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1 SUMÁRIO 1 Psicologia Jurídica ............................................................................. 2 1.1 O Psicólogo e suas Relações com a Justiça ............................... 5 1.2 A Avaliação Psicológica e a Psicologia Jurídica .......................... 9 2 A Psicologia junto ao Direito de Família .......................................... 11 2.1 Separação e Divórcio ................................................................ 17 2.2 Regulamentação de Visitas ....................................................... 18 2.3 Disputa de Guarda .................................................................... 19 2.4 Atuação do psicólogo nas ações de guarda .............................. 20 3 O papel do psicólogo nas varas da infância e Juventude ................ 23 4 Equipe Inter profissional na Vara Especializada da Infância e Juventude 25 5 ALIENAÇÃO PARENTAL ................................................................. 31 5.1 A ORIGEM DA SÍNDROME DE ALIENAÇÃO PARENTAL ....... 32 5.2 A IDENTIFICAÇÃO DA SÍNDROME DE ALIENAÇÃO PARENTAL E SEUS EFEITOS E CONSEQUÊNCIAS ........................................................... 34 5.3 SÍNDROME DAS FALSAS MEMÓRIAS .................................... 36 5.4 SÍNDROME DE ALIENAÇÃO PARENTAL NO PODER JUDICIÁRIO 37 6 Bibliografia ....................................................................................... 39 2 1 PSICOLOGIA JURÍDICA Fonte:flucianofeijao.com.br A base histórica da Psicologia Jurídica está ligada à história da própria Psicologia, estando vinculada, portanto, às bases filosóficas e suas reflexões acerca do homem. Especificamente no Império Romano e na Idade Média as compreensões sobre o homem estavam vinculadas ao Cristianismo, ao conheci- Marcele Teixeira Homrich – Doglas Cesar Lucas 240 ano XX nº 35, jan.-jun. 2011 / ano XX nº 36, jul.- dez. 2011 mento religioso. Com a Renascença começou a se estabelecer as bases do método científico, ocasião em que se inicia a separação entre Filosofia e Psicologia, notadamente pela conformação do caráter científico desta última (Bock, 1999). No século 19, com o desenvolvimento da industrialização, a ciência deveria encontrar respostas rápidas e soluções práticas. A noção de verdade passa a contar com o aval da ciência. Com Comte e o desenvolvimento do positivismo a Psicologia passa a buscar na fisiologia e na neurofisiologia a solução para seus problemas. A Psicologia inicia como ciência com o pressuposto de aferição e medição. Importante nome nessa fase foi Fechner-Weber e seu estudo acerca da relação entre estímulo e sensação, constituindo uma possibilidade de medir o fenômeno psicológico. Outro pesquisador fundamental foi Wundt, considerado o pai da Psicologia moderna, com seu primeiro laboratório de Psicologia experimental na Universidade de Leipzig, desenvolvendo o método de introspecção. Percebe-se que o curso da Psicologia enquanto ciência tem sua base vinculada ao desenvolvimento do método científico, compreendendo-se que a Psicologia Jurídica também está vinculada a esta perspectiva. É importante notar que até o fim 3 do século 19 a Psicologia Jurídica esteve vinculada a prática psiquiátrica forense, na qual predominou uma espécie de “psiquiatrização” do crime, pelo qual a verdade jurídica é o resultado obtido pelo exame do criminoso. Nesse contexto, a primazia do conhecimento biológico, sustentado pela lógica científica, estabelece modelos e referências para a compreensão do comportamento humano. Destacamos aqui Francis Galton, que defendia que o tamanho do crânio estaria vinculado às funções intelectuais e de caráter. Também cabe citar Cesare Lombroso, que defendia a hereditariedade como determinante da criminalidade, sendo possível identificar o criminoso pelas características físicas. No que se refere à História, a Psiquiatria surge antes da Psicologia. A diferenciação entre a Psicologia e a Psiquiatria originou-se da compreensão de loucura. A Psicologia, no entanto, foi para além da Psiquiatria, investigando e possibilitando espaços de reflexão para todos os fenômenos que participam da ocorrência das doenças mentais. A Psicologia possibilitou pensar o ser humano sem que necessariamente a explicação estivesse vinculada à doença mental. O início da Psicologia Jurídica no Brasil não tem um marco histórico bastante claro, uma vez que o processo de desenvolvimento deu-se de forma gradual e lenta, muitas vezes de maneira informal, por meio de trabalhos voluntários. A Psicologia Jurídica teve seu reconhecimento como profissão na década de 60. Com o desenvolvimento de várias correntes teóricas na Psicologia, o comportamento humano foi sendo explorado nas suas múltiplas facetas, possibilitando à área a interlocução com outros campos do saber. Inicialmente, todavia, a Psicologia Jurídica esteve intimamente ligada ao uso de psicodiagnósticos, que eram vistos como instrumentos que forneciam dados matematicamente comprováveis para orientação dos operadores do Direito. O psicólogo que atuava na área era visto como um “testólogo”, pois sua prática era baseada na aplicação de exames e avaliações. Surge no final do século 19 a denominada Psicologia do Testemunho, que objetivava verificar a veracidade dos depoimentos dos sujeitos envolvidos em um processo jurídico, quando não só o criminoso deveria ser examinado, mas também a testemunha que relata aquilo que viu, levando em consideração os processos internos que influenciam na veracidade do relato. Estavam incluídos nessa prática estudos acerca dos sistemas de interrogatório, os fatos delitivos, a detecção de falsos testemunhos, as amnésias simuladas e os testemunhos de crianças (Lago et al., 2009). 4 Entretanto, a história revela que essa preocupação com a avaliação do criminoso, principalmente quando se trata de um doente mental delinquente, é bem anterior à década de 1960 do século XX. Durante a Antiguidade e a Idade Média a loucura era um fenômeno bastante privado. Ao “louco” era permitido circular com certa liberdade, e os atendimentos médicos restringiam-se a uns poucos abastados. A partir de meados do século XVII, a loucura passou a ser caracterizada por uma necessidade de exclusão dos doentes mentais. Criaram-se estabelecimentos para internação em toda a Europa, nos quais eram encerrados indivíduos que ameaçassem a ordem da razão e da moral da sociedade. A partir do século XVIII, na França, Pinel realizou a revolução institucional, liberando os doentes de suas cadeias e dando assistência médica a esses seres segregados da vida em sociedade. Após esse período, os psicólogos clínicos começaram a colaborar com os psiquiatras nos exames psicológicos legais e em sistemas de justiça juvenil. Com o advento da Psicanálise, a abordagem frente à doença mental passou a valorizar o sujeito de forma mais compreensiva e com um enfoque dinâmico. Como consequência, o psicodiagnóstico ganhou força, deixando de lado um enfoque eminentemente médico para incluir aspectos psicológicos. Os pacientes passaram a ser classificados em duas grandes categorias: de maior ou de menor severidade, ficando o psicodiagnóstico a serviço do último grupo, inicialmente. Desta forma, os pacientes menos severos eram encaminhados aos psicólogos, para que esses profissionais buscassem uma compreensão mais descritiva de sua personalidade. Os pacientes de maior severidade, com possibilidade de internação, eram encaminhados aos psiquiatras. Conceitualmente, a Psicologia Jurídica corresponde a toda aplicação do saber psicológico às questões relacionadas ao saber do Direito. A Psicologia Criminal, a Psicologia Forense e, por conseguinte, a Psicologia Judiciária estão nela contidas. Toda e qualquer prática da Psicologia relacionada às práticas jurídicas podem ser nomeadas como Psicologia Jurídica. O termo Psicologia Jurídica é umadenominação genérica das aplicações da Psicologia relacionadas às práticas jurídicas, enquanto Psicologia Criminal, Psicologia Forense e Psicologia Judiciária são especificidades aí reconhecíveis e discrimináveis 5 1.1 O Psicólogo e suas Relações com a Justiça Fonte: sites.google.com Segundo Gesser (2013), a Psicologia deve considerar a subjetividade uma premissa fundamental à garantia dos direitos humanos, destacando a necessidade de que a subjetividade seja entendida como uma construção histórico- social, ou seja, construída nas relações que o sujeito estabelece com o contexto do qual faz parte. A ONU define os direitos humanos como: “ Garantia jurídicas universais que protegem indivíduos e grupos contra ações ou omissões dos governos que atentem contra a dignidade humana”. Os princípios propostos pela Declaração Universal dos Direitos Homem devem ser vistos como um ideal comum a atingir por todos os povos e todas as nações, a fim de que alcancem todos os indivíduos e todos os órgãos da sociedade. Conforme proposto por Silva (2003), a afirmação dos direitos humanos como um patamar ético que deve mediar o relacionamento entre todos os membros da sociedade esbarra, no caso brasileiro, no desafio da superação do abismo das desigualdades que separam os grupos sociais. 