Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
CENTRO UNIVERSITÁRIO FAVENI LÍNGUISTICA APLICADA AO ENSINO DE LÍNGUA MATERNA GUARULHOS – SP SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 4 2 FUNDAMENTAÇÃO EPISTEMOLÓGICA ................................................................ 7 2.1 Competência e desempenho ............................................................................. 8 2.2 Desempenho ..................................................................................................... 8 3 HISTÓRICO DA DISCIPLINA DA LÍNGUA PORTUGUESA NO CURRÍCULO ....... 9 ESCOLAR .................................................................................................................... 9 4 PRESSUPOSTOS TEÓRICOS DO ENSINO OPERACIONAL E REFLEXIVO DA LINGUAGEM: A LINGUAGEM COMO INTERAÇÃO, O TEXTO COMO ENUNCIADO, ................................................................................................................................... 11 OS GÊNEROS DO DISCURSO ................................................................................. 11 4.1 A Linguagem como Interação .......................................................................... 13 4.2 O Texto como Enunciado ................................................................................ 14 4.3 Gêneros do discurso ....................................................................................... 15 5 VARIAÇÕES LINGUÍSTICAS ................................................................................ 16 5.1 Norma .............................................................................................................. 16 5.2 Norma Culta .................................................................................................... 17 5.3 Dialeto subdialeto, idioleto e outros letos ........................................................ 17 6 LINGUÍSTICA TEXTUAL FRASE, TEXTO E CONTEXTO ..................................... 19 6.1 Conceitos Ferdinand de Saussure (1916) ....................................................... 21 6.2 Concepções de Linguagem ............................................................................. 22 6.3 História Dos Estudos Da Linguagem ............................................................... 25 6.4 Evolução Das Ciências Da Linguagem ........................................................... 27 6.5 O que é gerativismo? ...................................................................................... 29 7 A HIPÓTESE DA GRAMÁTICA UNIVERSAL ........................................................ 35 7.1 A gramática universal ...................................................................................... 35 8 A TEORIA DE PRINCÍPIOS E PARÂMETROS ..................................................... 36 9 PROBLEMA DA AQUISIÇÃO DA SEGUNDA LÍNGUA ......................................... 40 10 A QUeSTÃO DO ACESSO À GRAMÁTICA UNIVERSAL..................................... 42 11 TEORIAS DA LEITURA ........................................................................................ 44 12 PRODUÇÃO TEXTUAL ........................................................................................ 45 13 LETRAMENTO ...................................................................................................... 46 14 AS DIFERENÇAS ENTRE OS PROCESSOS DE AQUISIÇÃO DE L1 E L2 ........ 48 15 OS PRINCIPAIS PROBLEMAS DA TEORIA ........................................................ 50 16 ARQUITETURA DE LINGUAGEM EM DIFERENTES MODELOS ................. 56 GERATIVISTAS ......................................................................................................... 56 17 O MODELO GERATIVISTA .................................................................................. 58 18 O FENÔMENO DA AQUISIÇÃO DE LINGUAGEM MATERNA; FASES DA ....... 60 AQUISIÇÃO ............................................................................................................... 60 18.1 Propriedades da Aquisição de Linguagem ..................................................... 60 18.2 Aquisição dos Sistemas Lexical, fonológico, morfossintático e semântico- pragmático: ............................................................................................................. 61 18.3 Dez meses...................................................................................................... 64 18.4 Um ano ........................................................................................................... 