Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
DIREITOS HUMANOS Prof. Luciano Meneguetti – Rev. 02 - ago. 2019 P ág in a 1 TEORIA GERAL DOS DIREITOS HUMANOS 1. ASPECTOS INTRODUTÓRIOS: a importância dos Direitos Humanos Atualmente é muito comum a veiculação e utilização (muitas vezes de maneira equivocada e fora de contexto) da expressão “direitos humanos” nos mais variados meios de comunicação (internet, redes sociais, televisão, rádio, revistas, jornais etc.). Ao longo da história humana possivelmente nunca tanto se falou em direitos humanos como ocorre nos dias de hoje. E por quê? Qual a razão disso? Uma primeira explicação, ainda que sucinta, é a notoriedade e importância que assumiram esses direitos na contemporaneidade. Frutos de conquistas históricas, os direitos humanos foram pouco a pouco sendo idealmente reconhecidos e então consagrados (positivados) nas Constituições dos países (onde são conhecidos como direitos fundamentais) ao redor do globo e também nos tratados internacionais (locus em que são conhecidos propriamente como direitos humanos). Utilizando-se aqui uma frase bastante coloquial, pode-se então afirmar que “os direitos humanos não nasceram (e não nascem) em árvores”, mas são resultado de um processo de evolução social marcado por sangrentas guerras, lutas, reivindicações e conflitos de várias espécies. Em cada momento específico da história humana houveram demandas do mesmo modo específicas pelo reconhecimento e pela positivação dos direitos humanos nos textos jurídicos nacionais e internacionais. Ao longo da história muito já se lutou por uma vida humana pautada na liberdade, igualdade, fraternidade (lema da Revolução Francesa) e na dignidade. Hoje, contudo, o que se verifica é uma ampla gama de direitos consagrados e protegidos pelos textos constitucionais e convencionais1 que não mais precisam ser reconhecidos e positivados, mas protegidos e efetivados. Conforme 1 Os textos convencionais referem-se aos tratados ou convenções de direitos humanos que têm sido adotados pelos países ao longo dos tempos. DIREITOS HUMANOS Prof. Luciano Meneguetti – Rev. 02 - ago. 2019 P ág in a 2 afirmou Norberto Bobbio, “o problema fundamental em relação aos direitos do homem, hoje, não é tanto o de justificá-los, mas o de protegê-los”.2 O “processo civilizatório em busca da efetividade na valoração adequada da liberdade, da igualdade e da fraternidade conta, historicamente, com inúmeras linhas de partida, mas ainda está bem aquém de uma linha de chegada (...) Os direitos humanos são direitos que, longe de apenas constarem em uma constituição simbólica [e nos tratados internacionais], devem ser conquistados e assegurados diuturnamente pela sociedade internacional e, internamente, pelos Estados que a integram”.3 Respondendo às questões levantadas no primeiro parágrafo deste texto, os direitos humanos estão na pauta do dia (tanto no âmbito interno dos Estados como no plano internacional) não só em razão da notoriedade e importância que assumiram, mas principalmente pelo fato de terem sido reconhecidos e positivados ao longo dos tempos, mas não estarem sendo efetivamente protegidos. O fato é que a temática assumiu tamanha relevância no contexto mundial, regional e local que se tornou impossível dissociar a proteção dos direitos humanos do cotidiano da vida em sociedade. Além disso, o estudo desses direitos no ambiente acadêmico atende hoje a uma tendência não apenas nacional, mas mundial, em dar-se o devido tratamento ao tema no âmbito dos bancos escolares, uma tendência presente nas maiores e mais importantes universidades do Brasil e do exterior. A relevância e importância conferidas aos direitos humanos na atualidade é refletida na crescente cobrança do tema nos exames da Ordem dos Advogados do Brasil, nos principais concursos públicos do país, tais como Magistratura (estadual e federal), Ministério Público (estadual e federal), Delegado (estadual e federal), Defensoria Pública etc., bem como em provas oficiais estabelecidas pelo governo brasileiro (v.g., ENEM E ENADE). Os concursos públicos para o ingresso nas diversas carreiras jurídicas existentes no país têm espelhado o reflexo de uma conscientização e valorização 2 BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. Tradução de Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004, p. 16. 3 LISBOA, Roberto Senise. Prefácio à 2ª Edição. MALHEIRO, Emerson. Curso de Direitos Humanos. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2015. DIREITOS HUMANOS Prof. Luciano Meneguetti – Rev. 02 - ago. 2019 P ág in a 3 na promoção e proteção dos direitos humanos. Explica Valerio Mazzuoli que a “exigência cada vez maior do tema nos concursos públicos se deve ao fato de o mundo estar passando por um momento de renovação, em que os direitos das pessoas passaram a ser a meta primeira da atuação do Estado. Assim, é natural que os concursos, que vão colocar novos servidores no mercado de trabalho no Brasil, exija desses candidatos conhecimentos sólidos de Direitos Humanos, mesmo porque um servidor público melhor preparado em Direitos Humanos será mais apto para melhor atender um cidadão do que outro servidor que não têm conhecimento específico nessa matéria”.4 Neste cenário, o que se constata é que tanto temas relativos à teoria geral dos direitos humanos, bem como temas específicos pertinentes à temática têm estado presentes de um modo cada vez mais constante nos editais dos diversos concursos públicos do país, que têm contemplado e exigido nos respectivos processos seletivos, um conhecimento cada vez mais aprofundado de diversificadas temáticas que estão inseridas no contexto dos direitos humanos. De outro lado, deve-se ainda ressaltar que a imensa produção científica envolvendo os direitos humanos tem sido alavancada de maneira surpreendente nos últimos anos. É enorme a quantidade de eventos (Congressos, Simpósios, Encontros, Seminários, Palestras etc.) que tem se preocupado em discutir os direitos humanos, seus diversos eixos temáticos e toda a problemática que suscita. É vasta a quantidade de obras que têm se preocupado com o tema (livros, revistas, artigos e outros periódicos) e que têm sido colocadas à disposição das pessoas em livrarias especializadas e, sobretudo, por meio da internet. As organizações internacionais e também aquelas de natureza não governamental (ONGs) também constituem importantes agentes de fomento à pesquisa sobre a temática, contando com uma grande quantidade de publicações que são oferecidas ao público, em geral, gratuitamente. Todos esses fatores estão a demonstrar a importância que assumiu os direitos humanos e seus diversos eixos temáticos no cenário mundial e notadamente no ambiente jurídico brasileiro nos últimos tempos, de modo que não mais é possível conceber-se um curso de Direito que não proporcione aos 4 Disponível em: <https://goo.gl/gp9CeP>. Acesso em 13 de fev. 2017. https://goo.gl/gp9CeP DIREITOS HUMANOS Prof. Luciano Meneguetti – Rev. 02 - ago. 2019 P ág in a 4 seus acadêmicos a introdução e o aprofundamento das questões que envolvem a temática. 2. ACEPÇÕES DAS PALAVRAS: DIREITO E HUMANO A expressão “direitos humanos” é composta por duas palavras impregnadas de significados distintos: direito e humano. Etimologicamente a palavra “direito” vem do latim directus, em linha reta. Trata-se de uma palavra polissêmica, isto é, que comporta vários significados. Nos Dicionários Aurélio e Michaelis, a palavra direito está associada, dentre outras coisas, àquilo que é certo, justo, reto, aprumado, acertado, legítimo, correto, íntegro, honrado; a um complexo de leis vigentes em um país; à uma prerrogativa legal, conferida a alguém, para exigir de outremalgum procedimento etc. Portanto, ao se buscar apresentar uma definição do que seja o direito, primeiramente deve-se ter em mente que o vocábulo compreende enfoques e significados diversos, v.g., o termo em questão pode ser utilizado para significar o justo, ou um conjunto de normas jurídicas, ou uma prerrogativa que tem a pessoa de fazer valer determinada posição jurídica etc. Desse modo, o direito pode ser visto sob diversas perspectivas: direito como ciência, direito como justiça, direito como ordenamento jurídico, direito como norma, direito como prerrogativa, direito como arte etc.5 Nesse sentido, Rizzatto Nunes explica que “observando o Direito à luz da realidade dos estudos jurídicos contemporâneos, pode-se vislumbrar que o termo ‘direito’ comporta pelo menos as seguintes concepções: a de ciência, correspondente ao conjunto de regras próprias utilizadas pela Ciência do Direito; a de norma jurídica, como a Constituição e as demais leis e decretos, portarias etc.; a de poder ou prerrogativa, quando se diz que alguém tem a faculdade, o poder de exercer um direito; a de fato social, quando se verifica a existência de 5 GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Introdução ao Estudo do Direito: teoria geral do direito. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense: São Paulo: Método, 2015, e-book. DIREITOS HUMANOS Prof. Luciano Meneguetti – Rev. 02 - ago. 2019 P ág in a 5 regras vivas existentes no meio social; e a de justiça, que surge quando se percebe que certa situação é direito porque é justa”.6 (grifo nosso) Importa aqui apresentar o conceito de direito em seu aspecto objetivo, entendido como a realidade, presente na vida social, que regula as relações entre as pessoas. Nesse enfoque, o direito pode ser definido como “o conjunto de normas imperativas que regulam a vida em sociedade, dotadas de coercibilidade quanto à sua observância”.7 Por outras palavras, direito “é um conjunto de normas que objetiva regulamentar o comportamento social”.8 Não se deve confundir o direito objetivo com o direito positivo. Conforme Rizzatto Nunes, o direito positivo é “o conjunto das normas jurídicas escritas e não escritas (o costume jurídico), vigentes em determinado território e, também, na órbita internacional na relação entre os Estados, sendo o direito positivo aí aquele estabelecido nos tratados e costumes internacionais”.9 Esse direito positivo pode ser separado em dois elementos: de um lado, o direito objetivo e, de outro, o direito e o dever subjetivos. Enquanto o direito objetivo é o conjunto, em si, das normas jurídicas escritas e não escritas, independentemente do momento do seu exercício e aplicação concreta, o direito subjetivo é “a prerrogativa colocada pelo direito objetivo, à disposição do sujeito do direito”, sendo que “essa prerrogativa há de ser entendida como a possibilidade de uso e exercício efetivo do direito, posto à disposição do sujeito”.10 Compreendido os significados do direito em sua feição objetiva e subjetiva, uma questão ainda se põe. O que significa ter um direito? O que se quer dizer com a frase muito comum no meio social: “eu tenho direito”? Oscar Vilhena Vieira explica que “ter um direito é ser beneficiário de deveres de outras pessoas ou do Estado”.11 Portanto, quando se afirma ter um 6 NUNES, Rizzatto. Manual de Introdução ao Estudo do Direito. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2016, pp. 73-74. 7 GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Introdução ao Estudo do Direito, op. cit. 8 DIMOULIS, Dimitri. Manual de Introdução ao Estudo do Direito. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, p. 41. 9 NUNES, Rizzatto. Manual de Introdução ao Estudo do Direito, op. cit., 168. 10 NUNES, Rizzatto. Manual de Introdução ao Estudo do Direito, op. cit., 168. 11 VIEIRA, Oscar Vilhena. A Gramática dos Direitos Humanos. In: Boletim Científico. ESMPU, Brasília, a. I – nº 4, p. 13-33 – jul./set. 2002, p. 13. DIREITOS HUMANOS Prof. Luciano Meneguetti – Rev. 02 - ago. 2019 P ág in a 6 direito, simultaneamente também está se afirmando que alguém, do outro lado, tem um dever, seja esse alguém uma pessoa, grupo de pessoas ou o Estado. A outra palavra que compõe a expressão direitos humanos e que precisa ser analisada é humano. Etimologicamente a palavra “humano” vem do latim humanus, do homem ou a ele relativo. Em uma definição biológica, o dicionário Michaelis define o homem como um “mamífero da ordem dos primatas, do gênero Homo, da espécie Homo sapiens, de posição ereta e mãos preênseis, com atividade cerebral inteligente, e programado para produzir linguagem articulada”. O estudo do homem de maneira mais aprofundada é objeto da Antropologia, que visa justamente “fundar ou constituir um saber científico que toma o homem como objeto”.12 Para a temática relativa aos direitos humanos, importa investigar qual é o sentido da palavra “humano” que integra a referida expressão. E aqui torna-se forçoso o reconhecimento de que ser humano é todo indivíduo pertencente à espécie humana, dotado de razão, de capacidade de raciocínio.13 Nesse sentido dispõe a Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH), de 1948: Artigo 1º. Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência14 e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade. Portanto, embora possa parecer óbvio, é preciso aqui frisar que direitos humanos são aqueles direitos de todos os seres humanos, simplesmente em razão disso: por ser um humano racional, sentimental e corporal. Nesse sentido, direitos humanos são os direitos do branco, do negro, do pardo, da criança, do adolescente, do adulto, do idoso, do homem, da mulher, do homossexual, do 12 ASSIS, Olney Queiroz Assis; KÜMPEL, Vitor Frederico. Manual de Antropologia Jurídica. São Paulo: Saraiva, 2011, e-book. 13 “Capacidade para resolver (alguma coisa) através do raciocínio; aptidão para raciocinar, para compreender, para julgar; a inteligência de modo abrangente: todo indivíduo é dotado ou faz uso da razão” (Dicionário Aurélio). 14 “Percepção dos fenômenos próprios da existência; capacidade para discernir; discernimento, bom senso; noção do que se passa em nós; conhecimento; sentimento do dever; moralidade” (Dicionário Aurélio). DIREITOS HUMANOS Prof. Luciano Meneguetti – Rev. 02 - ago. 2019 P ág in a 7 nacional, do estrangeiro, do índio, do quilombola, do católico, do evangélico, do ateu etc. Todos os seres humanos são titulares dos direitos humanos: DIREITOS HUMANOS: PARA TER, BASTA SER! O estudo dos direitos humanos depende dessa prévia compreensão de que todos os seres humanos são titulares dos direitos humanos, não podendo haver qualquer forma de discriminação ou preconceito em razão da raça, da cor, do credo religioso, da opção sexual, da orientação política, filosófica ou ideológica etc., conforme estabelece o art. 2º da DUDH: Artigo 2º. 1. Todo ser humano tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabelecidos nesta Declaração, sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição. 2. Não será também feita nenhuma distinção fundada na condição política, jurídica ou internacional do país ou território a que pertença uma pessoa, quer se trate de um território independente, sob tutela, sem governo próprio, quer sujeito a qualquer outra limitação de soberania. 3. CONCEITOS DOUTRINÁRIOS Pela leitura do tópico anterior já é possível ter uma noção acerca do que são os direitos humanos, enquanto direitos de todas as pessoas, simplesmente pelo fato de serem humanas (definição tautológica).15 No entanto, a delimitaçãoconceitual dos direitos humanos é objeto de grande controvérsia e cercada de equívocos doutrinários. Direitos humanos é expressão ambígua e de significação heterogênea. Na doutrina há uma vasta quantidade de definições relativas a esses direitos e que não poderiam ser todas aqui mencionadas e discutidas. No entanto, sem aqui menosprezar o estudo 15 Uma definição tautológica dos direitos humanos é aquela que não traz nenhum elemento novo que permita caracterizar tais direitos (PÉREZ LUÑO, Antonio Enrique. Derechos Humanos, Estado de Derecho y Constitucion. 6. ed. Madrid: Tecnos, 1999, p. 25). DIREITOS HUMANOS Prof. Luciano Meneguetti – Rev. 02 - ago. 2019 P ág in a 8 relativo à ontologia dos direitos humanos e à evolução história desses direitos16, algumas definições mínimas, assim como certas considerações sobre esse ponto temático são importantes e por isso são feitas a seguir. Primeiramente é importante entender que a expressão direitos humanos está “intrinsecamente ligada ao Direito Internacional Público. Assim, quando se fala em ‘direitos humanos’, o que tecnicamente se está a dizer é que existem direitos que são garantidos por normas de índole internacional, isto é, por declarações e tratados celebrados entre Estados com o propósito específico de proteger os direitos (civis e políticos; econômicos, sociais e culturais etc.) das pessoas sujeitas à sua jurisdição”.17 Essa compreensão inicial é necessária para que se possa distinguir (pelo menos em relação ao local onde estão positivados) os direitos humanos, que se encontram nos textos das declarações e dos tratados internacionais, dos direitos fundamentais, que são consagrados nos textos constitucionais dos Estados, assim como ocorre com a Constituição brasileira (v.g., art. 5º). No entanto, materialmente falando (quanto ao conteúdo desses direitos), ambos visam a proteção e a promoção da dignidade humana, bem como resguardar um conjunto mínimo de direitos básicos, necessários para o pleno desenvolvimento da vida dos indivíduos. Pérez Luño aponta para a existência de três espécies de definições:18 1) Tautológicas – os direitos humanos são, v.g., aqueles correspondentes ao homem pelo fato de serem homens; 2) Formais – os direitos humanos são, v.g., aqueles que pertencem ou devem pertencer a todos os homens, que não podem ser deles privados; 3) Teleológicas ou finalísticas – os direitos humanos são, v.g., aqueles imprescindíveis para o desenvolvimento da pessoa humana, para o progresso social, ou para o desenvolvimento da civilização. 16 Para um estudo aprofundado sobre a evolução história dos direitos humanos vide: COMPARATO, Fábio Konder. A Afirmação Histórica dos Direitos Humanos. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2013; HUNT, Lynn. A Invenção dos Direitos Humanos: uma história. São Paulo: Companhia das Letras, 2009. 17 MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Curso de Direitos Humanos. 3. ed. São Paulo: Método, 2016, p. 23. 