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UNIVERSIDADE DE PASSO FUNDO INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS – IFCH Camila Alves Branco Belini OPINIÃO, VERDADE E CONHECIMENTO: DOS ENCONTROS NAS PRAÇAS GREGAS À CULTURA DIGITAL Passo Fundo 2020 Camila Alves Branco Belini Opinião, verdade e conhecimento: dos encontros nas praças gregas à cultura digital Trabalho de conclusão de curso apresentado ao Curso de Filosofia, do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, da Universidade de Passo Fundo, como requisito parcial para a obtenção do grau de Licenciada em Filosofia, sob a orientação do Prof. Dr. Marcelo José Doro. Passo Fundo 2020 Camila Alves Branco Belini Opinião, verdade e conhecimento: dos encontros nas praças gregas à cultura digital Trabalho de conclusão de curso apresentado ao curso de Filosofia, do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade de Passo Fundo como requisito parcial para a obtenção do grau de Licenciada em Filosofia, sob orientação do Prof. Dr. Marcelo José Doro. Aprovada em ____ de ____________________ de ________. BANCA EXAMINADORA _____________________________________________ Prof. _____________________________________________ Prof. ______________________________________________ Prof. RESUMO O presente escrito tem como objetivo investigar o conceito de opinião na história da filosofia e o papel da opinião no contexto digital, dado que este espaço é de fácil acesso e muitas pessoas podem expor o que pensam. Quando uma opinião exposta nesses ambientes é questionada os internautas creem no direito de poder sentirem-se ofendidos. Mas porque questionar uma ideia é tão incomodo? Se uma crença é exposta todos que interagem, devem concordar? Ter uma opinião, nos torna autoridade no assunto? Uma ideia deve ser aceita em qualquer circunstância no ambiente digital? Qual a importância do saber filosófico em tempos cuja opinião é considerada sabedoria divina? Como a filosofia pode nos ajudar a chegar mais próximo do conhecimento? Para compreender o que é opinião devemos compreender também o que é conhecimento e como ele se constitui, visto que a opinião faz parte do conhecimento humano. Para realizar tal construção conceitual recorreu-se ao estudo dos clássicos da teoria do conhecimento tendo como principais referências os filósofos Platão e Immanuel Kant. A investigação acerca do conceito opinião, serve não só para compreender o que é opinar, mas também para compreender porque a opinião na sociedade contemporânea possui tanto valor. A partir do entendimento do conceito é que foi possível analisar e entender o porquê da opinião ser o sinônimo de verdade na sociedade contemporânea e no contexto digital que permeia a vida no século XXI. Definindo o que é opinião e compreendendo como se obtém o conhecimento a partir das ideias dos filósofos já citados, foi possível criar um elo entre a história da filosofia, os fenômenos dos pós-verdade e da cultura digital, para esclarecer o período de pós-verdade recorreu-se a artigos científicos e uso de imagens. Para trabalhar a questão da informação e verdade na cultura digital, recorreu-se aos estudos do filósofo sociólogo Byung-Chun Han, devido sua atualidade e conexão com a temática proposta. A investigação foi impulsionada desde o início pelo interesse e curiosidade em relação ao tema, nascidos da observação de discussões sobre temas polêmicos nas redes sociais. O método utilizado para a condução da pesquisa foi o bibliográfico, com orientação hermenêutica, pois a definição de cada conceito foi importante para construir o raciocínio que analisaria a opinião no contexto digital da pós-verdade. Palavras-chave: Opinião, Pós-verdade, Conhecimento, Globalização, Cultura digital, Conhecimento SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO .................................................................................................................. 6 2 . A OPINIÃO DA HISTÓRIA DA FILOSOFIA ............................................................... 9 2.1 OS SOFISTAS E O CONHECIMENTO ........................................................................ 9 2.2 CONHECIMENTO E OPINIÃO AOS OLHOS DE PLATÃO ................................. 10 2.3 A VERDADE E A OPINIÃO Á LUZ DE KANT ..................................................... 15 3. PÓS-VERDADE E OPINIÃO ......................................................................................... 21 3.1 OPINIÃO E PÓS-VERDADE ..................................................................................... 20 3.2 CONHECIMENTO E OPINIÃO NA ERA DIGITAL ................................................. 25 4. CONCLUSÃO .................................................................................................................. 29 REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 30 6 1. INTRODUÇÃO Este trabalho monográfico surgiu de uma ação que faz parte do cotidiano de muitas pessoas: navegar na internet. A partir do contato com um grupo que discutia o aborto, percebeu-se que as pessoas brigavam para afirmar seus conhecimentos, tornando-se agressivas ao ter uma ideia que foi exposta, questionada e até mesmo refutada. Não é de hoje que os debates acontecem nos diversos cenários da sociedade e algumas discordâncias sempre geram confrontos. Entretanto, os confrontos da internet são extremamente violentos, verbalmente, isso por que as pessoas não gostam quando suas posições são questionadas ou contrariadas. Perguntar ou argumentar contra uma crença na internet muitas vezes é algo ofensivo para quem expôs uma ideia. Justamente por isso o problema do referente trabalho se voltará a questão da opinião, sobre o que as pessoas que usam internet definem como opinião e porquê é um problema ter a opinião questionada, dado que a opinião nesse contexto é sinônimo de verdade. Mas se a opinião não é verdade, o que é verdade? Opinião e conhecimento são a mesma coisa? Como definir o conhecimento se a opinião também é um saber? Por que uma opinião não pode ser tomada como verdade? Quais os critérios que estabelecem uma ideia como verdadeira? E justamente para dar conta de todas essas questões é que se faz neste trabalho, uma viagem pela história da filosofia. Para isso a pesquisa está dividida em dois capítulos, o primeiro capítulo busca fazer um percurso histórico acerca dos conceitos: opinião, verdade e conhecimento. O primeiro capítulo dará conta de explanar brevemente a ideia de verdade na concepção dos sofistas Górgias e Protágoras, afim de contextualizar uma ideia oposta de verdade diante dos pensamentos filosóficos de Platão. Não podendo visitar todos os filósofos da tradição que já pensaram nas teorias do conhecimento, tomaremos as ideias de Platão afim de compreender a opinião como um saber imediato aos estímulos do mundo sensível, não podendo ser uma verdade por não pertencer a classe dos saberes absolutos, universais e imutáveis. As obras utilizadas para tal compreensão são A república e Teetteto, bem como alguns artigos científicos de comentadores que facilitarão a compreensão das ideias em questão. Posteriormente, recorreremos a um estudo do filósofo Immanuel Kant, que pensou o conhecimento em uma época onde o empirismo e o racionalismo ganharam espaço na filosofia, tendo como referência a Crítica da razão pura. As ideias que Kant desenvolve acerca da definição do que é conhecimento e a luz que nos traz acerca do que podemos definir como opinião, ainda é atual, pois esta é definida como um saber insuficiente para ser universalizado, ou seja, para ser acolhido desde uma 7 perspectiva racional; porém, no entender de Kant, o sujeito que opinacompreende que aquela ideia faz parte de sua subjetividade e não é um saber suficiente e objetivamente válido para ser determinado como conhecimento. Kant também aborda a questão de fé, um conceito essencial para compreendermos o papel da opinião na era da pós-verdade, que é regida pelas emoções e que é um saber insuficiente para razão, sendo suficiente apenas para o próprio sujeito, tornando-se então uma questão de fé. A diferença entre uma opinião e de fé diante dela, é que o sujeito que opina reconhece a fragilidade desse pensamento e o sujeito que tem fé na própria opinião não reconhece. No último capítulo, abordaremos