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1 RESUMOS DE DIREITO PENAL Quem Sou? Advogada, especialista em Direito Penal, Processo Penal e Direito Tributário. Apaixonada pela produção de conteúdo jurídico online. Entusiasta na confecção de materiais jurídicos práticos para estudantes e profissionais do Direito. https://www.linkedin.com/in/anna-paula-cavalcante-g-figueiredo/ https://www.linkedin.com/in/anna-paula-cavalcante-g-figueiredo/ 2 CONDICIONAMENTO DE ATENDIMENTO MÉDICO- HOSPITALAR EMERGENCIAL1 Art. 135-A. Exigir cheque-caução, nota promissória ou qualquer garantia, bem como o preenchimento prévio de formulários administrativos, como condição para o atendimento médico-hospitalar emergencial: Pena - detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, e multa. Parágrafo único. A pena é aumentada até o dobro se da negativa de atendimento resulta lesão corporal de natureza grave, e até o triplo se resulta a morte. O crime previsto no artigo 135-A foi inserido pela Lei n. 12.653, de 29 de maio de 2012, ao Código Penal, no seu Capítulo III. Isto é, entre aqueles crimes que tutelam a periclitação da vida e da saúde. Preliminarmente, é necessário esclarecer que os crimes de perigo são aqueles cuja ofensa ao bem jurídico tutelado independe da observância de substancial lesão ao mesmo, bastando que seja verificada a probabilidade de ocorrência do dano. Nas palavras do iminente jurista Rogério Greco, tais delitos são compreendidos como aqueles em que não se exige “a produção efetiva de dano, mas, sim, a prática de um comportamento típico que produza um perigo de lesão ao bem juridicamente protegido, vale dizer, uma probabilidade de dano” 2. Os crimes de perigo, diz a doutrina, podem ser de perigo abstrato e de perigo concreto. Na modalidade crime de perigo concreto exige-se a comprovação de 1 Capítulo adaptado do Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Faculdade Damásio para a obtenção do título de Especialista em Direito Penal. 2 GRECO, Rogério. Curso de direito penal: parte especial – introdução à teoria geral da parte especial: crimes contra a pessoa. 14. ed. Niterói, RJ: lmpetus, 2017. v. II. p. 239. E-book. 3 que a conduta praticada pelo agente tenha efetivamente colocado em risco o bem jurídico tutelado. Tem-se como exemplo o crime de perigo para a vida ou saúde de outrem, previsto no artigo 132 do Código Penal. Os crimes de perigo abstrato, também chamados de perigo presumido ou de simples desobediência, por sua vez, independem da comprovação de que a conduta criminalizada efetivamente coloque em risco o bem jurídico protegido. Nas lições de Cleber Masson, quando se fala em crime de perigo abstrato “há presunção absoluta (iuris et de jure) de que determinadas condutas acarretam perigo a bens jurídicos. É o caso do tráfico de drogas (Lei 11.343/2006, art. 33, caput)” 3. Para André Estefam, os crimes de perigo abstrato ou presumido são aqueles cujo tipo não prevê o perigo como elementar, razão por que sua demonstração efetiva é desnecessária. A conduta típica é perigosa por sua própria natureza. O legislador, nesses casos, descreve uma conduta potencialmente danosa e de reconhecida perniciosidade social, bastando, portanto, a comprovação de que o agente a praticou para que o delito encontre-se consumado. 4 Pois bem. Deve-se destacar que a tipificação do delito de nomem juris condicionamento de atendimento médico-hospitalar emergencial pelo legislador busca extinguir situação corriqueira em hospitais, clínicas médicas e demais estabelecimentos de saúde do país, quando da necessidade de socorro médico de emergência. Diga-se, de imediato, que “diante da crescente mercantilização da medicina, é mesmo lamentável que se tenha chegado à 3 MASSON, Cleber Rogério. Direito penal esquematizado – parte geral. 9. ed. rev. atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2015. v. 1. p. 586,9. E-book. 4 ESTEFAM, André; GONÇALVES, Victor Eduardo Rios. Direito penal esquematizado: parte geral. