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4 SEM DIVERSIDADE ETNICO CULTURAL UNID 6 Condição Humana e Diversidade das Culturas em Tempos de Globalização

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4 SEM DIVERSIDADE ETNICO CULTURAL UNID 6 Condição Humana e Diversidade das Culturas em Tempos de 
Globalização 
Individualismo e Globalização O historiador inglês Eric Hobsbawm (1917- 2012) afirmava que, com a globalização, 
surgiu uma espécie de dissolidarização de classes, constituída pelo que classificou como “valores de um individualismo 
associal absoluto”. Com isso, Hobsbawm (1995) problematizou um novo ciclo sistêmico do capitalismo, caracterizado 
pelo fenômeno da circulação global de capital, de modo a lançar luzes em seus sintomas sociais, na forma de indivíduos 
egocentrados. As novas necessidades de manutenção do frágil e já consolidado modo de produção moldaram inéditas 
relações sociais, em uma espécie de isolamento em que os indivíduos se alienam da condição de classe, ou seja, de 
pertencerem a grupos de interesses comuns. 
O movimento trabalhista teve força quando havia condições de desenvolvimento, quando sindicatos e partidos podiam 
levar suas reivindicações a Estados capazes de fazer concessões. Tudo isso terminou por conta da transformação nos 
modelos de produção. Como foram reduzidos em número, também passou a ser menor a sua ação política. Há uma 
diferença também no tipo da população trabalhadora, por causa, especialmente, dos progressos da educação em 
massa. Uma das coisas que eram características do movimento operário no passado era a boa qualidade de seus 
líderes, que eram cultivados e mantidos pelos sindicatos. Hoje, os mais inteligentes vão para a universidade sem 
compromisso de voltar, e viram outras coisas. Podem continuar a ser de esquerda, mas já não são mais operários. 
Isso faz diferença (HOBSBAWM, 1995). 
Como, então, poderíamos definir globalização sem nos prendermos somente aos aspectos econômicos 
superestruturais e à frágil ideia de “aldeia global”, buscando como paradigma o exercício de Hobsbawm em aproximar 
a distante retórica sobre globalização do cotidiano de uma sociedade que privilegia o consumo de massa de tudo o 
que é amoedável pelo capital, incluindo desejos, pessoas, ideias e sentimentos? 
Definiremos globalização a partir dos estudos do crítico literário e político marxista Fredric Jameson (1934-), tratando 
dos cinco níveis que a caracterizariam para demonstrar a coesão e articular políticas de resistência à globalização e 
seus efeitos negativos. São os níveis tecnológico, político, cultural, econômico e social. 
Globalização Tecnológica Sintetizando a metodologia de Fredric Jameson no estudo Globalização e estratégia 
política, o autor elege, como dissemos, cinco níveis a partir dos quais discorre sobre os resultados de sua análise. O 
primeiro nível é o tecnológico e, logo de início, o termo já evidencia um dos principais antagonismos do conceito de 
globalização, que supõe a totalidade de algo. 
A Revolução da Informática e as novas tecnologias de informação, apesar de terem se constituído de forma irreversível 
na produção e organização industriais e comercialização de produtos, não atingem a totalidade da população mundial, 
em sua grande maioria excluída não apenas do dialeto digital, mas do próprio mercado de consumo para esses 
produtos. A exclusão digital produzida no bojo de um sistema que se pretende totalizante, assiste ainda à formação de 
um exército de analfabetos digitais, cada vez mais excluídos das relações de produção mecanizadas e de acesso 
restrito à mão de obra extremamente especializada. 
Globalização e Política Da tecnologia para a política, Jameson dedica parte de seu estudo ao papel desempenhado 
pelo Estado-nação que, segundo alguns teóricos, teria dado lugar às corporações transnacionais – conhecidas na 
década de 1970 apenas como multinacionais. O neoliberalismo – ou a doutrina de livre mercado – defendido para que 
referidas corporações pudessem operar circulando capitais em âmbito global, ilusoriamente faz pensar em um 
distanciamento do Estado nas medidas econômicas para a autorregulação do mercado. 
Por outro lado, o Estado passou a ser um agente fundamental nesse sistema, a partir da instituição de mecanismos 
legais e medidas intervencionistas que contraditoriamente garantem a “autogestão” das economias, requerendo, para 
tanto, uma efetiva intervenção governamental e um Estado centralizador. Outro antagonismo é o papel nacionalista 
visivelmente exercido pelos povos e governos europeus e o estadunidense. Ao passo do frágil discurso de “aldeia 
global”, temos a ascensão de partidos políticos de extrema direita, ligados muitas vezes a grupos religiosos intolerantes, 
políticas racistas e xenófobas, na maior parte da Europa e também no Novo Mundo. 