a questão da opinião no contexto de pós-verdade, sendo a opinião entendida nesse meio como um sinônimo de verdade, pois é cunhada a partir de emoções e as emoções são a ferramenta de manutenção da verdade na era digital. Para explorar a pós-verdade recorremos a artigos científicos e o uso de um meme1 disponível na internet. No último tópico do segundo capítulo, será colocado em pauta a questão das informações e sua conexão com o conceito de verdade, para isso, utilizaremos dos conceitos e estudos do filósofo Byung-Chul Han, que tem como foco do ensaio filosófico No enxame: perspectivas do digital e a obra Sociedade da transparência, onde tenta entender o comportamento humano diante do excesso de informação e falta da verdade, ou relativização do conceito. Diante deste quadro, o objetivo deste trabalho é elucidar alguns aspectos que tornam a opinião um sinônimo de verdade e ajudar a compreender o papel do excesso de informações na constituição do conhecimento da sociedade contemporânea, visto que antes de todos poderem se informar e alcançar uma verdade, o percurso era muito mais criterioso e efetivo. Espera-se, por fim, que este estudo possa auxiliar o leitor a entender o porquê da opinião ser sinônimo de verdade e que conhecimentos é que podem ser considerados verdadeiros ou não. 1 São imagens humoradas encontradas nas redes sociais para ironizar situações ou apenas divertir seguidores a partir do humor feito das situações cotidianas. 8 2 A OPINIÃO NA HISTÓRIA DA FILOSOFIA Na impossibilidade de se fazer uma investigação completa sobre o que cada filósofo teorizou sobre a opinião, concentraremos a análise em alguns poucos momentos e pensadores. Iniciamos considerando a posição dos Sofistas em relação ao conhecimento, considerando este como maleável diante de quem conhece essa explanação será feita como forma de apresentação da contraposição de Platão, para quem o conhecimento, diferente da opinião, encontra-se no domínio das coisas absolutas, não relativas; por fim, nos voltamos ao pensamento de Immanuel Kant e sua distinção entre opinião, fé e ciência (conhecimento), visando mostrar como suas ideias se aproximam e aprofundam as teorias de Platão. 2.1 Os sofistas e o conhecimento Quando perguntamos a alguém o que esse alguém define como opinião, as respostas que obtemos são parecidas com: “opinião é um comentário”, “a opinião é um conhecimento sem embasamento científico” ou obtemos respostas como: “opinião é o que todos pensam sobre algum assunto”. E é exatamente essa concepção que envolve o pensamento comum que os gregos nominavam de doxa, ou seja, opinião. A discussão desse conceito ganhou relevância a partir do embate dos filósofos com os sofistas. Por isso, convém contextualizar brevemente suas posições. Os filósofos da Grécia repudiavam os sofistas justamente pelo fato de eles venderem o conhecimento e na mais pesada das acusações, feita por Platão, os Sofistas falsificavam o saber filosófico. Para os filósofos, especialmente os discípulos de Sócrates, o Saber era algo que deveria partir da alma, o saber deveria ser efetivo, refletido e concreto. Quando falamos de saberes da alma falamos de episteme. Por isso, o conhecimento verdadeiro não podia ser uma mercadoria, mas deveria ser adquirido através do aprimoramento das virtudes. O saber que era vendido pelos sofistas geralmente recusava critérios de verdade sobre determinado assunto, e a recusa desses critérios não constituía o conhecimento verdadeiro. Para o sofista Górgias (485-380 a.C), por exemplo, um critério que estabelecesse a verdade não era possível, pois para algo existir deveria ser e não era o que acontecia com esse objeto, assim sustentava- se um nihilismo epistemológico. Enquanto a teoria de outro sofista, Protágoras (490-415 a.C.), pautava-se em um relativismo epistemológico. (HOBBUS, 2014, p.75-82) O nihilismo epistemológico de Górgias sustenta que para algo existir deve Ser. O não Ser não existe pois para que existisse ele deveria ser eterno ou imaginado; já o Ser, diz 9 Górgias, é eterno, no sentido de que sempre esteve ali, não tendo sido gerado por nada ou ninguém, então ele é também ilimitado, pois não está em parte nenhuma, uma vez que caso estivesse em alguma parte que não é onde deveria estar, se limitaria e não seria eterno. Sendo eterno é ilimitado, o não Ser não está em parte alguma, logo não existe. E como este não existe, não pode ser criado, pois para ser criado deveria provir do Ser e originando-se daí seria limitado e originando-se do Não-ser, seria impossível justamente pelo fato de não ser, pois o não ser não existe. Logo, o Ser também não existe, pois não é eterno, não é imaginado, nem há de ser os dois ao mesmo tempo, por isso nada existe. E se existisse não caberia ao homem conceber essa existência pois o Ser não pode ser objeto de pensamento. As ideias de Górgias negam a existência do Ser e assim fazendo impossibilitam que exista um critério de verdade (HOBBUS, 2014 p.82). Um dos sofistas que fora muito procurado pelos gregos, na época em que viveu, era Protágoras. Parte das teses de Protágoras se contrapunham às de Platão, porque, enquanto para este o conhecimento era imutável, para aquele, o homem era compreendido como a medida de todas as coisas e sendo o homem a medida de todas as coisas, o conhecimento poderia ser relativo. Isto é, o mundo se mostra de uma forma para mim, enquanto o outro compreende as ideias de forma diferente, sendo assim, cada homem pode interpretar o que se apresenta de acordo com sua subjetividade e a partir da interpretação e exposição desse conhecimento relativo, se formam as opiniões. Por exemplo: um cidadão comum, sem o conhecimento de física, ou ao menos sem a mínima noção do que é o sistema solar, pode ver e compreender o sol como um corpo amarelo e quente, algo que aparece durante o dia e apenas quando o tempo não está nublado, enquanto um físico pode compreender o sol como uma estrela, que tem determinada distância da terra e uma matéria responsável pelo mantimento da vida humana e que ainda influencia o planeta terra, mesmo o dia estando nublado. A visão do físico e do homem comum em referência ao sol é uma visão completamente relativa, pois cada um vê o sol da maneira como este se apresenta para si a partir da base conceitual que dispõe, e assim cada um cria um juízo acerca do que se compreende e vê por sol. Outro aspecto importante da argumentação de Protágoras sobre a definição do homem como medida de todas as coisas é que devido ao fato de o mundo se apresentar a cada homem de uma determinada maneira, possibilitando interpretações diferentes acerca do que se apresentou, não seria possível estabelecer um critério de verdade e voltando ao exemplo do físico e do homem comum, pode-se perceber que devido ao conhecimento mais amplo do físico e limitado do homem a verdade sobre a definição do sol é distinta, pois o físico não utiliza os mesmo critérios para estabelecer determinado objeto e por isso pode-se concluir que 10 o homem torna-se o critério dos seres (HOBBUS, 2014, p. 75). Para Protágoras o homem é a medida de todas as coisas e a verdade há de ser relativa, mas para seuopositor Platão, a verdade provém da alma e é imutável. Logo, a tese do homem-medida [de todas as coisas], funda, como vimos, o relativismo epistemológico, porque as coisas são apenas na medida em que são para mim. Por conseguinte, a aparência de cada objeto diferirá a partir do modo em que este aparecerá para cada um. Conforme Aristóteles, que uma coisa é e não é, é bem e mal, é bonita e feia, o mesmo valendo para todas as proposições que afirmam coisas contrárias, pois a medida é o que aparece para cada um [...] (HOBBUS, 2014. p. 77) 2.2 Conhecimento e opinião aos olhos de Platão Para figurar sua ideia de verdade, Platão desenvolve o mito da caverna no livro VII da República (PLATÃO, 2001, p.315-319). Ali vemos Sócrates propor à Glauco que suponha que em uma habitação subterrânea, como uma caverna, haja homens acorrentados desde sua infância de maneira que estas correntes lhes prendem o pescoço, os braços e as pernas, impossibilitando qualquer movimento que não seja olhar fixamente para o muro desta gruta. Para iluminar os homens que encontram-se imóveis, há por trás e distante deles uma fogueira, e por perto da fogueira