65 18.5 2 anos e meio e 3 anos .................................................................................. 67 18.6 4 e 5 anos de idade ........................................................................................ 67 19 FONÓLOGICO E PRAGMÁTICO ......................................................................... 78 19.1 Desenvolvimento Fonológico (dos 0 aos 5/6 anos) ........................................ 78 19.2 Percurso de aquisição e desenvolvimento linguístico infantil: Pragmático ..... 81 20 ABORDAGENS E TEORIAS SOBRE AQUISIÇÃO DA LINGUAGEM: AS .......... 84 HIPOTESES INATISTAS E INTERACIONISTAS ...................................................... 84 21 VYGOSTSKY: UMA BREVE HISTÓRIA ............................................................... 85 22 AS ABORDAGNES TEÓRICAS EM AQUISIÇÃO DA LINGUAGGEM ................. 87 23 O SOCIOINTERACIONISMO DE VYGOSTSKY ................................................... 88 24 DESENVOLVIMENTO DO PENSAMENTO DA LINGUAGEM .............................. 91 24.1 Inatismo e Aquisição da linguagem ................................................................ 94 25 O PRECONCEITO LINGUÍSTICO NO BRASIL .................................................... 99 25.1 Texto 1 ......................................................................................................... 100 25.2 Texto 2 ......................................................................................................... 101 25.3 Texto 3 ......................................................................................................... 101 25.4 “A língua é um dialeto com exército e marinha”, Max Weinreich .................. 103 25.5 Breve histórico linguístico da América Latina ............................................... 104 25.6 Falar errado? Para quem?............................................................................ 105 25.7 Luta contra o preconceito linguístico ............................................................ 107 25.8 Preconceito que cala, língua que discrimina ................................................ 115 26 EDUCAÇÃO, PRECONCEITO E IDEOLOGIA .................................................... 121 27 O PRECONCEITO LINGUÍSTICO NA CULTURA ESCOLAR ............................ 124 28 PRÁTICA DE ANÁLISE: ESTUDO DAS ELABORAÇÕES DIDÁTICAS DE LEITURA, PRODUÇÃO TEXTUAL E ANÁLISE LINGUÍSTICA ............................... 129 29 BIBLIOGRAFIA ................................................................................................... 136 4 1 INTRODUÇÃO Fonte: thoughtco.com Sempre que começamos a estudar uma disciplina ou teoria particular, buscamos apreender os conceitos básicos que a definem e a diferenciam de outras teorias e disciplinas. Às vezes esses conceitos básicos são completamente desconhecidos e exigem muito cuidados para que possamos compreendê-los com certa profundidade. Outras vezes, trata-se de conhecimentos que já possuímos, ou de noções sobre as quais já estudamos e que parecem ser de fácil apreensão. No entanto, no decorrer de nossos estudos, percebemos que o que jásabíamos era incompleto, superficial e, em certos casos, até mesmo inadequado. A linguística é uma ciência que trabalha com o segundo tipo de conhecimento. As noções que compõem essa ciência são, inúmeras vezes, conhecidas por qualquer pessoa. Ora, qual é o falante que não sabe sua língua, ou que não conhece os aspectos principais da comunicação verbal? Ao estudarmos a linguística, discutiremos dois grupos de conceitos e noções básicas: um que recupera os conhecimentos gerais, não técnicos sobre a linguagem humana e a língua em particular; outro que apresenta uma visão técnica e especializada sobre estes mesmos aspectos. Não raro veremos que o conhecimento técnico da linguística se assemelha a algumas noções 5 que já possuímos, como é o caso de certas normas sociais da fala, a diferença entre nossa língua e outros sistemas de comunicação, entre outros. Algumas vezes, porém, perceberemos que a ciência da linguagem – exatamente porque se trata de uma ciência – sistematiza o conhecimento da área em conceitos que são muito profundos e que exigem uma aproximação mais técnica para sua compreensão e exploração. Nosso objetivo nesse capítulo é abordar de maneira especializada os conceitos e definições básicas da Linguística, correlacionando-os, sempre que possível, com as noções que fazem parte dos conhecimentos mais gerais dos falantes. Assim, vamos ao que interessa. Um primeiro conceito a ser