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1 Helano Brilhante – Med79 - UFCG 1 Pancreatite Aguda Abordagem Geral e Análise de Exames Laboratoriais 1. Introdução e Epidemiologia A pancreatite aguda consiste em um processo inflamatório do pâncreas, tendendo a resultar em lesões do tipo parenquimatosas reversíveis. Tal inflamação, por sua vez, pode acometer sistemas extra pancreáticos, apresentando caráter autolimitado ou possibilidade de evolução patológica para necrose local. No Brasil, a incidência desse quadro varia de 15 a 20 casos por 100.000 habitantes. Em 75% desses casos, a etiologia é biliar ou alcoólica. A titulo de ilustração, somente no ano de 2017, no Brasil, foram 32.659 internações hospitalares, 1694 óbitos e quase 26 milhões de reais gastos com pancreatite aguda e outras afecções do pâncreas. Porém, afinal, o que desencadeia a pancreatite aguda? 2. Causas e Fisiopatologia No tocantes às causas da pancreatite aguda, elencam-se como principais as seguintes: ▪ Ingestão de álcool; ▪ Litiase biliar; ▪ Pós Operatório; ▪ Colangiopancreatografia Retrógrada (CPRE); ▪ Traumatismo – especialmente os penetrantes; ▪ Hipertrigliceridemia e Hipercalcemia; ▪ Causa hereditária; ▪ Infecções – Parotidite, hepatite, ECHO, CMV, Micoplasma, Campilobacter, M.avium; ▪ Farmacológica – Valproato, esteroides, azatioprina, Carbamazepina, furosemida, hidroclorotiazida, metildopa, sinvastatina, etc.; ▪ Vasculares – Isquemia, hipoperfusão pós cirúrgica, embolia aterosclerótica. ▪ Outras – Ulcera péptica penetrante, pâncreas dividido, obstrução da ampola de Vater, etc. A partir de um ou mais dos fatores descritos acima, tem-se o inadequado inicio da liberação e da ativação de 2 Helano Brilhante – Med79 - UFCG 2 enzimas pancreáticas, as quais passam a destruir o tecido local, promovendo processo inflamatório agudo. Repare, o pâncreas naturalmente libera enzimas, como quimiotripsina, amilase, lipase, elastase e carboxipeptidase, entre outras. Tais compostos, em sua maioria, encontram-se ainda na forma de zimogênios, ou seja, percussores inativos, que, juntos aos inibidores enzimáticos presentes no suco pancreático, protegem o pâncreas da autodigestão. Por exemplo, é sabido que a ativação intrapancreática inapropriada da tripsina é capaz de ativar outras enzimas, como a pró-fosfolipase e a próelastase, que atuam degradando as células adiposas – Fosfolipase A e lipase – e danificando as fibras elásticas dos vasos sanguíneos – elastase. Tal processo, por sua vez, inicia-se pela lesão de células acinares do pâncreas após evento traumático – algum dos tópicos citados no início desse item, por exemplo. Em sequência, tem-se a liberação de enzimas ativas para o interstício, desencadeando a fusão de grânulos portadores de zimogênios com vesículas lisossomais, onde se encontra a enzima catepsina B – responsável pela conversão do tripsinogênio em tripsina ainda dentro da célula acinar. Tem-se início, de fato, o processo de autodigestão do pâncreas. Outrossim, é importante salientar que a tripsina também é responsável por converter a pré-calicreína em calicreína, passando a estimular o sistema de cininas e, por intermédio da ativação do fator de coagulação XII, estimular a cascata de coagulação e o sistema complemento. Desse modo, observa-se inflamação e processo trombótico de pequenos vasos, além do aumento da ativação de enzimas digestivas pelas células acinares. 3 Helano Brilhante – Med79 - UFCG 3 Em relação à fisiopatologia propriamente dita, tem-se que, até então, não há completa elucidação acerca dos mecanismos da pancreatite aguda. Todavia, sabe-se que o ponto chave consiste na ação de algum dos mecanismos supracitados desencadeando processo lesivo de autofagia tecidual. Repare, a partir do início dessa ação enzimática desregulada se observa dano microvascular, trombose e necrose tissular, saponificação da gordura, liberação de radicais livres e, eventualmente, resposta inflamatória sistêmica progressiva com falha orgânica múltipla. 