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2016 (Coleção esquematizado/coordenação: Pedro Lenza). p. 467. E- book. 4 necessidade de haver uma tipificação penal nesse sentido, sendo o primeiro dever dos médicos salvar vidas humanas” 5. Registre-se, também, que a mesma lei que criou o tipo penal trouxe em seu artigo 2º 6 a exigência de que os estabelecimentos de saúde que efetuem atendimento médico-hospitalar emergencial afixem cartaz, ou o equivalente, em local visível, informando acerca da existência do crime. Demonstra o legislador preocupação no combate a uma prática com fins patrimonialistas que pode colocar a vida e a saúde das pessoas em risco. Passa-se, a seguir, à análise e à discussão dos elementos do tipo penal em destaque. 1 Conduta típica A conduta típica criminalizada é a de exigir de potencial paciente, como condição para acesso ao atendimento médico-hospitalar de emergência, cheque caução, nota promissória ou qualquer outra garantia, bem como o preenchimento de formulários administrativos. Preliminarmente, é importante esclarecer que o verbo "exigir" aqui é traduzido pelas condutas de ordenar, obrigar ou impor como condição; isto é, fazer a exigência de requisitos para que o atendimento médico imediato seja oferecido. Siga-se. As garantias vedadas pelo tipo penal eram bastante utilizadas pelos estabelecimentos médico-hospitalares do país para garantir que o paciente 5 DELMANTO, Celso. et. al. Código penal comentado. 9. ed. rev. atual e ampl. São Paulo: Saraiva, 2016. p. 607. 6 Eis a literalidade do artigo 2º da Lei n. 12.653/2012: “o estabelecimento de saúde que realize atendimento médico-hospitalar emergencial fica obrigado a afixar, em local visível, cartaz ou equivalente, com a seguinte informação: “Constitui crime a exigência de cheque-caução, de nota promissória ou de qualquer garantia, bem como do preenchimento prévio de formulários administrativos, como condição para o atendimento médico-hospitalar emergencial, nos termos do art. 135-A do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal.”’. 5 atendido em situação de emergência tivesse, efetivamente, o compromisso de arcar com as despesas do tratamento médico que lhe fosse oferecido. Desse modo, impunha-se ao atendimento a confecção de documentos que importassem em reconhecimento de dívida. Tal prática burocrática acabava por colocar em risco a saúde das pessoas que necessitavam de um atendimento imediato em prol da proteção dos estabelecimentos de saúde contra a inadimplência. Acerca dos formulários médicos mencionados no caput do artigo, normalmente, tratam-se de contratos de adesão que podem favorecer abusivamente ao contratado, isto é ao estabelecimento privado. Também é possível que tais formulários digam respeito às informações pessoais do paciente, como a indicação, por exemplo, de nome, endereço e doenças preexistentes. Ainda sobre a exigência de preenchimento de formulários administrativos, a doutrina se divide acerca da possibilidade de ser verificada como uma conduta autônoma, que por si só consuma o crime. O professor Nucci defende que o crime de condicionamento a atendimento médico-hospitalar resta configurado quando à exigência de preenchimento de formulários administrativos soma-se o pedido de garantia. Dessa maneira, a simples exigência de preenchimento de tais formulários seria uma conduta atípica, não contemplada pelo tipo penal em estudo. Em sentido diverso, Cezar Bittencourt, Rogério Sanches, Cleber Masson e Rogério Greco lecionam que as condutas de exigir garantia e de preenchimento de formulários administrativos são autônomas e igualmente aptas para sozinhas caracterizarem o ilícito penal em estudo. Data venia à conceituada doutrina do professor Nucci, essa parece ser posição mais acertada quando se leva em conta o contexto fático em que inserido o crime em nosso ordenamentojurídico. Ora, se a ideia é garantir que em situações de emergências o atendimento médico não seja protelado, parece coerente que apenas uma dessas condutas já seja 6 suficiente para a caracterização do ilícito, vez que são igualmente aptas a caracterizar uma situação de atendimento médico-hospitalar emergencial que resta protelada pelos estabelecimentos de saúde em face de exigências que visam garantir a cobertura de despesas hospitalares por parte do paciente ou quem por ele seja responsável. Outro ponto de crucial análise diz respeito à definição do que vem a ser um atendimento emergencial e da