descoberto é o de linguagem. Será que esse conceito não é suficientemente óbvio para ser explicado? O falante comum, não-técnico, costuma pensar no conceito de linguagem humana como se opondo à linguagem de sinais, gestual, corporal, linguagem da propaganda, da computação, etc. As diferenças entre essas noções são, no entanto, o bastante para se formular uma definição? O conhecimento técnico de linguagem exige que, paralelamente, estudemos também a noção de língua, uma vez que ambas são realidades muito próximas para se estudar o fenômeno linguístico. Algumas línguas usam apenas um termo para se referir às noções de língua e linguagem (por exemplo, o termo do inglês language), tão próximos são os dois conceitos. Convencionou-se atribuir o termo linguagem à capacidade geral que temos, enquanto seres humanos, de utilizar sinais com vistas à comunicação. Assim, essa capacidade chega a nós como resultado de um processo evolutivo. Todos os homens e mulheres, independente de falarem uma língua natural (como português), ou de utilizarem línguas de sinais na comunicação entre surdos, ou de serem acometidos de patologias que prejudicam a comunicação verbal, são portadores dessa capacidade, ou seja, têm linguagem. A língua, por sua vez, é uma noção que sugere que a capacidade de linguagem se atualiza em um material concreto, disponível culturalmente, uma língua natural. Nos próximos capítulos nos deteremos em outras acepções das noções de língua e linguagem. Por enquanto, é suficiente que fique claro que todo ser humano nasce dotado de uma capacidade geral chamada linguagem, ou faculdade da linguagem, e que essa capacidade se atualiza, se concretiza em uma língua específica, um conjunto de signos e normas que permitem a comunicação em uma comunidade particular. Dificilmente seríamos o que somos hoje, em termos de conhecimento, acesso a 6 informações, desenvolvimento tecnológico e relações interpessoais, sem uma linguagem e sem uma língua. Todas as nossas atividades cotidianas exigem que, direta ou indiretamente, usemos a capacidade linguística, seja para nos comunicar com outras pessoas, seja para contar histórias aos nossos filhos, seja para negociar com o gerente de nosso banco, seja para contar uma piada, uma mentira, fazer uma fofoca, etc. A língua/linguagem é atividade constitutiva e incontornável de nossa natureza humana, por isso, possivelmente, qualquer falante tem a habilidade de definir sua língua em oposição a uma língua estrangeira, reconhecer outro falante como usuário de sua própria língua, distinguir uma língua natural de um conjunto de sons ou letras sem sentido. A linguística, porém, como o estudo científico da língua/linguagem humanas, se ocupa com questões que provavelmente não incomodariam o usuário comum. Poucos falantes, por exemplo, se preocuparam em estudar a evolução da língua, tanto do ponto de vista de como as formas do latim, por exemplo, evoluíram até chegar ao que constitui hoje a estrutura das línguas românicas, como o português, o francês, o romeno, etc.; quanto do ponto de vista de como a capacidade da linguagem evoluiu na espécie humana ao longo dos milhares de anos que separam o homem moderno dos primeiros primatas. A linguística, além de questões como a tratada acima, estuda o modo como a língua se estrutura genericamente, através de propriedades de associação e distribuição, o que corresponde, parcialmente, às tradicionais análises morfossintáticas que fazíamos na escola. Outra preocupação da linguística é investigar como um falante sai de um estado em que virtualmente não conhece sua língua materna (porque é bebê, por exemplo) e passa ao estado em que domina as estruturas de sua língua, ou seja, adquire e desenvolve conhecimentos linguísticos. Muitas outras são as questões discutidas pela linguística, as quais serão apresentadas e aprofundadas nas próximas páginas deste capítulo. Apresentaremos agora algumas definições e conceitos elaborados por linguistas de renome, que indicam a variedade de abordagens que esses fenômenos recebem no campo da ciência linguística. 