lubrificantes até os mais específicos, como os espumantes, as fibras de reforço e os retardantes de chama. Uma vez presentes, os aditivos podem modificar ligeiramente ou radicalmente as propriedades de um material polimérico, levando-o a novos patamares de aplicação. Esse tema é de grande importância tecnológica e alguns dos aditivos comumente empregados serão abordados nesta publicação, como os nucleantes heterogêneos e os modificadores de impacto. Para uma visão mais detalhada sobre a aditivação de polímeros, sugere-se uma outra publicação deste autor 1. Técnica e condições de processamento. O objetivo principal do processamento é conferir uma forma final para a matéria-prima com taxas de produção adequadas para a competitividade industrial. No entanto, a transformação da matéria-prima em um produto também confere uma estrutura interna e, portanto, tem efeito decisivo nas propriedades finais do produto. Os principais aspectos estruturais definidos pelo processamento são: orientação molecular, grau de cristalinidade, morfologia e retículo cristalográfico. No desenvolvimento do produto e no controle de qualidade, os profissionais envolvidos precisam estar conscientes dessas influências que, uma vez desfavoráveis, podem causar falha prematura. Por exemplo, uma tubulação produzida por extrusão tente a ter uma orientação axial das suas macromoléculas, seguindo a direção de extrusão e de puxamento do tubo na saída da matriz. Quanto mais elevada a velocidade da rosca, maior o diâmetro do tubo devido ao fenômeno reológico de inchamento (die swell). Para ajustar a dimensão, pode-se aumentar a velocidade de puxamento. Na perspectiva da produção, trata-se de um ótimo procedimento, que aumenta a produtividade da indústria. No entanto, o tubo adquire orientação molecular preferencial na direção longitudinal. Quando essa tubulação 1 Rabello MS, de Paoli MA. Aditivação de Termoplásticos. São Paulo: Artliber; 2013. https://encrypted-tbn0.gstatic.com/images?q=tbn:ANd9GcQO1DAmGJyF2LCc6qrETz6T6IMWIqnE52PGNg&usqp=CAU Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello 16 é pressurizada hidrostaticamente, os componentes multiaxiais de tensão encontram regiões de baixa resistência mecânica, causando falha na direção axial do tubo, conforme imagem mostrada na imagem acima. Aspectos de projeto. Diferentemente de um corpo de prova, que tem uma geometria simples e uniformidade de espessura, um produto final pode conter inúmeros elementos de projeto, incluindo: variações de espessura, cantos vivos, insertos, linhas de solda, orifícios, reforços estruturais (ribs), impressões, baixo/alto relevo, campos de fluxo variáveis, etc. Um exemplo dessa diferença está mostrado na Figura 1.3. Esses elementos estão presentes para contemplar as necessidades do produto, mas também interferem no comportamento mecânico. O campo de tensões existente varia consideravelmente de ponto a ponto, ao contrário de um simples corpo de produto com suas características de maior uniformidade. Dessa forma, deduzir o comportamento final de um produto apenas a partir das propriedades aferidas em corpos de prova é uma grande simplificação para uma questão de alta complexidade. Os softwares mais modernos de CAD (computer aid design) permitem uma melhor estimativa de comportamento a partirdas propriedades da matéria-prima e das características do projeto. Ambiente de utilização. Todos os materiais têm as suas propriedades alteradas em função das condições ambientais. No entanto, nos polímeros essa influência é muito mais evidente do que nas cerâmicas e nos metais. Isso devido a maior sensibilidade dos polímeros com a variação de temperatura e a uma certa instabilidade das ligações químicas. Os principais fatores do ambiente que alteram as propriedades dos produtos poliméricos são: temperatura, radiação ultravioleta ou de alta energia, umidade e agentes químicos. Esses fatores podem causar alterações nas propriedades sem efeito nas macromoléculas, como no caso de oscilações na temperatura e presença de humidade em polímeros higroscópicos ou podem causar reações nas moléculas do polímero, resultando em degradação química, por exemplo. Figura 1.3. Ilustrações de corpo de prova e de um produto final em imagens CAD. Clique na imagem para hiperlink. https://www.thingiverse.com/thing:2332080 https://grabcad.com/library/plastic-component-automobile-1 Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello 17 Em referência ao título deste livro – Estrutura e Propriedades de Polímeros – cabe algumas considerações sobre o termo “Estrutura”. A relação entre a estrutura interna de um material e as suas propriedades é a premissa mais relevante da ciência dos materiais. Em geral, os autores tratam a questão “estrutura” principalmente sob a perspectiva cristalográfica, enfatizando os retículos cristalinos, planos, defeitos, arranjos, etc. Neste livro adotaremos um conceito de estrutura mais amplo, envolvendo basicamente as influências em 3 eixos: Eixo 1: tipo de polímero. Esse é o aspecto estrutural mais básico e mais importante, o que é definido pela estrutura química da unidade repetitiva – o “DNA” do polímero, o que mais caracteriza a sua identidade. Por que um polietileno é tão diferente de um PVC ou de um PET? Em primeira análise, por sua estrutura química! Eixo 2: polimerização. A polimerização define a estrutura molecular do polímero, como a massa molar e sua distribuição, configuração, presença e arranjo de co-monômeros, ocorrência de defeitos (incluindo ramificações). São essas características que irão definir os grades que as petroquímicas fabricam para atender às necessidades das indústrias de transformação e os requisitos das aplicações. Por exemplo, grades para injeção de paredes finas possuem massa molar mais baixa e distribuição de massa molar mais estreita do que grades para a fabricação de filmes por extrusão. Grades de polipropileno para uso em baixas temperaturas contém o etileno