18 PÉREZ LUÑO, Antonio Enrique. Derechos Humanos, Estado de Derecho y Constitucion, op. cit., p. 25. DIREITOS HUMANOS Prof. Luciano Meneguetti – Rev. 02 - ago. 2019 P ág in a 9 Pérez Luño, compatibilizando a evolução histórica dos direitos humanos com a necessidade de definição quanto ao seu conteúdo os entende como: “...um conjunto de faculdades e instituições que, em cada momento histórico, concretizam as exigências de dignidade, liberdade e igualdade humanas, as quais devem ser reconhecidas positivamente pelos ordenamentos jurídicos em nível nacional e internacional”.19 Nestor Sampaio Penteado Filho define os direitos humanos como “...um conjunto de prerrogativas e garantias inerentes ao homem, cuja finalidade básica é o respeito à sua dignidade, tutelando-o contra os excessos do Estado, estabelecendo um mínimo de condições de vida. São direitos indissociáveis da condição humana”.20 Para André de Carvalho Ramos, os direitos humanos consistem em “...um conjunto de direitos considerado indispensável para uma vida humana pautada na liberdade, igualdade e dignidade. Os direitos humanos são os direitos essenciais e indispensáveis à vida digna.21 4. ESTRUTURA DOS DIREITOS HUMANOS André de Carvalho Ramos explica que, em geral, “todo direito exprime a faculdade de exigir de terceiro, que pode ser o Estado ou mesmo um particular, determinada obrigação”.22 Em razão disso, os direitos humanos têm uma estrutura variada que, segundo o autor são: direito-pretensão, direito-liberdade, direito-poder e direito-imunidade, sendo que todos acarretam obrigações do Estado ou de particulares revestidas, respectivamente, na forma de: (i) dever de prestar, (ii) ausência de direito, (iii) sujeição e (iv) incompetência. 19 PÉREZ LUÑO, Antonio Enrique. Derechos Humanos, Estado de Derecho y Constitucion, op. cit., p. 48. 20 PENTEADO FILHO, Nestor Sampaio. Direitos Humanos. Vol. 3 (Coleção OAB nacional. Primeira fase) 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, e-book. 21 RAMOS, André de Carvalho. Curso de Direitos Humanos. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 29. 22 RAMOS, André de Carvalho. Curso de Direitos Humanos, op. cit., p. 29 e ss. DIREITOS HUMANOS Prof. Luciano Meneguetti – Rev. 02 - ago. 2019 P ág in a 1 0 O direito-pretensão consiste na busca de algo, gerando a contrapartida de outrem do dever de prestar. Assim, se determinada pessoa tem direito a algo, então outrem (Estado ou particular) tem o dever de realizar uma conduta que não viole esse direito, v.g., o direito à educação fundamental gera o dever do Estado de prestá-la gratuitamente (CRFB, art. 208, I). O direito-liberdade consiste em uma faculdade de agir que gera a ausência de direito de qualquer outro ente ou pessoa. Desse modo, se uma pessoa tem a liberdade de crença (CRFB, art. 5º, VI), o Estado ou terceiros não têm nenhum direito (ausência de direito) de exigir que essa pessoa tenha determinada religião. O direito-poder implica uma relação de poder de uma pessoa de exigir determinada sujeição do Estado ou de outra pessoa. Assim, se uma pessoa tem o poder de, ao ser presa, requerer a assistência da família e de advogado (CRFB, art. 5º, LXIII), isto sujeita a autoridade pública a providenciar tais contatos. Por fim, o direito-imunidade consiste na autorização dada por uma norma a uma determinada pessoa, impedindo que outra interfira de qualquer modo. Desse modo, se uma pessoa é imune à prisão, a não ser nas hipóteses constitucional e legalmente permitidas (CRFB, art. 5º, LXI), isso impede que os agentes públicos (v.g., policiais) possam alterar a posição da pessoa em relação à prisão. MEMORIZAR DIREITO PALAVRA CHAVE Direito-pretensão Dever de prestar Direito-liberdade Ausência de direito Direito-poder Sujeição Direito-imunidade Não interferência DIREITOS HUMANOS Prof. Luciano Meneguetti – Rev. 02 - ago. 2019 P ág in a 1 1 5. DIGNIDADE HUMANA COMO NÚCLEO DOS DIREITOS HUMANOS É preciso iniciar este tópico com duas afirmações categóricas: (i) a dignidade humana constitui o núcleo dos direitos humanos, (ii) toda pessoa é dotada de uma dignidade inerente.23 Isto significa dizer que todos os direitos humanos convergem para uma finalidade comum e essencial, que é a proteção da dignidade inerente à toda pessoa humana. Praticamente todos os instrumentos internacionais de direitos humanos (declarações ou tratados), independentemente dos direitos humanos que estão a consagrar e proteger, são enfáticos ao afirmar e reafirmar a dignidade humana como a essência dos direitos humanos e inerente à todas as pessoas. Abaixo, parte do texto da Carta das Nações Unidas, também conhecida como Carta de São Francisco, de 1945, tratado internacional que crioua Organização das Nações Unidas (ONU): NÓS, OS POVOS DAS NAÇÕES UNIDAS, RESOLVIDOS a preservar as gerações vindouras do flagelo da guerra, que por duas vezes, no espaço da nossa vida, trouxe sofrimentos indizíveis à humanidade, e a reafirmar a fé nos direitos fundamentais do homem, na dignidade e no valor do ser humano, na igualdade de direito dos homens e das mulheres, assim como das nações grandes e pequenas, e a estabelecer condições sob as quais a justiça e o respeito às obrigações decorrentes de tratados e de outras fontes do direito internacional possam ser mantidos, e No mesmo sentido, a DUDH afirmou a dignidade humana em seu primeiro artigo, sendo seguida posteriormente por uma série de tratados de direitos humanos, tais como o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, o Pacto Internacional dos Direitos Sociais, Econômicos e Culturais, ambos de 1966, a Convenção Americana Sobre Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica), de 1969: 23 Para um estudo mais aprofundado sobre a dignidade humana vide: SARMENTO, Daniel. Dignidade Humana: conteúdo, trajetórias e metodologia. Belo Horizonte: Fórum, 2016; SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade (da Pessoa) Humana e Direitos Fundamentais na Constituição Federal de 1988. 10. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2015, e-book; NUNES, Rizzatto. O Princípio Constitucional da Dignidade da Pessoa Humana. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. DIREITOS HUMANOS Prof. Luciano Meneguetti – Rev. 02 - ago. 2019 P ág in a 1 2 Declaração Universal dos Direitos Humanos Artigo 1º. Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade. Praticamente todos os textos constitucionais dos diversos países no mundo também caminham nesse sentido, como o faz a Constituição da República Federativa do Brasil (CRFB), de 1988: Artigo 1º. A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: (...) III – a dignidade da pessoa humana; Em relação à CRFB, de 1988, Daniel Sarmento, ao explicar quem é considerada pessoa para o texto constitucional, para fins de preservação da sua dignidade, afirma que “o ordenamento jurídico-constitucional brasileiro se lastreia em uma premissa antropológica, que se deixa entrever em diversas passagens da Constituição e que é vital para a definição dos contornos do princípio da dignidade da pessoa humana. Trata-se da ideia de pessoa concreta, que é racional, mas também sentimental e corporal; que é um fim em si mesmo, mas não uma ‘ilha’ separada da sociedade; que deve ter a sua autonomia respeitada, mas também precisa da garantia das suas necessidades materiais básicas e do reconhecimento e respeito de sua identidade”.24 Se é pessoa, se é um ser humano, tem uma dignidade inerente.25 Conforme explica Rizzatto Nunes, “o ser humano é digno porque é [...] a dignidade nasce com a pessoa. É-lhe inata. Inerente à sua essência”.26 24 SARMENTO, Daniel. Dignidade Humana: conteúdo, trajetórias e metodologia. Belo Horizonte: Fórum, 2016, p. 70. 25 Inerente: que se encontra ligado de modo íntimo e necessário; inseparável; relativo ao que é próprio de alguém ou ao que está na essência dessa pessoa (Dicionário Aurélio). 26 NUNES, Rizzatto. O Princípio Constitucional da Dignidade da Pessoa Humana, op. cit., p. 63. DIREITOS HUMANOS Prof. Luciano Meneguetti – Rev. 02 - ago. 2019 P ág in a 1 3 Assim como ocorre com a expressão direitos humanos, as definições acerca da dignidade humana são as mais variadas na doutrina, de modo que não seria possível abordá-las exaustivamente aqui. Mas diante da necessidade de um conceito capaz de oferecer uma clara compreensão do que está a se estudar, cita- se aqui uma das definições mais adotadas e mencionadas em obras jurídicas que tratam direta ou indiretamente da temática, proposta por Ingo Wolfgang Sarlet, para quem a dignidade humana é “...a qualidade intrínseca e distintiva reconhecida em cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e corresponsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos, mediante o devido respeito aos demais seres que integram a rede da vida”.27 Esquematizando o conceito28 27 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade (da Pessoa) Humana e Direitos Fundamentais na Constituição Federal de 1988, op. cit. 28 Vide gráfico maior no final do texto. DIREITOS HUMANOS Prof. Luciano Meneguetti – Rev. 02 - ago. 2019 P ág in a 1 4 A compreensão da dignidade humana requer um olhar para a filosofia de Kant, para quem o ser humano é um fim em si mesmo, não podendo ser visto ou tratado como uma coisa, isto é, como um objeto à serviço do Estado, da sociedade em geral ou mesmo de terceiros.29 Nesse sentido, Daniel Sarmento afirma que toda pessoa deve ser “vista como fim em si, e não como mero instrumento a serviço do Estado, da comunidade ou de terceiros; como merecedora do mesmo respeito e consideração que todas as demais, e não como parte de um estamento na hierarquia social; como agente autônomo, e não como o ovelha a ser conduzida por qualquer pastor; como ser racional, mas que também tem corpo e sentimentos e, por isso, experimenta necessidades materiais e psíquicas; como ser social, imerso em relações intersubjetivas fundamentais para a sua identidade, e não como indivíduo atomizado e desenraizado”.30 O que se extrai dessas lições é que o ser humano, dotado de uma dignidade inerente, não pode ser tratado como um mero objeto, instrumentalizado para servir de meio para o atingimento de qualquer propósito que seja. Toda vez que o ser humano for coisificado, isto é, tratado como um objeto, haverá uma violação da dignidade humana. 