passam homens livres que transportam todas as espécies de objetos desde estátuas com formas de animais ou até mesmo no formato de pessoas. Estes acorrentados nunca viram nada além de si mesmos e das sombras que são criadas a partir das imagens que passam por perto da fogueira e reflete as formas no muro. O filósofo então discorre com Glauco sobre o que poderiam estes homens pensar das imagens que viam; o que pensariam se pudessem também ouvir o eco que vinha de dentro da caverna, não julgariam eles que aquele era o som das sombras que se apresentavam na parede? Sócrates conclui que aquela era a visão do mundo que aqueles homens tinham e que aquela era sua realidade, posteriormente pergunta a Glauco o que aconteceria se aqueles mesmos homens se libertassem tanto de suas amarras quanto de sua ignorância; será que conseguiriam descrever com precisão o mundo real, sem questionar o porquê aquilo era o que estavam vendo, ou mesmo sem questionar o que estavam vendo, já que a visão das sombras moldou o modo de perceber o mundo daqueles prisioneiros? Mas há ainda o fato de que, ao sair da caverna estes prisioneiros seriam arrastados e obrigados a seguir um caminho rude que os levaria até a luz do sol, a mesma luz poderia os cegar, até a adaptação; assim, saindo da caverna e vendo o mundo tal como ele é, seria o 11 prisioneiro capaz de contemplá-lo em todas as suas reais formas? Seria preferível esse sofrimento todo ou o conforto de já compreender o mundo das sombras em que se encontram? Ao sair da caverna um dos prisioneiros conhece o mundo tal como ele é, depois de um tempo adaptando-se a essa realidade, compreende as sombras que eram refletidas, compreende o sol, além do seu reflexo na água, compreende o mundo e sua mecânica, relembra os tempos da caverna, reconhece as limitações encontradas naquela realidade e volta para buscar seus companheiros. Entretanto, o que acontece ao contar para os outros prisioneiros a verdade que lhe foi possibilitada fora da caverna é que esta é recusada, o prisioneiro que viu o mundo é zombado pelos demais, pois estes acreditam que a vista da parede e a projeção da fogueira são a única verdade possível. (PLATÃO,2001, p.319) E é a partir desta alegoria que Platão fundamenta suas ideias acerca do mundo inteligível e sensível. O mundo inteligível é o mundo onde as formas são verdadeiras e essas formas se apresentam ao mundo sensível como cópia das ideias perfeitas encontradas no mundo inteligível. Quando o prisioneiro saiu da caverna e pôde ver o mundo tal como ele é, poderíamos dizer que ele viu o mundo inteligível, ou seja, viu os objetos na sua forma real, não aumentados ou distorcidos pela forma que ganhavam na sombra. Quando esses objetos mudavam sua forma, estariam eles indo para o mundo sensível que era representado pela caverna, de maneira que tornavam-se as cópias imperfeitas do inteligível, sendo ele simbolizado pelo mundo fora da caverna. A questão que se pretende abordar com a alegoria é a sua conexão com o conhecimento verdadeiro. O conhecimento é concebido, na República, como algo proveniente da alma. E a alma é compreendida como um segmento do mundo inteligível ao qual Platão se refere. Por isso, o conhecimento não poderia ser relativo, como tentavam convencer os sofistas, porque se assim fosse, seria apenas opiniões; as opiniões são passíveis de mudanças e o que é passível de mudança, assim como a reprodução da imagem de um objeto distorcido pela luz da fogueira no muro, não está no mundo inteligível onde a ideia é perfeita ou seja, verdadeira. Na República, a partir da distinção que Platão estabelece entre o conhecimento verdadeiro (episteme) e a opinião (doxa) e a partir da constatação de que o conhecimento verdadeiro tem como objeto o Ser, surge a dúvida: a opinião, então, faria parte do não-Ser? Cabe aqui esclarecer que o não-Ser é interpretado, em um primeiro momento, como algo inexistente, por isso o questionamento que sucede o diálogo reflete sobre a certeza de que uma opinião a respeito do que não existe é impossível e por isso as opiniões são sempre formadas apenas em relação ao que existe. (PLATÃO, 2001, p. 259-260) 12 A opinião parece mais obscura que a ciência e mais clara que a ignorância? A partir dessa indagação, a opinião é entendida como um termo intermediário entre o Ser e o Não-Ser, ou seja, algo intermediário entre o conhecimento e a ignorância. (PLATÃO,2001, p.261). Mas afinal o que é esse meio termo entre conhecimento e ignorância? O que constitui o Ser e o Não-Ser? Qual o objeto da opinião? Platão usa como exemplo a reflexão sobre a concepção de beleza e justiça, estas concepções são pautadas na ideia de que apesar de haver muitas coisas belas, o homem reconhece que há um belo absoluto, assim como as ações, algumas podem parecer justas e outras injustas (PLATÃO, 2001, p. 261). A opinião se enquadra na realidade das coisas que podem ser de várias formas, uma opinião se forma e a partir de outras experiências ela muda, justamente por essa possiblidade de mudança que ela se encontra em um grau intermediário do pensamento, ou seja, entre o conhecimento verdadeiro (episteme), pois surge daquilo que é visível e possível e é ignorante enquanto implica em criar juízos naquilo que não se sabe. Descobrimos, portanto, ao que parece, que as múltiplas noções da multidão acerca da beleza e das restantes coisas que andam a rolar entre o Não-Ser e o Ser absoluto. – Descobrimos. –Mas assentamos previamente em que, se uma coisa destas nos aparecesse, teríamos de considerar o domínio da opinião e não da ciência, pois, como objecto errante no espaço intermédio, é apreendida pela potência intermediária. –Assentámos. – Por conseguinte, dos que contemplam a multiplicidade de coisas belas, sem ver a beleza em si, nem serem capazes de seguir outra pessoa que os conduza até junto dela, e sem verem a justiça, e tudo da mesma maneira- desses, diremos que tem opinião sobre tudo, mas não conhecem nada daquilo sobre que as emitem. (PLATÃO, 2001, p. 263) Na obra Teeteto, escrita depois de A república, Platão busca expor por meio dos diálogos de Sócrates, uma teoria sobre o que podemos definir como conhecimento, vale lembrar que nessa época, o filósofo já havia atingindo uma maturidade intelectual que não se apegava somente na teoria da perfeição explanada anteriormente. No diálogo, Teeteto, um jovem estudante de matemática e geometria, é interrogado por Sócrates, que quer saber: O que é o conhecimento? No primeiro momento da conversa com Teeteto, Sócrates questiona o adolescente sobre a sabedoria. A pergunta que faz Sócrates é: aprender não significa tornar-se sábio a respeito do que se aprende? Teeteto questiona: como não nos tornamossábios a respeito do que aprendemos? O filósofo por sua vez, afirma que é através da sabedoria que os sábios se tornam sábios (PLATÃO, 1973, p.22-23). Teeteto concorda com tal declaração e a partir de tal concordância entre as ideias, Sócrates apresenta a próxima questão: sabedoria difere do conhecimento? 13 A partir da indagação de Sócrates, Teeteto define o conhecimento como tudo aquilo que se aprende, desde a Geometria, Astronomia, as ciências, até a arte, como menciona Teeteto, dos sapateiros ou dos artesãos (PLATÃO, 1973, p.25). Sócrates justifica a resposta de Teeteto interpretando-a da seguinte maneira: Teeteto define o conhecimento como algo particular e o questiona, dizendo que a pergunta era mais precisa, não se referia a quantos conhecimentos existiam, retomando o exemplo da arte de ser sapateiro, mas muito mais profundo que isso, a pergunta referia-se ao que é o conhecimento em si mesmo (Teeteto, 146e). Sócrates conduz o debate com Teeteto afim de auxiliar o jovem a aprender que o conhecimento não se refere aquilo que se faz ou o quanto se conhece, ou seja, tenta descontruir a ideia que Teeteto tem de o conhecimento ser algo somente subjetivo. A obra apresenta três diferentes concepções sobre o que se entende por conhecimento. A primeira concepção é a equivalente a tese de Protágoras, que define o homem como medida de todas as coisas (ZENI, 2016, p. 15), ou seja, o conhecimento como algo subjetivo, explorado na primeira parte da obra, o argumento se constrói a partir da seguinte afirmação: sendo o homem a medida de todas as coisas, pode-se entender que