como co-monômero, o que reduz a sua temperatura de fragilização. Eixo 3: processamento. Como mencionado anteriormente, o processamento, além de conferir uma forma física ao material, também confere uma estrutura interna. Os principais aspectos estruturais definidos pelo processamento são: grau de cristalinidade, morfologia, retículo cristalográfico e orientações molecular e cristalina. Esses fatores são dependentes, além da técnica escolhida para o processamento, das condições de operação. Influências importantes são: temperatura (do cilindro, do molde de injeção ou da unidade de resfriamento pós-extrusão), pressão (de injeção e de recalque), velocidade (de puxamento pós-extrusão, da rosca ou de injeção), tempos diversos, etc. Por exemplo, ao se fazer a injeção de um polímero cristalizável em um molde gelado, o produto obtido será menos cristalino e terá maior orientação molecular em comparação com um produto injetado em molde aquecido. Além desses aspectos da estrutura física obtida, o processamento também define o grau de reticulação, para o caso de elastômeros e termofixos, uma vez que a formação de reticulações ocorre principalmente durante a etapa de processamento. Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello 18 Esses fatores estruturais impactam em todas as propriedades dos materiais poliméricos: físicas, mecânicas, químicas, transições térmicas, etc. Ao longo dos próximos capítulos essas relações serão abordadas detalhadamente. De um modo geral, as propriedades dos polímeros podem ser divididas em duas classes: as que dependem da natureza orgânica e as que têm implicações da natureza macromolecular. Propriedades gerais que dependem da natureza orgânica: baixa densidade – em geral na faixa 0,9 a 1,5g/cm3; baixas condutividades térmica e elétrica; baixa temperatura limite de uso; combustibilidade (mas existem exceções); sofrem deterioração ambiental. Implicações da natureza macromolecular: formação de novelos e emaranhados; são amorfos ou semi-cristalinos; as regiões amorfas apresentam uma transição vítrea; propriedades mecânicas dependem do tempo de aplicação do esforço; podem apresentar grandes deformações permanentes; facilidade de formação de filmes e fibras; orientação molecular pode ocorrer durante o processamento. A partir dos próximos capítulos deste livro, os temas serão apresentados de modo coerente com o nível de entendimento requerido, iniciando-se com uma revisão sobre as estruturas básicas, seguido da importância dos estados físicos e transições. A estruturação dos polímeros semi-cristalinos e as influências cinéticas serão descritos nos capítulos 4 e 5. No capítulo 6 as propriedades mecânicas e de fratura serão abordados com base na influência das características estruturais. O capítulo final resume os fatores que definem as propriedades e inclui alguns outros conceitos não abordados anteriormente, como a degradação química e o stress cracking. O leitor pode aprofundar os temas tratados aqui através da literatura clássica sobre física e propriedades de polímeros, recomendada ao final de cada capítulo. Os sites da internet também são importantes fontes de consulta e serão citados oportunamente. Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello 19 Como você sabe que é um polímero? Uma questão simples: quando você está diante de um “plástico”, como você sabe que se trata de um polímero e não de uma substância de baixa massa molar? Você pode determinar a massa molar da substância e, se for maior do que 10.000g/mol... Como nem sempre fazer esse tipo de determinação é possível, eis dois experimentos simples. 1. Amoleça o material e, com uma pinça ou alicate, faça um esforço de estiramento na região amolecida. Se formar fibra, é um polímero! 2. Dissolva o material e entorne a solução em uma superfície plana. Ao evaporar o solvente, se formar um filme (e não partículas), trata-se de um polímero. Esses testes valem para polímeros termoplásticos. Os termofixos devem inchar no contato com solventes. A forte dependência das propriedades com a orientação das moléculas. 2. Conceitos e estruturas básicas Os polímeros compreendem uma classe de materiais, de natureza orgânica, que incluem: plásticos resinas borrachas espumas adesivos tintas vernizes fibras sintéticas produtos naturais como amido, celulose, proteína, madeira, couro, cabelo, DNA, unha, chifre... O que todos esses produtos têm em comum é que são constituídos por grandes moléculas, com massa molar que podem variar de, digamos, 10.000 a 10.000.000g/mol. Os polímeros são formados por unidades repetitivas (“polímero” vem do grego: poli=muitos; mero= repetição), unidas por ligações químicas covalentes. A alta massa molar, portanto,é a principal característica dos polímeros, que afeta direta ou indiretamente a maioria de suas propriedades físicas e químicas. A Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello 21 grande importância da massa molar para o comportamento mecânico e as aplicações dos polímeros pode ser exemplificado para o caso do polietileno. Esse polímero é comercializado em uma ampla faixa de massas molares, que definem as características dos grades produzidos pelas petroquímicas. Veja abaixo algumas aplicações: cola quente: utiliza-se massa molar relativamente baixa (até 50.000 g/mol) para permitir boa fluidez durante a aplicação. Alta resistência mecânica não é um requisito indispensável para a aplicação, já que é utilizado como um adesivo prático, mas de baixa resistência; utilidades domésticas e recipientes: utiliza-se massa molar média (até 100.000 g/mol). Produtos precisam ter desempenho mecânico compatível com a aplicação, mas, principalmente, boa processabilidade para que sejam competitivos em um ramo onde o baixo custo de venda é essencial; Filmes e fibras: utiliza-se massa molar mais alta (até 300-400.000 g/mol). Como são processados por extrusão, necessita-se de resistência no estado fundido, além de alta resistência à tração