possibilidade de alargar a conduta típica quando em face de atendimento de urgência. Pois bem, aqui se está diante de uma norma penal em branco que tem sua completude dada pela Resolução n. 1.451/1995 do Conselho Federal de Medicina, que em seu artigo 1º, parágrafo segundo, diz que o atendimento de emergência é aquele necessário em face da “(...) constatação médica de condições de agravo à saúde que impliquem em risco iminente de vida ou sofrimento intenso, exigindo, portanto, tratamento médico imediato”. Ou, nos termos do artigo 35-C, inciso I, da Lei n. 9.656/1998, são casos de emergência aqueles que “(...) implicarem risco imediato de vida ou de lesões irreparáveis para o paciente, caracterizado em declaração do médico assistente”. O atendimento de urgência, de maneira diversa, é conceituado pelo Conselho Federal de Medicina como uma “(...) ocorrência imprevista de agravo à saúde com ou sem risco potencial de vida, cujo portador necessita de assistência médica imediata”, neste sentido é a redação do parágrafo primeiro do supracitado artigo 1º da Resolução n. 1.451/1995. De forma mais sintética e facilitada para os leigos na área médica, o inciso II da Lei n. 9.656/1998 traz que os casos de urgência são aqueles “(...) resultantes de acidentes pessoais ou de complicações no processo gestacional”. Note-se, portanto, que os atendimentos de urgência e emergência não se confundem, apresentando em lei termos bem definidos e distintos. Por essa razão o professor Rogério Sanches da Cunha adverte que a pretensão de 7 extensão do tipo penal, pela via interpretativa, aos casos de urgência não é possível, sob pena de configuração de uma analogia in malan partem, o que é vedado em nosso ordenamento jurídico. Cezar Bittencourt e Rogério Greco, por sua vez, apesar de vislumbrarem a distinção legal entre os atendimentos de urgência e emergência, defendem que devido ao fato de ambos os casos urgirem por atendimento médico imediato, é imprescindível que o tipo penal seja estendido também às situações em que o atendimento médico de urgência seja condicionado. Tem-se aqui a manifestação de ilustres doutrinadores pátrios em sentido diverso e, é de se pugnar que seus argumentos são igualmente válidos, intelectivos e defensáveis. Ora, a ideia de restrição do tipo penal aos casos de atendimento emergencial por certo é condizente com os conceitos basilares da ciência jurídica criminal desenvolvida em nosso país. Todavia, não se podem esquecer as razões legislativas que determinaram a criação do tipo penal. Conforme já discutido, buscou-se dar prevalência à saúde e à vida dos pacientes, em detrimento dos interesses patrimoniais de hospitais, clínicas e demais estabelecimentos de atenção à saúde. Assim sendo, adequada é a ponderação feita por Greco e Bittencourt, já que é indiscutível que o condicionamento do atendimento de urgência, tal qual o emergencial, coloca o paciente em uma situação de perigo. Urge, pois, que o legislador brasileiro, atento aos argumentos da doutrina especializada, discuta a benesse de uma possível reforma legislativa, com a inclusão do atendimento de urgência ao tipo penal em comento. Melhor explicando. Não há dúvidas que tanto situações de urgência quanto de emergência trabalham com casos extremos de risco, em que há perigo à vida do paciente. Por essa razão a negativa de atendimento ou o atendimento protelado em razão de meros ditames burocráticos exigidos pelos estabelecimentos de saúde em ambos os casos devem ser rechaçados. Por conseguinte, parece interesse que uma reforma legislativa venha a dar nova 8 redação ao dispositivo legal, para que seja feita a inclusão do atendimento de urgência no tipo penal previsto no artigo 135-A do Código Penal pátrio. Diga-se, ainda, que se trata de crime de forma livre, pois pode ser perpetrado por diversas formas de execução, a exemplo de uma imposição escrita ou verbal e, até mesmo mediante gestos. 