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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ FACULDADE DE VETERINÁRIA DISCIPLINA: BIOQUÍMICA VETERINÁRIA II PROF. DR. GENÁRIO SOBREIRA SANTIAGO DIABETES MELLITUS EM PEQUENOS ANIMAIS Gabriela Lima Araújo Gabriela Costa Veras Ingryde Paula Aragão Leitão Luiz Antônio Moreira Miranda FORTALEZA – CE 2020 1. INTRODUÇÃO Dentre os órgãos do Sistema Digestório, o pâncreas contém diversas proteases, como a tripsina e a quimotripsina, que são normalmente liberadas no intestino delgado para auxiliar na digestão, ele possui uma parte endócrina e uma exócrina, formadas, histologicamente, pelas ilhotas pancreáticas e pelos ácinos serosos, respectivamente. Dentre os hormônios produzidos na porção endócrina, estão o glucagon e a insulina, produzidos respectivamente pelas células alfa (A) e beta (B), ambos atuam na regulação da taxa de glicose no sangue, enquanto o glucagon é hiperglicemiante, a insulina é hipoglicemiante, ou seja, ela atua reduzindo a taxa de açucar no sangue. Segundo Nelson e Cox (2014), a descoberta da insulina começou com uma observação acidental. Em 1889, Oskar Minkowski e Josef Von Mering começaram um experimento sobre a digestão das gorduras, então removeram cirurgicamente o pâncreas de um cão e observaram que o animal estava produzindo muito mais urina do que em condições normais e que ela continha níveis de glicose muito altos, então supuseram que a falta de algum produto pancreático causaria o diabetes. Já em 1921, Frederick G. Banting e Charles Best perceberam que várias evidências apontavam para um grupo de células especializadas no pâncreas (as ilhotas de Langerhans) como a fonte do fator antidiabético, o qual viria a ser chamado de insulina (do latim insula, “ilha”). Então, auxiliados por J. B. Collip, prepararam um extrato pancreático purificado que curava os sintomas do diabetes experimental em cães e, um mês mais tarde, a preparação de insulina foi injetada em Leonard Thompson, um menino de 14 anos gravemente doente com diabetes melito. Em poucos dias, os níveis de corpos cetônicos e de glicose na urina de Thompson diminuíram drasticamente (NELSON; COX, 2014). Em um indivíduo normal, quando há ingestão de uma refeição rica em carboidratos, é gerada uma concentração de glicose sanguínea excedente àquela comum entre as refeições – segundo PÖPPL (2011) é, nos cães normais, de 60 a 100mg/dL e, nos gatos normais, de 70 a 170 mg/dL. O excesso de glicose é captado pelos miócitos dos músculos cardíaco e esquelético (que a armazenam como glicogênio) e pelos adipócitos (que a convertem em triacilglicerois) (NELSON; COX, 2014). A captação de glicose pelos miócitos e adipócitos é mediada pelo transportador de glicose denominado GLUT4. Entre as refeições, alguns GLUT4 estão presentes na membrana plasmática, mas a maioria encontra-se sequestrada nas membranas de pequenas vesículas intracelulares. A insulina, liberada pelo pâncreas em resposta à alta concentração de glicose sanguínea, desencadeia o movimento dessas vesículas intracelulares à membrana plasmática, com as quais se fundem, levando as moléculas de GLUT4 para a membrana plasmática. Com mais moléculas de GLUT4 em ação, a taxa de captação de glicose aumenta em 15 vezes ou mais. Quando os níveis de glicose sanguínea retornam ao normal, a liberação de insulina torna- se lenta e a maioria das moléculas de GLUT4 é removida da membrana plasmática e armazenada em vesículas (NELSON; COX, 2014). A diabetes é caracterizado por uma captação deficiente da glicose, ela pode ser “insipidus” ou “mellitus”. Quando está relacionada a uma deficiência do hormônio anti- diurético (ADH) ou quando os néfrons não respondem ao ADH, a diabetes é denominada “insipidus” (rara em cães e gatos). Ou seja, a diminuição da reabsorção de água levam à poliúria que recorre em uma polidipsia compensatória, sem outras alterações. Já a diabetes “mellitus” é a desordem pancreática mais comum em cães e gatos, caracterizada pela deficiência relativa ou absoluta de insulina, sendo que a do tipo 1 está relacionada a uma ausência de secreção de insulina pelas células beta pancreáticas e a do tipo 2 a uma resistência periférica à ação da insulina. A do tipo 1 é a mais comum nos cães e a do tipo 2 mais prevalente nos gatos. 