dos produtos finais; tanques de combustível: são produzidos com grades de alta massa molar (até 700.000g/mol). Nesse caso, embora o processamento por extrusão-sopro seja dificultado por uma massa molar tão alta, o nível de exigência da aplicação é altíssimo por se tratar de um componente crítico da indústria automobilística onde se requer altíssima resistência mecânica, além de resistência ao stress cracking devido ao contato direto com o combustível. Clique aqui e aqui e veja como esse tipo de produto é fabricado. Implantes ortopédicos: utiliza-se o polietileno de ultra alta massa molar (acima de 1.000.000g/mol). Trata-se de um grade especial com massa molar tão elevada que o processamento pelos procedimentos convencionais torna- se inviável. Os grandes tamanhos moleculares resultam em valores muito altos de resistência ao impacto, resistência química e resistência ao desgaste. O custo muito mais elevado desse grade, aliado à dificuldade de processamento, restringe a sua aplicação a produtos muito especiais, como o copo acetabular da imagem ao lado. Por serem uma classe de materiais bastante abrangente, a tarefa de classificar os polímeros pode ser complexa e não definitiva. A literatura adota várias formas de classificação, como nos exemplos a seguir: https://www.youtube.com/watch?v=fxyP38J1SPA https://www.youtube.com/watch?v=rWhv_dixwu8 http://www.ibtplasticos.ind.br/wp-content/uploads/2017/06/tanques-soprados.jpeg https://iwmello.com.br/img/uploads/blog/1556631157-protese de ombro.png Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello 22 estrutura química: olefínicos, clorados, fluorados, estirênicos, acrílicos, poliésteres, poliamidas, siliconados, etc.; arquitetura molecular: lineares, ramificados e reticulados; comportamento térmico: termoplásticos e termofixos; configuração: isotáticos, sindiotáticos, atáticos, cis-trans, etc.; ordem estrutural: amorfos e semi-cristalinos; tipo de unidade de repetição: homopolímeros e copolímeros; aplicação: uso geral, de engenharia, de alto desempenho, biomaterial, etc.; tipo de reação de polimerização: de adição e de condensação; origem: naturais, naturais modificados e sintéticos; Devido à relação mais direta com o conteúdo deste livro, serão descritos a seguir os tipos de polímeros quanto à arquitetura molecular e quanto ao tipo de arranjo e algumas de suas consequências. 2.1. Arquitetura molecular e forças coesivas Dependendo de dois fatores, funcionalidade (número de pontos reativos do monômero) e controle durante a polimerização, os polímeros podem apresentar uma arquitetura molecular do tipo linear, ramificada ou reticulada, conforme representação esquemática da Figura 2.1. Os lineares e ramificados apresentam comportamento do tipo termoplástico, que são solúveis e fusíveis. Esse tipo de estrutura favorece as etapas de processamento e reciclagem pois envolvem apenas processos de fusão/amolecimento e solidificação. Como consequência, os termoplásticos compreendem o maior volume de produção em bens de consumo, com cerca de 80% da fatia de mercado (Biron 2014). As ramificações que ocorrem em polímeros termoplásticos decorrem de desvios das reações de polimerização. Por exemplo, quando o etileno é polimerizado em baixa pressão e com sistema catalítico apropriado, forma-se um polímero com arquitetura essencialmente linear – o polietileno de alta densidade (PEAD). Por outro lado, quando é polimerizado em alta pressão e alta temperatura, a seletividade da reação é reduzida e forma-se, durante a síntese, cadeias ramificadas que constituem o polietileno de baixa densidade (PEBD). Esses e outros tipos de polietilenos e suas peculiaridades estruturais e consequência para as propriedades serão discutidos posteriormente (seção 4.2.1). Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello 23 Figura 2.1. Representação esquemática de estruturas moleculares linear (a), ramificada (b) e reticulada (c) (Bower 2002) Os polímeros chamados termofixos têm arquitetura reticulada, com ligações covalentes entre as cadeias e, uma vez formadas, torna o material infusível e insolúvel. Nessa classe de materiais, as reticulações são geradas durante a polimerização ou, mais frequentemente, durante o processamento. Os elastômeros podem ser considerados um tipo especial de termofixo em que as cadeias são flexíveis e possuem um número relativamente pequeno de reticulações, fatores que, aliados, permitem grande elasticidade. Os polímeros reticulados têm algumas limitações para a reciclagem, em virtude das ligações intermoleculares covalentes. Isso difere dos termoplásticos, que possuem as cadeias moleculares conectadas entre si por ligações químicas secundárias. Sobre essas forças de ligação existentes nos polímeros, as forças coesivas, vale aqui uma rápida revisão. As ligações químicas existentes nos polímeros podem ser de dois tipos: ligações covalentes (primárias) e ligações secundárias, cujas energias de dissociação estão mostradas na Tabela 2.1. Nos termoplásticos as ligações primárias estão presentes apenas na cadeia principal, enquanto que estas cadeias permanecem unidas umas às outras por ligações secundárias, com nível de interação muito menor do que nas ligações covalentes. Nos termofixos, incluindo os elastômeros, existem ligações primárias também entre as cadeias adjacentes (Figura 2.1c), o que os tornam mais estáveis dimensional e termicamente. Nos termoplásticos, a fusão (ou amolecimento) ocorre quanto a energia do sistema supera a energia de dissociação das ligações secundárias, isto é, quando a temperatura atinge certos níveis. Como a diferença de energia de dissociação das ligações primárias e secundárias é muito alta, esse amolecimento ocorre, a princípio, sem afetar as ligações primárias, daí o termoplástico poder ser reprocessado repetidas vezes. Nos termofixos não ocorre o amolecimento após o material estar reticulado, pois a energia das ligações intermoleculares (covalentes) é da mesma ordem de magnitude das ligações intramoleculares (também covalentes). Assim, caso a temperatura seja muito elevada, ocorrerá a decomposição do material sem o amolecimento, resultado da ruptura das ligações covalentes – tanto entre as cadeias quantoao longo da cadeia principal. Embora existam procedimentos químicos especiais para romper seletivamente apenas as reticulações (La Rosa et al. 2018), os termofixos não são reprocessáveis com as mesma facilidade dos termoplásticos. Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello 24 Tabela 2.1. Energia de dissociação e comprimento da ligação de diferentes tipos de ligação química. Fonte: (Gedde 1995). Tipo de ligação Energia (KJ/mol) Comprimento (nm) Covalente 300-500 0,15 (ex.: C-C, C-N, C-O) Secundária Van der Waals 10 0,4 Dipolo-dipolo 30-50 0,4 Ponte de hidrogênio 50-100 0,3 Borracha: desvulcanização e reciclagem Se o lixo plástico é motivo de preocupação para os ambientalistas e para a sociedade em geral, o que dirá o lixo de borrachas, em que os processos de reciclagem não são tão simples quanto os utilizados para termoplásticos? Descarte em aterro e incineração já não são procedimentos mais aceitos pela sociedade, sendo necessário a utilização de rotas de recuperação do material, o que pode envolver processos de desvulcanização. As ligações de reticulação de um elastômero podem ser quebradas por procedimentos como termo-mecânico, micro-ondas, ultrassom ou por agentes químicos específicos (Gursel, Akca, and Sen 2018), tornando viável o reprocessamento da borracha. No caso dos vulcanizados com enxofre, a quebra das ligações cruzadas é bem mais fácil do que nos reticulados com peróxido, uma vez que a magnitude das ligações S-S (27-60kcal/mol) é consideravelmente menor que das ligações da cadeia da borracha (300-500kcal/mol), favorecendo a desvulcanização em detrimento da degradação da molécula principal. O processo, entretanto, precisa ser otimizado pois é dependente de várias variáveis como tempo, temperatura, tipo e concentração dos agentes químicos, etc. (Sabzekar et al. 2015) e, além disso, ocorrem muitas reações simultâneas, nem sempre favoráveis à desculvanização. Um procedimento tecnológico de reciclagem de pneus pode ser visualizado nesse link, e o material resultante pode ser utilizado também para fabricação de asfalto. https://www.youtube.com/watch?v=ldE-mam2rq8 https://www.youtube.com/watch?v=4LyoPDjfgJ4 https://www.utep.com.br/images/empresa-de-reciclagem-de-pneus-e-residuos-de-borrachas-02.jpg Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello 25 As ligações covalentes ao longo das cadeias (intramoleculares) têm importância menor do que podem aparentar. A sua influência nas propriedades mecânicas é relativamente pequena uma vez que os processos de fratura ocorrem principalmente por mecanismos de formação e propagação de trincas e não por cisão das cadeias poliméricas (ver seção 6.2). Essas ligações, por outro lado, irão definir a estabilidade térmica do material – a sua temperatura de decomposição. A degradação de um polímero ocorre através de processos auto catalíticos que são iniciados a partir da cisão de ligações covalentes e são acelerados na presença de oxigênio. Nesse contexto, vale o princípio de que a estabilidade térmica é dependente do seu elo mais fraco. A intensidade das ligações covalentes, dessa forma, irá definir a temperatura de início da decomposição de um material polimérico – aspecto extremamente importante a ser considerado na definição das condições de processamento e, em alguns casos, na temperatura máxima de uso. Quando a cisão molecular ocorre na cadeia principal o efeito negativo nas propriedades é muito maior pois a redução na massa molar é muito mais drástica. Isso ocorre, por exemplo, quando existem heteroátomos na cadeia principal e as energias de dissociação são menores do que as de carbono-carbono. No caso das poliamidas, a ligação C-N é mais instável do que a ligação C-C (292 e 347kJ/mol, respectivamente), sendo o local mais provável de início das reações de degradação. Esse problema se torna mais crítico quando as ligações são hidrolisáveis, como nas poliamidas e poliésteres, em que a presença de umidade leva às reações de cisão por hidrólise, que ocorrem em temperaturas mais baixas do que as de decomposição térmica. Esse último caso tem grande influência prática e será tratado posteriormente neste livro (seção 7.5.2). As ligações intermoleculares têm efeitos diferentes nos termofixos e termoplásticos. Nos termofixos (incluindo os elastômeros), as reticulações (ligações covalentes) são formadas durante o processamento e afetam diretamente todas as propriedades físicas, químicas e mecânicas. Quanto maior o número de reticulações, mais conectadas estarão as moléculas poliméricas, resultando em maiores módulo de elasticidade, dureza, resistência ao calor, resistência química e menor deformação na ruptura. Nos termoplásticos a intensidade das forças intermoleculares (secundárias) afetam principalmente as transições térmicas e as propriedades mecânicas. As ligações secundárias presentes nos polímeros serão descritas a seguir. Para facilitar o entendimento, sugere-se visualizar este vídeo, que contém animação dos fenômenos moleculares descritos. Forças de dispersão (van der Waals). Presente entre moléculas de baixa polaridade, como polietileno, poliestireno e polipropileno, é formada pelos momentos de dipolo, que oscilam de positivo para negativo ao longo do tempo, como resultado de configurações instantâneas diferentes dos elétrons e núcleos. Isso gera uma polarização temporária e, consequentemente, uma atração entre grupos de átomos adjacentes. Quando existem mais de um tipo de ligação secundária em um polímero https://www.youtube.com/watch?v=9YwdeEDrfPI Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello 26 (por exemplo, força de dispersão e ponte de hidrogênio), esse tipo de atração torna-se desprezível. Neste vídeo, observa-se