Há um evidente descompasso entre o discurso de aceitação da diversidade cultural em um mundo “cada vez menor” 
e o comportamento de povos europeus, notadamente cultos, tais como franceses, ingleses e alemães, repudiando 
publicamente africanos, hindus e latino-americanos; ou estadunidenses, que levantam barreiras físicas e legais para 
impedir a imigração de mexicanos, os quais comumente morrem nas fronteiras. 
Na Alemanha, os neonazistas do Nationaldemokratische Partei Deutschlands (NPD), liderados por Peter Marx – jurista 
e secretário geral do grupo parlamentar do NPD –, conquistaram doze cadeiras no Parlamento Regional do Estado da 
Saxônia, o Landtag, em Dresden, denunciando a assustadora aceitação de 9,2% dos eleitores, ou seja, 19.087 almas, 
aos preceitos da causa nazista que se pensava adormecidos. No discurso político do partido inclui-se a atribuição do 
desemprego que atinge boa parte dos jovens alemães aos imigrantes, ao contrário do que qualquer estatística racional 
possa concluir em relação à proporção entre a força de trabalho estrangeira e a alemã naquele Estado. 
Em 2002, quando foram divulgados os resultados do primeiro turno da eleição presidencial francesa, o mundo “prendeu 
a respiração” com o sucesso de JeanMarie Le Pen, da Frente Nacional francesa, grupo político de extrema direita com 
intrínsecas relações com a NPD. O mesmo ocorreu na Áustria, com a eleição de um primeiro-ministro neonazista. Na 
Inglaterra, basta que jogadores latino-americanos ou africanos toquem na bola, em partidas de futebol, para que 
hooligans imitem grunhidos aludidos a macacos – o mesmo fenômeno ocorre na Espanha. 
Globalização e Diversidade Cultural O discurso pró-globalização nos Estados Unidos constitui-se cuidadosamente 
sobre uma base “politicamente correta”, fundamentalmente em relação às diferenças étnicas, pregando uma aceitação 
que, de início, sabe-se frágil em um país que tem profundas tradições racistas. 
Outro ponto central no discurso pró-globalização é o papel das unidades caracterizadas como Estados-nações e seu 
ficcional desaparecimento. Para Eric Hobsbawm (1995) as economias nacionais seriam “unidades mais velhas”, 
definidas por políticas territoriais de Estado, que estariam reduzidas às complicações decorrentes de atividades 
transnacionais. Nos argumentos de Fredric Jameson (2001) percebemos que essas unidades políticas são 
desestruturadas pela ideia e políticas neoliberais em virtude das necessidades do grande capital para a promoção de 
um estágio de comercialização mundial, com a formação de gigantescos blocos econômicos. 
Na prática, o que vemos é o enfraquecimento desses governos, alimentando a hegemonia de Estados centrais nessa 
nova ordem econômica, estabelecida por meio de comércios agressivos. Ao invés de desaparecerem os limites 
nacionais, os Estados-nações são paulatinamente subordinados a Estados centrais. Como explicar o desaparecimento 
da ideia de nação com o ressurgimento do nacionalismo politicamente à direita dos movimentos sociais? Como coexistir 
a concepção de aceitação das diversidades étnicas e culturais com as graves condutas de intolerância religiosa, 
perseguição a homossexuais, negros e latino-americanos em diversas realidades nacionais. Enquanto o discurso 
neoliberal, na periferia do sistema capitalista, defende a abertura desuas fronteiras fiscais e de seus mercados para a 
penetração de seus produtos e tecnologias, no centro do sistema vigora o nacionalismo econômico. 
A hegemonia política de Estados centrais no sistema capitalista caminha ao passo do chamado imperialismo cultural, 
ascendente principalmente após o término da Segunda Guerra Mundial, com os tratados de concessão para emissoras 
televisivas norte-americanas e de garantia de mercado para produções cinematográficas hollywoodianas, em acordos 
firmados com diversos países. 