2. DIABETES MELLITUS TIPO 1 De acordo com Pöppl et al. (2018), a Diabetes Melito do tipo 1 ou dependente de insulina, é causado pela destruição das células β com perda progressiva e eventualmente completa da secreção de insulina. Atualmente, é a doença endócrina mais freqüente na clínica de cães, tendo maior ocorrência em determinadas raças. Aparece provavelmente em indivíduos geneticamente suscetíveis, por fatores ambientais (infecções virais), resposta auto-imune, que por sua vez, promove a destruição progressiva das células beta. Uma vez estabelecida a deficiência absoluta ou relativa da liberação de insulina pelas células beta, ocorre uma redução na utilização tecidual de glicose, aminoácidos e ácidos graxos. O fígado acelera os processos de glicogenólise e gliconeogênese, gerando um excesso de glicose no sangue. Este processo é mediado não somente pela falta de insulina, como também pelo excesso relativo de glucagon, uma vez que a hipoinsulinemia favorece a secreção de glucagon pelas células alfa das ilhotas. A glicose proveniente da dieta também contribui para a hiperglicemia, induzindo ainda mais glicotoxicidade (PÖPPL et al., 2018). Apesar da DM canina ser tipicamente associada à diabetes autoimune de humanos (DM tipo 1), estudo recente falhou em demonstrar evidências da existência de um componente autoimune em cães. Contudo, associações genéticas por análise de pedigrees, e a documentação de polimorfismos no gene do antígeno leucocitário canino já foram demonstrados em cães suportando a associação com DM tipo 1 de forma similar à observada em humanos (PÖPPL et al., 2018). No entanto, como em humanos a DM tipo 1 é diagnosticada em indivíduos jovens, e na espécie canina a média de idade ao diagnóstico é cerca de 10 anos de idade, a DM canina é muitas vezes comparada à Diabetes Autoimune Latente do Adulto (LADA) observada em humanos que desenvolvem autoimunidade contra elementos das células beta já com idade avançada. Uma vez iniciado o ataque autoimune, gradualmente, o paciente vai perdendo massa de células beta funcionais até que, a partir de determinado ponto, não há mais capacidade por reserva secretória de insulina capaz de manter a glicemia sob controle (PÖPPL et al., 2018). 2.1. Diabetes Melito Gestacional (DMG) Segundo Pöppl e Araujo (2010), o aumento na concentração sérica de progesterona durante o diestro pode causar diabetes em cadelas, por promover um efeito antagônico à insulina, reduzindo a ligação de insulina ao receptor e o transporte de glicose nos tecidos alvos e, secundariamente, por promover a liberação de GH pela glândula mamária. O GH, um dos hormônios contrarreguladores da insulina, reduz a concentração de receptores à insulina, reduzindo a captação de glicose nas células alvo (PÖPPL; ARAUJO, 2010). Contudo, outros autores consideram a redução na concentração dos receptores na membrana celular das células alvo, como uma consequência da downregulation (um fenômeno onde observa-se a redução na concentração de receptores para determinado hormônio frente a uma concentração excessiva de tal hormônio na circulação) decorrente da hiperinsulinemia devido à resistência insulínica gerada pelo GH. Os efeitos lipolíticos do GH também são antagônicos aos efeitos da insulina. Evidências acumuladas sugerem que o GH modula a sensibilidade à insulina por múltiplos mecanismos, pois as vias de sinalização intracelular do GH e de seu principal efetor, o IGF-I, convergem com as vias de sinalização intracelular da insulina (PÖPPL; ARAUJO, 2010). Observa-se que no Brasil, grandeparte dos pacientes diabéticos é composta de fêmeas não castradas apresentadas para diagnóstico inicial durante o diestro. Essa perspectiva evidencia um forte papel do excesso de secreção de hormônio do crescimento – GH no tecido mamário induzido pela progesterona na patogenia destas pacientes. Como o GH é extremamente antagônico