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M tuberculosis, M leprae e T pallidum

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Micobacterias
Consideradas fracamente Gram-positivas; são micro-organismos pequenos em forma de bastão que não possuem flagelos, não formam esporos, não produzem toxinas e não possuem cápsula. As micobactérias produzem uma parede celular de estrutura extremamente singular (Figura 56.1), na qual o peptídeoglicano contém ácido N-glicolilmurâmico em vez de ácido N-acetilmurâmico, geralmente encontrado na maioria das outras bactérias. Uma característica ainda mais distinta é que cerca de 60% da parede celular micobacteriana é composta de lipídeos que consistem basicamente de ácidos graxos de cadeia longa incomuns, com 60 a 90 átomos de carbono, denominados ácidos micólicos.
Mycobacterium tuberculosis
M. tuberculosis possui uma das paredes mais permeáveis a agentes antimicobacterianos hidrofílicos, enquanto as outras espécies são mais resistentes às drogas com esta propriedade.
O M. tuberculosis é o principal agente etiológico da tuberculose no homem. É um patógeno intracelular de macrófagos, que estabelece sua infecção preferencialmente no sistema pulmonar; tem a ação regulada pelo sistema imune do hospedeiro e, na maioria das vezes, é condicionado a um estado de dormência. O tempo de geração é de aproximadamente 24 horas, tanto em meio sintético, como em animais infectados. O crescimento do organismo em ambiente laboratorial evidencia a formação de colônias com superfície seca e rugosa e, para que as mesmas se tornem visíveis, são necessárias de 3 a 4 semanas de crescimento em placa.
A resposta imune é a principal responsável pela defesa contra a infecção do bacilo da tuberculose. Entretanto, tratando-se de infecções micobacterianas, a resposta imunológica do hospedeiro também está associada a danos teciduais, devido à formação de granulomas e necrose. Vários dos sintomas da tuberculose, incluindo a destruição tecidual que eventualmente liquefaz porções infectadas do pulmão, são preferivelmente mediados pela resposta imune do hospedeiro contra o bacilo ao invés da virulência bacteriana propriamente dita. M. tuberculosis infecta primeiramente macrófagos, residindo dentro de vacúolos ligados à membrana, os fagossomos.
Condições imunossupressivas comprometem a eficácia do sistema imune, permitindo a reativação do bacilo até então dormente, e levando o indivíduo a desenvolver tuberculose ativa, frequentemente muitas décadas após a infecção inicial.
Diagnóstico
O teste de tuberculina (PPD) pode ser utilizado para detectar uma infecção de muitos anos atrás, ou mesmo de origem recente, sendo a única maneira de diagnosticar uma infecção latente, pela reação de hipersensibilidade do tipo tardia desenvolvida contra antígenos micobacterianos.
Conhecido como teste de Mantoux, consiste na injeção intradérmica de 0,1 mL de tuberculina na face anterior do antebraço. O teste é considerado positivo para pacientes que desenvolvem uma área endurecida de pelo menos 5 mm de diâmetro no local da injeção após 48 horas. Entretanto, a vacinação com BCG (Bacilo de Calmette e Guérin) também produz reatividade ao PPD, fazendo com que a utilização e a confiabilidade deste teste diminuam com o aumento do número de crianças vacinadas.
Para o diagnóstico de MDR/XDR-TB, são realizados testes de sensibilidade do bacilo a drogas antituberculose. Durante a incubação um monitoramento diário deve ser realizado para se detectar a sensibilidade das cepas. As amostras que apresentam uma leitura estável ou decrescente, representam linhagens susceptíveis, e aquelas que apresentam uma leitura crescente representam as linhagens resistentes.
Outro método é o de proporção, pelo qual se pode definir com quais drogas e em que concentrações mínimas ocorre a inibição de pelo menos 99% do crescimento bacteriano.
A amplificação in vitro de sequências específicas do genoma do patógeno, a partir de técnicas como a PCR, permite um rápido diagnóstico com maior grau de sensibilidade e especificidade que os tradicionais métodos padrão estabelecidos por muitos anos Diferentemente de outros patógenos, não é possível diferenciar adequadamente cepas de M. tuberculosis usando métodos fenotípicos.