6. DIVERSIDADE TERMINOLÓGICA Os direitos essenciais do indivíduo, que têm por finalidade assegurar-lhe uma vida digna, contam com ampla diversidade de termos e designações que estão presentes tanto na doutrina como nos textos internacionais e nacionais. Em verdade, existem na doutrina até mesmo confusões terminológicas e o uso indiscriminado (até banalizado) de várias expressões para fazer referência aos direitos humanos31, dentre as quais destacam-se: 29 WEYNE, Bruno Cunha. O Princípio da Dignidade Humana: reflexões a partir da filosofia da Kant. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 83-84; MORAES, Guilherme Peña de. Curso de Direito Constitucional. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2015, p. 552. 30 SARMENTO, Daniel. Dignidade Humana: conteúdo, trajetórias e metodologia, op. cit., p. 92. 31 “A nossa Constituição acompanha o uso variado de termos envolvendo ‘direitos humanos’. Inicialmente, o art. 4º, II, menciona ‘direitos humanos’. Em seguida, o Título II intitula-se ‘direitos e garantias fundamentais’. Nesse título, o art. 5º, XLI, usa a expressão ‘direitos e liberdades fundamentais’ e o inciso LXXI adota a locução ‘direitos e liberdades constitucionais’. Por sua vez, o art. 5º, § 1 º, menciona ‘direitos e garantias fundamentais’. Já o art. 17 adota a DIREITOS HUMANOS Prof. Luciano Meneguetti – Rev. 02 - ago. 2019 P ág in a 1 5 a) Liberdades públicas; b) Liberdades fundamentais; c) Direitos da pessoa; d) Direitos da pessoahumana; e) Direitos individuais ou garantias individuais; f) Direitos públicos subjetivos; g) Direitos naturais; h) Direitos fundamentais da pessoa humana; i) Direitos fundamentais do homem; j) Direitos e liberdades fundamentais do homem; k) Direitos do homem; l) Direitos essenciais do homem; m) Direitos e garantias fundamentais; n) Direitos humanos; e o) Direitos fundamentais. É possível afirmar que essa imprecisão terminológica é fruto do reconhecimento e da evolução dos direitos essenciais da pessoa humana ao longo dos tempos, levando-se em consideração o local onde gradativamente foram sendo positivados (nas declarações e nos tratados internacionais, bem como nas Constituições) e também sua delimitação e conteúdo. No século XXI não há dúvida de que as duas expressões mais utilizadas são: direitos humanos e direitos fundamentais. Conforme já se ressaltou anteriormente, materialmente falando, tanto os direitos humanos como os direitos fundamentais estão voltados para a proteção da dignidade humana e dos direitos essenciais para que essa dignidade seja efetiva. A dissonância, portanto, verifica-se apenas em relação ao plano em que esses direitos são consagrados. dicção ‘direitos fundamentais da pessoa humana’. O art. 34, ao disciplinar a intervenção federal, insere uma nova terminologia: ‘direitos da pessoa humana’ (art. 34, VII, b). Quando trata das cláusulas pétreas, a Constituição ainda faz menção à expressão ‘direitos e garantias individuais’ (art. 60, § 4º). No art. 72 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, há o uso, novamente, da expressão ‘direitos humanos’”. (RAMOS, André de Carvalho. Curso de Direitos Humanos, op. cit., p. 51) DIREITOS HUMANOS Prof. Luciano Meneguetti – Rev. 02 - ago. 2019 P ág in a 1 6 Tecnicamente, os direitos humanos figuram no âmbito internacional, isto é, em normas de índole internacional, que são fruto do acordo de vontades dos Estados, estando presentes, portanto, nas declarações e nos tratados internacionais que veiculam normas protetivas desses direitos e liberdades, que visam sujeitar o Estado ao cumprimento de obrigações voltadas à promoção, respeito e proteção desses direitos para todas as pessoas sujeitas à sua jurisdição. Por sua vez, os direitos fundamentais figuram no plano interno, isto é, em normas de índole doméstica, sendo fruto da vontade unilateral do Estado, mais especificamente do legislador constituinte, razão pela qual encontram-se consagrados nos textos constitucionais, isto é, nas Constituições de cada Estado soberano. Direitos humanos – no plano internacional (declarações e tratados) Direitos fundamentais – no plano interno (Constituições) 7. CARACTERÍSTICAS DOS DIREITOS HUMANOS A doutrina aponta para uma série de características dos direitos humanos, que são adjetivações conferidas a esses direitos. Estas características próprias de que são dotados os direitos humanos, permitem distingui-los de outros tipos de direitos, especialmente os da ordem jurídica doméstica dos Estados. O rol dessas características apresentado abaixo é meramente exemplificativo, isto é, em numerus apertus, comportando, portanto, ampliação por meio da inclusão de outras características: 1) Centralidade – os direitos humanos representam hoje a nova centralidade do Direito Constitucional e também do Direito Internacional. Isto significa que todas as normas do ordenamento jurídico (seja ele nacional ou internacional) devem ser compatíveis com a promoção da dignidade humana, razão pela qual devem passar por uma filtragem pro homine;32 32 RAMOS, André de Carvalho. Curso de Direitos Humanos, op. cit., p. 91. A filtragem pro homine consiste no processo de verificação de compatibilidade da norma, seja ela interna ou internacional, com a promoção da dignidade humana. DIREITOS HUMANOS Prof. Luciano Meneguetti – Rev. 02 - ago. 2019 P ág in a 1 7 Em razão dessa centralidade torna-se importante apontar aqui algumas questões relativas à interpretação dos direitos humanos, à luz de alguns princípios internacionais consagrados no âmbito da temática: a) Princípio da interpretação conforme os direitos humanos33 – em um caso concreto, deve ser averiguado se determinada norma a ser aplicada está conforme aos direitos humanos; quando uma norma impugnada admite várias interpretações possíveis, o intérprete deve escolher, uma que a compatibilize com os direitos humanos (lógica semelhante à interpretação conforme à Constituição); b) Princípio da prevalência ou primazia da norma mais favorável – consiste na escolha, no caso de conflito de normas (quer nacionais ou internacionais) daquela que seja mais benéfica ao indivíduo; não importa a origem da norma (se internacional ou nacional), mas sim o resultado: o benefício ao indivíduo (aproxima-se do princípio pro homine, mas possui menor abrangência);34 c) Princípio pro homine ou pro persona35 – “impõe, seja no confronto entre normas, seja na fixação da extensão interpretativa da norma, a observância da norma mais favorável à dignidade da pessoa, objeto dos direitos humanos. Impõe a aplicação da norma que amplie o exercício do direito ou que produza maiores garantias ao direito humano que tutela”; por outras palavras, aplica-se a norma que assegura de maneira mais eficaz e mais ampla o exercício de um direito humano. 33 RAMOS, André de Carvalho. Curso de Direitos Humanos, op. cit., p. 102. 34 Há na doutrina autores que tratam o princípio pro homine e o princípio da primazia da norma mais favorável como sinônimos. Nesse sentido, Valerio Mazzuoli afirma que “no que tange aos tratados de direitos humanos, cabe destacar a necessidade de interpretação que leve em conta sempre a norma mais favorável ao ser humano. Ou seja, os tratados de direitos humanos devem ser interpretados tendo sempre como paradigma o princípio pro homine, por meio do qual deve o intérprete (e o aplicador do direito) optar pela norma que, no caso concreto, mais projeta o ser humano sujeito de direitos. Tal é assim pelo fato de o ser o indivíduo (vítima da violação de direitos humanos) sempre a parte mais vulnerável na relação com o Estado, o que demanda, só por isso, uma interpretação mais favorável aos seus interesses. [...] Em suma, o princípio pro homine (ou da “primazia da norma mais favorável”) é princípio de interpretação obrigatório para todos os tratados de direitos humanos, sem o que o resultado da aplicação de uma norma internacional de proteção (em detrimento de outra, internacional ou interna) pode restar indesejável, por ser menos protetora” (MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Curso de Direitos Humanos, op. cit., p. 238). 35 TORQUES, Ricardo. Interpretação “pro homine” dos Direitos Humanos. Disponível em: <https://goo.gl/HhWXRh>. Acesso em 15 ago. 2017; SAGÜÉS, Néstor; MARCOS, Edgar Carpio. La interpretación de los derechos humanos en las jurisdicciones nacional e internacional. In: MANCHEGO, José Palomino; CARBONELL, José Carlos Remotti (Coord.). Derechos Humanos y Constitución en Iberoamérica. Lima, Grijley, 2002, p. 28 e ss. https://goo.gl/HhWXRh DIREITOS HUMANOS Prof. Luciano Meneguetti – Rev. 02 - ago. 2019 P ág in a 1 8 2) Universalidade – significa que são titulares dos direitos humanos todas as pessoas, bastando a condição de ser pessoa humana para que se possa invocar a proteção desses direitos (daqui decorre a inerência desses direitos), tanto no plano do direito internacional como no âmbito do direito interno de cada Estado; os direitos humanos alcançam a todos, indistintamente e independentemente de raça, sexo, credo religioso, afinidade política, nacionalidade, status social, econômico, cultural etc. (DUDH, art. 1º); No entanto, duas colocações precisamser feitas: (i) ser universal não significa ser absoluto, pois há direitos humanos que podem (e são) por vezes limitados/relativizados (relatividade em sentido estrito ou limitabilidade) por outro ou por outros direitos humanos; (ii) os direitos humanos não são universais em sua aplicação. No contexto da universalidade torna-se importante fazer algumas considerações sobre o relativismo cultural (corrente de pensamento que se opõe à universalidade), o multiculturalismo e o interculturalismo. A concepção universal dos direitos humanos, balizada pela DUDH sofreu e sofre fortes resistências dos adeptos do movimento do relativismo cultural, os quais afirmam que “a noção de direito está estritamente relacionada ao sistema político, econômico, cultural, social e moral vigente em determinada sociedade. Sob esse prisma, cada cultura possui seu próprio discurso acerca dos direitos fundamentais, que está relacionado às específicas circunstâncias culturais e históricas de cada sociedade. Nesse sentido, acreditam os relativistas, o pluralismo cultural impede a formação de uma moral universal, tornando-se necessário que se respeitem as diferenças culturais apresentadas por cada sociedade, bem como seu peculiar sistema moral”.36 Nota-se que o relativismo cultural acaba por constituir uma das características dos direitos humanos que é a relatividade (em sentido amplo). 