às ações da insulina, há uma necessidade de maior secreção do hormônio produzido pelas células beta pancreáticas para vencer a resistência insulínica, podendo acarretar exaustão da capacidade secretória das células beta pâncreas, especialmente nos casos em que outros mecanismos predisponentes estiverem presentes. Este é o principal mecanismo diabetogênico identificado em fêmeas não castradas, enquanto em fêmeas castradas e em machos, o mecanismo autoimune é mais comum (PÖPPL et al., 2018). Esta forma de diabetes no cão remete à diabetes mellitus gestacional em humanos, onde diversos fatores nutricionais, raciais, genéticos e imunológicos podem aumentar o risco de diabetes durante o predomínio da progesterona. As semelhanças bioquímicas na dinâmica de resistência à insulina em cadelas prenhes levaram a proposição do uso de cães como modelo de pesquisa para estudo das alterações metabólicas durante a gestação de mulheres. Na população canina, cerca de 5% das pacientes identificadas com diabetes durante o diestro, podem reverter a necessidade de insulina se castradas imediatamente após o diagnóstico. As cadelas que sofrem diabetes reversível durante o diestro e que não são castradas apresentam grandes chances de tornarem-se diabéticas na próxima fase lútea do ciclo, independente da presença ou não de gestação (PÖPPL; ARAUJO, 2010). Um estudo recente de uma série de casos de diabetes gestacional em cadelas evidenciou que o diagnóstico de diabetes normalmente é feito entre 30 e 64 dias após o acasalamento, afetando normalmente cadelas de meia-idade (entre 2 e 8 anos), com uma tendência a maior predisposição ao desenvolvimento desta alteração em raças nórdicas Spitz, sugerindo uma predisposição genética ao desenvolvimento de DMG nestas raças. A maioria dos casos de DMG em cadelas, são causados por resistência à insulina pelos hormônios gestacionais (prolactina e progesterona) e desta forma tendem a ser reversíveis. Contudo a hiperglicemia crônica pode levar a um estado diabético irreversível em decorrência da glicotoxicidade sobre as células β, mesmo após o término da prenhes, especialmente se houverem outros fatores de risco envolvidos como autoimunidade e pancreatite (PÖPPL; ARAUJO, 2010). Da mesma forma, quanto mais velho o animal, teoricamente maior a chance de desenvolver DM permanente em decorrência da redução na capacidade de secreção de insulina associada ao envelhecimento. Este mesmo estudo evidenciou melhor prognóstico naqueles pacientes que foram tratados com o término farmacológico da gestação ou por ovário- histerectomia. A redução na concentração dos hormônios gestacionais pós término da prenhez pode levar a remissão do diabetes em menos de 10 dias, e o uso de insulina nestes pacientes esteve associado a melhores chances de remissão da doença, uma vez que estas pacientes estiveram mais protegidas do fenômeno da glicotoxicidade. Em fêmeas caninas, a incidência de DM é duas vezes maior que em machos (3) e cerca de 70% pacientes diagnosticados com diabetes são fêmeas (PÖPPL; ARAUJO, 2010). 2.2. Bioquímica da Diabetes Melito Dependente de Insulina (tipo 1) Segundo Nelson e Cox (2014), os indivíduos com diabetes melito tipo 1 têm pouquíssimas células b e são incapazes de liberar insulina suficiente para desencadear a captação de glicose pelas células do músculo esquelético, do coração ou do tecido adiposo. Assim, após uma refeição contendo carboidratos, a glicose se acumula a níveis anormalmente altos no sangue, condição conhecida como hiperglicemia. Incapazes de captar glicose, o músculo e o tecido adiposo utilizam os ácidos graxos armazenados nos triacilgliceróis como seu principal combustível. Acredita-se que esses altos níveis de glicose sejam pelo menos uma das causas das sérias consequências de longo prazo no diabetes não tratado – insuficiência renal, doenças cardiovasculares, cegueira e cicatrização debilitada. 