a verdade absoluta está no homem. A segunda concepção de conhecimento é inspirada na tese de Heráclito, que defende a mudança constante, sendo que o conhecimento mudaria de acordo com a experiência (PLATÃO, 1973, p.38). As duas teses são refutadas durante o diálogo. Sócrates e Teeteto chegam ao entendimento na terceira tese. Essa consiste na compreensão do conhecimento como a relação dos sentidos no mundo sensível, ou seja, o que se percebe é o que se conhece. Entretanto, o filósofo deve saber distinguir percepção e pensamento, pois estes podem confundir a realidade (PLATÃO, 1973, p. 76). Entretanto, nessa passagem do diálogo, Teeteto e Sócrates ainda não definem o que é de fato, conhecimento. Essa definição é encontrada no fim do diálogo, onde ambos concluem que a opinião é uma crença que pode ser justificada enquanto o conhecimento se define como uma explicação racional do mundo (PLATÃO, 1973, p. 112). O filósofo deixa claro que não é nas percepções que reside o conhecimento, mas sim no raciocínio a respeito do que se percebe; entende o raciocínio como o único caminho para atingir a verdade essencial das coisas (PLATÃO, 1973, p.80). Sócrates define dois tipos de opinião, as opiniões verdadeiras e as opiniões falsas (PLATÃO, 1973, p.81). O filósofo argumenta que com todas as coisas particulares a que temos percepções temos a alternativa de saber ou não saber. Quando apresentamos nossa opinião, evidenciamos nela o que sabemos ou não. Quando Sócrates refere-se a uma opinião 14 falsa, concerne que essa opinião surge das coisas que o indivíduo sabe, mas não pelas coisas que elas são em si, mas com embasamento em outras coisas que se sabe e que conhecendo ambas ignora as duas (PLATÃO, 1973, p.82). A opinião falsa pode ser assumida como a expressão do pensamento daquilo que não se sabe, mas que parece ser, formamos a opinião falsa a partir da confusão dos sentidos com o raciocínio. Uma opinião falsa deriva da afirmação de que o sentido é o pensamento (PLATÃO, 1973, p. 84) Mas se o que percebemos e confundimos com o raciocínio é uma opinião falsa, como Sócrates justifica a opinião verdadeira? Sócrates como um bom questionador, pergunta a Teeteto se o jovem acredita que haja juízos perfeitos capazes de tentar convencer alguém de que um boi é um cavalo (PLATÃO, 1973, p.86). Ao olhar de um pensador do século XXI esta parece ser uma pergunta delirante, entretanto no debate dos pensadores gregos, Sócrates utiliza essa indagação para conduzir Teeteto a compreender que o julgamento é um discurso para si, que é impossível falar desses objetos e imaginá-los, ou pensá-los como um sendo o outro e que quem pensa neles, jamais tomará um como o outro (PLATÃO, 1973, p.86). Para concluir a definição sobre o conceito, consideraremos que a opinião se definiu de diversas formas para os pensadores da filosofia antiga. Ela foi entendida como um saber para os sofistas, pois remete aquilo que está a nosso alcance, ou seja, sentimos, logo sabemos. E enquanto para os sofistas a opinião podia ser assim definida, para os filósofos ela não poderia se caracterizar como conhecimento, pois o conhecimento é pautado na racionalidade, sobrevive a refutações e expressa muito mais que meros sentimentos. Embora na Republica de Platão tudo que sabemos é errado, pois o mundo inteligível se difere em todos os aspectos do mundo sensível e somente o que é inteligível pode ser algo verdadeiro, a teoria do mundo das ideias passou a abranger somente o estudo da metafísica conforme a intelectualidade de Platão foi amadurecendo. Ou seja, no Teeteto podemos perceber uma flexibilidade do filósofo ao definir os conceitos, isso porque, nessa fase da sua vida, Platão já compreendia que a opinião se referia a questões imediatas do mundo sensível, não pertencendo a categoria da ciência por não usufruir de uma racionalidade que pudesse estabelecer um sentido imediato como conhecimento. O conhecimento pode ser definido como um saber que passa pelo crivo da razão e pode ser universalmente válido, nesse momento da história, vale ressaltar que a ciência ainda está ligada a concepção metafísica de Platão, ou seja, se refere aquilo que é absoluto e invariável. Por isso a opinião não pode ser um conhecimento, pois além de ser um juízo imediato acerca do sentido, ela está sujeita a mudanças por não expressar juízos racionalmente construídos e 15 quando uma opinião for capaz de expressar racionalidade, ela se converterá em ciência, deixando de ser uma mera opinião. 1.1 A verdade e a opinião à luz de Kant A história da filosofia é rica em reflexões acerca da origem e do processo do conhecimento. A filosofia de Platão é fundamental para uma compreensão do pensamento que lança as bases da filosofia ocidental a partir da antiguidade clássica. Kant ocupa posição semelhante na história do pensamento moderno. Quer seja para continuá-lo, quer seja para uma releitura crítica, a compreensão do pensamento kantiano no campo da teoria do conhecimento se mostra indispensável. O filósofo Imannuel Kant apresenta sua teoria do conhecimento pautada na influência que a sensibilidade tem sobre a racionalidade ou vice-versa, isto é, para Kant não é possível o conhecimento sem a sensibilidade, mas também não é possível conhecer sem a razão e seguindo esse raciocínio podemos questionar: será que para Kant a opinião pode ser verdadeira? Será que a opinião pode ser classificada como um conhecimento, visto que a opinião não passa pelo crivo da razão quando construída? O pensamento lógico é entendido como uma faculdade da razão e é compreendido por Kant como um pensamento seguro, pois a lógica ocupa-se somente da razão e reconhece seus limites. A lógica é uma ciência perfeita, pois seus limites se encontram rigorosamente determinados; essa ciência demonstra as regras formais de todo o pensamento (KANT, 1994 p.16) isso quer dizer que todo pensamento seguro deve possuir não só limites, mas também uma estrutura que o torne seguro e uma universalidade que o concretize, caracterizando esse pensamento como verdade. Se, porém, todo conhecimento se inicia com a experiência, isso não prova que todo ele derive da experiência. Pois bem poderia o nosso próprio conhecimento por experiência ser um composto do que recebemosatravés das impressões sensíveis e daquilo que nossa própria capacidade de conhecer (apenas posta em acção por impressões sensíveis) produz por si mesma, acréscimo esse que não distinguimos dessa matéria-prima, enquanto a nossa atenção não despertar por um longo exercício que nos torne aptos a separá-los. Há pois pelo menos, uma questão que carece de um estudo mais atento e que não se resolve à primeira vista; vem a ser esta: Se haverá um conhecimento assim, independente da experiência e de todas as impressões dos sentidos. Denomina-se a priori esse conhecimento e distingue-se do empírico, cuja origem é a posteriori, ou seja, na experiência. (KANT, 1994. p.37) A noção de conhecimento do senso comum é, em geral, realista e dogmática. Na maior parte das vezes, sem muito questionar, acredita-se que nossa forma de conhecer permite uma 16 descrição das coisas tal como elas realmente são. Nossa história, no entanto, nos oferece situações e eventos que colocam em xeque uma crença dessa natureza. Uma simples ilusão de ótica pode ser tida como exemplo, podendo demonstrar esse fato. Seria possível refletir sobre o conhecimento sem um sujeito que fosse capaz de conhecer? Evidente que não e, por isso, pode-se dizer que o centro do processo de conhecimento é o sujeito e não o objeto. Entretanto, há a ideia de que não poderia haver conhecimento sem os dados fornecidos pela experiência, mas que é preciso um trabalho do sujeito para organizar esses dados, pois somente eles não são capazes de findar um conhecimento. Kant acredita que as formas da sensibilidade e do entendimento darão ao homem as possibilidades de experiência e determinarão, por conseguinte, o conhecimento. Embora todo o nosso conhecimento tenha início na experiência, não significa que todo ele provenha daí. Certamente que há conhecimentos hauridos na experiência, que se traduzem em juízos sintéticos, em que o predicado se acrescenta ao sujeito, enriquecendo-o, tendo como base desse enriquecimento e experiência; juízos válidos, portanto unicamente nos domínios desta