36 PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 234. DIREITOS HUMANOS Prof. Luciano Meneguetti – Rev. 02 - ago. 2019 P ág in a 1 9 Relativismo cultural – a tônica do relativismo é a exigência do respeito à diferença, à diversidade e às identidades culturais (...) não há possibilidade de se estabelecer um padrão universal de direitos, devendo-se, sim, respeitar a diversidade cultural que impõe posicionamentos divergentes diante de questões elementares à vida do ser humano, como as liberdades individuais e também coletivas. Exemplos: prática da clitorectomia e da mutilação feminina por muitas sociedades da cultura não ocidental, apedrejamento de mulheres apanhadas em adultério nessas sociedades etc. Por sua vez, o multiculturalismo, multiculturalidade ou pluralismo cultural é a convivência pacífica de várias culturas em um mesmo ambiente. Trata-se de um fenômeno social diretamente relacionado com a globalização e as sociedades pós-modernas. Para Boaventura de Souza Santos é preciso superar o debate entre universalistas e relativistas por meio do multiculturalismo. Nas palavras do autor os direitos humanos devem ser novamente conceituados (reconceptualizados) como multiculturais. O multiculturalismo é condição prévia de uma relação equilibrada e mutuamente potencializadora entre a competência global e a legitimidade local, que constituem os dois atributos de uma política contra hegemônica de direitos humanos do tempo presente.37 A interculturalidade ou interculturalismo refere-se à interação entre diferentes culturas de forma recíproca, de modo a favorecer um estável convívio e integração entre elas, baseados numa relação de respeito pela diversidade e no enriquecimento mútuo. Fala-se aqui no diálogo intercultural, e a construção de uma concepção multicultural dos direitos humanos decorreria desse diálogo. 3) Inerência – é a qualidade de pertencimento desses direitos a todos os membros da espécie humana, sem qualquer distinção; o ser humano tem dignidade única e direitos inerentes à condição humana; ser humano significa ter direitos inerentes à essa condição;38 37 SANTOS, Boaventura de Souza. Descolonizar el Saber, Reinventar el Poder. Montevideo: Ediciones Trilce-Extensión Universitaria/Universidad de la República, 2010, p. 67. 38 O Preâmbulo da Declaração Universal dos Direitos Humanos, logo no primeiro parágrafo, reconhece que “a dignidade inerente a todos os membros da família humana e seus direitos iguais e inalienáveis é o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo”. DIREITOS HUMANOS Prof. Luciano Meneguetti – Rev. 02 - ago. 2019 P ág in a 2 0 Sobre esta característica, Carlos Weis explica que “o reconhecimento da inerência é premissa racional para a construção da noção de direitos humanos, porque a existência do ser humano livre, anterior à criação do Estado, permite a limitação da ação deste ou seu direcionamento para a criação de condições favoráveis à vida em sociedade”.39 Além disso, para este autor, a inerência também desempenha a função “de propiciar a constante alteração do sistema normativo dos direitos humanos, sempre que se renovar ou ampliar o entendimento do que seja a ‘dignidade inerente a todos os membros da família humana’ [...] Outra consequência fundamental é o caráter não-taxativo dos direitos humanos até agora reconhecidos, eis que, sendo inerentes aos seres humanos, em grupo ou individualmente, se apresentam em constante mutação, acompanhando e interferindo na evolução social, regional e local”.40 4) Historicidade – os direitos humanos são uma construção histórica, que vão sendo construídos com o decorrer do tempo, num fluxo contínuo e evolutivo (“não nascem em árvores”). Portanto, não são fruto de apenas um acontecimento específico e isolado na história, mas produto de um processo temporal e complexo no qual vão se formando suas nuanças;41 Esses direitos nascem de lutas, reivindicações e demandas por direitos específicos, em cada momento também específico da história humana, daí a razão pela qual a doutrina divide didaticamente o estudo dos direitos humanos em gerações ou dimensões. Por serem históricos, os direitos humanos são sempre mutáveis, adaptáveis e aperfeiçoáveis, não sendo estacionários, uma vez que estão em constante movimento evolutivo.42 5) Transnacionalidade – consiste no reconhecimento dos direitos humanos onde quer o indivíduo esteja43, pois esses direitos transcendem as fronteiras físicas dos Estados. 39 WEIS, Carlos. Direitos Humanos Contemporâneos. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2014, p. 176. 40 WEIS, Carlos. Direitos Humanos Contemporâneos, op. cit., p. 177. 41 GARCIA, Bruna Pinotti; LAZARI, Rafael de. Manual de Direitos Humanos. Volume Único. Salvador: JusPODIVM, 2014, p. 41. 42 GARCIA, Bruna Pinotti; LAZARI, Rafael de. Manual de Direitos Humanos, op. cit., p. 41. 43 WEIS, Carlos. Direitos Humanos Contemporâneos, op. cit., p. 187-188. Dalmo de Abreu Dallari explica que “Os direitos fundamentais da pessoa humana são reconhecidos e protegidos em todos os Estados, embora existam algumas variações quanto à enumeração desses direitos, bem como quanto à forma de protegê-los. Esses direitos não dependem da nacionalidade ou DIREITOS HUMANOS Prof. Luciano Meneguetti – Rev. 02 - ago. 2019 P ág in a 2 1 Essa característica é ainda mais importante na ausência de uma nacionalidade (apátridas) ou na existência de fluxos de refugiados, situações em que determinado Estado deverá garantir esses direitos à estas pessoas (apátridas e refugiados), mesmo diante do fato de não serem elas nacionais desse Estado. Os direitos humanos não mais dependem do reconhecimento por parte de um Estado ou da existência do vínculo da nacionalidade, existindo o dever internacional de proteção aos indivíduos, confirmando-se o caráter universal e transnacional desses direitos. 6) Indivisibilidade – consiste no reconhecimento de que todos os direitos humanos possuem a mesma proteção jurídica, pois todos são essenciais para uma vida digna. Desse modo, não é possível reconhecer apenas alguns dos direitos reconhecidos, isto é, não basta garantir um direito e abrir mão de outro; não basta escolher uma das dimensões dos direitos humanos e esquecer das demais; Sobre essacaracterística Carlos Weis explica que “ao se afirmar que os direitos humanos são indivisíveis se está a dizer que não existe meio-termo: só há vida verdadeiramente digna se todos os direitos previstos no direito internacional dos direitos humanos estiverem sendo respeitados, sejam civis e políticos, sejam econômicos, sociais e culturais. Trata-se de uma característica do conjunto das normas, e não de cada direito individualmente considerado”.44 7) Interdependência – trata-se de uma característica que está intimamente ligada à anterior (indivisibilidade) e significa que todos os direitos contribuem para a realização da dignidade humana (ideia de interação, interatividade). Portanto, a interdependência “diz respeito aos direitos humanos considerados em espécie, ao se entender que certo direito não alcança a eficácia plena sem a realização simultânea de alguns ou de todos os outros direitos humanos”;45 cidadania, sendo assegurados a qualquer pessoa” (DALLARI, Dalmo de Abreu. O Que São Direitos da Pessoa. São Paulo: Abril Cultural/Brasiliense, 1984, p. 22). 44 WEIS, Carlos. Direitos Humanos Contemporâneos, op. cit., p. 184. Sob essa ótica, a indivisibilidade demanda, v.g., a proteção simultânea da vida, da integridade física e da liberdade de expressão, dentre outros (direitos civis e políticos) e também da saúde, da educação, do trabalho, da previdência social (direitos sociais, econômicos e culturais). 