2.2.1. Captação deficiente da glicose O principal transportador de glicose nas células do músculo esquelético, músculo cardíaco e tecido adiposo (GLUT4) está armazenado em pequenas vesículas intracelulares e se desloca para a membrana plasmática apenas em resposta a um sinal de insulina. No músculo esquelético, coração e tecido adiposo, a captação e o metabolismo da glicose dependem da liberação normal de insulina pelas células b pancreáticas em resposta à quantidade elevada de glicose no sangue (NELSON; COX, 2014). FIGURA 1 – Deficiência na captação da glicose. Fonte: Nelson e Cox (2014). Quando a ingestão de uma refeição rica em carboidratos gera uma concentração de glicose sanguínea excedente àquela comum entre as refeições (cerca de 5 mM), o excesso de glicose é captado pelos miócitos dos músculos cardíaco e esquelético (que a armazenam como glicogênio) e pelos adipócitos (que a convertem em triacilgliceróis). A captação de glicose pelos miócitos e adipócitos é mediada pelo transportador de glicose GLUT4. Entre as refeições, alguns GLUT4 estão presentes na membrana plasmática, mas a maioria encontra-se sequestrada nas membranas de pequenas vesículas intracelulares (NELSON; COX, 2014). A insulina, liberada pelo pâncreas em resposta à alta concentração de glicose sanguínea, desencadeia o movimento dessas vesículas intracelulares à membrana plasmática, com a qual elas se fundem, levando as moléculas de GLUT4 para a membrana plasmática. Com mais moléculas de GLUT4 em ação, a taxa de captação de glicose aumenta em 15 vezes ou mais. Quando os níveis de glicose sanguínea retornam ao normal, a liberação de insulina torna- se lenta, e a maioria das moléculas de GLUT4 é removida da membrana plasmática e armazenada em vesículas (NELSON; COX, 2014). No diabetes melito do tipo 1, a inserção de GLUT4 nas membranas, assim como outros processos normalmente estimulados por insulina, estão inibidos. A deficiência de insulina impede a captação de glicose por GLUT4; como consequência, as células são privadas de glicose, enquanto ela está elevada na corrente sanguínea. Sem glicose para o suprimento de energia, os adipócitos degradam triacilgliceróis estocados em gotas de gordura e fornecem os ácidos graxos resultantes para outros tecidos para a produção mitocondrial de ATP (NELSON; COX, 2014). Dois subprodutos da oxidação dos ácidos graxos acumulam-se no fígado (acetoacetato e b-hidroxibutirato) e são liberados na corrente sanguínea, fornecendo combustível para o cérebro, mas também diminuindo o pH do sangue, causando cetoacidose. A mesma sequência de eventos ocorre no músculo, exceto que os miócitos não estocam triacilglicerois, mas captam os ácidos graxos que são liberados na corrente sanguínea pelos adipócitos (NELSON; COX, 2014). De acordo com Nelson e Cox (2014), a administração de insulina reverte esta sequência de eventos: GLUT4 se desloca para a membrana plasmática dos hepatócitos e adipócitos, a glicose é captada e fosforilada por essas células, e o nível de glicose no sangue decresce, reduzindo potencialmente a produção de corpos cetônicos. 3. DIABETES MELLITUS TIPO-2 EM FELINOS O diabetes do tipo-2 instala-se lentamente, os sintomas são mais suaves e, por isso, não reconhecidos no início. Na realidade, trata-se de um grupo de doenças nas quais a atividade reguladora de insulina está prejudicada ou insuficiente: a insulina é produzida, más algum componente do sistema de resposta à insulina está defeituoso (NELSON; COX, 2014). Na DM tipo-2, que compartilha muitas similaridades com a doença observada em felinos, a resistência insulínicasecundária à obesidade gera um mecanismo diabetogênico de longo prazo. Felinos e humanos que desenvolvem DM tipo-2 apresentam um marcador patológico clássico, que é a amiloidose das ilhotas pancreáticas. Este depósito amiloide é secundário a maior secreção, e consequente deposição no interstício das ilhotas do peptídeo amilina. A amilina é um hormônio co-secretado pelas células beta pancreáticas no momento da secreção de insulina e que auxilia no controle glicêmico, regulando a secreção de glucagon e retardando a velocidade digestiva (PÖPPL et al., 2018). Contudo, frente a esta maior secreção e deposição intersticial, cronicamente, a amiloidose perturba a entrega de