6 A construção de uma cultura baseada na promoção dos direitos humanos pressupõe que se leve em consideração, igualmente, os aspectos da subjetividade social que se encontram abrangidos nesses processos. Tanto nos aspectos que envolvem a promoção dos direitos humanos, quanto nos que envolvem as suas violações, não se pode descuidar da dimensão subjetiva que lhes oferece base de sustentação e de existência no mundo. Gesser (2013) propõe que o desafio à Psicologia no século XXI é o de superar tanto os modelos que reduzem a subjetividade a algo interno, inerente ao sujeito, quanto àqueles que estabelecem concepções mecânicas entre fatos psicológicos e fatos exteriores. Assim, vemos que há um enfoque cada vez maior na construção de referência com vistas a uma atuação profissional do psicólogo comprometida com a garantia dos direitos humanos. Por constituir a expressão de valores universais, tais como os constantes na Declaração Universal dos Direitos Humanos – socioculturais, que refletem a realidade do país – e de valores que estruturam uma profissão, um código de ética não pode ser visto como um conjunto fixo de normas e imutável no tempo. As sociedades mudam, as profissões transformam-se e isso exige, também, uma reflexão contínua sobre o próprio código de ética que nos orienta. A ética é o ramo da filosofia que se dedica ao estudo dos valores e da moral, tendo por finalidade esclarecer reflexivamente o campo da moral de tal modo a orientar racionalmente para o apontamento da conduta moralmente pertinente. Assim, a ética é um tipo de saber normativo, isto é, um saber que pretende orientar as ações dos serem humanos. O fundamento ético é tão importante quanto a estrutura de um prédio. Se esse fundamento não está bem entendido, corre-se o risco de não enfrentar de maneira adequada os desafios éticos que a profissão pode trazer (JUNQUEIRA,2011). Códigos de Ética expressam sempre uma concepção de homem e de sociedade que determina a direção das relações entre os indivíduos. Traduzem-se em princípios e normas que devem se pautar pelo respeito ao sujeito humano e seus direitos fundamentais (CFP,2005). Os princípios fundamentais são os eixos que norteiam todos os artigos do Código de Ética Profissional do Psicólogo. O inciso apresentado a seguir, demonstra o compromisso social da profissão com a ética e os Direitos Humanos: 7 I- O psicólogo baseará seu trabalho no respeito e na promoção da liberdade, da dignidade, da igualdade e da integridade do ser humano, apoiado nos valores que embasam a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Conforme orientação do Conselho Federal de Psicologia, quando houver imperativo ético de denúncia das violações dos direitos humanos e situação de tortura, o psicólogo deve procurar seu conselho profissional e o conselho de defesa da pessoa humana (dentre outras entidades) para formulação da denúncia, com respaldo nas legislações nacionais e internacionais, quando se esgotarem os recursos das instâncias internas (DEPEN,CFP,2007). O psicólogo deve desenvolver uma prática psicológica comprometida com os princípios dos direitos humanos e com a ética profissional, com vistas à criação de dispositivos que favoreçam novos processos de subjetivação, potencializando a vida das pessoas presas. Esse é o grande desafio da Psicologia na área jurídica, pois os profissionais também estão sujeitos ás armadilhas e capturas produzidas pelas contradições da própria prisão (DEPEN;CFP,2007). Conforme a Resolução CFP nº 013/2007, o psicólogo especialista em psicologia jurídica atua no âmbito da justiça: Colaborando no planejamento e execução de políticas de cidadania, direitos humanos e prevenção da violência; Centrando sua atuação na orientação do dado psicológico repassado não só para os juristas como também aos indivíduos que carecem de tal intervenção, para possibilitar a avaliação das características de personalidade e fornecer subsídios ao processo judicial, além de contribuir para a formulação, revisão e interpretação das leis; Avaliando as condições intelectuais e emocionais de crianças, adolescentes e adultos em conexão com os processos jurídicos, seja por deficiência mental e insanidade, testamentos contestados, aceitação em lares adotivos, posse e guarda de crianças; Aplicando métodos e técnicas psicológicas e/ou psicometria para determinar a responsabilidade legal por atos criminosos; 8 Atuando: Como perito judicial nas varas cíveis, criminais, Justiça do Trabalho, da família, da criança e do adolescente, elaborando laudos, pareceres e perícias, para serem anexados aos processos; A fim de realizar atendimento e orientação a crianças, adolescentes, detentos e seus familiares; Em pesquisas e programas e socioeducativos e de prevenção à violência. Construindo ou adaptando instrumentos de investigação psicológica, para atender ás necessidades de crianças e adolescentes em situação de risco, abandonados ou infratores; Orientando a administração e os colegiados do sistema penitenciário sob o ponto de vista psicológico; Usando métodos e técnicas adequados, para estabelecer tarefas educativas e profissionais que os internos possam exercer nos estabelecimentos penais; Participando de audiência, prestando informações, para esclarecer aspectos técnicos em psicologia a leigos ou leitores do trabalho pericial psicológico; Elaborando petições sempre que solicitar alguma providência ou haja necessidade de comunicar – se com o juiz durante a execução de perícias, para serem juntadas aos processos; Assessorando a administração penal na formulação de políticas penais e no treinamento de pessoal para aplicá-las. 9 Fonte:www.cicloceap.com.br 1.2 A Avaliação Psicológica e a Psicologia Jurídica Fonte: www.psicologiasdobrasil.com.br Nos campos de atuação da Psicologia Jurídica, conforme apresentados anteriormente, encontramos um predomínio da avaliação psicológica. A avaliação psicológica (AP) é um exame de caráter compreensivo efetuado para responder questões específicas quanto ao funcionamento psíquico adaptado ou não de uma 10 pessoa durante um período específico de tempo ou para predizer o funcionamento psicológico da pessoa no futuro (Noronha; Alchieri, 2004). A avaliação deve fornecer informações fundamentadas que orientem, sugiram ou sustentem o processo de tomada de decisão que precisa levar em consideração informações sobre o funcionamento psíquico. A avaliação psicológica de cunho jurídico é denominadaperícia forense. A AP é composta por etapas, durante as quais o profissional terá subsídios para elaborar seu parecer final, sendo elas: levantamento de perguntas relacionadas com os motivos da avaliação e definição das hipóteses iniciais e dos objetivos do exame; planejamento, seleção e utilização de instrumentos de exame psicológico; levantamento quantitativo e qualitativo; integração dos dados e informações e formulação de inferências pela integração dos dados, tendo como pontos de referência as hipóteses iniciais e objetivos do exame, culminando com a comunicação de resultados, orientação sobre o caso e encerramento do processo. Compreende-se que a avaliação psicológica não se refere à