45 WEIS, Carlos. Direitos Humanos Contemporâneos, op. cit., p. 184. DIREITOS HUMANOS Prof. Luciano Meneguetti – Rev. 02 - ago. 2019 P ág in a 2 2 Assim como ocorre com a característica da indivisibilidade, a interdependência remete às chamadas gerações ou dimensões de direitos humanos. “E essa característica não distingue direitos civis e políticos ou econômicos, sociais e culturais, pois a realização de um direito específico pode depender (como geralmente ocorre) do respeito e promoção de diversos outros, independentemente de sua classificação”.46 8) Unidade – esta característica está intimamente ligada às duas anteriores (indivisibilidade e interdependência), uma vez que os direitos humanos compõem um único conjunto de direitos, formando uma unidade de direitos indivisível e interdependente (ou inter-relacionada), havendo uma relação recíproca em que um contribui para a realização do outro; 9) Inexauribilidade – conhecida também como abertura, não exaustividade ou não exauribilidade dos direitos humanos, significa que esses direitos são inexauríveis, no sentido de sempre ser possível a sua expansão pelo acréscimo de novos direitos. Por outras palavras, os direitos humanos não se esgotam naqueles que já foram reconhecidos e consagrados nos instrumentos internacionais de proteção dos direitos humanos e na ordem jurídica interna (Constituições), sendo sempre possível a ampliação do rol dos direitos já existentes (que não excluem outros) diante de novas demandas que visem o atendimento da dignidade humana (vide nesse sentido, v.g., o art. 5º, § 2º, da CRFB);47 10) Irrenunciabilidade (ou indisponibilidade) – diferentemente do que ocorre com os direitos subjetivos em geral, que podem ser “renunciados” por seus titulares, os direitos humanos têm como caraterística básica a irrenunciabilidade, no sentido de que ninguém pode renunciar, isto é, abrir mão da própria natureza humana para permitir a violação de direitos que lhe são inerentes e essenciais para uma vida digna. Esta característica fundamenta-se na impossibilidade de o ser humano despir-se de sua dignidade; 46 WEIS, Carlos. Direitos Humanos Contemporâneos, op. cit., p. 184-185. 47 “§ 2º Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”. DIREITOS HUMANOS Prof. Luciano Meneguetti – Rev. 02 - ago. 2019 P ág in a 2 3 Sobre essa característica, Valerio Mazzuoli explica que a irrenunciabilidade se traduz na ideia de que a autorização do titular de um direito humano não justifica ou convalida qualquer violação do seu conteúdo.48 Trata-se aqui de uma das características mais polêmicas dos direitos humanos e que tem despertado o maior número de questões e debates no âmbito da doutrina e da jurisprudência. Na perspectiva do campo fático esta característica é alvo de intensas críticas e de inconformismo, notadamente pelos próprios titulares dos direitos humanos, não sendo poucas as circunstâncias em que se verifica que o titular de um direito humano deixa de gozar parte ou mesmo a integralidade de determinado direito, v.g., em programas televisivos (Big Brother, A Fazenda), em atividades laborais (arremesso de anões, peep-show49), nas situações relacionadas à disposição da própria vida (eutanásia, suicídio assistido). 48 MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Curso de Direitos Humanos, op. cit., p. 32. 49 Atividade laboral na qual uma mulher, completamente sem roupas, dança, em uma cabine fechada, mediante remuneração, para um espectador individual que assiste ao show. A questão envolvendo o peep-show ocorreu na Alemanha, num caso em que “discutia-se a possibilidade de se conceder licença de funcionamento para um estabelecimento onde se praticava o chamado peep-show [...]. A licença de funcionamento não fora concedida administrativamente sob o argumento de que aquela atividade seria degradante para a mulher e, portanto, violava a dignidade da pessoa humana. Em razão disso, os interessados ingressaram com ação judicial questionando o ato administrativo. Eles argumentavam que a mulher estaria realizando aquele trabalho por livre e espontânea vontade. Ou seja, era uma mulher adulta, com plena capacidade de discernimento, que estava realizando aquela atividade porque queria, sem pressão psicológica, financeira ou física. Logo, não havia que se falar em violação à dignidade. Seria um trabalho como qualquer outro. Sustentaram ainda que várias boates onde se praticava o strip- tease obtiveram a devida licença de funcionamento, razão pela qual o peep-show também deveria ser permitido. Portanto, se uma mulher (ou um homem) deseja realizar atividades como o do peep-show, o Estado não deveria impedir. É um trabalho como outro qualquer, a não ser que a pessoa esteja ali contra a sua vontade. Defendeu-se, ainda, que não há um valor constitucional ligado aos ‘bons costumes’ ou à moralidade sexual. A Constituição não obriga que se siga um comportamento sexual ‘convencional’ ou ‘familiar’. Há, pelo contrário, proteção à diversidade e ao pluralismo, inclusive de cunho sexual. Qualquer limitação a direitos fundamentais com base em justificativas fundadas na moralidade sexual é, em princípio, suspeita, a não ser quando se busca também proteger o público infantil. No caso do peep-show (ao contrário de outdoors, programas de televisão, revistas etc. que podem ser vistos por crianças), o trabalho é realizado em ambiente fechado e tipicamente adulto. Logo, não seria justificável a limitação ao direito fundamental (ao trabalho) nessa situação específica. O caso chegou até a Corte Constitucional alemã, que deveria decidir se merecia prevalecer a autonomia da vontade da mulher, que estava ali voluntariamente, por escolha própria, ou a dignidade da pessoa humana, já que aquela atividade colocava a dançarina na condição de mero objeto de prazer sexual. A decisão foi no sentido de que o peep-show violaria a dignidade da pessoa humana e, portanto, deveria ser proibido. Na argumentação, o TCF decidiu que ‘a simples exibição do corpo feminino não viola a dignidade humana; assim, pelo menos em relação à dignidade da pessoa humana, não existe qualquer objeção contra as performances de strip-tease de um modo geral’. Já os peep-shows –argumentaram os Ministros do Tribunal – ‘são bastante diferentes das performances de strip- tease. No strip-tease, existe uma performance artística. Já em um peep-show a mulher é colocada em uma posição degradante. Ela é tratada como um objeto… para estímulo do interesse sexual DIREITOS HUMANOS Prof. Luciano Meneguetti – Rev. 02 - ago. 2019 P ág in a 2 4 Na doutrina há uma tendência em se admitir a mitigação dos efeitos da irrenunciabilidade por meio da distinção teórica entre a renúncia e o não-exercício de um determinado direito, segundo a qual pode o titular deixar de exercitar um direito humano ou fundamental, mas jamais renunciá-lo, ou seja, dele se despojar em definitivo.50 Outra proposta identifica a existência de alguns direitos humanos, cuja natureza autorizaria a sua renúncia, identificáveis por exclusão, em comparação com os direitos diretamente ligados à vida (pois sem a vida a dignidade não tem razão de ser), à integridade física e mental e à liberdade de tomar decisões (autonomia da vontade).51 11) Inalienabilidade – os “direitos humanos são inalienáveis, na medida em que não permitem a sua desinvestidura por parte do titular, não podendo ser transferidos ou cedidos (onerosa ou gratuitamente) a outrem, ainda que com o consentimento do agente”.52 Desse modo, afirma-se que os direitos humanos são intransferíveis e inegociáveis, dada a impossibilidade de atribuir a eles uma dimensão pecuniária (valor econômico) para fins de comércio (principalmente venda). Explica Gilmar Mendes e Paulo Gonet Branco que “inalienável é um direito ou uma coisa em relação a que estão excluídos quaisquer atos de disposição, quer jurídica - renúncia, compra e venda, doação -, quer material - destruição material do bem. Isso significa que um direito inalienável não admite que o seu titular o torne impossível de ser exercitado para si mesmo, física ou juridicamente. Nesse sentido, o direito à integridade física é inalienável, o indivíduo não pode vender uma parte do seu corpo ou uma função vital, nem tampouco se mutilar voluntariamente”.53 dos expectadores’. Explicou ainda o TCF que a violação da dignidade não seria afastada ou justificada pelo fato de a mulher que atua em um peep-show estar ali voluntariamente. Afinal, ‘a dignidade da pessoa humana é um objetivo e valor inalienável, cujo respeito não pode ficar ao arbítrio do indivíduo’” (MARMELSTEIN, George. Curso de Direitos Fundamentais. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2016, p. 507). 50 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 37. ed. São Paulo: Malheiros, 2014, p. 183; GUERRA, Sidney. Direitos Humanos: Curso elementar. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 230; MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 144. 51 MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional, op. cit., p. 144. 52 MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Curso de Direitos Humanos, op. cit., p. 32-33. 53 MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional, op. cit., p. 143. DIREITOS HUMANOS Prof. Luciano Meneguetti – Rev. 02 - ago. 2019 P ág in a 2 5 É preciso destacar que ser inalienável não significa que não se possa desempenhar atividades econômicas utilizando-se de um direito humano, v.g., negociação da atividade resultante do exercício do direito humano à livre manifestação do pensamento, do qual resultam várias formas de criação humana (produção científica, literária ou artística), tais como uma pintura, uma música, um livro etc. O que se negocia aqui não é o direito humano, mas a atividade resultante do exercício desse direito. 