que a ligação do tipo van der Waals é responsável pela grande habilidade do lagarto Gecko aderir em superfícies diversas e isso tem inspirado a criação de robôs e outros produtos baseados no mesmo princípio. Forças de dipolo. Estão presentes em átomos carregados com cargas opostas, como ocorre em polímeros polares como o PVC e o poli(fluoreto de vinila), criando um momento permanente cuja intensidade aumenta com a diminuição da distância entre os átomos carregados. Este tipo de interação é muito dependente da temperatura pois a agitação térmica desalinha os dipolos. Ponte de hidrogênio. Esse tipo de ligação secundária é mais forte do que as demais, estando presente em poliamidas, proteínas, álcool polivinílico, celulose, etc. A ponte de hidrogênio ocorre entre dois grupos funcionais: um grupo ácido (doador de prótons), como hidroxil, carbonil ou amina, em que o hidrogênio está ligado covalentemente e um grupo básico, como (i) oxigênio em carbonila, éter ou hidroxila ou (ii) nitrogênio em aminas ou amidas. Assim, o hidrogênio serve de ponte entre dois grupos diferentes, o que é facilitado pelo seu pequeno tamanho, que possibilita o seu posicionamento em pequenas distâncias, viabilizando a transferência de prótons. O maior exemplo desse tipo de ligação é a água – por ter uma massa molar muito baixa, a água não deveria ser líquida na temperatura ambiente se não fosse pela existência das pontes de hidrogênio. A medida das forças intermoleculares é dada pela densidade de energia coesiva (CED), que significa a energia necessária para remover uma molécula de um líquido ou sólido para uma posição longe dos seus vizinhos, ou seja, para separar os grupos químicos que estão sendo atraídos entre si. Exemplos de CED para alguns polímeros estão mostrados na Tabela2.2, onde se observa que a CED aumenta com a polaridade dos grupos substituintes. Casos extremos ocorrem em que essas forças são tão fortes que o polímero não funde/amolece durante o aquecimento, apresentando um comportamento térmico semelhante ao de um termofixo (decomposição sem amolecimento) – mesmo sem possuir reticulações. É o que ocorre, por exemplo, com celulose, poliimidas e poliamidas aromáticas (aramida), que possuem também cadeias poliméricas extremamente rígidas (Figura 2.2), dificultando a movimentação e, assim, o afastamento dos grupos polares para ocorrer a fusão/amolecimento. Os polímeros apolares, como polietileno e polipropileno, necessitam alta massa molar para que apresentem um bom comportamento mecânico, como mencionado anteriormente. A razão para isso é que a coesão mecânica do material é muito dependente dos emaranhados moleculares nas regiões amorfas e das cadeias atadoras, que unem os cristalinos às regiões desordenadas. A densidade de energia coesiva desses materiais, sendo baixa, não é suficiente para a obtenção de propriedades CH3 N CH3 O H CH3 N CH3 O H CH3 CH3 H H H H H H Cl Cl CH3 CH3 H Cl H H H H Cl H d- d- d+ d+ https://www.youtube.com/watch?v=gzm7yD-JuyM&list=WL&index=8&t=12s Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello 27 mecânicas adequadas. Por outro lado, os polímeros polares, como poliamidas e poliésteres, por possuírem cadeias mais fortemente unidas entre si, são menos dependentes de alta massa molar para desenvolverem boas propriedades. Não que para esses materiais os emaranhados não sejam importantes, absolutamente, mas as altas forças de atração auxiliam na coesão macromolecular, tornando-os menos dependentes dos grandes tamanhos moleculares. Além disso, quanto maior a massa molar, maior o número de pontos de contato (conexões polares) por cadeia e isso dificulta os processos de fusão/amolecimento pois a quantidade total de energia para superar essa maior densidade de energia coesiva pode, eventualmente, ser suficiente para iniciar a ruptura das ligações covalentes intramoleculares, provocando a decomposição antes ou durante a fusão/amolecimento. Vale observar que, do ponto de vista de processamento, a janela de operação (isto é, a diferença entre as temperaturas de decomposição e de fusão/amolecimento) deve ser larga o suficiente para permitir um processamento seguro. Em geral os polímeros polares possuem alta temperatura de fusão e, por possuírem heteroátomos na cadeia principal, apresentam temperatura de decomposição relativamente baixa. Se a massa molar for muito alta, é necessário realizar o processamento em altas temperaturas para que a viscosidade seja compatível, o que aumenta consideravelmente os riscos de decomposição térmica. Assim, enquanto os polímeros comerciais de baixa polaridade possuem massa molar acima de 100.000 g/mol, enquanto que para os polares esses valores dificilmente são superiores a 50.000 g/mol. Tabela 2.2. Densidade de energia coesiva (CED) de alguns polímeros comerciais (Billmeyer 1984). Polímero Estrutura química CED (J/cm3) Polietileno 259 Poliestireno 310 Policloreto de vinila – PVC 381 Politereftalato de etileno- PET 477 Poliamida 66 NH (CH2)6 NH C O (CH2)4 C O 774 Poliacrilonitila CH2 CH C N 992 CH2 CH2 Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello 28 (a) (b) (c) Figura 2.2. Estruturas químicas da celulose (a), poliimida (b) e aramida (c). 