A vacina BCG não oferece eficácia de 100% na prevenção da tuberculose pulmonar, mas sua aplicação em massa permite a prevenção de formas graves da doença, como a meningite tuberculosa e a tuberculose miliar (forma disseminada).
No Brasil, embora a incidência de tuberculose pulmonar venha aumentando, quase não são mais registradas suas formas graves.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que, nos países onde a tuberculose é frequente e a vacina integra o programa de vacinação infantil, previna-se mais de 40 mil casos anuais de meningite tuberculosa. Impacto como este depende de alta cobertura vacinal, razão pela qual é tão importante que toda criança receba a vacina BCG.
Além das crianças, a vacina é indicada para pessoas de qualquer idade que convivam com portadores de hanseníase e estrangeiros, ainda não vacinados, que estejam de mudança para o Brasil.
Mycobacterium leprae
A lepra ou doença de Hansen, hanseníase, é infecto-contagiosa, causada somente pelo M. leprae, a única bactéria patogênica conhecida por invadir o sistema nervoso periférico. Ela afeta predominantemente a pele, as vias aéreas superiores, o sistema nervoso periférico e os olhos. A colonização no sistema nervoso causa modificações patológicas como degeneração axonal, fibrose aumentada, e desmielinização. A falta de produção de mielina pelas células de Schwann e sua destruição mediada por reações imunes do hospedeiro, induzem lesões nervosas, perda sensorial e desfiguração, características típicas da lepra. Não se sabe exatamente o mecanismo utilizado pelo bacilo para invadir os nervos. Sabe-se, no entanto, que, uma vez dentro do nervo, este patógeno coloniza as células de Schwann de fibras não mielinizadas. Acredita-se que a infecção possa afetar o metabolismo destas células de diferentes maneiras, aumentando a proliferação celular, a secreção de proteínas extracelulares, e a expressão de moléculas de adesão. A infecção pode também causar o aumento da expressão de moléculas imunoinflamatórias, perturbando o delicado equilíbrio na concentração circulatória de citocinas que mantém a homeostase do tecido nervoso. Uma das citocinas, o fator de necrose tumoral ou Tumor Necrosis Factor (TNF), está aparentemente envolvida com o desenvolvimento de lesões nervosas em leprosos.
A doença pode causar sequelas graves como cegueira, a partir de complicações oculares, como iritis, sinequia posterior, catarata, lagoftalmose e ulceração córnea, entre outras. Pesquisadores não compreendem como, por que, e em que extensão a doença ocular em pacientes “curados” continua progredindo. Sabe-se que pacientes que ficaram cegos pela doença correm risco de vida muito maior que pacientes da mesma faixa etária sem complicações visuais. Portanto, mesmo que pacientes estejam bacteriologicamente curados, lesões oculares causadas pela doença podem lentamente progredir, levando à cegueira. Entretanto, sabe-se hoje que as lesões oculares não são causadas pela infecção ativa do M. leprae, mas são resultantes da danificação crônica dos nervos simpatéticos
O M. leprae é um organismo de baixa patogenicidade, uma vez que somente algumas das pessoas supostamente infectadas desenvolvem a doença. Essa incide principalmente em indivíduos com idade variando de 10 a 20 anos, sendo mais comum no sexo masculino. A variedade de formas clínicas da doença pode ser classificada em um espectro variando de lepra tuberculoide (TL) à lepra lepromatosa (LL), intercaladas por variantes chamadas de borderline (BT, BB e BL). A lepra tuberculoide é caracterizada por lesões cutâneas e nervosas localizadas e limitadas, com uma carga paucibacilar (PB) (poucos bacilos) e o desenvolvimento de uma vigorosa resposta celular. Estima-se que o período de incubação para o desenvolvimento da doença varie entre dois a cinco anos. A lepra lepromatosa, por sua vez, representa o outro lado do espectro, com lesões generalizadas, uma carga multibacilar (MB) (cercade 1010 bacilos por grama de tecido) e nenhuma resposta imune celular específica, associada a uma potente resposta humoral e produção de anticorpos anti-M. leprae. As lesões encontram-se predominantemente nas superfícies mais frias do corpo, como a mucosa nasal e extremidades dos nervos periféricos (cotovelos, pulsos, joelhos e tornozelos). Acredita-se que o período de incubação para o desenvolvimento da doença varie entre 8 a 12 anos. Na resposta humoral, ocorre um alto índice de anticorpos da classe IgM específicos