2 Objetividade jurídica A objetividade jurídica do crime é a de garantir a preservação da vida das pessoas7 que necessitam de atendimento médico-hospitalar de emergência, evitando-se que estas tenham atendimento protelado em razão de procedimentos burocráticos ou em prevalência de interesses patrimoniais de hospitais, clínicas ou quaisquer outros tipos de estabelecimentos de atendimento à saúde. Dessa maneira, é imperioso dizer que não há qualquer óbice para que os estabelecimentos de saúde procedam à confecção de garantias ou preenchimento de formulários administrativos em oportunidade posterior à realização do atendimento emergencial. Por certo, o tipo penal não foi criado para a institucionalização da inadimplência. Conforme leciona Rogério Sanches Cunha, o que se pretende é o combate da corrente situação em que o estabelecimento privado de saúde “aproveita-se de um momento de extrema fragilidade emocional do doente (ou de seus 7 Dizendo da finalidade do crime de preservação da vida e da saúde da pessoa tem-se a seguinte manifestação do Superior Tribunal de Justiça: “(...) Convém, ainda, ressaltar que, desde 28/05/2012, a conduta de exigir cheque caução como condição para o atendimento médico-hospitalar emergencial constitui crime, previsto no art. 135-A do Código Penal (inserido pela Lei 12.653/2012), cujo fim é salvaguardar a vida e a saúde das pessoas. Daí se revela a gravidade da conduta do hospital (...)” (STJ, AREsp 1044088/SP 2017/0001121-0, Relª. Minª. Nancy Andrighi, DJ 06/06/2017). 9 familiares) para, mediante uma das indevidas exigências acima descritas, garantir para o hospital o ressarcimento das despesas realizadas no socorro” 8. Registre-se que o crime em apreço se constitui em uma figura específica em relação à omissão de socorro, pois, conforme esclarece Rogério Greco, a numeração recebida pelo tipo penal em estudo, vale dizer, 135-A, é significativa no sentido de apontar que o condicionamento de atendimento médico-hospitalar emergencial pode ser considerado uma espécie de omissão de socorro, já que o art. 135 do Código Penal cuida desta última figura típica, ambas inseridas no Capítulo III, do Título I do Código Penal, que diz respeito à periclitação da vida e da saúde. 9 O ilustre doutrinador conclui seu raciocínio citando as lições de Paulo César Busato, que assim leciona acerca do 135-A do Código Penal: Nada mais é do que uma especialização do crime de omissão de socorro, que só veio à tona como nova criação jurídica em virtude de ser uma situação concreta de comum ocorrência. Não obstante, todos os casos aqui abrangidos já se encontravam sob tutela jurídica do art. 135, anteriormente. 10 3 Sujeitos do delito O sujeito ativo é aquela pessoa que pratica o crime. O crime em comento pode ser praticado por administradores e por funcionários de hospitais e clínicas médicas, agindo de forma conjunta ou isolada. Trata-se, portanto, de crime próprio. 8 CUNHA, Rogério Sanches. Código penal para concursos – doutrina, jurisprudência e questões de concursos. 9. ed. rev. ampl. e atual. Salvador, BA: JusPodivm, 2016. p. 407. 9 GRECO, Rogério. Código Penal comentado. 11. ed. Niterói, RJ: Impetus, 2017. p. 589. E-book. 10 BUSATO, Paulo César. Direito penal – parte especial 1.São Paulo: Atlas, 2014. p. 183/184. 10 Na hipótese de o atendimento emergencial ser negado por médico não restará configurado o delito em estudo, mas sim o de omissão de socorro, previsto no artigo 135 do Código Penal 11, conforme entendimento de Victor Eduardo Rios Gonçalves. Em sentido contrário, Ricardo Antônio Andreucci entende que o sujeito ativo do crime é (...) a pessoa que, de qualquer modo, exerça o controle prévio do atendimento médico-hospitalar emergencial. Portanto, pode ser funcionário, empregado, representante, atendente, médico, enfermeiro ou auxiliar, ou a qualquer outro título representar, na qualidade de preposto, a entidade de atendimento médico-hospitalar emergencial (hospitais, clínicas, casas de saúde, unidades de saúde, públicas ou particulares). Podem ser sujeitos ativos também os diretores, administradores e funcionários em geral de empresas operadoras de planos de saúde. 