e apenas particulares e contingentes. Ao lado destes, ao jeito tradicional, apresenta Kant os juízos analíticos, em que o predicado não é mais do que uma nota extraída por análise da própria noção do sujeito desse modo explicitada. Grande parte da atividade da nossa razão, consiste precisamente nesse trabalho de análise dos conceitos que já possuímos das coisas. Com estes juízos, explicita-se o já implicitamente sabido, mas não se criam conhecimentos novos. São, contudo, a priori. Mas um saber autêntico não se pode procurar neste tipo de juízos. O a priori que se busca diz respeito a estrutura do sujeito, a qual torna possível a experiência. Esta contribui para o conhecimento através dos sentidos, que nos fornecem impressões. Faltando estas, a faculdade de conhecer não tem matéria. Ordinariamente o conhecimento é assim constituído pela matéria e pela elaboração que esta sofre graças a estrutura do sujeito. (MORUJÂO, 1994, p XII) A filosofia crítica de Kant tem como objetivo maior criticar a própria razão, ou seja, averiguar como em um tribunal quais as exigências destas e eliminar as pretensões sem fundamento, ou no caso as opiniões, visto que essas fundamentações não passam de ideias não alicerçadas em referencias concretas a não ser no próprio sujeito. Mas como podemos afirmar que o sujeito não pode ser uma referência concreta se é este que vive, percebe e cria a concepção acerca da realidade? Ressalta-se que o objeto de estudo da Crítica da Razão Pura é a metafísica (embora não em sentido tradicional), e pensando por esse caminho, poderíamos afirmar que a opinião é um objeto metafísico? Para tal investigação Kant afirma que trata-se de encontrar e criticar como é possível o conhecimento, se ele depende somente da razão, do entendimento e quais os limites para se conhecer, buscando responder a pergunta sobre a possibilidade de um 17 conhecimento a priori, ou seja, um conhecimento que antecede a experiência (MORUJÃO, 1994, p X). Para o filósofo a natureza não está dada ao homem como um livro que pode ser aberto para mostrar ao leitor as respostas que almejam, mas há um processo que torna possível interrogar a natureza e força-la à uma resposta, esse meio é o que determinará um caminho seguro para a ciência, logo para o conhecimento, pois é a partir daí que ele provém. Outro destaque que se tem frente ao processo do conhecimento é o rigor com que fazemos ciência. Esse rigor nos impede de conclusões precipitadas acerca dos fenômenos e é o que possibilita a interrogação da natureza proposta por Kant. Os conceitos que os homens criam diante da experiência, geralmente são tidos como verdades. Entretanto, quando estabelecemos uma verdade somente a partir da sensibilidade, não estamos forçando uma resposta acerca do que realmente podemos saber, mas adequando o saber ao intelecto, e por essa adequação encontramos uma das duas formas com que podemos definir o conceito de opinião para Kant. A verdade como adequequatio rei et intellectus põe em jogo dois sentidos de intellectus e, assim duas interpretações de adequatio: adequação da coisa ao intelecto, significando que a coisa há de conformar à ideia do intelecto divino; a coisa foi criada por Deus conforme a uma ideia. Pelo contrário, falar da adequação do intelecto à coisa supõe o intelecto humano segundo o plano divino da criação. Simplesmente, embora continue a manter-se esta definição de verdade, deixa de ter vigência a consideração do intelecto divino. (MORUJÃO, 1994, p.XI) A estrutura do sujeito é o que torna a experiência possível. Somos nós transcendentais por possuir a capacidade de entendimento e a partir disso elaborar métodos seguros que nos levam a verdade? Na investigação sobre a estética transcendental proposta por Kant, o sujeito é o objeto de estudo, pois ele se encontra numa conjuntura de espaço e tempo e é a partir da inserção do homem nesse contexto que é possível o conhecimento. Conhecer implica também em criar juízos acerca da realidade. A partir da possibilidade de criação de juízos é que podemos conhecer ou opinar sobre o que vivenciamos. Opinar sobre as vivências significa que temos a possibilidade de proferir nossas experiências diante do que conhecemos, sendo a criação da opinião uma porta de entrada para a busca do entendimento. Para Kant, a opinião também faz parte do saber, porém esse saber é insuficientemente justificado e o sujeito possui consciência de que esta crença não pode ser sustentada subjetivamente ou objetivamente. O primeiro esclarecimento que faremos acerca dos conceitos propostos por Kant, para compreender o papel da opinião no entendimento humano 18 é o da crença. Isso porquê, o filósofo define a crença como um fato do entendimento que pode repousar sobre princípios objetivos ou subjetivos do espirito que o julga (KANT, 1994, p. 649). É importante definir o que é crença, pois é a partir daquilo que acreditamos ou não que formamos nossos juízos acerca da realidade e, para Kant, a crença é tudo aquilo que consideramos verdadeiro. Kant define que a crença, quando é válida para todos que são dotados de razão e é objetivamente suficiente, chama-se “convicção” e quando o princípio dessa crença é particular do sujeito, sua designação concerne a “persuasão”. E é na persuasão que reside a opinião. A convicção faz parte da ciência, pois ela é suficiente em todos os aspectos, ou seja, ela faz parte da ciência. A ciência para Kant é um saber que vale para todos os sujeitos pois é justificado racionalmente e está de acordo com todos os pensamentos que irá dialogar. O conhecimento é assim definido, pois passa intacto pelos processos de refutação e mantém sua validade universal diante da pluralidade dos julgamentos. Mas a verdade repousa na concordância com o objecto, e, por conseguinte, em relação a esse objeto,os juízos de todos os entendimentos devem encontrar-se de acordo (consentientia uni tertio, consentiunt inter se). A pedra de toque para decidir se a crença é convicção ou simples persuasão, será, portanto externamente, a possibilidade de a comunicar e de encontrar válida para razão de todo homem, porque então é pelo menos presumir que a concordância de todos os juízos, apesar da diversidade dos sujeitos, repousará sobre um princípio comum, a saber, o objeto com o qual, por conseguinte, todos os sujeitos concordarão e desse modo será demonstrada a verdade do juízo (KANT, 1994, p.649). Enquanto a convicção diz respeito ao saber verdadeiro, a persuasão interessa a opinião, pois segundo Kant, um indivíduo quando persuadido não tem consciência de que sua crença pode ser sustentada por si mesma, sendo assim esse saber não passa de uma opinião. A opinião é uma crença que tem consciência de ser insuficiente tanto pela falta de justificação como pela falta de evidências que comprovem tal pensamento. A relação entre a opinião e a persuasão encontrada na Terceira seção da Crítica da Razão Pura, é de que o sujeito acredita na sua opinião como um fenômeno verdadeiro, embora reconheça que esta ideia não é válida nem para si e nem para os outros ainda faz questão de proferir. Isto é, o indivíduo encontra-se persuadido na tentativa de validar suas próprias convicções em ideias vagas e sem fazer uso do seu entendimento. Segundo o filósofo, não posso afirmar, isto é, exprimir como juízo necessariamente válido para todos, senão o que gera a convicção. Posso manter-me na persuasão, se nela me sentir bem, mas não posso nem devo querer torna-la válida fora de mim (KANT, 1994, p. 650). Nesse caso, o sujeito tem consciência de que sua crença é verdadeira somente para si e 19 é insuficiente em outros aspectos, porém tendo essa consciência o sujeito é capaz de reconhecer que seu pensamento não passa de uma mera opinião e sem essa consciência, fica fielmente imerso num estado de ignorância, Quando um sujeito possui consciência de que sua crença não é suficientemente fundamentada e nem pode ser aceita pela racionalidade, mas se justifica subjetivamente e vale somente para si, está tomado por um sentimento de fé. A fé é um conceito importante a ser abordado nesses escritos, pois nas linhas que seguem, fazer-se-á um elo entre opinião e fé no contexto de pós verdade. Por isso, o conceito de fé do qual nos apropriaremos é proposto por Kant, sendo a fé definida como uma