O bacilo causador da lepra apresenta um tamanho médio variando entre 0,3 a 0,5 μm de diâmetro e 4,0 a 7,0 μm de comprimento. A temperatura ótima de crescimento é de aproximadamente 30oC e, portanto, o micro-organismo infecta preferencialmente áreas “mais frias” do corpo humano. Uma característica fundamental do M. leprae é sua habilidade em sobreviver e crescer dentro de macrófagos. Fatores de virulência como glicolipídeos fenólicos podem remover e, consequentemente, proteger o bacilo de formas tóxicas de oxigênio, enquanto lipoarabinomanano é um potente repressor de certas funções imunológicas
Aparentemente, a transmissão do M. leprae ocorre pelo envolvimento das vias aéreas superiores, onde a mucosa nasal possui um papel central. Pacientes com lepra multibacilar representam a principal fonte de infecção, através da disseminação (meio de saída) de uma enorme carga bacilar para o meio. A doença é transmitida entre pessoas pelo convívio de susceptíveis e doentes. 	Novamente, a infecção propriamente dita (meio de entrada) parece envolver principalmente a mucosa nasal, e muitas vezes é influenciada pela integridade da mesma, onde pequenas lesões geradas por condições climáticas e infecções respiratórias facilitam o estabelecimento da infecção. Em uma minoria de indivíduos infectados, entretanto, ocorre a propagação de bacilos para nervos periféricos e pele, onde são fagocitados por células de Schwann e macrófagos. Ainda, avalia-se a possibilidade do envolvimento da pele na entrada e saída da bactéria, já que a manifestação do patógeno é evidente neste tecido. Entretanto, não há evidências consistentes que suportem
a possibilidade de penetração do bacilo na pele intacta, abrindo margem para a avaliação da existência de vetores de transmissão, como artrópodes.
Tem-se demonstrado que a vacinação com BCG, utilizada na imunização de pessoas contra tuberculose, confere um efeito de proteção contra o desenvolvimento de lepra, normalmente variando entre 20% a 80%. Esta proteção pode ainda ser algumas vezes observada em pessoas que não receberam BCG, mas que apresentam sensibilidade cutânea a tuberculina ou a antígenos de M. leprae
Na doença de Hansen, o diagnóstico pode ser feito através do exame histológico de biópsias amostrais colhidas de lepromas (granulomas) e outras lesões cutâneas. A observação dos sintomas característicos da doença, associados à presença de BAAR em exame baciloscópio, representa uma forma indireta de diagnosticar infecção por M. leprae. O teste de lepromina, no qual uma suspensão de bacilos mortos pelo calor derivados de tatu é injetada na pele do paciente, é considerado um método de pequeno valor diagnóstico, mas torna-se importante na avaliação do status imunológico do indivíduo. A técnica de PCR, através da qual pequenas quantidades de DNA de M. leprae podem ser detectadas diretamente nas amostras clínicas, tem se demonstrado útil como ferramenta no diagnóstico. A medida padrão da imunidade celular mediada ao bacilo é chamada de reação de Mitsuda, uma reação de hipersensibilidade do tipo tardia cuja avaliação é realizada três a quatro semanas após a injeção intradérmica de bacilos mortos em pacientes. Este teste é positivo para pacientes TL e negativo para pacientes LL.
Treponema pallidum
Doença infecciosa causada pelo espiroqueta Treponema pallidum, a sífilis apresenta índices crescentes de incidência, como observado para as demais doenças de transmissão sexual. Após o contato sexual, a lesão primária no local de inoculação, denominada de cancro duro ou protossifiloma, surge cerca de dez dias a três meses após, como ulceração indolor, de bordas endurecidas e linfadenopatia satélite. A lesão tende a desaparecer espontaneamente após quatro a seis semanas, seguindo-se a fase de secundarismo.