nutrientes e oxigênio, levando à disfunção das células beta e prejuízo à secreção de insulina. Recentemente, um papel do acúmulo intracelular de amiloide tem sido apontado como um fator tão ou mais importante que os depósitos extracelulares. Além disso, glicotoxicidade também corrobora na documentação da hiperinsulinemia no momento do diagnóstico nestes pacientes (PÖPPL et al., 2018). Pöppl et al. (2018) consideram que a maior parte dos pacientes felinos diabéticos é composta de machos castrados que vivem em ambientes indoor; todos importantes fatores de risco para a obesidade, resistência insulínica e diabetes mellitus. Outros fatores de risco documentados em felinos são dieta comercial seca rica em carboidratos, infecções orais, gênero masculino, uai de corticoides, idade e a raça Birmanês. O tecido adiposo é reconhecido como um tecido endócrino ativo, especialmente em pacientes obesos, com elevada secreção de adipocitocinas (hormônios secretados por adipócitos) pro-inflamatorias, como a leptina, IL-1, TNF-alfa, resisti a, dentre outras. A única adipocitocinas c efeitos benéficos é a adiponectina, a qual apresenta efeitos anti-inflamatórios e pró-insulinicos. Contudo, a adiponectina também é a única adipocina que tem sua secreção reduzida frente à obesidade, sendo vista como um importante fator associado à patogenia da DM tipo-2 em felinos e humanos (PÖPPL et al., 2018). 4. DIAGNÓSTICO, COMPLICAÇÕES E TRATAMENTO 4.1. Sinais clínicos Os sinais clínicos do diabetes melito, dependem do tipo, grau e das condições precedentes à insuficiência de insulina. É considerada a doença dos “4P’s”, pelo fato de que normalmente ocasiona poliúria, polidpsia, polifagia e perda de peso (PÖPPL et al., 2018). 4.1.1. Glicosúria Toda glicose circulante é livremente filtrada nos glomérulos renais, contudo, as células dos túbulos renais proximais apresentam uma capacidade limitada de reabsorver esta glicose do ultrafiltrado glomerular. Em cães, este limiar é ultrapassado quando a glicemia fica acima de valores de 180 a 220 mg/dL. Nesta situação, ocorre a presença de glicose na urina (glicosúria). 4.1.2. Polidipsia e poliúria Esta glicosúria promove diurese osmótica, impedindo a água de ser reabsorvida ao longo do néfron, ocasionando a poliúria. O centro da sede, localizado no hipotálamo, é ativado quando detecta aumento na osmolaridade do líquido cefalorraquidiano e/ou quando recebe estímulos aferentes dos barorreceptores pulmonares, atriais, aórticos, carotídeos e renais em situações de hipovolemia, desencadeando a procura por líquidos para correção do estado hídrico corporal e levando a polidipsia compensatória à poliúria. 4.1.3. Polifagia Dois centros hipotalâmicos controlam a ingestão de alimentos: o “centro da fome” na região lateral, responsável pelo controle da quantidade de alimento ingerido, e o “centro da saciedade” localizado na região ventro-medial. A insulina é um importante regulador e ativador do centro da saciedade e, na sua ausência, associado ao processo catabólico, ocorre um estímulo à polifagia. Outros mecanismos neuroendócrinos complementam o controle do apetite e peso corporal. 4.1.4. Perda de peso A insulina suprime o sistema lipase hormônio-sensível e, frente à hipoinsulinemia, ocorre acentuada lipólise, gerando ácidos graxos livres não esterificados (utilizados como fontes de combustível oxidativo extra-hepático, também sendo assimilados pelo fígado) e glicerol (utilizado na gliconeogênese). A insulina também apresenta um efeito anabólico sobre a musculatura e, frente à hipoinsulinemia crônica, ocorre catabolismo de proteínas como fonte de aminoácidos para a gliconeogênese. Esta lipólise e proteólise intensas, associadas à perda calórica representada pela glicosúria, são responsáveis pela perda de peso dos pacientes. Incapazes de captar glicose, o músculo e o tecido adiposo utilizam os ácidos graxos armazenados nos triacilgliceróis como seu principal combustível. Se o diabetes não for tratado, esses indivíduos apresentam velocidade aumentada na oxidação de gorduras, para a obtenção de energia e, portanto, perdem peso (NELSON; COX, 2014). 