crença subjetivamente suficiente e objetivamente insuficiente, pois uma pessoa de fé não tem consciência de que o seu saber é somente uma questão da crença em si mesmo e por isso, essas ideias não poderão ser válidas para ninguém a não ser para o próprio espirito. A crença ou a validade subjectiva do juízo, relativamente à convicção (que tem ao mesmo tempo uma validade objectiva) apresenta os três graus seguintes: opinião, fé e ciência. A opinião é uma crença, que tem consciência de ser insuficiente, tanto subjetiva quanto objetivamente. Se a crença é apenas subjetivamente suficiente e, ao mesmo tempo, é considerada objetivamente insuficiente, chama-se fé. Por último, a crença, tanto objetiva quanto subjectivamente suficiente, recebe o nome de saber. A suficiência subjectiva designa-se por convicção (para mim próprio); a suficiência objectiva, por certeza (para todos). Não me deterei a explicar conceitos tão claros (KANT, 1994, p. 650) Na razão, não há um lugar para opinião, pois ela encontra-se baseada apenas nos sentidos que permitem um jogo de imaginação com o que se sabe ou saberá, portanto, a opinião é um saber problemático quando não consegue uma ligação com a verdade e não completa em si mesma. Mais do que isso, no entendimento de Kant, a opinião não deveria receber atenção pública, pois para ele o espaço público é o espaço da argumentação racional, das ideias fundamentadas etc, segundo o que ele defende na famosa Resposta à pergunta “o que é o esclarecimento? ”. Enquanto Platão define o conhecimento como um saber racional e universalmente reconhecido e a opinião como um juízo imediato dos sentidos, passível de mudanças e sem os critérios da razão, Kant justifica a opinião como uma crença que não pode ser justificada, nem sequer subjetivamente. A concepção de Kant diante deste conceito é muito próxima a de Platão, porque para o filósofo o conhecimento é aquilo que se justifica suficientemente tanto subjetiva quanto objetivamente, ou seja, o conhecimento finda-se em critérios racionais, sendo a opinião insuficiente em todos os aspectos. 20 Tanto para Platão quanto para Kant, podemos notar vários aspectos em comum acerca do que se define como opinião, já que para ambos os filósofos a opinião faz parte de um juízo imediato que pode ser facilmente reestruturado a partir de novas experiências, não podendo pertencer a base do conhecimento, pois este é universalmente válido e necessário. A opinião também não faz parte da ignorância, pois ela é uma crença obtida a partir do contato com a sensibilidade, mas não faz parte do saber, pois é um juízo que não se pauta na racionalidade, não atendendo os critérios que definem o conhecimento. 21 3. PÓS-VERDADE E OPINIÃO O referente capítulo encontra-se organizado em dois tópicos, sendo o primeiro para contextualizar o cenário digital da pós-verdade a partir da leitura de artigos científicos e uso de imagens disponíveis na internet, buscando compreender o papel da opinião num mundo digital onde as ações são movidas pelas emoções, tornando o sentimento um critério necessário para o conhecimento. O segundo por sua vez, visa explanar a conexão da opinião com a identidade do sujeito, já que as emoções fazem parte da construção do eu, a partir do estudo das ideias do filósofo Byung-Chul Han. O segundo tópico, busca também compreender o papel das informações e opiniões na construção do conhecimento e investiga o uso desses saberes nas vivências do mundo digital. 3.1 Opinião e pós-verdade A sociedade tem mudado cada vez mais e cada vez mais rápido. Estamos em um período de informações que é denominado de pós-verdade. Uma das características da pós- verdade é a rapidez com que podemos acessar informações e adquirirmos nossos conhecimentos. A princípio, a democratização da informação parece um aspecto revolucionário e muito útil a sociedade. A era da informação parece vantajosa considerando que mais pessoas têm a possibilidade de contato com aquilo que acontece ou já aconteceu no mundo, mas por conta da universalização de dados surge a dificuldade de lidar com a desinformação. Em primeiro momento, parece uma ótima ideia que todos possamos ter acesso a qualquer tipo de informação de forma fácil e rápida. Embora saber o que está acontecendo no mundo ou como as coisas procedem nos mais variados contextos culturais, há um problema que atinge a maioria do que denominaremos aqui de: informados. Podemos definir a informação nesse contexto, como uma ideia sem precedentes, pois na pós-verdade, qualquer pessoa pode expor suas ideias e qualquer um pode consumi-las. A informação era um material exclusivo dos comunicadores, como jornalistas, repórteres e colunistas. Antes da relativização das informações, havia um processo que não só verificava a validade desses fatos, mas uma investigação que garantia que as situações estariam sendo contadas exatamente da forma como ocorriam. Porém na era digital, as informações passaram a ser produzidas por qualquer pessoa, com ou sem o conhecimento necessário para investigar a situação sugerida. E por isso, as informações ganharam tanto espaço nas redes sociais. Como existe a possibilidade de qualquer 22 amador disseminar uma percepção e denomina-la como informação, existe também a possibilidade da pessoa sentir-se uma produtora de conhecimento quando lida com a informação, tantona sua elaboração, quanto apenas com seu repasse. Por isso, as pessoas que consomem grande quantidade de informações acreditam saber a verdade sobre todas as situações propostas, mesmo sabendo que o processo da aquisição de informação não passa por critérios que garantam a validade da ideia que se propaga. A facilidade em adquirir conhecimentos e o grande fluxo de informações disponíveis não permite que o sujeito filtre todos os estímulos que recebe, então não permite que ele consiga definir o que de fato conhece e sobre o que está apenas informado e esses problemas são uma barreira para a possibilidade do desenvolvimento crítico-reflexivo do conhecimento; sendo essa barreira uma facilitadora da exposição de meras opiniões e a sua interpretação como verdade. O período é marcado pela relativização da verdade na medida em que os meios de comunicação presentes no processo de globalização da sociedade, permitem que cada um expresse sua opinião para uma grande quantidade de pessoas. O problema dessa democratização da informação é justamente o fato de que qualquer opinião é tida como válida, já que o argumento para fixar uma opinião nesse cenário é justamente o fato da opinião ser uma opinião. O problema da opinião no contexto da pós-verdade, é que ela é tida como conhecimento absoluto, porém vale lembrar que a opinião não pode ser um conhecimento, já que até o presente momento, compreendemos a partir de Kant e Platão que o conhecimento é um saber racional, absoluto, pautado em evidências que o tornam universalmente válidos e a opinião é um conhecimento insuficiente, pois é suscetível a mudanças e facilmente invalidado. A opinião não pode ser tida como verdade pois não sustenta a si mesma, tendo seu valor somente na subjetividade e a subjetividade não é um critério racional capaz de estabelecer uma verdade. 