12 Além disso, duas observações são imprescindíveis. A primeira diz respeito acerca de que os hospitais e clínicas aqui apontados são apenas aqueles integrantes da rede privada, o que é óbvio face ao regramento constitucional do sistema público de saúde brasileiro. Ora, a saúde é disciplinada nos artigos 196 a 199 da nossa Constituição Federal, fazendo parte, juntamente com a Assistência Social, do subsistema não contributivo da Seguridade Social. Ela se difere da Assistência, todavia, pelo fato de além de gratuita, ser universal, isto é, acessível a todos que dela necessitem. Nesse aspecto, a cobrança de qualquer valor dentro do sistema único de saúde é proibida. Diga-se, portanto, que uma possível cobrança de valores indevidos 11 O crime de omissão de socorro está assim tipificado no artigo 135 do Código Penal: “Deixar de prestar assistência, quando possível fazê-lo sem risco pessoal, à criança abandonada ou extraviada, ou à pessoa inválida ou ferida, ao desamparo ou em grave e iminente perigo; ou não pedir, nesses casos, o socorro da autoridade pública: Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa”. 12 ANDREUCCI, Ricardo Antônio. Manual de direito penal. 10. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 185. E-book. 11 no sistema público de saúde, a depender da análise do caso concreto, poderá configurar o crime de concussão 13. Em face do analisado, portanto, pode-se afirmar que a cobrança por procedimentos médico-hospitalares somente é possível dentro da rede privada de saúde, motivo pelo qual o crime em comento somente poderá ser praticado por administradores e funcionários de hospitais, clínicas e estabelecimentos de saúde particulares. O segundo aspecto a ser ponderado diz respeito à possibilidade da conduta típica do funcionário ser derivada do poder diretivo do empregador, isto é, da obediência de determinações emanadas de superiores hierárquicos e da administração hospitalar. Nesse caso a conduta do funcionário deve ser verificada com cautela, pois o empregado aqui se submete ao poder diretivo do seu empregador muitas vezes por temer uma demissão. Não se pode, portanto, criminalizar a conduta daquele que age por força de imposição de superior hierárquico, pois galgada em uma causa excludente da culpabilidade, qual seja a de inexigibilidade de conduta diversa 14. Rogério Greco, no entanto, sustenta que na hipótese supracitada “haverá o concurso de pessoas, devendo, ambos (diretor e empregado) responder pela 13 O crime de concussão está previsto no artigo 316, caput, do Código Penal, que assim diz: “Exigir, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida: Pena - reclusão, de dois a oito anos, e multa”. Trata-se de crime funcional, cometido pelo servidor público contra a Administração Pública, cuja objetividade jurídica primária é a tutela da moralidade administrativa. Secundariamente, visa-se à proteção patrimonial da pessoa constrangida pelo ato criminoso do funcionário público. 14 A culpabilidade deve ser compreendida como a reprovabilidade da conduta típica e antijurídica. Em outras palavras, a culpabilidade é a possibilidade de se atribuir a alguém a responsabilidade por algum fato. Registre-se que somente haverá culpabilidade se o sujeito, de acordo com suas condições psíquicas: a) podia estruturar sua consciência e vontade de acordo com o direito (imputabilidade); b) estava em condições de poder compreender a ilicitude de sua conduta (possibilidade de conhecimento da ilicitude), e; c) se era possível exigir, nas circunstâncias, conduta diferente daquela do agente (exigibilidade de conduta diversa). 12 infração penal em estudo” 15. E, em igual sentido, Ricardo Antônio Andreucci, pondera que (...) não cabe ao funcionário, empregado, representante, preposto etc. alegar o cumprimento de ordem superior para justificar a exigência. Dada a ampla divulgação da conduta como crime, a exigência da providência indevida feita por subordinado a mando de superior hierárquico caracteriza o cumprimento de ordem manifestamente ilegal, respondendo ambos pelo delito. 16 Bittencourt, por sua vez, entende que a criminalização do empregado deve ser vista com ressalvas, não se podendo perder de vista a sua atuação como longa manus do seu empregador, que de fato possui o poder decisório sobre as medidas a serem adotadas nos estabelecimentos de saúde da rede privada. E, assim sendo, por mais que amplo seja o conhecimento da lei e da conduta criminosa, não se poderia permitir que o empregado e o empregador respondessem pelo crime em comento com penas similares. Neste sentido, pondera que (...) na realidade, quem detém o domínio final do fato, nessas hipóteses, é o verdadeiro autor, ou seja, autor mediato; o atendente não é autor, mas mero executor. Poderá, no máximo, ser um mero partícipe, com participação de menor importância, respondendo na medida de sua culpabilidade. 