aplicação de testagem, sendo o teste um elemento que servirá de subsídio para a compreensão do avaliado. Segundo Lago (2009) e França (2004), porém, a testagem ainda predomina na realização da AP, sendo ela dominante no momento da compilação dos dados para elaboração do parecer. Entre os instrumentos possíveis na AP estão: testes psicológicos (escalas de desenvolvimento, testes de inteligência, teste de aptidão, teste de personalidade), questionários, inventários, entrevistas, observações situacionais. A escolha do instrumento vai depender do objetivo da avaliação. O teste é “uma medida objetiva e padronizada de uma amostra de comportamento” (Anastasi; Urbina, 2000). É um procedimento sistemático para observar o comportamento e descrevê-lo com a ajuda de escalas numéricas ou categorias fixas (Cronbach, 1996). É, portanto, compreendido como um conhecimento reduzido, como um recorte da realidade. França (2004) adverte que, nesse contexto, torna-se necessário verificar a confiabilidade e a validez dos instrumentos e do modelo teórico utilizados, a fim de verificar se estes respondem ao objetivo do procedimento. Em virtude dessa limitação do conhecimento produzido, torna-se imperativa a compreensão interdisciplinar do fenômeno estudado para melhor abordá-lo em sua complexidade. Compreende-se que a predominância da testagem sobreposta aos outros itens da composição da avaliação psicológica decorre de que, conforme pesquisa de Noronha e Alchieri (2004), as disciplinas nos cursos de Psicologia voltadas ao ensino da AP objetivavam aplicação, correção e interpretação de 11 resultados, sendo os outros elementos desconhecidos. Outro elemento que converge na compreensão da predominância da testagem é a história da Psicologia como ciência, conforme apresentado anteriormente, na qual a medição e aferição são elementos que possibilitam o reconhecimento da área. Também encontramos aqui as influências da Psiquiatria, pois a testagem possibilita enquadrar o sujeito a um diagnóstico. Assim, a prática do psicólogo jurídico, muitas vezes, fica nessa díade: aplicação de testes – diagnóstico. A complicação ocorre no momento em que esses dados apresentados pela perícia são tomados como a verdade sobre o indivíduo. França (2004) refere que as conclusões da perícia sobre o comportamento do indivíduo criminoso estende-se a todo o indivíduo em sua integridade e essa marca determinará a sua existência. A predominância da testagem é compreendida também pela expectativa do jurídico, cujo caráter é positivista. A perícia forense é uma das possibilidades do psicólogo jurídico, mas não a única; deve ser utilizada com prudência e ser entendida enquanto uma composição de dados coletados, e não reduzida à aplicação de testes. A AP é importante como elemento da Psicologia Jurídica, porém é imprescindível a necessidade de repensá-la criticamente. 2 A PSICOLOGIA JUNTO AO DIREITO DE FAMÍLIA Fonte:www.caputoecouto.com.br 12 Segundo Carlos Roberto Gonçalves ( 2013 apud Dannemann,2013), a família é uma realidade sociológica e constitui a base do Estado, o núcleo fundamental em que repousa toda a organização social. Em qualquer aspecto em que é considerada, aparece a família como uma instituição necessária, sagrada, que vai merecer a mais ampla proteção do Estado. O Direito de Família, por sua vez, regula a relação existente entre os membros que compõem a família e as consequências dessa relação para as pessoas e os patrimônios dos envolvidos. A constituição Federal (CF/88) dedica o seu Capítulo VII ao estudo da família, da criança, do adolescente, do jovem e do idoso, e em especial, no artigo 226, estabelece as linhas gerais da proteção à família. Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. § 1º O casamento é civil e gratuita a celebração. § 2º O casamento religioso tem efeito civil, nos termos da lei. § 3º Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento. § 4º Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes. § 5º Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher. § 6º O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio. § 7º Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas. 13 § 8º O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações. A instituição família vem se modificando e se reestruturando de acordo com cada contexto histórico e apresentando até formas variadas numa mesma época e lugar, de acordo com o grupo social (Paiva,2008). Sabemos que não há uma definição única de família, não há um “modelo ideal”, pois, cada família tem sua especificidade e estabelece um código próprio (constituído de normas e regras). Cada indivíduo se apropria deste código e o usa. Cada um tem sua identidade, mas há uma organização interna à família. Como cada sociedade tem sua história e sua cultura, são diversas as formas de ser família, de criar os filhos, como também são diversos os costumes relativos ao matrimônio e aos papéis do homem e da mulher. Kaslow (2001) cita nove tipos de composição familiar que podem ser consideradas “família”: 1-Família nuclear, incluindo duas gerações (pais-filhos), com filhos biológicos; 2- Famílias extensas, incluindo três ou quatro gerações (pais- filhos- avós); 3- Famílias adotivas temporárias; 4- Famílias adotivas, que podem ser bi raciais ou multiculturais; 5- Casais heterossexuais; 6- Famílias monoparentais, chefiadas por pai ou mãe; 7- Casais homossexuais com ou sem crianças, 8- Famílias reconstituídas depois do divórcio, 9- Várias pessoas vivendo juntas, sem laços legais, mas com forte compromisso mútuo. 14 A organização de um Serviço de Psicologia no âmbito jurídico reflete a demanda institucional e as medidas judiciais previstas para a situação- problema, dividindo os atendimentos por áreas (Maciel,2002): Colocação de crianças em famílias substitutas e/ou de apoio, que pressupõe as medidas judiciais correspondentes: Guarda; Tutela; Adoção; Delegação e destituição do pátrio poder; Utilização de recursos como: Abrigos temporários; Cadastros de pessoas interessadas em adoção; Cadastros de famílias de apoio; Cadastro de crianças e adolescentes disponíveis para adoção; Cursos de esclarecimento para pais substitutos; Orientação, apoio e acompanhamento temporários à criança, ao adolescente e à família, em situações de desajustes familiares e desvios de conduta como: Fuga do lar; Uso de tóxicos; Pedidos de internação; Consentimento para casamento; Suprimento de idade (emancipação da maioridade). Atendimentos de denúncias sobre negligências, maus tratos, abuso sexual, violência psicológica, intra e extrafamiliar. Atendimento a jovens com práticas de delito, com estudo de caso, visando à discussão e avaliação de medidas socioeducativas e de proteção, tais como: Advertência; Liberdade assistida; Prestação de serviços à comunidade; Semi-internação; 15 Internação; Fiscalização das entidades de atendimento governamentais e não – governamentais; Apuração de irregularidades em entidades de atendimento, Proteção judicial dos interesses individuais, difusos e coletivos (ações cíveis). Segundo Maciel (2002), a principal tarefa dos psicólogos no âmbito do poder judiciário tem sido assessorar o magistrado na distribuição da justiça. Porém, para realizar tal função, necessitam cumprir várias atribuições, tais como: Realizar estudos de casos, buscando alternativas mais viáveis, no cumprimento do Estatuto da Criança e do Adolescente, em defesa dos direitos fundamentais do mesmo; Discutir as medidas de proteção ou socioeducativas mais coerentes a situação de crianças e adolescentes; Participar de audiência e apresentar por escrito ou oralmente, o parecer técnico sobre o caso, resguardando os princípios éticos da profissão; Proceder à orientação, acompanhamentos e encaminhamentos necessários à família e à criança ou adolescente, Estimular e efetivar as relações da instituição judiciária com as entidades e conselhos do município (de direito e tutelar) numa ação interinstitucional que promova o intercâmbio em rede e uma política de atendimento eficaz; Verificar o cumprimento do Estatuto da Criança e do Adolescente, conhecendo e analisando os programas de atendimento do município, e denunciando sua violação; Promover a política de atendimento à criança e ao adolescente no município enquanto os conselhos tutelares municipais não estão instalados, e ou/ auxiliá- lo em sua realização; Participar e promover eventos relacionados à área (cursos etc); Proceder a estudos e promover debates visando a análise de fatores que predispõe, reforçam ou contribuem para a manutenção o fenômeno da menoridade, bem como as problemáticas das famílias, buscando realizar um trabalho efetivo com as pessoas em harmonia interdisciplinar, contribuindo para o avanço das políticas públicas, da profissão e da ciência. 