As indústrias culturais locais de entretenimento dificilmente irão suplantar Hollywood com uma forma global bem-
sucedida no mundo inteiro, em especial devido ao fato de que o próprio sistema americano sempre incorpora elementos 
exóticos do estrangeiro, um pouco de cultura samurai, outro de música sul-africana, o cinema de John Woo, comida 
tailandesa, e assim por diante (JAMESON, 2001). 
A globalização cultural, lê-se no discurso de Jameson (2001), atua como tentativa de uniformizar o mundo a um modelo 
de cultura de massa, no campo televisivo, musical, comportamental, gastronômico, da indumentária e em todos os 
outros. Não se trataria de uma tentativa ingênua de tomada de mercados, evidenciando que a cultura, na Era do capital, 
constitui produto, é amoedável e, portanto, caminha ao passo da economia; mas a destruição de culturas locais onde 
se estabelece. Implica no desaparecimento de restaurantes típicos onde se fixam os fast foods; no desestímulo à 
produção cinematográfica de países antes tradicionais nesse ramo. 
Dimensão Econômica da Globalização Para tratarmos da dimensão econômica da globalização, segundo Fredric 
Jameson (2001), temos que retomar o princípio de que não houve o desaparecimento dos Estados-nações diante das 
corporações transnacionais, afinal: o autor nos mostra que há uma notória cumplicidade entre ambos e os discursos 
em torno de sua inexistência mascaram seus interesses individuais, com o uso da fantasia criada pela ideia da 
globalização que, grosso modo, pode ser definida como um novo ciclo sistêmico no modo de produção vigente, no qual 
há necessidades de circulação global de capital, cuja acumulação primitiva tem novo lugar nas megacorporações. 
O Estado tem o papel de garantir a quebra de barreiras para seu livre fluxo. Não se trata de um movimento natural: há 
um grande interesse das corporações em se estabelecer em países pobres, alimentando-se de miseráveis e 
desesperados como mão de obra barata e semiescrava, de isenções fiscais e concessões de governos corruptos e de 
multidões de desempregados nos locais de onde migraram. O mesmo ciclo se desencadearia novamente quando as 
mesmas corporações abandonassem esses novos locais, já não mais tão pobres com a criação de um mercado 
consumidor a partir da instituição de mão de obra assalariada, seguindo em busca de novos miseráveis que aceitassem 
uma espécie de “escravidão voluntária”. 
Para Fredric Jameson (2001), da mesma forma que, em nível cultural, o estabelecimento econômico em áreas de 
exploração e a transferência de operações para locais mais baratos minariam as economias e destruiriam os mercados 
nacionais, evidenciando um dos vários aspectos perigosos da globalização, como a especulação destrutiva de moedas 
estrangeiras e a dependência econômica de países subdesenvolvidos, submissos às políticas econômicas dos países 
do Primeiro Mundo, em troca de empréstimos e investimentos. No mundo economicamente globalizado, nesses termos, 
transferências instantâneas de capital poderiam empobrecer, da noite para o dia, regiões inteiras. 
Globalização e Sociedade O último nível caracterizado por Fredric Jameson em sua análise sobre a globalização é o 
social e, neste aspecto, a destruição do que se convencionou como tecido cotidiano faz-se evidente com o 
distanciamento do indivíduo do conceito de grupo e classe. Os padrões de unidades nucleares de família e clã cederam 
à sociedade moderna impessoal de consumo que, em seus próprios dizeres, “individualiza e atomiza”, negando o zõom 
politikòs de Aristóteles. Para Fredric Jameson trata-se do elemento-chave que desencadearia toda a configuração de 
nossa sociedade, explicando-a melhor do que os conceitos de base moralista de “individualismo corrosivo” ou 
“materialismo consumista”. 
A Mais Dura Crítica à Globalização John Peter Berger (1926-), crítico de arte, romancista, pintor e escritor inglês, 
prefaciando a obra Fahrenheit 11 de setembro, do cineasta estadunidense Michael Francis Moore (1954-), caracterizou 
o papel dos Estados Unidos sob o governo George W. Bush (1946-), em relação à globalização e às megacorporações, 
como uma “quadrilha” que teria tomado de assalto – pela fraude eleitoral denunciada no filme – a Casa Branca e o 
Pentágono “[...] para que o poder dos Estados Unidos dali em diante estivesse a serviço, prioritariamente, dos 
interesses globais das grandes empresas” (MOORE, 2004). 