17 Pois bem. Esclarecido o sujeito ativo do delito, passa-se à apresentação do sujeito passivo, que poderá ser qualquer pessoa que, em estado de emergência, busca auxílio médico-hospitalar ou, ainda, seus familiares ou pessoas que o 15 GRECO, Rogério. Código Penal comentado. 11. ed. Niteroi, RJ: Impetus, 2017. p. 592. E-book. 16 ANDREUCCI, Ricardo Antônio. Manual de direito penal. 10. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 186. E-book. 17 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal – parte especial: dos crimes contra a pessoa. 14. ed. rev. ampl. e atual. São Paulo: Saraiva, 2014. v. 2. p. 844,7. E-book. 13 auxiliem naquele momento, afinal pode existir situação em que o potencial paciente, dada a sua situação de emergência, não tenha condições de responder por si aos atos da vida civil, devendo ser assistido ou representado naquele ato. Entendendo pela ampla legitimidade passiva, tem-se a manifestação do Tribunal de Justiça do Paraná, a seguir em destaque: (...) PACIENTE EM ESTADO DE EMERGÊNCIA E URGÊNCIA. ACOMPANHANTE DO PACIENTE QUE FOI INSTADO A ASSINAR TERMO DE RESPONSABILIDADE PARA INTERNAMENTO. PROVA DOS AUTOS QUE DÁ CONTA DE QUE O INTERNAMENTO FOI CONDICIONADO À ASSINATURA DO TERMO DE RESPONSABILIDADE PARA INTERNAMENTO. OBRIGAÇÃO EXCESSIVAMENTE ONEROSA, ESTABELECENDO QUE O ACOMPANHANTE DO PACIENTE TORNAR-SE-IA GARANTIDOR DO PAGAMENTO DAS DESPESAS HOSPITALARES EM CASO DE NÃO PAGAMENTO PELO PLANO DE SAÚDE. CARACTERIZAÇÃO DE VÍCIO DE CONSENTIMENTO. ESTADO DE PERIGO E ERRO SUBSTANCIAL. ACOMPANHANTE DO PACIENTE (APELADO) QUE ABALADO COM O ESTADO DE SAÚDE DO SEU COLEGA ASSUMIU OBRIGAÇÃO EXCESSIVA. (...)” (TJPR, AP 13133538/PR, 1313353-8. Rel. Des. Sigurd Roberto Bengtsson, Décima Primeira Câmara Cível, Julgamento em 08/03/2017, DJ: 06/04/2017). (grifei) Destaque-se a existência de doutrina em sentido contrário, sustentando que o sujeito passivo do delito somente pode ser o pretenso paciente,pois “se a garantia for exigida de terceiro (um parente do paciente, por exemplo), ainda assim a vítima é o destinatário do atendimento, já que o delito em estudo não tutela o patrimônio, mas, como dito, a vida e a saúde” 18. 18 SALIM, Alexandre; Azevedo, Marcelo André de. Direito penal: parte especial – dos crimes contra a pessoa aos crimes contra a família. 6. ed. rev. ampl. e atual. Salvador/BA: JusPodivm, 2017. (Coleção sinopses para concursos; v.2/coordenação: Leonardo de Medeiros Garcia). p. 154/155. 14 4 Elemento subjetivo O elemento subjetivo do tipo é o dolo acrescido do elemento subjetivo específico de impor, com aquela exigência, condições ao atendimento médico hospitalar de emergência. Não há previsão da modalidade culposa. 5 Consumação e tentativa Trata-se de crime formal, que se consuma com a simples exigência de garantia ou do preenchimento de formulário para que ao paciente seja dado o atendimento médico hospitalar emergencial. Assim sendo, para a consumação do crime pouco importa que o paciente deixe de ser atendido ou tenha seu estado de saúde agravado. Todavia, deve-se registrar que se trata de crime de perigo concreto, sendo necessária a comprovação de que o condicionamento de atendimento se deu a pessoa em situação de emergência. Ademais, em face do supracitado, conclui-se tratar de um crime instantâneo que inadmite tentativa. 6 Aumentos de pena O parágrafo único do artigo 135-A traz a previsão de duas causas de aumento de pena, são elas o resultado lesão corporal grave e a morte. Buscou-se aqui criminalizar com maior severidade aqueles casos em que o retardo do atendimento pela exigência de caução ou preenchimento de formulários traz aos pacientes consequências mais gravosas. 