16 Observe que as atividades desenvolvidas pelo psicólogo no âmbito judicial podem ser agrupadas em ações de perícia/ avaliação; acompanhamento/ atendimento e assessoramento/ auxílio. Lago et. al(2009) também destacam que na Psicologia Jurídica ocorre uma predominância das atividades de elaboração de laudos, pareceres e relatórios, o que leva à suposição de que compete à Psicologia uma atividade de cunho avaliativo e de subsídio aos magistrados. No entanto, nem sempre o trabalho do psicólogo jurídico está ligado à questão da avaliação e consequente elaboração de documentos. Os ramos do Direito que frequentemente demandam a participação do psicólogo são: Direito Civil Direito da Família Direito da Criança e do Adolescente Direito Penal Direito do Trabalho Na área de família destaca-se a participação dos psicólogos nos processos de: Separação e divórcio; Disputa de guarda; Regulamentação de visitas. Fonte: psijust.blogspot.com 17 2.1 Separação e Divórcio Fonte: www.boavidaonline.com.br Os processos de separação e divórcio englobam: Partilha de bens; Guarda de filhos; Estabelecimento de pensão alimentícia; Direito à visitação São raros os casos em que os cônjuges conseguem atingir o consenso para a separação. As situações que requerem a participação de um psicólogo geralmente são litigiosas, ou seja, aqueles em que as partes não conseguem chegar a um acordo em relação às questões envolvidas no divórcio. Isso implica resolver o conflito que está ou que ficou entrelinhas, nos meandros dos relacionamentos, ou seja romper com o vínculo afetivo-emocional. Nos casos em que o juiz não considera viável a mediação ou quando os litigantes se dispõem a tentar um acordo, o psicólogo pode atuar como mediador ou pode ser solicitada uma avaliação de uma das partes ou do casal. Seja como mediador ou avaliador, o psicólogo busca identificar os motivos que levaram ao litígio e os conflitos que impedem um acordo. Nos casos em que julga necessário, o psicólogo pode inclusive sugerir encaminhamento para tratamento psicológico ou psiquiátrico das partes. 18 2.2 Regulamentação de Visitas Fonte: advocacia-dra-gleice.negocio.site Conforme vimos a pouco, o direito à visitação é uma das questões a serem definidas a partir do processo de separação ou divórcio. No entanto, mesmo após a decisão judicial podem surgir questões de ordem prática ou até mesmo novos conflitos que tornem necessário recorrer mais uma vez ao judiciário, solicitando uma revisão nos dias e horários ou forma de visitas. Nessas situações o psicólogo jurídico realiza avaliações com a família, com vistas a esclarecer os conflitos e informar ao juiz sobre a dinâmica familiar, além de sugerir as medidas que podem ser adotadas. Além disso, o psicólogo pode atuar também como mediador, sinalizando a influência de conflitos intrapessoais na dinâmica interpessoal dos ex-cônjuges, com o objetivo de estabelecer um acordo pautado na cooperação, de maneira que a autonomia da vontade das partes seja preservada. 19 2.3 Disputa de Guarda Fonte: circuitopsi.com.br Nos processos de separação ou divórcio o juiz precisa determinar qual dos ex- cônjuges deverá deter a guarda dos filhos. Nos casos mais graves, em que ocorrem disputas judiciais pela guarda, o juiz pode requerer a realização de uma perícia psicológica para que seja avaliado qual dos genitores apresenta melhores condições de exercer esse direito. É necessário que os psicólogos que atuam nessa área tenham conhecimentos sobre avaliação psicológica, psicopatologia, psicologia do desenvolvimento e psicodinâmica do casal, além de estudar temas atuais como a guarda compartilhada, falsas acusações de abuso sexual e síndrome de alienação parental, devendo saber sobre seu funcionamento e sobre a melhor forma de investigá-los, pois, essas situações podem estar envolvidas nesses processos. Modalidades de guarda Unilateral, monoparental, exclusiva ou única: atribuída a um só dos genitores ou a alguém que o substitua; Compartilhada ou conjunta: responsabilização conjunta e o exercício de direitos e deveres do pai e da mãe que não vivam sob o mesmo teto, concernentes ao poder familiar dos filhos comuns. 20 Guarda alternada: divisão entre pai e mãe em relação à responsabilidade com os filhos e consequentes mudanças periódicas destes para a casa de cada um dos pais. Aninhamento ou nidação: a criança mora ora na companhia do pai, ora na companhia da mãe, semelhante à guarda alternada. No entanto, quem muda de residência não é ela e sim seus genitores. Fonte: www.amodireito.com.br 2.4 Atuação do psicólogo nas ações de guarda Fonte: astrosavet.rs 21 Práticas: avaliação psicológica, perícia, assessoramento, orientação, mediação, aconselhamento, encaminhamento, elaboração de laudos, pareceres e relatórios. Possibilidade de análise da dinâmica familiar e das interações entre seus membros. Estudo para verificação, dentre os genitores ou demais responsáveis envolvidos, qual deles reúne mais condições gerais, vocacionais, funcionais e emocionais para o atendimento das necessidades da criança ou adolescente em questão. O objetivo central é trazer aos autos (processo judicial) elementos que auxiliem o magistrado na decisão, através de um laudo/ relatório ou parecer psicológico. A análise do enquadre de trabalho permite definir como clientes possíveis dopsicólogo: o advogado, a partes, as partes, o curador de família e o juiz (Shine,2010). O advogado- atuando a pedido do advogado, o psicólogo deverá deixar claro, no seu relacionamento com a parte, que o que souber a partir da avaliação poderá ser usado pelo advogado. Portanto, na perspectiva colocada acima, é possível definir o advogado como cliente que demanda serviços do psicólogo, mesmo que seja a parte – cliente deste advogado, aquela que será atendida pelo profissional. O advogado é quem, em última instância, detém o poder de decidir como utilizar as conclusões psicológicas que o profissional obtiver. Vemos assim que o papel que o psicólogo desempenhará na arena legal pode ser de um “consultor especializado” (perito na matéria) de quem o advogado se servirá para melhor defender a causa do seu cliente. A parte- segundo o Código do Processo Civil, no momento que o juiz aceita a prova da perícia psicológica, ele deve facultar às partes a indicação de assistentes técnicos. O assistente técnico é o perito de confiança da parte. O assistente técnico psicólogo tem a sua entrada por intermédio do advogado. No entanto, em muitos casos é a própria parte que procura o psicólogo para efetivar o contrato de trabalho. Shine (2010) alerta para o fato de que, quando a solicitação é feita ao psicólogo em consultório, habituado ao enquadre clínico, este irá considerar seu cliente a pessoa que ele avaliou. Ao considerá-lo responsável (paciente/cliente) pelo que fizer com o relatório que lhe entregar, estará ignorando o destinatário último deste trabalho (juiz), bem como o contexto (jurídico) em que seu relatório psicológico será apreciado. O Juiz- na maioria dos trabalhos de avaliação psicológica em Vara de Família (dentre os quais o processo de guarda é um deles) é realizada pelo psicólogo 22 nomeado perito pelo juiz. Por esta razão é que se refere a este profissional como o perito oficial ou o perito de confiança do juiz, ou ainda perito do juízo. O juiz tem a autonomia de nomear o perito que ele quiser. Isto equivale a dizer, no caso brasileiro, que mesmo nos estados onde existem psicólogos contratados no tribunal, exercendo rotineiramente o serviço de perícia para Varas de Família, o