4 Helano Brilhante – Med79 - UFCG 4 3. Sinas e Sintomas Em relação à identificação da pancreatite aguda, tem- se a presença de dor abdominal intensa ‘em faixa’ nos quadrantes superiores, a qual comumente sofre irradiação para o dorso. Tal dor, por sua vez, pode se manter constante por alguns dias ou apresentar progressão acelerada, atingindo intensidade máxima dentro de 10 a 20 minutos após seu início. Ainda, é possível que o paciente se apresenta em posição antálgica, também conhecida como ‘atitude em prece maometana’, a posição genupeitoral. Além disso, cite-se a presença de náuseas e de vômitos, os quais, em geral, não aliviam o quadro doloroso. Achados gerais são febres, sinais de desidratação e taquicardia. Ademais, existe a possibilidade da presença, por exemplo, de complicações pulmonares, a exemplo de derrame pleural – extensão da inflamação, atelectasia – pela dor ou pela obesidade - e síndrome do desconforto respiratório agudo (SRDA) – associada a infiltrados pulmonares bilaterais. Quanto ao exame físico do paciente, faz-se comum a presença de dor leve à palpação até, nos casos mais graves, sinal de Bloomberg positivo. Além disso, também nos casos mais graves, pode ocorrer distensão abdominal devido ao íleo paralítico, que decorre diretamente do agravo inflamatório intra-abdominal. Também podem ser observados sinais de hemorragia retroperitoneal – Sinal de Gray Turner (equimose em flancos) e Sinal de Cullen (equimose periumbilical). 5 Helano Brilhante – Med79 - UFCG 5 4. Diagnóstico Em relação à clínica, tem-se a sintomatologia característica da pancreatite aguda, acima apresentada, que consiste, de modo geral, em dor em abdome superior com irradiação para dorso associada a vômitos. Além disso, é possível citar o estado de choque e o íleo paralitico como parâmetro que corroboram a suspeita diagnóstica. Já no que tange à esfera laboratorial, tem-se como principais critérios diagnósticos a medição de duas enzimas pancreáticas, a lipase e a amilase. No caso de ambas, tem-se a necessidade de um aumento de, no mínimo, três vezes os seus respectivos valores de referência, o que sustenta especificidade e sensibilidade de 95%. Em resumo, ao se deparar com um paciente apresenta dor abdominal alta aguda e com irradiação para o dorso, observe a história clínica, e suspeite de pancreatite aguda. Em sequência, solicite dosagem de amilase e de lipase a fim de confirmar o diagnóstico. Exames a serem solicitados: amilase, lipase, TGO e TGP, fosfatase alcalina, gama-gt, glicemia, cálcio, bilirrubinas totais e frações, ureia, creatinina, hemograma, PCR, gasometria arterial, sódio, potássio, albumina. Caso a etiologia ainda não seja tão óbvia no primeiro momento solicitar ainda triglicérides e IgG4. Após definição do diagnostico, faz-se necessário também a definição da gravidade do quadro, o que pode ser feito, 6 Helano Brilhante – Med79 - UFCG 6 por exemplo pelos Critérios de Ranson ou pelo Escore APACHE II. Vejamos: Os critérios de Ranson devem ser inicialmente aplicados logo na admissão do paciente e 48h após internação, visando avaliar gravidade e progressão do quadro, respectivamente. A presença de 3 ou mais critérios já permite classificar a pancreatite como grave. Tal escore apresenta sensibilidade de 85% e especificidade de 75%. Vejamos a análise de alguns desses critérios: a. Idade: Quanto mais avançada, mais o paciente se torna suscetível a complicações; b. Glóbulos Brancos: A presença de leucocitose pode indicar infecção paralela à inflamação; c. Desidrogenase Láctica (LDH): Elevação pode indicar dano tecidual. Todavia, é inespecífica; d. Aspartato Aminotransferase (AST): Elevação indica lesão orgânica, especialmente hepática. Pode serum indicativo da dispersão do processo inflamatório; e. Glicemia: Elevada pode indicar inicio de um processo de insuficiência hepática; f. Queda do Hematócrito: Idealmente realizado após 48h da admissão a fim de que se obtenha seu valor real; g. Aumento de Ureia Nitrogenada no Sangue (BUN): Indica processo de dano renal; h. Cálcio Sérico: Caso diminuído, indica intenso processo de necrose gordurosa no pâncreas; i. pO2 Arterial: Caso diminuta, indica processo de hipoxemia; j. Déficit de Base: Indica acidose em curso; 7 Helano Brilhante – Med79 - UFCG 7 k. Perda de Fluidos: Indica perda de líquidos para o 3º espaço devido ao aumento da permeabilidade capilar; ▪ É importante, ainda, ressaltar a existência de uma correlação direta entre a quantidade de critérios encontrados e a taxa de mortalidade. Vejamos: ▪ 0 a 2 critérios – 28%; ▪ 3 a 4 critérios – 15%; ▪ 5 a 6 critérios – 40%; ▪ Acima de 7 critérios - >90%. Em relação ao escore APACHE II, tem-se que ele consiste em um sistema médico de classificação para os índices de gravidade aos quais um paciente internado em uma UTI se encontra submetido. Recomendado pelo Ministério da Saúde, o índice é calculado a partir da soma de 12 critérios clínicos, fisiológicos e laboratoriais que determinam a criticidade do quadro do paciente e o risco de óbito nas suas primeiras 24 