4.2. Complicações crônicas Complicações resultantes da diabetes ou de seu tratamento são comuns, dentre elas: catarata, retinopatia diabética, hipoglicemia, pancreatite crônica, infecções recorrentes e cetoacidose diabética (PÖPPL et al., 2018). 4.2.1. Catarata diabética A catarata diabética é a complicação a longo prazo mais comum da diabetes mellitus em cães. Acredita- se que a patogênese da catarata está relacionada com a alteração da osmolaridade das lentes, induzindo um acúmulo de sorbitol e galactitol produzidos por meio da redução de glicose e galactose pela enzima aldose redutase. Sorbitol e galactitol são potentes agentes hidrofílicos e causam um influxo de água nas lentes, levando a um inchaço e ruptura das fibras e o desenvolvimento de catarata. A partir do momento de seu início, o processo de formação da catarata é irreversível e pode ocorrer rapidamente. Cães diabéticos mal controlados, com problema de flutuação nas glicemias, têm um risco maior do desenvolvimento rápido da catarata, ao mesmo tempo que, um bom controle glicêmico com flutuações mínimas de glicemia pode prolongar o início de sua formação da catarata. A cegueira causada pela catarata pode ser revertida com o tratamento cirúrgico em aproximadamente 80% dos casos. Fatores que afetam o sucesso da cirurgia incluem o controle glicêmico antes da cirurgia, presença de retinopatias e uveíte. 4.2.2. Retinopatia diabética A causa da retinopatia diabética é provavelmente multifatorial e deve envolver mudanças bioquímicas secundárias à hiperglicemia e aumento da atividade da aldose redutase, produtos finais de glicação avançada, alterações hemodinâmicas e prejuízo vascular endotelial. Fatores de risco para o desenvolvimento de retinopatia têm sido pouco caracterizados em cães diabéticos, embora o controle glicêmico possa estar associado com sua progressão. Como a catarata se desenvolve com frequência nos cães diabéticos e a mesma interfere no exame da retina, o ideal seria submeter todos os pacientes diabéticos a exame oftalmológico completo antes que a catarata se estabeleça. 4.2.3. Cetoacidose diabética Trinta a quarenta por cento dos pacientes diabéticos podem se apresentar inicialmente em cetoacidose diabética, uma condição grave e limitante à vida, associada à falta de apetite, náusea, êmese, hiperglicemia acentuada, cetonemia, e acidose metabólica (cetoacidose); demandando tratamento emergencial. A cetoacidose ocorre em consequência da deficiência na produção insulina no pâncreas. Por conta dessa deficiência, há um aumento crítico dos níveis de glicose no sangue, porém, ela não pode ser utilizada. Sem glicose disponível, os ácidos graxos passam a ser utilizados como “combustível” principal das células, levando a uma alteração metabólica características da diabetes: a oxidação excessiva, mas incompleta dos ácidos graxos no fígado. O acetil-CoA produzido, não pode ser oxidado completamente pelo ciclo do ácido cítrico, pois a alta relação NADH/NAD1 produzida pela b-oxidação inibe o ciclo (NELSON; MICHAEL,2014). O acúmulo de acetil-CoA leva à superprodução dos corpos cetônicos, acetoacetato e b-hidroxibutirato, que não podem ser usados pelos tecidos extra-hepáticos na velocidade com que são produzidos no fígado. A superprodução de corpos cetônicos, chamada de cetose, resulta em uma concentração muito aumentada desses compostos no sangue (cetonemia) e na urina (cetonúria). Os corpos cetônicos são ácidos carboxílicos que se ionizam, liberando prótons. No diabetes não controlado, esta produção de ácido pode superar a capacidade do sistema tampão bicarbonato do sangue e produzir uma redução no pH sanguíneo, chamada de acidose, ou, em combinação com a cetose, cetoacidose, combinação potencialmente letal (NELSON; COX, 2014). 