juiz da causa pode nomear um profissional de fora da instituição judiciária. A posição de perito outorga ao profissional a autoridade de convocar oficialmente a presença de todos que ele ou ela entender necessário avaliar para a efetivação do trabalho. Além disso, esta prerrogativa de investigação coloca o profissional sob o manto da autoridade judiciária para realizar as diligências tais como visitas a escola, hospitais, etc., bem como entrevistar profissionais que atendam à família em questão (médicos, professores, psicoterapeutas, psicopedagogos etc.). Obviamente a decisão de fazer tais diligências está diretamente relacionada a como o profissional psicólogo perito entenda que sejam necessárias ou não para o desempenho de sua função. O curador de família- O curador de Família, pertence ao Ministério Público, fazendo parte do Poder Executivo, em função eminentemente fiscalizadora, sendo “órgão de lei e fiscal sua execução”. Além de fiscalizar o bom andamento processual do rito pertinente, também influi no direcionamento daquilo que será apreciado, sugerindo provas periciais específicas, dentre as quais a avaliação psicológica. Shine (2010) afirma que a sugestão de avaliação psicológica partindo do membro do Ministério Público é prática comum. Da mesma forma que, ao indicar a perícia psicológica, o curador também pode oferecer quesitos que são perguntas que se formulam aos peritos e pelas quais se delimitam no campo da perícia. 23 Fonte: meloadv.adv.br 3 O PAPEL DO PSICÓLOGO NAS VARAS DA INFÂNCIA E JUVENTUDE Fonte: www.taupsicologia.com.br Para fazer frente às situações de risco, as políticas públicas de assistência social precisam do trabalho de profissionais de vários setores, tais como saúde, educação, assistência social e sistema de Justiça. Dentre as áreas de atuação, demandam-se, dentre outros profissionais, os de assistência social e da Psicologia. O 24 ECA traz, para o profissional de Psicologia, papéis a serem desempenhados nas políticas públicas de atendimento dos direitos da criança e do adolescente. Sob o paradigma da proteção integral, o juiz não atua mais com exclusividade. Há um reordenamento do atendimento à criança e ao adolescente, uma interdisciplinaridade de profissionais. E a família constitui o foco principal. O papel do psicólogo não é mais o de técnico que só atua do ponto de vista do conhecimento específico, principalmente dos testes. O papel do psicólogo agora é a atenção na proteção integral, e ele deve considerar a criança e o adolescente sujeitos de sua história, sujeitos de direitos, protagonistas; tem que atuar em rede, interdisciplinarmente (Conselho Federal de Psicologia, 2003). Dentro da concepção da proteção integral, o papel do psicólogo no sistema de garantias, junto ao de outros profissionais, passa, então, a ser o de um viabilizador de direitos, devendo para tal ter conhecimento profundo da legislação, uma vez que a descentralização lhe exige novas e capacitadas competências, a autonomia política administrativa impõe a participação, e o controle requer um arcabouço teórico-técnico- operativo que visa ao fortalecimento de práticas e espaços de debate, na propositura e no controle de política na direção da autonomia e do protagonismo dos usuários, assim como nas relações entre gestores, técnicos das esferas governamentais, dirigentes e técnicos, prestadoras de serviços, conselheiros e usuários. Mas a atuação desses profissionais deve se dar em rede, ou seja, em complementaridade técnica. As novas demandas para a atuação do psicólogo nas políticas sociais para crianças e adolescentes requerem um profissional multifunções, que trabalhe de forma interdisciplinar e em rede. Mas esse novo modelo, que emerge a partir da constituição Federal de 1988 e do Estatuto da criança e do Adolescente, documentos que garantiram àqueles a condição de sujeitos de direitos, não foi suficiente para dar conta da discussão, antiga na Psicologia, realizada por diversas correntes que discutem o modelo de Psicologia adequado às classes trabalhadoras, às populações marginalizadas, às populações sem a experiência da escolarização e às comunidades pobres. 25 4 EQUIPE INTER PROFISSIONAL NA VARA ESPECIALIZADA DA INFÂNCIA E JUVENTUDE1 A Constituição Brasileira de 1988, nos artigos 204 e 227, fixa os direitos da infância e da adolescência em consonância com a Convenção Internacional dos Direitos da Criança, aprovada pela Assembleia das Nações Unidas em 1989 e ratificada pelo Brasil por meio do Decreto n. º 99.710 de 21 de novembro de 1990. O ECA dispõe sobre os direitos fundamentais da infância e da adolescência adotando os princípios da Doutrina de Proteção Integral, consagrados pela Convenção Internacional dos Direitos da Criança, materializada em tratados e convenções adotadas pelos Estados signatários. Segundo Bernardi, o novo paradigma, crianças e adolescentes gozam de direitos especiais e prioritários de proteção em função de sua condição peculiar de desenvolvimento e, simultaneamente, dos direitos humanos consagrados a todas as pessoas (ECA, artigo 3.º). A garantia de prioridade na efetivação dos direitos, compreende, segundo o artigo 4.º da CF, a primazia de receber proteção e socorro em quaisquer circunstâncias; precedência de atendimento nos serviços públicos ou de relevância pública; preferência na formulação e na execução das políticas sociais públicas; destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção à infância e à juventude. Neste universo, o ECA atribui ao Poder Judiciário, enquanto instituição, a criação de varas especializadase exclusivas da infância e da juventude e manutenção de equipe Inter profissional. A primeira encontra-se no art.145 do ECA: “Art. 145 - Os Estados e o Distrito Federal poderão criar varas especializadas e exclusivas da infância e da juventude, cabendo ao Poder Judiciário estabelecer sua proporcionalidade por número de habitantes, dotá-las de infraestrutura e dispor sobre o atendimento, inclusive em plantões. ” A segunda, sob o título de serviços auxiliares: 1 Texto extraído do link: http://www.aasptjsp.org.br/sites/default/files/Documento%20CNJ%2018%20anos%20do%20ECA.pdf 26 “Art. 150 - Cabe ao Poder Judiciário, na elaboração de sua proposta orçamentária, prever recursos para manutenção de equipe interprofissional, destinada a assessorar a Justiça da Infância e da Juventude. ” No art.151, menciona, genericamente as atribuições da equipe: Art. 151 - Compete à equipe interprofissional, entre outras atribuições que lhe forem reservadas pela legislação local, fornecer subsídios por escrito, mediante laudos, ou verbalmente, na audiência, e bem assim desenvolver trabalhos de aconselhamento, orientação, encaminhamento, prevenção e outros, tudo sob a imediata subordinação à autoridade judiciária, assegurada a livre manifestação do ponto de vista técnico. As competências da Justiça da Infância e Juventude, definidas pelo ECA (artigo 148) indicam que a autoridade judiciária tem poderes para intervir nas relações familiares e decidir sobre a vida de crianças e de adolescentes, com base nos princípios legais, contando com o auxílio de equipe interprofissional. Esta tem suas funções definidas como de assessoria para as decisões judiciais, fornecendo, por meio de relatórios e participação em audiências, subsídios para a convicção do magistrado quanto à medida judicial que melhor responde aos interesses das crianças e adolescentes, contextualizando a demanda do caso à realidade social mais ampla, na qual a problemática social trazida ao Poder Judiciário, se insere. Além disto, a equipe interprofissional pode auxiliar o juízo no devido acompanhamento da aplicação da medida, informando os autos sobre a efetivação da ação no âmbito da família e da comunidade, visando a garantia de direitos, por meio de uma ação articulada em rede com as políticas setoriais públicas. Fonte: brunapsicologa.blogspot.com 27 Consideramos que, embora no Brasil tenhamos conquistado um aparato legal significativo, que garante um sistema de proteção social avançado na área da infância e juventude, não temos ainda a expressão destas conquistas na vida social cotidiana. Os