15 Observe-se que verificada a ocorrência do tipo penal previsto no parágrafo único do artigo passa-se a trabalhar com um crime preterdoloso, pois à conduta de dolosa de exigir soma-se um resultado agravador que advém a título de culpa. Conforme diz o dispositivo legal, se do condicionamento ao atendimento emergencial resulta lesão corporal grave a pena poderá ser aumentada até o dobro, ao passo que o óbito permite majoração de até o triplo da pena. Perceba-se que o legislador apenas referiu-se ao resultado lesão corporal grave, excluindo assim das agravantes um possível resultado que se constitua em lesão corporal leve, por exemplo. Salim e Azevedo, neste caso, sustentam que embora uma lesão de natureza leve não possa servir de causa de aumento ao tipo penal, poderá servir ao juiz como uma causa de valoração negativa quando da fixação da pena-base, nos termos do artigo 59, caput, do Código Penal 19. Registre-se que a majoração da pena para os casos previstos no parágrafo único do artigo é obrigatória. E, assim sendo, “como a lei não indicou o percentual mínimo, conclui-se que nos dois casos a exasperação será de 1/6 (um sexto) até o dobro ou até o triplo, pois tal montante é o menor admitido pelo Código Penal no tocante às causas de aumento da pena” 20. Frise-se, novamente, que os tipos penais originados pela verificação de causas de aumento de pena são preterdolosos; dessa maneira, havendo situação em que verificada a morte do paciente a título de dolo eventual, isto é, quando o agente mesmo sabendo do risco criado age de forma indiferente, de acordo com as lições de João Paulo Martinelli, estar-se-á diante do crime de homicídio 19 O artigo 59 do Código Penal trabalha os critérios que o juiz deve observar quando da fixação da pena-base aos delitos. No caput do referido dispositivo legal lê-se o seguinte: “O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e consequências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime”. 20 MASSON, Cleber. Código Penal comentado. 2. ed. rev. atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2014. p. 1866,1. E-book. 16 doloso do artigo 121 do Código Penal e não, do crime em estudo no presente trabalho. 7 Pena, ação penal e competência A pena prevista para a forma simples prevista no caput do artigo é de três meses a um ano, razão pela qual se pode dizer tratar-se de crime de menor potencial ofensivo cuja competência é dos Juizados Especiais Criminais. Havendo o resultado lesão corporal grave a pena máxima será elevada para dois anos, sendo mantida a competência dos Juizados Especiais Criminais. Em ambos os casos supracitados, portanto, tem-se a verificação de delitos de menor potencial ofensivo, podendo o agente ativo ser beneficiado por quaisquer dos institutos despenalizadores previstos na Lei n. 9.099/1995, a exemplo da transação 21 e do sursis processual 22. 21 A transação penal, prevista no artigo 76, da Lei dos Juizados n. 9.099/1995, consiste na celebração de um acordo entre o Ministério Público e o autor do delito. Por meio deste acordo o parquet propõe a aplicação imediata de pena restritiva de direito ou multa, deixando de oferecer denúncia. Cumprida a pena previamente imposta, estará extinta a punibilidade do agente. Perceba-se, portanto, que a transação penal permite a mitigação do princípio da obrigatoriedade da ação penal. Pontue-se, por óbvio, que o instituto da transação penal somente terá vez quando não for o caso de arquivamento. Ademais, são requisitos de imprescindível verificação para que a transação possa ser utilizada: a) tratar-se de infração de menor potencial ofensivo; b) tratar-se de crime de ação penal pública incondicionada ou de ação penal pública condicionada à representação; c) não ter sido o agente condenado por sentença definitiva à pena privativa de liberdade; d) verificação da presença das circunstâncias favoráveis (nos termos do artigo 76, inciso III, da lei); e) aceitação da proposta pelo autor da infração e por seu advogado; e f) o acusado não ter sido beneficiado pelo instituto nos últimos cinco anos. Finalmente, diga-se que a transação penal é doutrinariamente tratada como um direito subjetivo do acusado, de modo que, uma vez preenchidos os pressupostos objetivos e subjetivos, o Ministério Público estará obrigado a fazer a propositura da transação penal ao acusado. 