horas de UTI. 5. Exames Laboratoriais I. Amilase ▪ Valor de referência: 40 a 140 U/L; ▪ Elevação de 3x esse valor (>500 U/L) apresenta sensibilidade de 67 a 83% e uma especificidade de 85 a 98% para diagnostico de pancreatite aguda; ▪ Elevação ocorre de 2 a 12h após o inicio da dor, e tende a se normalizar após 3 a 5 dias. II. Lipase ▪ Valor de referência: até 140U/L; 8 Helano Brilhante – Med79 - UFCG 8 ▪ Elevação de 2x apresenta de 82 a 100% de sensibilidade e de especificidade diagnosticas; ▪ Elevação é mais duradoura do que a da amilase, e não apresenta outras causas que possam confundir o diagnóstico; ▪ Aumenta de 4 a 8h após o início da dor; ▪ A elevação dos valores das duas enzimas apresenta uma sensibilidade diagnostica de 95%; III. AST – Aspartato Aminotransferase ▪ Referencia: 7 a 42 UI/L; ▪ Presente nos critérios de Ranson (>250 UI/L); ▪ Pode atuar como indicativo de extensão da inflamação pancreática ao tecido hepático; ▪ Geralmente, encontra-se mais elevada nos casos de pancreatite aguda de origem biliar; 6. Exames de Imagem Como exame básico, nesse caso, tem-se a tomografia computadorizada com contraste, que será capaz de comprovar alterações pancreáticas, a exemplo de áreas não captantes de contraste – indicativo de necrose -, borramento de gordura peripancreática e coleções liquidas peripancreáticas. Perceba na imagem acima o aumento pancreático difuso, a densificação dos planos adiposo pancreáticos (setas longas) e o acumulo de líquidos no espaço pararrenal anterior esquerdo, bem como na goteira paracólica esquerda (setas curtas). Não há áreas de necrose parenquimatosa. 7. Tratamento De modo geral, o tratamento dependerá da gravidade do quadro de pancreatite observado. Vejamos: ▪ Pancreatite Leve – Jejum – até a melhora do quadro clínico -, analgesia com opiáceos (Meperidina preferencialmente), antieméticos, hidratação venosa, controle de eletrólitos e de distúrbios acido base. 9 Helano Brilhante – Med79 - UFCG 9 Além disso, recomenda-se (em pacientes com jejum de 72h e que não apresentam íleo paralitico) alimentação enteral precoce com dieta hipolipídica. ▪ Pancreatite Grave – Analgesia com opiáceos, hidratação intravenosa, suporte nutricional com cateter nasojejunal (>4 semanas em dieta oral zero). Em paciente com pancreatite de etiologia biliar, deve-se realizar a colecistectomia ainda na mesma internação com o objetivo de evitar uma reincidência da pancreatite. Nos casos de icterícia persistente, presença de dilatação ou de cálculo no colédoco (o que pode ser visualizado por uma US), deve-se realizar uma colangiografia endoscópica retrograda pré-operatória. 8. Referencias ▪ Kumar V, Abbas A, Aster J. Robbins. Bases patológicas das doenças. 9th ed. Elsevier, 2016. ▪ Goldman, L.; Schafer, AI. Goldman’s Cecil Medicine. 25th ed. Philadelphia: Elsevier Saunders, 2016. ▪ FERREIRA Alexandre de Figueiredo, BARTELEGA Janaina Alves, URBANO Hugo Corrêa de Andrade, SOUZA Iure Kalinine Ferraz de. FATORES PREDITIVOS DE GRAVIDADE DA PANCREATITE AGUDA: QUAIS E QUANDO UTILIZAR? Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext& pid=S0102-67202015000300207&lng=es. https://doi.org/10.1590/S0102-67202015000300016. ▪ DUARTE, Amanda Santos et al. FISIOPATOLOGIA E TRATAMENTO DA PANCREATITE AGUDA: REVISÃO DE LITERATURA. Para Res Med J. 2019;3(1):e06. Disponível em: https://www.prmjournal.org/article/10.4322/prmj.201 9.006/pdf/prmjournal-3-1-e06.pdf . ▪ FERREIRA, Alexandre de Figueiredo et al. FATORES PREDITIVOS DE GRAVIDADE DA PANCREATITE AGUDA: QUAIS E QUANDO UTILIZAR?. ABCD, arq. bras. cir. dig., São Paulo , v. 28, n. 3, p. 207-211, Set. 2015 . Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_art text&pid=S0102-67202015000300207&lng=es&nrm=iso . ▪ Brasil. Ministério da Saúde. Datasus. Informações de saúde - 2011. Disponível em: http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/tabcgi.exe?sih/cnv /niuf.def. https://doi.org/10.1590/S0102-67202015000300016 https://www.prmjournal.org/article/10.4322/prmj.2019.006/pdf/prmjournal-3-1-e06.pdf https://www.prmjournal.org/article/10.4322/prmj.2019.006/pdf/prmjournal-3-1-e06.pdf http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-67202015000300207&lng=es&nrm=iso http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-67202015000300207&lng=es&nrm=iso http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/tabcgi.exe?sih/cnv/niuf.def http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/tabcgi.exe?sih/cnv/niuf.def
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