12) Imprescritibilidade – os direitos humanos são imprescritíveis porque são sempre exigíveis (vindicáveis), não se esgotando ou se perdendo com o decurso do tempo. Isto significa que, existindo ser humano, haverá esses direitos inerentes a ele. No entanto, deve-se aqui destacar o seguinte: (i) pode haver a prescrição do direito decorrente do exercício dos direitos humanos. Exemplificativamente, se uma pessoa sofre alguma espécie de dano (v.g., material, moral, estético), como decorrência da violação de um direito humano que está sendo exercido por determinada pessoa (v.g., o direito à intimidade), abre-se então o prazo prescricional para que ela possa reclamar, junto ao Judiciário, uma reparação pecuniária (ou de outra natureza) pela lesão sofrida. 13) Vedação do retrocesso – consiste na proibição de o Estado retroceder em matéria de proteção dos direitos humanos. Por outras palavras, “os direitos humanos devem sempre (e cada vez mais) agregar algo de novo e melhor ao ser humano, não podendo o Estado proteger menos do que já protegia anteriormente”.54 Portanto, os direitos humanos caracterizam-se pela proibição do retrocesso, que é um princípio internacional também conhecido como proibição do regresso, não retorno, efeito cliquet ou não retorno da concretização, vedando- se a eliminação da concretização já alcançada na proteção de algum direito humano, admitindo-se somente de aprimoramentos e acréscimos. André de Carvalho Ramos aponta que outra expressão utilizada pela doutrina, para referir-se à proibição do retrocesso “é o entrenchment ou entrincheiramento, que consiste na preservação do mínimo já concretizado dos 54 MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Curso de Direitos Humanos, op. cit., p. 33. DIREITOS HUMANOS Prof. Luciano Meneguetti – Rev. 02 - ago. 2019 P ág in a 2 6 direitos fundamentais, impedindo o retrocesso, que poderia ser realizado pela supressão normativa ou ainda pelo amesquinhamento ou diminuição de suas prestações à coletividade”.55 Nesse contexto, importa ressaltar por fim que, do mesmo modo que o Estado (no âmbito interno) não pode retroceder na proteção dos direitos humanos já alcançada, o Direito Internacional também deve atuar nesse mesmo sentido, não retrocedendo ou impondo restrições aos direitos protegidos. É por essa razão que atualmente se encontram presentes em diversos tratados internacionais de direitos humanos as chamadas cláusulas de diálogo, que visam justamente estabelecer um diálogo com o direito interno dos Estados (e também com outros tratados sobre o tema), de modo a sempre buscar uma melhor proteção dos direitos humanos por meio da aplicação da norma que mais proteja esses direitos, seja ela doméstica ou internacional. Exemplo: art. 29, b, da Convenção Americana sobre Direitos Humanos: Artigo 29. Normas de interpretação Nenhuma disposição desta Convenção pode ser interpretada no sentido de: (...) b) limitar o gozo e exercício de qualquer direito ou liberdade que possam ser reconhecidos de acordo com as leis de qualquer dos Estados Partes ou de acordo com outra convenção em que seja parte um dos referidos Estados; 8. GERAÇÕES OU DIMENSÕES DOS DIREITOS HUMANOS Em decorrência da característica da historicidade dos direitos humanos, segundo a qual esses direitos são frutos de uma construção que vem ocorrendo ao longo da história, a doutrina convencionou dividi-los em gerações, dimensões ou categorias, com base nos momentos históricos que inspiraram o seu reconhecimento e positivação nos textos constitucionais e internacionais, dando origem à teoria das gerações ou dimensões dos direitos humanos. 55 RAMOS, André de Carvalho. Curso de Direitos Humanos, op. cit., p. 99. DIREITOS HUMANOS Prof. Luciano Meneguetti – Rev. 02 - ago. 2019 P ág in a 2 7 Em razão do caráter indivisível, interdependente e complementar (relação de complementaridade em que um complementa o outro) desses direitos, que se somam e dialogampara melhor proteção da dignidade humana, apontando, portanto, para a necessidade de fruição simultânea de todos eles pelos seus titulares, esta divisão só se justifica para fins didáticos, em uma tentativa da doutrina “de tornar mais palatável a noção da historicidade dos direitos humanos, isto é, explicar de forma sintética que o surgimento daqueles obedeceu às injunções histórico-políticas, cujas características marcaram os direitos nascidos naquele momento”.56 Foi o jurista francês, de origem Checa, chamado Karel Vasak, quem apresentou pela primeira vez a classificação dos direitos humanos em gerações, em Conferência ministrada no Instituto Internacional de Direitos Humanos de Estrasburgo (França), no ano de 1979. Naquela oportunidade, cada geração foi associada por Vasak, a um dos componentes do lema da Revolução Francesa: “liberté, egalité et fraternité” (liberdade, igualdade e fraternidade). Assim, de acordo com sua proposta, os direitos de liberdade seriam os da 1ª geração; os direitos de igualdade, os da 2ª geração; e os direitos de fraternidade, os de 3ª geração, que esquematicamente podem ser assim colocados: 56 WEIS, Carlos. Direitos Humanos Contemporâneos, op. cit., p. 51. DIREITOS HUMANOS Prof. Luciano Meneguetti – Rev. 02 - ago. 2019 P ág in a 2 8 De acordo com essa concepção, firmou-se classicamente na doutrina a classificação dos direitos humanos em três gerações/dimensões que traduzem, sem dúvida, um processo cumulativo e qualitativo de reconhecimento e positivação desses direitos, e que podem ser sintetizados da seguinte maneira: 1) Os direitos de primeira geração/dimensão são as liberdades públicas, os direitos políticos básicos, que representam os direitos civis e políticos do povo, traduzidos no valor liberdade; Esses direitos foram os primeiros a constarem nos instrumentos jurídicos (constitucionais e internacionais), institucionalizados historicamente a partir da Magna Carta de 1215 do rei João Sem Terra e presentes a partir de então em muitos outros documentos históricos que se sucederam. Sistematicamente aparecem a partir da constitucionalização ocidental (séculos XVIII e XIX) e têm como titular o indivíduo, sendo oponíveis ao próprio Estado57, razão pela qual são também conhecidos como direitos de resistência, direitos de defesa ou direitos de oposição perante o Estado. André de Carvalho Ramos explica que “o papel do Estado na defesa dos direitos de primeira geração é tanto o tradicional papel passivo (abstenção em violar os direitos humanos, ou seja, as prestações negativas) quanto ativo, pois há de se exigir ações do Estado para garantia da segurança pública, administração da justiça, entre outras”.58 Por isso se fala nesse momento específico da história na figura do Estado absenteísta, que deve se abster de violar os direitos humanos do indivíduo (prestações negativas). São exemplos: o direito à vida, o direito às liberdades (de pensamento, de expressão, de informação, de locomoção, de reunião, de associação, de consciência e crença, de culto etc.), o direito à igualdade (formal ou “da boca para fora”), o direito à propriedade, o direito à propriedade intelectual, o direito à segurança, o direito à privacidade, o direito ao sigilo das comunicações, os direitos da personalidade (nome, honra, imagem), o direito à nacionalidade, o direito à participação política, o direito de acesso à justiça etc. 57 PENTEADO FILHO, Nestor Sampaio. Direitos Humanos, op. cit. 58 RAMOS, André de Carvalho. Curso de Direitos Humanos, op. cit., p. 58. DIREITOS HUMANOS Prof. Luciano Meneguetti – Rev. 02 - ago. 2019 P ág in a 2 9 2) Os direitos de segunda geração/dimensão são aqueles voltados para a garantia de uma igualdade material entre os indivíduos (igualdade lato sensu) e compõem-se dos chamados direitos sociais, econômicos e culturais do povo, que traduzem justamente o valor igualdade; Decorrentes da Revolução Industrial (fim do século XIX e início do século XX), em razão de movimentos sociais que eclodiram nesse período (v.g., Comuna de Paris e Cartista – Inglaterra), como consequência das péssimas condições de trabalho e da constatação de que a inserção formal da liberdade e da igualdade em declarações de direitos não era capaz de garantir a sua efetiva concretização, esses direitos buscam estabelecer melhorias no âmbito social do trabalhador59 e ganham relevo com a Constituição do México, de 1917 (que regulou o direito ao trabalho e à previdência social), com a Constituição alemã de Weimar, de 1919 (que, em sua Parte II, estabeleceu os deveres do Estado na proteção dos direitos sociais) e, no plano do Direito Internacional, com o Tratado de Versailles, que oficialmente pôs fim à Primeira Guerra e criou a Organização Internacional do Trabalho (OIT). Esses direitos, que são também titularizados pelo indivíduo e oponíveis ao Estado, foram inseridos inicialmente no contexto dos direitos programáticos ou de aplicabilidade mediata (que somente seriam aplicáveis por meio da intervenção do legislador ordinário), à vista de não disporem, para sua efetivação imediata, das garantias tradicionais usualmente aplicadas aos direitos de liberdade. Durante muito tempo prevaleceu a noção de que somente os direitos de liberdade (primeira geração) eram de aplicabilidade imediata. Posteriormente várias Constituições, inclusive a brasileira, formularam o preceito da aplicabilidade imediata dos direitos fundamentais (CRFB, art. 5º, § 1º). Os direitos de segunda geração/dimensão são marcados pelo nascimento do Welfare State ou Estado do Bem-estar Social, em que o Estado passa a ser mais intervencionista, comprometendo-se a promover uma maior igualdade social e a garantir condições básicas para uma vida digna, representando, portanto, uma modificação do papel do Estado, exigindo-lhe um vigoroso papel ativo. 