4.3. Diagnóstico e tratamento da diabetes melito 1 e 2 O histórico de manifestações clínicas de poliúria, polidpsia, polifagia e perda de peso, apesar de serem comuns nos casos de diabete mellitus, não podem ser considerados patognomônicos da doença. Sendo assim, se faz necessária a avaliação laboratorial em todos os casos, incluindo minimamente a mensuração da glicemia e exame de urina tipo 1. Segundo PÖPPL (2011), o valor de glicemia normal nos cães varia de 60 a 100mg/dL. Valores acima de 200mg/dl podem ser considerados como diagnostico positivo (PÖPPL et al., 2018). No exame de urina, glicosúria, cetonúria, lipúria, proteinúria, bacteriúria (com ou sem a presença de piúria) e hematúria são achados comuns em pacientes com DM. Se grandes quantidades de corpos cetônicos forem detectados no exame químico da urina em um animal com letargia, vômitos, diarreia ou desidratação, deve-se mensurar a concentração do beta hidroxibutirato no sangue e realizar uma hemogasometria para avaliar diminuição de bicarbonato e do pH sanguíneo a fim de se estabelecer o diagnóstico de cetoacidose diabética, instituindo-se, assim, a terapia emergencial apropriada. A presença de cetonúria associada à glicosúria sugere um quadro de cetose, mas não necessariamente indica cetoacidose, pois os mecanismos tampões do organismo podem estar mantendo o pH plasmático compensado. Além disso, a cetonúria pode ocorrer em indivíduos saudáveis em jejum (PÖPPL et al., 2018). FIGURA 2 – Diferentes tipos de insulina disponíveis no mercado nacional, dose inicial e suas respectivas concentrações. Fonte: Pöppl et al. (2018). Segundo Pöppl et al. (2018), a insulinoterapia é a base do tratamento da diabetes de cães e gatos (Figura 2). Como um dos principais objetivos da insulinoterapia é reduzir a glicemia sem causar hipoglicemia, aconselha-se iniciar com a dose mínima de insulina, aumentando-a conforme as necessidades individuais do paciente. Contudo, frente à ausência de catarata no momento do diagnóstico, há uma certa urgência em alcançar um bom controle glicêmico para evitar o comprometimento da visão do paciente, minimizando, assim, o impacto da doença na qualidade de vida do cão e na relação tutor-animal. 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS Em um indivíduo normal, a regulação da glicemia acontece hormonalmente a partir da insulina e do glucagon. No indivíduo enfermo pelo diabetes mellitus, a metabolização da glicose é comprometida, se for em virtude das células beta das ilhotas pancreáticas de produzirem insulina, há um quadro de Diabetes Mellitus do tipo 1; se for uma ocasião relacionada à obesidade, em indivíduos adultos, não dependente da concentração de insulina, há a Diabetes Mellitus do Tipo 2. Ressalta-se a poliúria, polidpsia, polifagia e perda de peso entre os sinais clínicos e que são comuns complicações resultantes da diabetes ou de seu tratamento – a insulinoterapia. Sobre a insulinoterapia, cabem alguns adendos: a aplicação deve ser diária, a insulina deve ser guardada na geladeira, deve-se utilizar seringas apropriadas e a aplicação é por via subcutânea na região das costelas; ademais, o animal deve ter acesso a uma dieta adequada para diabéticos (em quantidade adequada e horário específica. A rotina alimentar e uma aplicação correta da insulina são os maiores aliados para garantir a qualidade de vida do animal. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS FARIA, P. F. Diabete Mellitus em cães. Acta Veterinária Brasilica, v.1, n.1, p.8-22, 2007 PÖPPL, A. G.; ARAUJO, G. G. Diestro e diabetes mellitus canina: o que há de novo? Medvep - Revista Científica de Medicina Veterinária: Pequenos Animais e Animais de Estimação, Curitiba, v. 27, n. 8, p.704-713, jan. 2010. PÖPPL, Á. G. Diabetes mellitus: entenda sobre a doença que atinge cães e gatos. 2011. Disponível em: http://idmedpet.com.br/saude-de-a-z-caes-e-gatos/diabetes-mellitus-entenda- sobre-a-doenca-que-atinge-caes-e-gatos.html. Acesso em: 17 mar. 2020. PÖPPL, Á. G., et al. Diabetes mellitus canina e felina. Associação Brasileira de Endocrinologia Veterinária (ABEV). Nestlé Brasil Ltda. 2018. NELSON, D. L.; MICHAEL, M. C. Princípios de bioquímica de Lehninger [recurso eletrônico]. Tradução: VEIGA, A. B. G., et al. Revisão técnica: TERMIGNONI, C., et al. 6ª ed. Porto Alegre. Artmed, 2014.
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