2.2. Orientação molecular e anisotropia Além do comportamento térmico de termoplásticos e termofixos, uma das principais consequências da diferença de magnitude entre as forças coesivas primárias e secundárias existentes nos polímeros é a anisotropia decorrente da orientação molecular. A maioria das técnicas de processamento envolve o escoamento do polímero fundido (melt) entre canais do equipamento ou mesmo em operações de estiramento, resultando em orientação molecular preferencial na direção do fluxo, conforme ilustração da Figura 2.3. Parte da orientação gerada durante o processamento pode ser perdida por relaxações moleculares, que tendem a manter as macromoléculas no estado enovelado (de baixa energia). No entanto, o choque térmico que ocorre no resfriamento do melt resulta em uma orientação molecular congelada (frozen-in orientation). Esse fenômeno pode ser bastante complexo, com grandes variações estruturais em função da posição no produto moldado e será abordado com maiores detalhes na seção 5.4. Por hora, é importante considerar que a orientação molecular gerada durante o processamento gera anisotropia de propriedades, especialmente no comportamento mecânico. Figura 2.3. Representação esquemática da orientação molecular como consequência do estiramento durante o processamento (Ahmed 2014). A origem da anisotropia de propriedades está na diferença de intensidade entre as ligações covalentes intramoleculares e as secundárias intermoleculares. Ao longo da orientação preferencial se tem um maior predomínio das ligações mais fortes, resultando em maiores valores de módulo elástico O N O OO O N C O C N H O N H Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello 29 e de resistência tênsil nessa direção. Caso a solicitação mecânica seja feita na direção das ligações secundárias (transversal à orientação preferencial) a força necessária para a deformação e ruptura é muito mais baixa do que quando o esforço é aplicado na direção paralela à da orientação. A Figura 2.4 exemplifica essa diferença de comportamento para o caso do polietileno estirado a frio, que causa orientação molecular na direção da deformação. Note-se que quanto maior a razão de estiramento maior a resistência na direção da orientação em detrimento da resistência na direção ortogonal. Figura 2.4. Efeito do estiramento a frio na resistência à tração do polietileno linear de baixa densidade, medida na direção do estiramento e na direção ortogonal (Razavi-Nouri and Hay 2004). A anisotropia de propriedades pode ser utilizada na fabricação de produtos com extraordinário desempenho mecânico se valendo de uma alta orientação molecular gerada durante o processamento. Os maiores exemplos são as fibras e, em menor intensidade, os filmes. Nesses casos, os produtos extrudados recebem uma força axial de puxamento logo após a saída da matriz. Na produção de fibras, esse puxamento é aplicado com uma velocidade de até 3000m/min, provocando uma altíssima orientação molecular no sentido axial, resultando em propriedades mecânicas extremamente elevadas. Isso pode ser realizado a partir do melt (melt spinning) ou a partir de soluções concentradas com simultânea evaporação do solvente (gel spinning). Dentre os diversos usos das fibras poliméricas, tem-se os produtos de alto desempenho, em aplicações como cordas e cintas para amarração de navios e tecidos para esportes náuticos de alta performance. Esses e outros casos estão exemplificados neste link. Os principais polímeros utilizados para essas aplicações são o polietileno de alta ou altíssima massa molar, http://www.csl.com.br/projetos/csl.com.br/painel/arquivos/File/CSL%20-%20A%20Compilation%20on%20HMPE%20Fiber.pdf https://oceanrope.com/wp-content/uploads/2016/10/IMG_0224-1.jpg Estrutura e Propriedades de PolímerosMarcelo Silveira Rabello 30 as aramidas (como o Kevlar®) e poliésteres (como o Mylar®). A grande diferença de comportamento entre um polímero ultraorientado e normal está ilustrado na Figura 2.5 para o caso do módulo elástico. Figura 2.5. Módulo elástico do PE em diferentes condições: (A) não orientado; (B) orientação intermediária; (C) ultraorientado (Birley, Haworth, and Batchelor 1992). Em aplicações como fibras, o produto se beneficia da alta orientação molecular para potencializar a performance uma vez que a direção de solicitação mecânica é pré-determinada e coincidente com a direção de orientação. No entanto, em produtos em que a direção da solicitação é incerta, a ocorrência de orientação preferencial quase sempre é indesejável. Esse é o caso de, por exemplo, produtos injetados utilizados nas indústrias automobilística ou de eletroeletrônicos. A maior resistência em uma direção ocorrerá em detrimento de um comportamento inferior na direção ortogonal (conforme mostrado na Figura 2.4) e isso pode ser indesejável do ponto de vista de projeto do produto. A situação é ainda pior se o componente for submetido a esforços de impacto uma vez que nesse tipo de solicitação não existe a direcionalidade da força. A energia aplicada pelo impacto de um corpo sobre o produto é decomposta em esforços multiaxiais (Figura 2.6). Quando vetores de força encontram orientação desfavorável, i.e., com predominância das ligações intermoleculares, ocorre a iniciação e propagação de trincas resultando em falha catastrófica com baixa absorção de energia de impacto. Os resultados experimentais da Figura 2.7 exemplificam esse tipo de comportamento, onde uma queda substancial na energia de fratura é observada quando se tem maior orientação molecular. Essa é a razão pelo qual se almeja a produção de artigos que tenha pouca ou nenhuma orientação molecular quando esses são sujeitos a esforços de impacto. Para que isso seja alcançado, o projeto do molde de injeção, por exemplo, é extremamente importante pois os fluxos de melt existentes nas cavidades do molde dependem principalmente do projeto da ferramenta. As condições de processamento também exercem influência neste aspecto. Um outro exemplo em que a alta orientação molecular resulta em situação desfavorável é o caso de tubos produzidos por extrusão, já Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello 31 mencionado no Capítulo 1, em que a pressão hidrostática, de natureza multiaxial, induz a geração e propagação de trincas ao longo do eixo longitudinal. Figura 2.6. Esforços de impacto decomposto em multiaxiais. Figura 2.7. Energia de fratura do poliestireno produzido com diferentes níveis de orientação molecular, medida pela birrefringência (Curtis 1970). 