psicólogos nas Varas da Infância e Juventude se dedicam a esmiuçar o caso na busca de alternativas para a recomposição do direito violado, com base no estudo interprofissional. Adotam a perspectiva de proteção e cuidado, próprias à doutrina de Proteção Integral do ECA; elaborando relatórios psicológicos parciais que informam sobre ações por eles desenvolvidas ao longo de um tempo de diagnóstico e de intervenção, até construir material suficiente para substanciar uma decisão judicial, com a aplicação de uma medida de proteção ou socioeducativa mais compatível à realidade do caso em estudo. O rigor do exame não tem sido a tônica da intervenção, que prioriza a articulação de uma rede de atendimentos na busca de alternativas à problemática estudada. Os relatórios informativos não são necessariamente conclusivos, priorizando as descrições e análise das situações de vulnerabilidade social das famílias e seus filhos e a indicação de procedimentos a serem desenvolvidos pelas políticas setoriais. A natureza do Direito Especializado da Infância e Juventude favorece uma ação interventiva, contínua, com produção de relatórios frequentes e elaborados a casa intervenção. Nas Varas da Infância e Juventude, os psicólogos tendem a conjugar as ações diagnósticas com as de intervenção direta nos casos, com maior ênfase no atendimento emergencial das pessoas no espaço do foro. Orientações, acompanhamento de casos, aconselhamento, encaminhamentos a recursos da comunidade, são atividades cotidianas comungadas com outros profissionais, em especial com os assistentes sociais. Nesse panorama, os laudos passam a ser chamados de relatórios, redigidos, na maioria das vezes, no momento do atendimento das pessoas no próprio recinto do foro. Os relatórios, feitos a cada atendimento, descrevem fatos e situações, avaliam a problemática do momento e as atitudes das pessoas nela envolvida. Descrevem e tecem considerações sobre as informações colhidas com as pessoas entrevistadas e podem apresentar conclusões e sugestões para ações imediatas de intervenção judiciária nos casos. Tais ações são intermediárias e preparatórias para uma decisão judicial quanto à medida de proteção mais adequada à situação descrita e avaliada tecnicamente pelos profissionais da equipe interdisciplinar. 28 Segundo a resolução CFP n. º 014/00, a Psicologia Jurídica se enquadra como uma das áreas emergentes para atuação dos psicólogos nos diversos âmbitos de intersecção entre Psicologia e Direito. A especialidade vem se delineando com atividades práticas dos psicólogos empreendidas nas várias áreas da Justiça, entre elas a da Infância e Juventude, Cível, Família e Sucessões e Justiça Criminal. Segundo a descrição das funções próprias da especialidade, para o título de especialista pelo CFP, o psicólogo jurídico atua sobre problemas e assuntos jurídicos, nas instâncias de decisão e de execução das medidas judiciais. Fonte: www.psicologiasdobrasil.com.br A atuação de psicólogos na Justiça Especial da Criança e do Adolescente teve início na década de 80, a partir da implementação do Código de Menores de 1979, que dispunha sobre a possibilidade do magistrado ser auxiliado por estudo de cada caso realizado por equipe interdisciplinar sempre que possível. Segundo Camargo (1982:21), a implantação de equipes interprofissionais nas Varas de Menores visava que os menores fossem tratados no âmbito de seus direitos individuais, utilizando as medidas judiciais para sua reintegração sócio familiar. As medidas judiciais propostas pelo novo Código de Menores pressupunham uma intervenção do Estado na família em nome do "melhor interesse da criança", mediada por estudos técnicos do Serviço Social e da Psicologia. As bases iniciais para 29 a prática psicológica nos Tribunais de Justiça foram fundadas na expectativa de que a equipe técnica prevista no Código de Menores de 1979, deveria apresentar relatório para a pronta decisão do caso pelo magistrado – contribuindo para a celeridade das decisões na área do Direito do Menor. A prática dos psicólogos jurídicos no Tribunal de Justiça, desde então, fixou-se nas questões da infância e da família. Com base nas diretrizes do ECA e em provimentos internos do Tribunal de Justiça, a equipe interprofissional é, hoje, constituída por assistentes sociais e psicólogos judiciários: - servidores públicos concursados ou selecionados para atuar no âmbito das Varas da Infância e Juventude e Varas da Família e Sucessões cumulativamente. A partir de 1990, com a implementação do ECA no País, vários Estados passaram a constituir as equipes com diferentes composições, mas, tendo como equipe mínima profissionais do Serviço Social e da Psicologia. Neste enfoque, cabe ao psicólogo uma tarefa subsidiária ao exercício do Direito, baseada no diagnóstico das situações-problema e na execução das medidas saneadoras da problemática, compreendendo a complexidade e dinâmica das questões apresentadas pelas pessoas, grupos e instituições. A prática atual desenvolvida por psicólogos, enquanto membros das equipes interdisciplinares das Varas da Infância e Juventude compreende, além da elaboração de relatórios subsidiários aos juízes, atuarjunto às pessoas (famílias, responsáveis e filhos) com intervenções diretas, por meio de técnicas de aconselhamento, orientação, acompanhamento, bem como com o encaminhamento a programas e projetos da rede de serviços disponíveis na comunidade. Conforme a doutrina de proteção integral, os profissionais integram um sistema de garantia de direitos, reconhecendo crianças e adolescentes como cidadãos em fase peculiar de desenvolvimento. Para tanto dispõe que o psicólogo deve observar os demais instrumentos legais referentes à prestação de serviços atentando para que: Suas avaliações se constituam num processo que considere os determinantes históricos, sociais, econômicos e políticos como elementos fundamentais na constituição da subjetividade da pessoa atendida, formalizando suas avaliações em um DOCUMENTO que considere, portanto, a natureza dinâmica, não definitiva e não cristalizada do seu objeto de estudo. Às modalidades propostas de documentos incluem o Relatório Psicológico e o Laudo Psicológico. Segundo tal resolução: 30 Relatório Psicológico é uma exposição escrita, minuciosa e histórica dos fatos relativos à avaliação psicológica, com o objetivo de transmitir ao destinatário, resultados, conclusões e encaminhamentos, subsidiados em dados colhidos e analisados à luz de um instrumental técnico (teste, entrevista, dinâmicas, observação, intervenção verbal, etc.), consubstanciado em referencial técnico- filosófico e cientifico adotado pelo psicólogo. Laudo psicológico é um relato sucinto, sistemático, descritivo, interpretativo de um exame (ou diversos) que descreve ou interpreta dados. O Laudo Psicológico é também chamado de Relatório Psicológico e quando sua solicitação decorre de instâncias judiciais tem sido nomeado de laudo pericial. Considerando as definições do CFP, podemos indicar que os documentos psicológicos no âmbito da Justiça da Infância e Juventude adotam o designativo “relatórios psicológicos” ou ao invés de “laudos psicológicos”, diferenciando-se das Varas de Família e Sucessões, embora ambos respondam a mesma finalidade. A avaliação psicológica é entendida como o processo científico de coleta de dados, estudos e interpretações de informações a respeito das dimensões psicológicas dos indivíduos e grupos por meio de estratégias psicológicas – métodos, técnicas e instrumentos – com objetivos bem definidos, que possam atender diversas finalidades, visando subsidiar tomadas de decisão. A atuação está centrada na leitura do dos fenômenos psicológicos, que são resultantes da relação do indivíduo com a sociedade e, que se apresentam nas problemáticas apresentadas como demandas judiciais. Os instrumentos técnicos da avaliação psicológica compreendem entrevistas (individuais, casal, família, de grupos), testes, observações, dinâmicas de grupo, escuta, estudos de campo, intervenções verbais. Esses instrumentais técnicos devem obedecer às condições mínimas requeridas de qualidade e de uso, devendo ser adequados ao