23 A charge representa a característica que marca o período da pós-verdade, ou seja, a relativização do conhecimento. Isto é, o conhecimento e as ideias são validados como verdade, não a partir de fatos que comprovem isso, mas através das emoções que permeiam as percepções. Ainda viajando pela história da filosofia, exploramos através da tirinha a concepção de conhecimento nesse período, pois se considerarmos as ideias de Descartes citado na charge, temos a capacidade de pensar como uma comprovação da existência, ou seja, sabemos que existimos, pois pensamos e o pensamento é o argumento que afirma o existir. Tomando a concepção de Kant, sobre a opinião que a define como um juízo sabidamente insuficiente oriundo da experiência, na era da pós-verdade, quando se fala em opinião se fala em um sinônimo de verdade, mesmo que essa não passe por critérios que assim a possam estabelecer. Firmando-se na definição de Kant, devemos ressaltar que na pós- verdade não existe a consciência de que a opinião é um saber insuficiente, fazendo com que os proclamadores da opinião não tenham consciência de que esta crença é somente subjetiva, sendo assim, as pessoas encontram-se persuadidas em seus próprios pensamentos tornando sua opinião um produto da fé. Vale lembrar que o período de pós-verdade está ligado a um período de relações digitais, ou seja, os debates em espaços digitais onde existem muitas pessoas e pensamentos permitem que haja uma crítica, permitem indagações ao sujeito que expõe uma ideia. A questão de fé, se enquadra nesse contexto, pois muitos querem expor uma opinião, mas poucos são sábios o suficiente para reconhecer que a opinião é um saber insuficientemente objetivo e é valido somente para si. Devemos lembrar que para Kant não era um problema a existência de debates públicos já que a busca pela validação de um conhecimento consiste em pôr uma ideia a prova da racionalidade, sendo que se ela resistir as refutações a partir dos critérios da ciência pode se tornar um conhecimento e a resistência as críticas podem tornar esse saber universal. O problema é quando o sujeito expõe uma opinião reconhecendo a insuficiência desse saber, buscando a todo custo tornar sua subjetividade um conhecimento universal e essa ação Figura 1: Verdade versus Pós-verdade. Fonte: https://medium.com/pensatempos/o-que-%C3%A9- p%C3%B3s-verdade-afinal-3974fd1d8c8a 24 é o que caracteriza a fé na própria opinião, fenômeno parido da pós-verdade. Para Kant, as pessoas apostam tudo o que tem na certeza de seus pensamentos, mas ainda podem reconhecer seu erro quando notarem que a aposta estará perdida, isso é, na busca pelo conhecimento existe a possibilidade do engano. A pedra de toque ordinária para reconhecer se o que alguém afirma é simplesmente persuasão, ou pelo menos convicção subjectiva, isto é, uma fé firme, é a aposta. Muitas vezes, as pessoas exprimem as suas proposições com uma teimosia tão segura e tão intratável, que parecem ter completamente todo receio de errar. Uma aposta fá-las reflectir. Por vezes mostram-se assaz e persuadidas para avaliar a sua persuasão num ducado, mas não em dez ducados. Efectivamente, arriscariam, com certeza, o primeiro ducado, mas perante a dez ducados começariam a perceber o que até ai não tinham observado, a saber, que seria bem possível terem-se enganados (KANT, 1994 p.652). Porém, no contexto de pós-verdade na era digital, uma pessoa que tem fé na própria opinião, tem medo de que seus pensamentos sejam colocados a prova da racionalidade, pois o errar na cultura digital não é permitido. As pessoas temem o erro pois buscam sentir-se seguras em sua própria fé que nesse caso é representada pela opinião. Enquanto o iluminismo deixava de lado as definições de verdade como sendo somente aquilo que se acreditava, buscando uma explicação lógica e concreta para as situações, afim de estabelecer critérios para alcançar certezas e determinar o conhecimento, a pós-verdade alicerça-se em uma fé das emoções e a opinião, nesse contexto, é regida pelos sentimentos, fazendo com que muitos acreditem que a opinião pode ser considerada verdade em qualquer circunstância. Se hace afirmaciones y no se ofrece pruebas. Se apela a la emoción del receptor y a reforzar sus prejuicios. No importa la evidencia, lo que cuenta es conectar con las obcecaciones. Se confunden los deseos con la realidad. Impera el pensamiento desiderativo. El receptor, asimismo, permanece sordo frente a opiniones que difieran de la suya e incluso, expuesto a evidencia en contrário, aumenta el grado de seguridad. Según la evidencia recogida por Wolff (2018), el propio Trump y su equipo nunca creyeron en la viabilidad de un triunfo, ni siquiera el mismo día una vez concluidas las elecciones y empezado el escrutinio que tiene en relación con sus propias creencias (a este sesgo cognitivo se le conoce como “efecto tiro por la culata” o lo que Nyhan y Reifler (2010) llaman “backfire effect”). Como de modo sintomático afirmó el parlamentario y entonces Ministro de Justicia británico, Michael Gove, durante la campaña en favor del Brexit: “ya hemos tenido más que suficiente por parte de expertos” (Sky News, 2016). Entiéndase: déjennos pensar que la realidad es como deseamos que sea, no importa qué digan los especialistas acerca de cómo son los hechos. Las creencias tienen que ajustarse a las emociones y a los deseos, no a la evidencia empírica, no al mundo exterior (SALDAÑA, 2017, p 18) As opiniões nesse contexto, são consideradas verdadeiras pois remetem as emoções e para os emocionados, tudo que sentimos é verdadeiro. Dado que as mídias permitem a 25 expressão de tudo que se pensa e se compreende, todos tem acesso a opinião alheia e todos podem comprar essa ideia, todos tornam-se senhorios da verdade, pois a verdade nesse contexto é somente aquilo que interessa ao sujeito, independente da racionalidade ou sentimentos envolvidos em determinada crença. 3.2 Conhecimento e opinião na era digital Visto que a maioria das pessoaspossui acesso as mais diversas opiniões e na maioria das vezes interpreta-se uma simples opinião como verdade, isso porque se considera o número de pessoas com sentimentos parecidos que tomam essa ideia como verdade, poderíamos dizer que ainda é possível um sujeito que pense seus próprios pensamentos? Ainda é possível conhecer de fato, em um meio onde as emoções determinam a verdade? A emoção de estar informado, pode classificar esse conhecimento como verdade? A partir do que está dentro da nossa possiblidade de conhecimento é que criamos nossos paradigmas e certezas acerca de nossas percepções. O fato de termos certeza sobre nós mesmos torna o questionamento uma ferramenta que incomoda. E o mesmo acontece quando temos uma opinião questionada. Partindo do pressuposto que a opinião se forma a partir do que conhecemos e o que conhecemos influencia o que somos, questionar uma ideia é questionar o sujeito, é questionar as certezas que alguém tem sobre si e sobre como compreende o mundo. Na era da pós-verdade, somos constituídos por emoções, informações ou opiniões? Para explorar a ideia de como a opinião está ligada a identidade, será feita uma apropriação dos estudos do filósofo Byung-Chul Han que busca compreender como as mídias digitais moldam os sujeitos, transformando suas concepções, sensações, pensamentos e até mesmo a vida em conjunto, possibilitando criar um elo entre as consequências de uma vida digital e a fé na própria opinião. Vale lembrar que o conhecimento é validado a partir de critérios que o tornem um saber universal, conforme aprendemos com Kant e, antes ainda, com Platão, para isso é necessário que um saber passe por várias áreas do conhecimento, ou seja, passe por pluralidades racionais para que possa ser validado. Um dos problemas apresentados por Han nos sistemas digitais é justamente a aniquilação da alteridade. Essa aniquilação coloca em risco a capacidade de busca pela verdade, pois o conhecimento verdadeiro não é apenas aquilo com que todo mundo concorda, se assim fosse, 26 as emoções que permeiam as ideias, tornariam qualquer saber válido, e para ser validado o conhecimento necessita do diferente, pois a diferença é o que quebra dogmas. A dificuldade de ter conhecimento na era da informação é justamente a possibilidade de escolhermos perceber somente aquilo que nos convém e que nos agrada e, por isso, ficamos cegos diante de nossas opiniões. Somos produtores e receptores ao mesmo tempo e a função de manter o fluxo de informações a qualquer custo aniquila qualquer tipo de poder entre os sujeitos, desvalidando o conhecimento e o igualando a opinião. A conexão digital favorece a comunicação simétrica. Hoje em dia, aqueles que tomam parte na comunicação não consomem simplesmente informação passivamente, mas sim a geram eles mesmos ativamente. Nenhuma hierarquia clara separa o remetente do destinatário. Todos são simultaneamente remetentes e destinatários, consumidores e produtores. Tal simetria, porém é prejudicial ao poder. A comunicação do poder caminha em direção, a saber, de cima para baixo (HAN, 2018, p. 16) Já deixamos claro que o conhecimento se forma a partir de uma razão universal e absoluta, que só pode ser fundido através da crítica e das provas racionais a que é submetido. Entretanto, para que haja conhecimento, deve haver também pessoas que tenham a capacidade de indagar determinadas ideias. Porém, com o avanço do