2.3. Configurações moleculares As cadeias poliméricas, graças a um controle estereoespecífico durante a síntese, podem existir em diferentes configurações. O termo significa que os arranjos dos átomos ou grupo de átomos ao longo da cadeia não podem ser alterados sem que haja cisão das ligações químicas primárias. Ou seja, determinadas características moleculares são, essencialmente, definitivas. Os principais tipos de configuração são (i) as que envolvem o carbono assimétrico, como a taticidade e as configurações do tipo cabeça-cauda e (ii) as que envolvem ligações duplas carbono-carbono, cis ou trans. Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello 32 A Figura 2.8 mostra as formas de taticidade do polipropileno. A estrutura isotática possui os grupos metil arranjados predominantemente em um mesmo lado planar da cadeia. Se esses grupos estiverem dispostos de forma alternada em relação ao plano da cadeia principal, a estrutura é dita sindiotática e, caso não haja ordem da disposição dos grupos substituintes, o polímero é atático. Vale observar que apenas após o surgimento dos sistemas catalíticos por mecanismos de coordenação, como os do tipo Ziegler-Natta ou metalocenos, foi possível sintetizar polímeros com configurações regulares como os isotáticos e os sindiotáticos. Isso representou uma grande evolução na tecnologia de polimerização uma vez que os polímeros estereoregulares, como o PP isotático, possuem um balanço de propriedades muito mais favorável do que os não regulares. O PP atático, por exemplo, pode ser sintetizado facilmente por reações via radicais livres mas apresenta muito pouca importância comercial. Isso é consequência da sua impossibilidade de cristalizar, o que será discutido na seção 4.1. CH2 CH CH2 CH3 CH CH3 CH2 CH CH2 CH3 CH CH3 (a) CH2 CH CH2 CH3 CH CH2 CH CH2 CH3 CH CH3 CH3 (b) Figura 2.8. Formas de taticidade do polipropileno. (a) Isotático e (b) sindiotático. Na configuração atática não existe ordem no posicionamento dos grupos substituintes. A posição de adição da unidade monomérica durante a síntese também pode gerar um outro tipo de arranjo configuracional. A Figura 2.9 mostra que a posição relativa do grupo substituinte pode levar à estruturas diferentes, dependendo de qual carbono do monômero é adicionado à cadeia em crescimento. O tipo cabeça-cauda é mais favorável tanto por razões espaciais quanto energéticas. Pode haver também adição aleatória, não existindo ordem pré-definida de posicionamento. CH2 CH CH2 CH3 CH CH3 CH2 CH CH2 CH3 CH CH3 (a) CH2 CH CH3 CH CH3 CH2 CH CH3 CH CH3 CH2 (b) Figura 2.9. Configurações cabeça-cauda (a) e cabeça-cabeça (b) do polipropileno. Um último tipo de estereoisomerismo é a variedade cis-trans, presente em polímeros com insaturações na cadeia principal, como em muitos elastômeros (Figura 2.10) e resulta do fato da Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello 33 rotação atômica não ser livre ao redor de uma ligação dupla. Os segmentos de cadeia em cada átomo de carbono da ligação dupla podem estar localizados no mesmo lado da ligação dupla na configuração cis (Figura 2.10a) e em lados opostos na configuração trans (Figura 2.10b). Esse tipo de configuração também é definida pela síntese. (a) (b) Figura 2.10. Configurações cis (a) e trans (b) do poli(isopreno). O tipo de configuração é de extrema importância para a formação estrutural do polímero e, consequentemente, para as suas propriedades. A influência mais direta é na capacidade de cristalização (cristalizabilidade), com consequências para as propriedades físicas e mecânicas. Por exemplo, o polipropileno isotático é um plástico dúctil e semicristalino na temperatura ambiente e funde por volta de 160°C, enquanto que a configuração atática deste mesmo polímero tem um aspecto de cera na temperatura ambiente e não tem aplicações comerciais. Por outro lado, o poliestireno sindiotático é semicristalino e muito quebradiço enquanto que a sua forma atática é amorfa e apresenta um balanço de propriedades mais favorável, sendo o tipo utilizado comercialmente. Um outro exemplo é o poli(isopreno), que na sua forma trans é um plástico semicristalino muito rígido enquanto que a configuração cis é um elastômero com excelentes propriedades elásticas. Apesar de todos os avanços que as tecnologias de síntese têm alcançado, são raros os casos em que a estrutura molecular possui apenas um tipo de configuração (por exemplo, totalmente isotático). A perfeição configuracional é dificilmente atingida, dado ao elevado número de reações que ocorre entre monômeros para formar uma molécula de alta massa molar. Assim, adepender do controle durante a polimerização e também da estrutura química do monômero, se obtém polímeros com um percentual de estereoregularidade. Por exemplo, 97% isotático, 90% trans ou 99% cabeça- cauda. CH2 H CH2 CH3 CH2 H CH2 CH3 CH2 H CH2 CH3 CH2 H3C H CH2 CH2 CH2 H3C H CH2 CH2 CH2 H3C H CH2 Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello 34 2.4. Conformações e flexibilidade da cadeia polimérica Devido à natureza das ligações covalentes, aliado à energia térmica existente, as cadeias poliméricas podem assumir diferentes conformações, que são arranjos moleculares espaciais que podem ser alterados por rotações em ligações covalentes simples. Em outras palavras, o arranjo espacial não é fixo, podendo ser modificado inúmeras vezes em frações de segundo. Isso ocorre pois há uma certa liberdade de movimentação dos grupos da cadeia, que depende do caráter da ligação química na cadeia principal e dos substituintes laterais. Nos polímeros os principais tipos de conformações são as trans-gauche e as helicoidais. A conformação do tipo trans-gauche é a mais comum. Uma molécula orgânica pode assumir formas em zig-zag, estendida, caracterizando a conformação trans. O ângulo de equilíbrio entre os átomos de carbono é mantido, assim como a disposição espacial dos átomos e grupos substituintes. No entanto, como existe a possibilidade de rotação das ligações covalentes, esse ângulo de equilíbrio pode ser alcançado em uma outra disposição espacial da molécula, conforme esquema ao