que se propõe investigar. O processo de avaliação psicológica deve considerar que as questões de ordem psicológica têm determinações históricas, sociais, econômicas e políticas, sendo as mesmas, elementos constitutivos dos processos de subjetivação. O documento resultante da avaliação deve considerar a natureza dinâmica, não definitiva e não cristalizada de seu objeto de estudo. Além disto, o psicólogo jurídico participa de 31 audiências, prestando informações, para esclarecer aspectos técnicos em Psicologia e para responder quesitos, previamente apresentados. Atua, também, em pesquisas e programas socioeducativos e de prevenção à violência, construindo ou adaptando instrumentos de investigação psicológica, para atender às necessidades de crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade social e/ou adolescentes em conflito com a lei. 5 ALIENAÇÃO PARENTAL Fonte: amenteemaravilhosa.com.br A Síndrome da Alienação Parental é um acontecimento frequente na sociedade atual, que se caracteriza por um elevado número de separações e divórcios. Esta Síndrome foi definida pela primeira vez nos Estados Unidos e despertou muito interesse nas áreas da psicologia e do direito, por se tratar de uma entidade ou condição que se constrói na intersecção destes dois ramos, ou seja, a Psicologia Jurídica, um novo território epistemológico que consagra a multidisciplinaridade, revela a necessidade do direito e da psicologia se unirem para melhor compreensão dos fenômenos emocionais, no caso, com aqueles que se encontram num processo de separação ou divórcio, incluindo os filhos. A Alienação Parental é uma forma de maltrato ou abuso, é um transtorno psicológico que se caracteriza por um conjunto de sintomas pelos quais um genitor, denominado cônjuge alienador, transforma a consciência de seus filhos, mediante 32 diferentes formas e estratégias de atuação, com o objetivo de impedir, obstaculizar ou destruir seus vínculos com o outro genitor, denominado cônjuge alienado, sem que existam motivos reais que justifiquem essa condição. Em outras palavras, consiste num processo de programar uma criança para que odeie um dos seus genitores sem justificativa, de modo que a própria criança ingressa numa trajetória de desmoralização desse mesmo genitor. Podemos dizer que o alienador "educa" os filhos no ódio contra o outro genitor, seu pai ou sua mãe, até conseguir que eles, de modo próprio, levem adiante esta situação. Sendo assim, esse trabalho visa, através de uma revisão bibliográfica, uma análise desta situação onde a criança vive uma situação de tortura psicológica, buscando reflexões a respeito de seus efeitos e consequências (sequelas), bem como possíveis soluções jurídicas e psicológicas que podem existir. 5.1 A ORIGEM DA SÍNDROME DE ALIENAÇÃO PARENTAL A Síndrome de Alienação Parental surgirá da disputa de guarda dos filhos pelos seus pais. Mas antes que ocorra tudo isso, é necessário entender a origem de tudo, a separação judicial. Essa é apreciada conjuntamente com o divórcio na nossa legislação: As separações judiciais possuem alguns tipos que podem afetar de forma distinta os filhos, que serão o centro da discussão aqui. A separação por mútuo consentimento, com ambas as partes entrando em um acordo, pouco prejudica a criança, mas a separação chamada litigiosa, onde uma pessoa, que será a autora, imputa e mostra que houve conduta desonrosa ou algum ato que importe grave violação de deveres do casamento. Posteriormente, esse tipo de separação deixará consequências tanto para o casal quanto para seus filhos. Então, tendo em vista esses problemas, e a partir do novo código civil, surgiu um direito de família diferenciado para tratar essas questões com proteção ao menor. Taborda e Abdalla-filho abordam o assunto afirmando que toda decisão judicial deverá buscar o melhor para a criança e o adolescente: No caso da separação consensual ou litigiosa, por exemplo, o juiz poderá recusar a homologação, se os interesses dos filhos menores não estiverem sido devidamente contemplados (código civil, artigo 1574 parágrafo único, e 1584). Não 33 subsiste, portanto, a regra do artigo 10 da lei do divórcio, segundo a qual os filhos menores ficarão com o cônjuge que a ela não houver dado causa. A Síndrome da Alienação Parental começa a despertar atenção, pois a sua prática vem sendo denunciada de forma recorrente. Sua origem está ligada a intensificação das estruturas de convivência familiar quando, consequentemente ocorre uma maior aproximação dos pais com os filhos. Até algum tempo atrás era natural da função materna, quando da separação do casal, a mãe ficar com os filhos. Atualmente, com a separação dos genitores, passou a haver uma disputa pela guarda dos filhos, algo impensável anteriormente. Aos pais restavam somente encontros pré-determinados, emgeral em finais de semana alternados - direito de visitação - o que não permitia um estreitamento das relações entre pais e filhos, não aprofundavam os vínculos afetivos. Entretanto, muitas vezes a ruptura da relação conjugal gera na mãe um sentimento de abandono e rejeição, o que se traduz em desejo de vingança. Ao ver o interesse do pai em preservar a convivência com o filho, sua primeira atitude é afastar um do outro, na tentativa de se vingar do ex-cônjuge, criando uma série de situações visando dificultar, ou até mesmo impedir a convivência de ambos. Esta atitude ou atitudes levam o filho a rejeitar e até mesmo a odiar o pai. Este processo o psiquiatra americano chama de Síndrome da Alienação Parental; programar uma criança para que odeie o genitor sem qualquer justificativa. Uma verdadeira campanha para desmoralizar o genitor, onde o filho é usado como instrumento da agressividade. 34 5.2 A IDENTIFICAÇÃO DA SÍNDROME DE ALIENAÇÃO PARENTAL E SEUS EFEITOS E CONSEQUÊNCIAS Fonte:www.minutopsicologia.com.br O primeiro passo é fazer a identificação dessa síndrome iniciando com a informação, e em seguida é necessário se dar conta que isso é um problema psicológico que demandará atenção especial e uma intervenção imediata no caso. O problema afetará cada uma das pessoas de um jeito mais específico e, sendo assim, deverá ser analisado individualmente, Jorge Trindade explica: "De fato, a Síndrome de Alienação Parental exige uma abordagem terapêutica especifica para cada uma das pessoas envolvidas, havendo a necessidade de atendimento da criança, do alienador e do alienado." O filho pode assumir uma postura de se submeter ao que o alienador determina, pois teme que se desobedecer ou desagradar, poderá sofrer castigos e ameaças. A criança criará uma situação de dependência e submissão às provas de lealdade, ficando com medo de ser abandonada do amor dos pais. Ocorre um constrangimento para que seja escolhido um dos genitores, trazendo dificuldades de convivência com a realidade, entrando num mundo de duplas mensagens e vínculos com verdades censuradas, favorecendo um prejuízo na formação de seu caráter. Podevyn conceitua bem esses conflitos com uma explicação sobre a identificação da síndrome: Para identificar uma criança alienada, é mostrada como o genitor alienador confidencia a seu filho seus sentimentos negativos e às más experiências vividas com 35 o genitor ausente. Dessa forma, o filho vai absorvendo toda a negatividade que o alienador coloca no alienado, levando-o a sentir-se no dever de proteger, não o alienado, mas, curiosamente, o alienador, criando uma ligação psicopatológica similar a uma "folie a deux". Forma-se a dupla contra o alienado, uma aliança baseada não em aspectos saudáveis da personalidade, mas na necessidade de dar corpo ao vazio. Flagrada a presença da Alienação Parental, é indispensável a responsabilização do genitor que age desta forma, pois usa o filho com a finalidade vingativa. Geralmente inicia com a interferência na comunicação entre a criança e o pai, como não permitir ligações telefônicas para as crianças; dificultar o contato físico, inventar compromissos, doenças, etc. O pai alienante procura destruir a ligação emocional da criança com o outro pai e, lança de mão de comportamentos específicos par pôr em prática o seu plano. Segundo Gardner, são comportamentos típicos de quem aliena: recusar-se a passar chamadas telefônicas aos filhos, excluir o genitor alienado de exercer o direito de visitas; apresentar o novo cônjuge como sua nova mãe ou pai; interceptar cartas e presentes; desvalorizar ou insultar o outro genitor; recusar informações sobre as atividades escolares, a saúde e os esportes dos filhos; criticar o novo cônjuge do outro genitor; impedir a visita do outro genitor; envolver pessoas próximas na lavagem cerebral de seus filhos; ameaçar e punir os filhos de se comunicarem com o outro genitor; culpar o outro genitor pelo mau comportamento do filho, dentre outras. Todos os comportamentos exemplificados, quando ocorrem com frequência, constituem-se em um valioso conjunto de evidências na identificação do genitor alienador, caracterizando, assim, a presença da Síndrome da Alienação Parental. 