convívio digital e o avanço da fé na própria opinião as comunidades de investigação e até mesmo as pessoas dispostas a se enganarem estão perdendo seu lugar nos espaços de exposição do pensamento, isso porquê nos meios em que é possível debater ideias e produzir conhecimentos encontramos apenas singularidades e essas singularidades estão persuadidas em si mesmas, para Han a alma é aglomerante e unificante, o enxame digital consiste em indivíduos singularizados (2018, p. 27). O individualismo não permite a troca de ideias, não permite a chance do novo ou até mesmo do erro e por isso não permite também a construção do conhecimento, fortalecendo a ideia de que a opinião é a única verdade possível. Para Han, a sociedade da opinião e informação se apoia na comunicação desmediatizada, todos podem produzir e enviar, fazendo com que jornalistas ou sacerdotes da opinião sejam superficiais e anacrônicos (2018, p. 36). Para obter conhecimento devemos estar dispostos ao enganar-nos, devemos estar dispostos a deixar de lado nossas crenças dogmáticas, afim de aproximar nossas ideias da verdade. Entretanto a flexibilização do pensamento pode ser um processo doloroso, visto que nos dias atuais, a negatividade não tem um espaço na vida das pessoas, especialmente nos meios digitais, questionar é um incomodo, repensar e enganar-se é errado, a negatividade é 27 extinta e então, o conhecimento que provém justamente da crítica e da destruição não é possível. O positivo que remove toda negatividade do outro, definha no “ser morto”. Apenas o espirito que eclode de sua “relação simples de si” tem experiências. Sem dor, sem negatividade do outro, no excesso de positividade nenhuma experiência é possível. Viaja-se para tudo quanto é lugar, sem chegar a uma experiência. Conta-se sem parar, sem poder narrar. Toma-se conhecimento das coisas [Kenntnis] sem se chegar a um reconhecimento [Erkenntnis]. A dor, esse sentimento ondulante em vista do outro, é o médium do espírito. O espírito é dor. A fenomenologia do espírito de Hagel descreve uma via dolorosa. A fenomenologia do digital, em contrapartida, é livre da dor dialética do espírito. Ela é uma fenomenologia do curtir (HAN, 2018, p.93). A comunicação digital está pautada somente nas opiniões, na medida em que tudo que é exposto remete a identidade de quem expõe. Essa exposição é um meio de afirmar a própria identidade a partir de um conhecimento insustentável que deve ser tomado pelo outro como verdade. O problema de uma fé na própria opinião é o cansaço de si e a impossibilidade da confiança (HAN, 2018, p 122). Não há mais em quem confiar e, por isso, acreditamos somente em nós mesmos e a consequência disso é uma relativização da verdade, como propunham os sofistas da Grécia antiga. O conhecimento perde seu valor, assim como o próprio sujeito, pois todo o conteúdo que se busca deve remeter ao igual, aquilo que não incomoda e não faz o sujeito sentir-se errado. Procurar aquilo que fortalece o narcisismo é procurar sustentar uma fé em si mesmo, logo em sua opinião e a oclusão do ser humano para a aquisição do conhecimento é uma consequência de um período em que as ações são regidas somente pelas emoções, excluindo toda racionalidade que poderia garantir verdades acerca dos conceitos fornecidos pela sensibilidade digital. Portanto, concluímos, neste capítulo, que a opinião neste tempo de pós-verdade faz parte da afirmação da identidade, enquanto sujeitos conhecedores que possuem um espaço de exposição para tais pensamentos. Entretanto, a opinião é sinônimo de verdade nesse contexto pois está relacionada a positividade de pensar. A opinião somente tem valor para o sujeito que opina e por isso ela é tão importante, pois não incomoda e não possibilita ao erro, além de afirmar as emoções de quem opina, aspecto tão marcante no contexto de pós-verdade. As informações tornam-se, então, o critério que caracteriza a impressão um conhecimento, embora as informações sejam produzidas por qualquer pessoa elas ainda são consideradas o critério de validade das nossas percepções no meio digital. Estar informado significa ser conhecedor. Embora as informações são o critério de verdade da sociedade digital, cabe ressaltar que essa sociedade não padece com a falta de verdade mas padece com 28 a falta de aparência (HAN, 2017, p.94). O estar informado é a aparência do conhecer e o excesso de informações que marca esse período servepara mascarar a falta da capacidade de produzir conhecimento no cenário digital, pois o trabalho para alcançar a verdade é incomodo. 29 4 CONCLUSÃO Com este trabalho pretendeu-se compreender o papel da opinião na sociedade digital e porquê o questionamento é tão incomodo, visto que ele é necessário para construção do conhecimento. Um dos objetivos era compreender porque a opinião é tão valorizada nos meios virtuais e a conclusão foi satisfatória na medida em que através de uma investigação histórico- filosófica pode-se entender o que é a opinião e do que depende o conhecimento. O referente estudo deu conta de mostrar o quão atual são os problemas filosóficos que surgiram desde a Grécia Antiga, sendo que a opinião ainda é um objeto de estudo dos filósofos contemporâneos e entender as práticas do uso do conceito é crucial para compreender o comportamento das pessoas em seus respectivos momentos históricos. A opinião e o conhecimento mesmo que não façam parte da mesma base do entendimento humano, ainda dependem uma da outra, pois a partir da criação de um juízo é que se pode testa-lo por meio da racionalidade e transformar uma mera opinião em conhecimento, mesmo que as pessoas do século XXI e principalmente os internautas, tenham receio ao erro e mantém certa teimosia diante dos seus dogmas. Por isso o espaço para o conhecimento na era da pós-verdade é tão limitado, pois este, implica em abdicar das emoções para acontecer, e nem todas as pessoas estão dispostas a deixar de lado suas emoções, tornando a busca pela verdade algo desnecessário. Vale lembrar que a verdade garante um sentido para as ações, para o sentido da vida e para o que se sabe, vivemos em uma época onde a falta de verdade não incomoda o sujeito explicitamente, mas o incomoda sem que o perceba e por isso o vazio da verdade é preenchido com o excesso de informações. As informações são facilmente construídas e adquiridas, vemos somente as informações que nos agradam sobre os assuntos que nos convém e por isso estar informado é muito mais confortável do que saber a verdade diante de algumas temáticas. Talvez não tenhamos dado conta de responder todas as indagações que surgiram ao longo da investigação, mas a filosofia é mesmo assim, quanto mais se descobre menos se sabe. Ao menos, poderemos dormir com a certeza de que não estamos apenas informados, pois investigar e deixar que as dúvidas e inquietações permeiem nossas ideias, nos faz caminhar em direção a construção da verdade. 30 REFERÊNCIAS HAN, Byung-Chul. Sociedade da transparência. Trad. Enio Paulo Giachini. Petrópolis: Editora Vozes, 2017. HAN, Byung-Chul. No enxame: Perspectivas do digital. Trad. Lucas Machado. Petrópolis: Editora Vozes, 2018. HAN, Byung-Chul. Sociedade do cansaço. Trad Enio Paulo Giachini. 2ª ed. Petrópolis: Editora Vozes, 2017. HOBBUS, João Francisco N. Introdução à história da filosofia Antiga. Pelotas: NPEFIL Online, 2014. KANT, Immanuel: Crítica da razão pura. Trad. Manuel Pinto dos Santos e Alexandre Fradeique Morujão. Lisboa: Fundação Calouste Gulbekian. 1994. MORUJÃO, Alexandre F. Prefácio da tradução portuguesa. In: KANT, Immanuel. Crítica da razão pura. Trad. Manuel Pinto dos Santos e Alexandre Fradeique Morujão. Lisboa: Fundação Calouste Gulbekian. 1994. p. VI- XXVI. PLATÃO, República. Tradução Maria Helena da Rocha Pereira. 9. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbbenkian, 2001. PLATÃO. Teeteto e Crátilo. Trad. Carlos Alberto Nunes. Belém: Editora universitária UFPA, 2001. SALDAÑA, David Villena. Era posverdad: Comunicación, política y filosofía: Vicerrectorado de Investigación y Posgrado de la UNMSM: Lima, 2017. ZENI, Eleandro L. Conhecimento e linguagem: um estudo do Teeteto. 2012. Dissertação (Mestrado) - Centro de Ciências Sociais e Humanas, Universidade de Santa Maria, RS, 2012.
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