A afirmação parece dura pelas adjetivações que traz; porém, sintetiza os interesses que levaram à formação de um 
grupo político a serviço das megacorporações, que teria conduzido o poder da nação economicamente mais 
desenvolvida e que se pretenderia a “polícia do mundo”, nos dizeres de Jameson, dando o tom de uma globalização 
extremadamente violenta, na defesa de um modelo de mundo, o que possibilitaria dizer de uma espécie de 
“globalitarismo”. Sua percepção é a de que a globalização se caracterizaria como um embuste que mascararia uma 
nova fase do capital, no interesse das megacorporações aliadas aos Estados-nações mais ricos e industrializados do 
sistema capitalista, subordinados aos Estados Unidos que, de forma predatória, alimentar-se-ia das economias dos 
países pobres, da mão de obra semiescrava, aculturando povos inteiros no escopo de aliciar o consentimento unânime 
a todo e qualquer intervencionismo para o estabelecimento e manutenção de um modelo de hegemonia político-
econômica, que prescindiria da dominação cultural. 
Intolerância em Sociedades Globais Como vimos até aqui, o que nos constitui essencialmente são as diferenças. O 
imperativo, para a construção de uma sociedade tolerante é, portanto, a aceitação do outro, do diverso. É impensável, 
nesses termos, que sociedades plurais, como a brasileira, convivam com graves problemas de intolerância exatamente 
ao diverso. Nos grandes centros urbanos, em cidades consideradas como globais, grupos religiosos profanam imagens 
e símbolos rituais de outras religiões, o racismo velado ou desvelado circulando como “enlatados culturais”, condutas 
de violência contra homossexuais – dos espancamentos ao assassínio –, o trato dos estrangeiros como inferiores e 
uma série de outros exemplos revelam que as sociedades que se dizem planetárias convivem mal com a diversidade. 
Podemos afirmar, sob vários aspectos, que ao invés de valores de tolerância à diversidade, estamos na vigência de 
uma cultura de ódio expresso, vazado nos mais variados âmbitos da vida social, o que nos impõe uma imensa e urgente 
tarefa a fazer: construir uma contracultura da tolerância para reafirmar o homem, os próprios valores humanísticos, no 
seio de uma sociedade planetária que desumaniza, valorando o “ser” pelo “ter”, como nos disse o psicanalista e escritor 
alemão Erich Fromm. Nos casos de guerras ideológicas, religiosas e étnicas, a intolerância chega a ultrapassar os 
limites da irracionalidade com relação a indivíduos ou grupos específicos. 
Apesar de as guerras serem extremamente racionalizadas, de os morticínios na modernidade serem perpetrados com 
o recurso fundamental da técnica e de a intolerância ter se desenvolvido, como nos disse o escritor, filósofo, semiólogo, 
linguista e bibliófilo italiano Humberto Eco (1932-), de tipo selvagem para categórico, não podemos deixar de verificar 
que os argumentos sobre os quais tentam se ancorar condutas de intolerância em alguma base de cientificidade, 
fazem-no construindo ou se reapropriandode pseudociências, criadas em essência para legitimar seculares 
preconceitos ou ideias de superioridade civilizacional. Infelizmente, os exemplos de intolerância concreta em 
sociedades que se apresentam como globais são vários. A modernidade pode ser caracterizada, primordialmente, por 
essas ocorrências. 
Os nazistas, durante a Segunda Guerra Mundial, ao perpetrarem o abominável: o Holocausto; os conflitos étnico-
nacionalistas na África; as sistemáticas tentativas de “limpeza étnica” nos Bálcãs; e o “barril de pólvora” que se tornou 
o Oriente Médio, entre tantos outros exemplos. Temos graves questões humanitárias em jogo, que não devem ser 
preteridas em relação às ideologias, convicções religiosas ou pertenças étnicas. O homem universal e seus direitos 
inalienáveis devem ser o cerne das reflexões sobre a política, não apenas um dos elementos componentes de um 
sistema mecânico-funcionalista. 
Nesse contexto conturbado por ocorrências de ódio expresso em uma sociedade que propagandeia valores universais 
e totalizantes, seria possível estabelecer uma cultura de paz em favor da tolerância? Sociedades fragmentadas por 
diferentes grupos sociais, como é o caso, por exemplo, dos países que constituem a América Latina, experimentariam 
qual tipo de globalização? O modelo de desenvolvimento, ou de progresso que adotou a civilização ocidental, entende 
tal progresso como puramente técnico, como o meio capaz de promover o progresso humano. Em verdade, a própria 
ideia de progresso deve ser repensada para incorporar uma gama muito mais variada de relações, para além dos 
processos produtivos. 