lado. As conformações podem ser alteradas livremente, resultando em um arranjo molecular não fixo. Como o número de arranjos conformacionais possíveis aumenta com o número de ligações químicas na cadeia principal, pode-se considerar que, no caso dos polímeros com suas milhares (ou de centenas de milhares) de ligações covalentes, a probabilidade desta molécula possuir apenas conformações trans (com a consequente cadeia completamente estendida) é extremamente baixa1. A alternância contínua de conformações trans e gauche, aliada aos grandes tamanhos moleculares, resulta em arranjos moleculares enovelados – por razões termodinâmicas, uma vez que a forma esférica é mais favorável energeticamente. Esse tipo de arranjo é predominante no estado fundido, em solução e nas frações amorfas dos polímeros sólidos. No caso dos cristais poliméricos, ocorrem sequências de conformação trans para favorecer a acomodação dos segmentos moleculares durante a cristalização. O fato de uma molécula polimérica apresentar a tendência a formar novelos e, além disso, possuírem grandes comprimentos e, por fim, coexistirem com inúmeras outras macromoléculas, existe a forte tendência dessas moléculas se enroscarem entre si, formando os chamados emaranhados moleculares. Esses emaranhados criam uma interdependência física entre as macromoléculas, com 1 Foi calculado que uma molécula de polietileno com massa molar 280.000g/mol teria 109542 possíveis conformações. Um número absurdo de 10, seguido por 9542 zeros. Todo o universo não possui tantas moléculas quanto uma simples cadeia de polietileno pode ter em possibilidades de arranjos espaciais! (Elias 1987) trans trans/gauche Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello 35 inúmeras consequências práticas, tais como: alta viscosidade do estado fundido e em solução, tenacidade e resistência tênsil dos polímeros, grande extensibilidade dos elastômeros, resistência ao stress cracking e limitação nos processos de cristalização. A densidade de emaranhados moleculares, portanto, é fator decisivo para o comportamento mecânico e reológico dos polímeros, sendo dependente essencialmente dos tamanhos moleculares, conforme os dados mostrados na Figura 2.11. A tendência dos polímeros de alta massa molar apresentarem comportamento mecânico superior é atribuído, em grande parte, aos emaranhados moleculares. O outro fator, a ser abordado posteriormente, é a formação de moléculas atadoras, unindo os cristais com as regiões amorfas, que também são fortemente dependentes da massa molar. Figura 2.11. Relação entre a massa molar (Mw) do poli-isopreno e o número de emaranhados por molécula. Baseado nos dados apresentados por (Auhl et al. 2008). Um outro tipo de conformação é a do tipo helicoidal, que ocorre quando o polímero tem grupos laterais volumosos. As cadeias assumem um perfil de hélice, com as ligações alternando nas formas trans e gauche, permitindo a acomodação das moléculas em distâncias mais próximas sem distorção das ligações da cadeia, isto é, mantendo os ângulos de equilíbrio. Esse tipo de conformação ocorre com estruturas moleculares regulares como os polímeros isotáticos e sindiotáticos e se mantém no estado cristalino. O passo da hélice depende do tamanho do substituinte lateral. Por exemplo, no polipropileno tem-se 3 unidades repetitivas por volta, enquanto no PMMA tem-se 5 unidades em 3 voltas. O perfil da hélice pode ser alterado com a temperatura, como ocorre no PTFE. Estrutura e Propriedades de Polímeros Marcelo Silveira Rabello 36 Um fator bastante importante e inerente às formas configuracionais das moléculas é a flexibilidade da cadeia polimérica. A ideia de que as cadeias poderiam ser flexíveis e não cilindros rígidos, como se pensava até 1934, surgiu para explicar as grandes deformações reversíveis dos elastômeros. De fato, as rotações que ocorrem em torno das ligações na cadeia principal denotam uma natureza flexível dessas cadeias. Entretanto, essa facilidade de rotação molecular, alterando as conformações, varia de acordo com a estrutura química do polímero e é controlada pelo fator denominado “barreira de energia para rotação”. Tome-se como exemplo a Figura 2.12, em que uma molécula possui os níveis mais baixos de energia nos ângulos 60, 180 e 300°. Para que haja rotação molecular e o ângulo seja alterado de 60 para 180°, por exemplo, é preciso vencer a barreira de energia, indicada na figura. Essa barreira de energia pode ser fornecida pelo movimento térmico da molécula, caso a temperatura seja suficientemente elevada para isso. Agora imagine que essa molécula possua um grupo substituinte volumoso em que, para haver a rotação molecular, seria preciso vencer uma barreira de energia mais elevada para conseguir “arrastar” esse grupo. A cadeia, dessa forma, se torna menos flexível do que no caso anterior, com menos rotações moleculares. De modo semelhante, quando existem grupos mais polares será preciso superar a energia de interação intermolecular do grupo polar para haver rotação. Novamente, a cadeia se torna menos flexível. Assim, polímeros com grupos volumosos, como poliestireno e poli(metacrilato de metila), possuem cadeias mais rígidas as do o polietileno e as do polibutadieno, por exemplo. PVC, poliamidas e poliésteres, devido à presença dos seus respectivos grupos polares, têm cadeias mais rígidas do que os apolares com polietileno, polipropileno e poli-isopreno. Grupos volumosos (na cadeia principal ou lateral) e polares, como é de se esperar, têm efeitos aditivos, tornando a cadeia com rigidez extrema, como no caso das poliamidas aromáticas. Por outro lado, caso esses grupos estejam bem espaçados ao longo da cadeia, o enrijecimento será menor. Por exemplo, a poliamida 11, que tem 10 grupos CH2 entre os grupos polares de amida, é mais flexível do que a poliamida 6, que possui apenas 5 grupos CH2 entre os amida. Em outro exemplo, a flexibilidade
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