59 PENTEADO FILHO, Nestor Sampaio. Direitos Humanos, op. cit. DIREITOS HUMANOS Prof. Luciano Meneguetti – Rev. 02 - ago. 2019 P ág in a 3 0 Nesse sentido, André de Carvalho Ramos explica que os direitos sociais, tais como o direito à saúde, educação, previdência social, habitação, dentre outros, demandam “um papel ativo do Estado para assegurar uma condição material mínima de sobrevivência”.60 São exemplos: o direito à igualdade (no exercício dos direitos econômicos, sociais e culturais); o direito à educação; o direito à saúde; o direito a um padrão de vida que assegure a saúde e o bem-estar individual e da família; o direito ao trabalho digno (proteção contra o desemprego, liberdade e escolha, condições justas e favoráveis, limitação das jornadas de trabalho, saúde e segurança no trabalho, férias remuneradas etc.); o direito à assistência e à previdência sociais; o direito ao repouso e ao lazer; o direito à moradia, ao vestuário e à alimentação; o direito à cultura; o direito à segurança pública etc. Estas suas primeiras gerações de direitos humanos “concentram-se em direitos pertencentes ao indivíduo, à pessoa humana propriamente dita, não possuindo um foco na coletividade”61, um quadro que vai mudar com a terceira geração/dimensão de direitos. 3) Os direitos de terceira geração/dimensão são aqueles “derivados de grandes alterações sociais na comunidade internacional, causadas pela globalização da economia, avanços tecnológicos e científicos, como as viagens espaciais, a robótica, a internet etc. Tais direitos direcionam-se para a preservação da qualidade de vida, tutelando o meio ambiente, permitindo o progresso sem detrimento da paz e autodeterminação dos povos, direito à comunicação e ao patrimônio comum da humanidade, constituindo-se em interesses difusos e coletivos, que transcendem o indivíduo ougrupos de indivíduos, representando os direitos de fraternidade ou solidariedade, uma vez considerado o homem como integrante da sociedade, traduzidos no valor fraternidade”.62 60 RAMOS, André de Carvalho. Curso de Direitos Humanos, op. cit., p. 58. 61 GARCIA, Bruna Pinotti; LAZARI, Rafael de. Manual de Direitos Humanos, op. cit., p. 95. 62 PENTEADO FILHO, Nestor Sampaio. Direitos Humanos, op. cit. DIREITOS HUMANOS Prof. Luciano Meneguetti – Rev. 02 - ago. 2019 P ág in a 3 1 André de Carvalho Ramos destaca que esses direitos “são oriundos da constatação da vinculação do homem ao planeta Terra, com recursos finitos, divisão absolutamente desigual de riquezas em verdadeiros círculos viciosos de miséria e ameaças cada vez mais concretas à sobrevivência da espécie humana”.63 São exemplos: o direito à preservação da qualidade de vida; o direito ao meio ambiente sadio e ecologicamente equilibrado; o direito ao progresso e ao desenvolvimento; o direito à paz; o direito à autodeterminação dos povos; o direito à comunicação; o direito ao patrimônio comum da humanidade; os direitos do consumidor; o direito a serviços públicos eficientes; o direito à incolumidade da Administração Pública etc. Além destas três gerações propostas por Karel Vasak, a doutrina posteriormente passou a falar em uma quarta geração e, mais recentemente, até mesmo em uma quinta geração, embora não seja pacífica nesse sentido. 4) Os direitos de quarta geração/dimensão constituem uma construção doutrinária mais recente que data do final do século XX. Seriam aqueles direitos de preservação do ser humano (clonagem, sucessão de filhos gerados por inseminação artificial, manipulação do patrimônio genético etc.), os direitos e garantias de proteção contra a globalização desenfreada (direito à democracia, pluralismo etc.), direitos que se referem à eutanásia, à bioética, às biociências, à biotecnologia, à bioengenharia, aos alimentos transgênicos, à informática etc. De acordo com Norberto Bobbio, referida geração de direitos decorreria dos avanços no campo da engenharia genética, capazes de colocar em risco a própria existência humana por meio da manipulação irresponsável do patrimônio genético humano.64 Para Paulo Bonavides, os direitos de quarta geração, resultantes da globalização dos direitos humanos (universalização no campo institucional), correspondem ao direito à democracia (no caso, a democracia direta), direito ao pluralismo e o direito à informação. 63 RAMOS, André de Carvalho. Curso de Direitos Humanos, op. cit., p. 58. 64 BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos, op. cit., p. 9-11. DIREITOS HUMANOS Prof. Luciano Meneguetti – Rev. 02 - ago. 2019 P ág in a 3 2 Há uma corrente atual que sustenta serem de quarta geração/dimensão os direitos das minorias, ou o direito de ser diferente (Luís Roberto Barroso65 e Uadi Lammêgo Bulos66). Como marco histórico dessa geração pode-se citar a Declaração Universal sobre o Genoma Humano e os Direitos Humanos, da UNESCO, que reconhece em seu art. 1º que o genoma humano é patrimônio da humanidade; no art. 2º, que ninguém pode ser discriminado em virtude de suas características genéticas; e, em seu art. 4º, que o genoma não pode ser objeto de negociação financeira. No âmbito interno brasileiro, a proteção dos direitos de quarta geração/dimensão encontrou guarida na Lei n. 11.105, de 24 de março de 2005, a chamada Lei de Biossegurança, que proibiu a clonagem humana. 5) Os direitos de quinta geração/dimensão, para Paulo Bonavides, seriam aqueles direitos transportados diretamente da 3ª geração para os dias de hoje, significando mais especificadamente o direito à paz permanente entre os povos; enfim, direito à pacificidade permanente.67 Para Janusz Symonides, o conteúdo que assegura o direito à paz como uma quinta geração/dimensão é definido por vários dos “direitos humanos já existentes, cuja implementação tem impacto direto sobre a manutenção da paz e prevenção dos conflitos e da violência. Isso se aplica à liberdade de pensamento, consciência e religião, inclusive ao direito de fazer objeções de consciência ao serviço militar, à liberdade de opinião e de expressão, à liberdade de associação e reunião pacíficas, e ao direito de todo indivíduo de participar do governo do seu próprio país. Entre os deveres dos Estados expressos nos instrumentos de direitos humanos, merece particular destaque a proibição, por lei, de qualquer propaganda favorável à guerra e da apologia ao ódio nacional, racial ou religioso que constitui incitamento à discriminação, hostilidade ou violência”.68 65 PENTEADO FILHO, Nestor Sampaio. Direitos Humanos, op. cit. 66 BULOS, Uadi Lammêgo. Constituição Federal Anotada. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 87. 67 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 30. ed. São Paulo: Malheiros, 2015, p. 594-601. 68 SYMONIDES, Janusz. Direitos Humanos: novas dimensões e desafios. Brasília: UNESCO Brasil, Secretaria Especial dos Direitos Humanos, 2003, p. 31. DIREITOS HUMANOS Prof. Luciano Meneguetti – Rev. 02 - ago. 2019 P ág in a 3 3 Existem autores da área do direito eletrônico, como Patrícia Peck e Luís Carlos C. Olivo, que o entendem como integrante da quinta geração/dimensão dos direitos humanos. Aqui estaria compreendido o direito de acesso e convivência em um ambiente salutar no ciberespaço.69 Por fim, cabe aqui destacar que a expressão geração tem sido criticada pela doutrina, que parece dar certa preferência à expressão dimensão (ainda que essa também não seja isenta de crítica). A crítica mais contundente é que a palavra geração transmite a ideia de sucessão de uma geração por outra. Conforme explica George Marmelstein, “o uso do termo geração pode dar a falsa impressão da substituição gradativa de uma geração por outra, o que é um erro, já que, por exemplo, os direitos de liberdade não desaparecem ou não deveriam desaparecer quando surgem os direitos sociais e assim por diante”.70 Em verdade, os direitos de uma geração não substituem ou suplantam os de outra, mas se complementam e fortalecem para a promoção da dignidade humana (características da unidade e complementaridade). Além disso, importa ressaltar a não existência de uma hierarquia entre os direitos previstos em cada geração e nem mesmo a prioridade da implementação dos direitos previstos em cada uma delas (características da indivisibilidade e interdependência). Nesse sentido, Flávia Piovesan, fazendo menção ao que ela chama de fantasia das gerações de direitos, afirma que a “noção simplista das chamadas ‘gerações de direitos’, histórica e juridicamente infundada, tem prestado um desserviço ao pensamento mais lúcido a inspirar a evolução do direito internacional dos direitos humanos. Distintamente do que a infeliz invocação da imagem analógica da ‘sucessão generacional’ pareceria supor, os direitos humanos não se ‘sucedem’ ou ‘substituem’ uns aos outros, mas antes se expandem, se acumulam e fortalecem, interagindo os direitos individuais e sociais (...) O que testemunhamos é o fenômeno não de uma sucessão, mas antes da expansão, cumulação e fortalecimento dos direitos humanos consagrados, a revelar a natureza complementar de todos os direitos humanos”.71 69 GARCIA, Bruna Pinotti; LAZARI, Rafael de. Manual de Direitos Humanos, op. cit., p. 97. 70 MARMELSTEIN, George. Curso de Direitos Fundamentais, op. cit., p. 59. 71 PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional, op. cit., p. 65. DIREITOS HUMANOS Prof. Luciano Meneguetti – Rev. 02 - ago. 2019 P ág in a 3 4 REFERÊNCIAS ASSIS, Olney Queiroz Assis; KÜMPEL, Vitor Frederico. Manual de Antropologia Jurídica.
Compartilhar