36 5.3 SÍNDROME DAS FALSAS MEMÓRIAS Fonte:www.psicologiaviva.com.br A memória ajuda a definir quem somos. É absolutamente essencial para a identidade de uma pessoa, é o conjunto de experiências armazenadas em sua mente. O acesso que o indivíduo tem ao arquivo das suas memórias é vital para que possa interpretar o que está à sua volta e tomar decisões. Assevera Jorge Trindade que, a Síndrome das Falsas Memórias traz em si a conotação das memórias fabricadas ou forjadas, no todo ou em parte, na qual ocorrem relatos de fatos inverídicos, supostamente esquecidos por muito tempo e posteriormente relembrados. Podem ser implantadas por sugestão e consideradas verdadeiras e, dessa forma, influenciar o comportamento. Falsas memórias são aquelas que têm relação ao fato de serem uma crença de que um fato aconteceu sem realmente ter ocorrido. Essas recordações são muito subjetivas e, possuem informações idiossincráticas da pessoa, isto é, cada indivíduo tem a sua própria maneira de ver, sentir e reagir a cada acontecimento. Na Síndrome das Falsas Memórias, o evento não acontece realmente, mas a pessoa reage como se efetivamente tivesse acontecido, pois passa a ser realmente vivido como real e verdadeiro. Existe confusão entre a Síndrome da Alienação Parental e a Síndrome das Falsas Memórias, que são dois institutos muitos diferentes e não podem ser confundidos. 37 Segundo Jorge Trindade, a Síndrome das Falsas Memórias configura uma alteração da função mnêmica (desenvolvimento da memória), enquanto a Síndrome da Alienação Parental é um distúrbio do afeto, que se expressa por relações gravemente perturbadas, podendo, de acordo com a intensidade e a persistência, incutir falsas memórias, sem que, entretanto, ambas estejam diretamente correlacionadas. Muitos operadores do direito e, até mesmo profissionais da saúde se referem às duas síndromes, erradamente, como sinônimos. Na Síndrome de Falsas Memórias trabalha-se com a memória, implantando fatos falsos, que não ocorreram, fazendo com que o indivíduo pense que realmente ocorreu, como por exemplo, o abuso sexual (forma perversa de implantar falsa memória). É forjado, fabricado dentro do indivíduo que ele sofreu abuso sexual, em geral acontece com crianças, por parte de um genitor, imputa a elas este fato para denegrir a imagem do outro. Ademais, a Síndrome de Falsas Memórias - ainda que tenha sido originariamente concebida em relação a lembranças que um indivíduo traz a cerca de um abuso sexual cometido contra ela na infância, mas que na verdade não ocorreu - não deve se limitar, entretanto, apenas a questões de cunho sexual, a memória pode ser equivocada em relação a qualquer tipo de fatos da vida. Na Síndrome da Alienação Parental, no entanto, pode eventualmente se utilizar de implantação de falsas memórias, mas o objetivo é afetivo, é programar uma criança para que odeie, sem justificativas, um de seus genitores, decorrendo daí que a própria criança contribui na trajetória de campanha de desmoralização. Assim, fica clara a distinção entre as duas Síndromes, onde a de Falsas memórias, como o próprio nome já diz, se ocupa de processos mnêmicos e a da Alienação Parental se ocupa do afeto, na desconstrução deste afeto. 5.4 SÍNDROME DE ALIENAÇÃO PARENTAL NO PODER JUDICIÁRIO Relato de Caso 38 Lucila tinha pouco mais de quatro anos quando sua mãe ingressou com uma ação de suspensão de visitas do pai à filha. O processo continha atestados em que médicos afirmavam que, no dia seguinte ao retorno da casa paterna, a menina estava com os genitais irritados, indicando a possibilidadede abuso sexual. A mãe, autora da ação, não acusava o pai de abuso, mas a companheira deste, que teria raspado a pomada de assadura com uma colher, ato este praticado de forma e com intenções libidinosas. A mãe falava com muito rancor da atual companheira do pai, e afirmava que nunca havia confiado nela, tanto que já havia pedido ao pai para que evitasse que a companheira atendesse a menina. O pai estava muito mobilizado, mas se mostrou bastante disponível na avaliação, referindo confiança total na companheira, e relatando que realmente delegava os cuidados de higiene da filha para esta, pois achava que, como a filha estava crescendo, tinha que ser cuidada por uma mulher. Nem o pai, nem a mãe, referiam descontentamento da menina com as visitas à casa paterna, e a creche não observara nenhuma mudança de comportamento na criança após o suposto abuso. A companheira do pai foi entrevistada e relatou que no final de semana do suposto abuso Lucila já havia chegado assada, e ela apenas seguira o tratamento indicado pela mãe. Lucila foi entrevistada a sós por nós, numa sala com brinquedos. Ela aceitou entrar sozinha, aparentava tranquilidade e espontaneidade, e se comunicava muito bem oralmente. A entrevista centrou-se em suas atividades cotidianas, em casa e na creche, sendo aos poucos introduzido o tema de suas visitas à casa paterna (que estavam suspensas). Lucila fez uma série de referências agradáveis sobre o pai, a companheira deste, e as atividades que faziam juntos, até que, depois de algum tempo, disse que precisava nos contar porque não podia mais ir à casa do pai. A criança fez o mesmo relato da mãe sobre a colher, com palavras bem parecidas. Ao final lhe perguntamos se havia sentido dor, e ela responde negativamente. Perguntamos se a colher era grande ou pequena, e ela não sabia responder, dizendo não ter visto a colher. 39 Perguntamos como sabia que era uma colher, e a resposta foi imediata: "Quando eu cheguei em casa, a minha mãe me contou o que me aconteceu". Ao final da entrevista perguntamos se queria nos dizer algo, disse que não, que já havia dito tudo o que a mãe combinou com ela que deveria ser dito. Após o término da entrevista "finalizamos o laudo sem ter a certeza quanto à veracidade ou não da alegação da mãe [...]" mostra claramente a dificuldade ocorrida e que realmente é necessária uma avaliação imediata, pois casos como esse não devem demorar para evitar consequências maiores. Alguns meses depois a profissional com quem Lucila foi fazer atendimento, nos telefonou e contou que a alegação era falsa, e, além da filha, a mãe também iniciou atendimento, estando restabelecido contato entre pai e filha. Foi um caso claro de Síndrome de Alienação Parental, envolvendo falsas memórias, e que se não fosse esclarecido em tempo o pai poderia ter sido completamente afastado. 6 BIBLIOGRAFIA ALTOÉ, S. (Org.). A lei e as leis. Direito e Psicanálise. Rio de Janeiro: Revinter, 2007. BRASIL. Artigo publicado no site da Associação de Pais e Mães Separados. Correio Brasiliense, Brasília, DF, 28 de dezembro 2003. Disponível em: <http://www.apase.org.br/>. Acesso em: 31/07/2018. CARVALHO, M. C. (Org.). A família contemporânea em debate. São Paulo: Educ/Cortez, 2000. FERES-CARNEIRO, Terezinha. Alienação Parental: Uma Leitura Psicológica - Síndrome da Alienação Parental e a Tirania do Guardião. APASE. Porto Alegre: editora Equilíbrio LTDA, 2008. http://www.apase.org.br/ 40 FIORELLI, José Osmir; MANGINI, Rosana Cathya Ragazzoni. Psicologia Jurídica. São Paulo: Atlas, 2009. FRANÇA, Fátima. Reflexões sobre psicologia jurídica e seu panorama no Brasil. Psicol. teor. prat. [on line]. 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