A fase do secundarismo se manifesta cerca de 1 a 6 meses após o desaparecimento do cancro inicial, como processo infeccioso com roséolas, lesões mucosas e linfadenopatia generalizada, podendo também ocorrer reação meníngea, mas que cedem espontaneamente após um período de duas a seis semanas. Ao secundarismo segue-se a fase de sífilis latente recente, nos primeiros anos pós-infecção, quando pode haver
recorrências de lesões cutâneas e mucosas e ocasionalmente neurossífilis recente. Segue-se a fase latente tardia que, 5 a 20 anos ou mais após a infecção, pode dar lugar à sífilis terciária, sintomática, com lesões destrutivas cardiovasculares ou do SNC, com demência, psicose, tabes dorsalis ou com o aparecimento de gomas na pele, ossos ou vísceras.
A penicilina é a droga de escolha para o tratamento das infecções causadas por T. pallidum. A penicilina benzatina, de ação prolongada, é usada nos estágios iniciais da sífilis e a penicilina G é recomendada para a sífilis tardia e congênita. Para pacientes alérgicos à penicilina, a tetraciclina pode ser usada como alternativa. A sífilis só pode ser controlada através da prática de sexo seguro e tratamento dos parceiros sexuais dos pacientes doentes, além de exames pré-natais adequados.
O diagnóstico laboratorial da sífilis baseia-se na demonstração do treponema nas lesões ou, mais frequentemente, na detecção de anticorpos seja no soro como também no liquor do paciente.
O exame microscópico direto em campo escuro, após coloração de Fontana-Tribondeau ou por imunofluorescência direta, demonstra o espiroqueta no material do protossifiloma ou nas lesões cutâneas ou mucosas do secundarismo.
O exame imunoistoquímico, com anticorpo marcado com enzima, pode evidenciar a presença do treponema em cortes de tecidos, fixados em formol a 10%, assim como preparados citológicos podem também ser submetidos a exame imunocitoquímico através de técnica semelhante. O encontro de treponema, com morfologia característica nas lesões suspeitas, constitui diagnóstico absoluto para a sífilis.
Os testes sorológicos dividem-se em dois grupos de anticorpos pesquisados: testes de cardiolipina, nos quais os anticorpos são dirigidos contra um antígeno não treponêmico, de natureza fosfolipídica, resultante da infecção pelo T. pallidum, detectados pelo teste do VDRL e pelo teste RPR (Rapid Plasma Reagin). São testes de alta sensibilidade, mas sujeitos a resultados falsos-positivos, ocorrendo em pacientes com doenças autoimunes, malária, infecções virais e bacterianas e mesmo em gestantes, assim como a resultados
falso-negativos, especialmente na sífilis tardia. Desta maneira devem ter seus resultados confirmados pelos testes treponêmicos.
O segundo tipo de anticorpos é dirigido contra constituintes do próprio treponema e sua pesquisa pode ser realizada pelo teste da imunofluorescência indireta (FTAAbs) ou microemaglutinação passiva (MHA-TP) e, mais recentemente, por técnicas imunoenzimáticas (ELISA). Apesar de serem consideradas como específicas, reações falso-positivas podem ser encontradas em menos de 1% dos indivíduos normais e em pacientes com doenças associadas a globulinas anormais ou aumentadas, lúpus e viciados em drogas. Reações de ELISA falso-positivas são verificadas na doença do Lyme, hanseníase, malária, mononucleose infecciosa e leptospirose. Testes treponêmicos com antígenos de T. pallidum são positivos também em outras infecções treponêmicas, tais como pinta, a bouba e a sífilis endêmica.
Os testes de cardiolipina permitem acompanhar a terapêutica, pela rápida resposta representada pela queda de títulos e mesmo pela negativação da reação. Os testes treponêmicos devem ser reservados para confirmação dos resultados dos testes de cardiolipina,quando então assumem elevado valor diagnóstico.
Na sífilis congênita sintomática, a pesquisa do treponema em raspado de lesões cutâneas, mucosas, na secreção nasofaríngea ou no liquor permite um diagnóstico microbiológico. O significado de testes positivos de cardiolipina ou treponêmicos no soro do recém-nascido é limitado pela transferência passiva de anticorpos IgG maternos, entretanto títulos do VDRL quatro vezes ou mais acima dos títulos maternos são evidência de infecção congênita. Como para outras infecções congênitas, a pesquisa de anticorpos IgM no soro do recém-nascido é de grande valor para o diagnóstico da sífilis congênita.

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