22 O artigo 89 da Lei dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais (Lei n. 9.099/1995) trabalha com o instituto despenalizador chamado de sursis processual ou suspensão condicional do 17 Todavia, se o crime é qualificado pelo resultado morte haverá a triplicação da pena, que passará a ser no máximo de três anos, levando a competência para a Justiça Comum, que processará e julgará o crime por meio do rito sumário. Tem-se, assim, uma infração de médio potencial ofensivo, processada pelo rito sumário e que possibilita ao agente ser beneficiado apenas com a suspensão condicional do processo. Por fim, diga-se que, qualquer que seja sua forma, trata-se de crime cuja ação penal é pública incondicionada. processo. De imediato, é preciso ressaltar que a aplicação do instituto não se restringe aos crimes de menor potencial ofensivo, previstos na lei dos juizados especiais, mas alcança todo e qualquer crime cuja pena mínima cominada em abstrato seja igual ou inferior a um ano. Trata- se da suspensão do processo por dois a quatro anos, o que se denomina período de prova, mediante a imposição de uma serie de condições. Também são requisitos para que o acusado seja beneficiado pelo instituto que: a) o crime a ele imputado não esteja sujeito à jurisdição militar; b) não esteja sendo processado ou tenha sido condenado por outro crime; e c) estejam presentes os requisitos do artigo 77 do Código Penal, os quais autorizam a suspensão condicional da pena. Entende-se doutrinariamente que se o Promotor entender não ser cabível a propostade sursis processual, mas o Magistrado discordar de sua posição, este deverá fazer a remessa dos autos ao Procurador Geral de Justiça, em alusão ao disposto no artigo 28, do Código de Processo Penal. Essa é a redação da Súmula 696, do Supremo Tribunal Federal. Pois bem. Aceita a proposta, inicia-se o período de prova, no qual a prescrição não corre. Dentre as condições impostas ao acusado tem-se a reparação do dano, quando possível fazê- lo; a proibição de frequentar determinados locais e o comparecimento período ao juízo. O descumprimento imotivado de quaisquer dessas condições implica na revogação do benefício e retomada do processo. Vencido o período de prova sem a revogação do benefício, extingue- se a punibilidade do agente. 18 REFERÊNCIAS ANDREUCCI, Ricardo Antônio. Manual de direito penal. 10. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2014. E-book. BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal – parte especial: dos crimes contra a pessoa. 14. ed. rev. ampl. e atual. São Paulo: Saraiva, 2014. v. 2. E-book. BRASIL. Conselho Federal de Medicina. Resolução n. 1.451, de 10 de março de 1995. Estabelece estruturas para prestar atendimento nas situações de urgência-emergência, nos Pronto Socorros Públicos e Privados. Publicada no Diário Oficial da União de 17. mar. 1995, Seção I, p. 3666. Disponível em: <http://www.portalmedico.org.br/resolucoes/CFM/1995/1451_1995.pdf>. Acesso em 26. maio 2017. ________. Decreto-Lei n. 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal. Publicado no Diário Oficial da União de 31. dez. 1940. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848compilado.htm>. Acesso em 26. mar. 2017. ________. Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Publicado no Diário Oficial da União de 13. out. 1941 e retificado em 24. out. 1941. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decretolei/Del3689Compilado.htm>. Acesso em 22. jul. 2017. ________. Lei n. 9.099, de 26 de setembro de 1995. Dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais e dá outras providências. Publicada no Diário Oficial da União de 27. set. 1995. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9099.htm>. Acesso em 18. abr. 2017. ________. Lei n. 12.653, de 28 de maio de 2012. Acresce o art. 135-A ao Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, para tipificar o crime de condicionar atendimento médico-hospitalar emergencial a qualquer garantia e dá outras providências. Publicada no Diário Oficial da União de 29. maio 2012. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011- 2014/2012/lei/l12653.htm>. Acesso em 26. jul. 2017. ________. Superior Tribunal de Justiça. Agravo em Recurso Especial n. 1044088/SP, 2017/0001121-0. Relatora: Ministra Nancy Andrighi. Publicado em 06. jun. 2017. 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