É preciso, então, pensar o progresso em termos totalizantes e meios para sua consecução, que abarque o homem e 
suas aspirações, não meras modernizações abstratas: é preciso repensar o homem para repensar a própria ideia de 
civilização, tendo como horizonte o mundo que queremos. 
Atualmente, os exemplos mais latentes de intolerância no mundo globalizado são as constantes epidemias de fome 
em países periféricos do sistema capitalista; o reinventado imperialismo e o velho discurso civilizador dos países ricos; 
a ascensão de uma direita ultrarreacionária como força política na Europa; o conflito israelense-palestino; a retórica de 
negação iraniana em relação ao Holocausto judeu durante a Segunda Guerra Mundial; a ascensão do terrorismo como 
ameaça global; os novos/ velhos terrorismos de Estado; os conflitos étnico-nacionalistas na África; golpes militares; a 
hiperexploração de trabalhadores pobres em vários lugares do mundo; o trabalho infantil e a pedofilia; a pena de morte 
nos Estados Unidos e em tantos outros países; o estupro legalizado no matrimônio afegão; o fundamentalismo em 
qualquer religião; a ideia de que matar pode ter um propósito divino, entre tantos outros exemplos possíveis. 
Obviamente, pensar a tolerância em sociedades duais, em formações sociais eivadas de contradições e com 
gravíssimos problemas de subdesenvolvimento e dependência, é uma tarefa muito mais difícil, mas que faz muito mais 
sentido. Isso porque temos, na América Latina, uma das mais violentas histórias de conflitos civilizacionais, desde a 
colonização; a hecatombe que vitimou civilizações antiquíssimas; a escravidão; as guerras de independência – 
excluindo-se daí a experiência lusófona –; o ciclo de civilização e barbárie; o caudilhismo; o populismo; as ditaduras; 
as revoluções sociais; a organização dos setores subalternos, oprimidos, como forças políticas etc. 
A América Latina é complexa, apaixonante e pode ter ainda muito que ensinar aos povos da Terra em termos de 
multiculturalismo, hibridismo, aceitação das diferenças e consecutivas superações operadas pelos “de baixo” que 
tantas vezes “assaltaram o céu”, termo muito adequado, embora originalmente utilizado em outro contexto, do filósofo 
alemão Karl Marx (1818-1883), referindo-se ao efêmero – mas significativo – sucesso da Comuna de Paris, em 1871. 
Seria preciso, portanto, para os novos tempos de circulação mundializada do capital, ou como queira, de globalização, 
repensar o homem na adversidade e frente os desafios a serem superados pelas novas/velhas sociedades. 
Entendendo a intolerância como um dos maiores desafios a serem superados em um contexto de multiculturalismo, 
devemos observar sua ocorrência também no plano político, como o recurso a meios excessivamente coercitivos para 
a garantia, pela força ou ameaça do uso da força, de apenas uma interpretação de mundo, o que leva à ideia de 
civilidade ou cidadania como a adoção de comportamentos de obediência plena e irreflexiva. 
Seria preciso repensar o indivíduo de forma plena, exatamente como aquele que deve tomar as rédeas do destino em 
suas mãos, o agente de sua própria história – e não aquele que anula a si, as suas particularidades, aquilo que o 
constitui como único, em nome de uma ideologia que uniformize corações e mentes e que o torne estupidamente 
obediente, como gado. 
Essa obediência não se manifesta apenas em relação aos Estados; mas à própria sociedade de consumo de massa 
na difusão de seus valores. Podemos utilizar, para a análise desse aspecto, o conceito de globalitarismo, cunhado pelo 
geógrafo brasileiro Milton Santos (1926-2001), quem entendia o consumo de massa como o “fundamentalismo” dos 
novos tempos. Não seriam as ideologias políticas os controladores desse “não admirável mundo novo”: o que nos 
uniformiza, padroniza e nos torna subservientes seriam os valores partilhados por essa sociedade materialista, 
difundidos pelas megacorporações, que nos submeteriam à ditadura da aparência, que entenderiam indivíduos, 
valorizando-os e lhes atribuindo a própria existência social em relação ao repertório de bens tridimensionais que 
conseguissem concentrar no tempo efêmero de sua existência. A ideologia vigente não seria política, totalitarista; mas 
do consumo acrítico, sem sentido e nocivo ao próprio Planeta, igualmente fundamentalista.

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