7 2 FUNDAMENTAÇÃO EPISTEMOLÓGICA Fonte:anacuder.com Segundo essa gramática, a linguagem é considerada um conjunto (finito ou infinito) de sentenças, construídas a partir de um conjunto finito de regras. De acordo com Peter (2004, p 14), essa perspectiva abrange muito mais do que as línguas naturais, mas, conforme seu autor (Chomsky), todas as línguas naturais são, seja na forma falada, seja na escrita, linguagens, no sentido de sua definição visto que: - toda língua natural possui um número infinito de sons (e um número infinito de sinais gráficos que os representam, se for escrita); - mesmo que as sentenças distintas da língua sejam em número infinito, cada sentença só pode ser representada como uma sequência finita desses sons (ou letras) (PETER, 2004, p. 15). Assim, é de alçada do linguista determinar quais dessas sequências finitas de elementos podem ser consideradas sentenças ou não. “A análise das línguas naturais deve permitir determinar as propriedades estruturais que distinguem a língua natural de outras linguagens” (PETER, 2004, p. 15). Essas propriedades são tão abstratas, complexas e específicas, segundo a visão chomskiana, que as crianças não as poderiam aprender do nada em sua fase de aquisição da linguagem. Desse modo, para o pai da Gramática Gerativa, a linguagem é uma capacidade inata do ser humano, ou seja, é transmitida geneticamente e própria de nossa espécie. Assim 8 sendo, a linguagem teria propriedades universais. Do mesmo modo que Saussure distingue a língua da fala, Chomsky distingue a competência do desempenho 2.1 Competência e desempenho Na nomenclatura chomskyana, competência é definida como o sistema de regras que é interiorizado pelos falantes, vindo a se constituir o seu saber linguístico. É graças a esse saber linguístico que o indivíduo é capaz de emitir ou de compreender um infinito número de frases inéditas. “É um conjunto de regras que o falante construiu em sua mente pela aplicação de sua capacidade inata para a aquisição da linguagem” (PETER, 2004, p. 15). A competência possibilita ao falante: - construir, identificar e compreender as frases gramaticais; - interpretar frases ambíguas; - produzir frases inéditas; - explicar a intuição do falante nativo, ou seja, seu juízo de gramaticalidade e aceitabilidadesobre os enunciados realizados. Há dois tipos de competência: competência universal - constituída de regras comuns a todas as línguas. Exemplos: a negativa, a interrogativa, etc.; competência particular - constituída de regras específicas de cada língua. Exemplos: a negativa - em português, utilizamos o advérbio de negação não; em francês, utiliza-se a expressão ne pas com o verbo intercalado; em inglês utilizamos o not para o verbo auxiliar to be e usamos o not mais o auxiliar to do para os outros verbos. 2.2 Desempenho Quando o falante se utiliza da competência nos seus variados atos de fala, atendendo às diversas situações comunicativas, dizemos que essa manifestação é seu desempenho, “performance” ou atuação. Segundo Dubois (1978, p. 463-464), as performances (ou desempenhos) linguísticas do falante são dependentes de alguns fatores, tais como: - competência do sujeito psicológico; - situação comunicativa; - memória e atenção; - contexto social; - relações psicossociais entre falante e interlocutor; - afetividade entre os participantes da comunicação. Segundo Peter (2004, p. 15), “o desempenho pressupõe a competência, ao passo que a competência não pressupõe o desempenho. A tarefa do linguista é descrever a competência, que é puramente linguística, subjacente ao desempenho” 9 3 HISTÓRICO DA DISCIPLINA DA LÍNGUA PORTUGUESA NO CURRÍCULO ESCOLAR Os problemas relativos ao ensino de Língua Portuguesa no Brasil vêm de longe. O conhecimento e a formulação dos conteúdos da disciplina só começaram a ser construídos praticamente a partir de meados do século XIX. É verdade que, nos tempos coloniais, os mais privilegiados aprendiam a ler e escrever em português com os jesuítas. Mas, segundo a pesquisadora do Centro de Alfabetização, Leitura e Escrita da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Magda Soares, isso ocorria sem qualquer componente curricular. Tratava-se apenas de um processo de alfabetização, e, uma vez alfabetizado, o aluno passava direto para a aprendizagem da gramática em latim, a partir de livros escritos na Roma Antiga. O português, aliás, sequer era a língua dominante da colônia. No dia a dia e nos intercâmbios sociais, a comunicação era feita por meio da língua geral, de base tupi. O português era aprendido na escola não como componente curricular, mas como instrumento para a alfabetização. Desta passava-se direto ao latim, que fundamentava as práticas, no ensino secundário e superior, para o estudo da gramática latina e da retórica (com base em autores latinos e em Aristóteles). Até o século XVII, apesar da produção de gramáticas e dicionários, o português ainda não se constituíra em área de conhecimento em condições de gerar uma disciplina curricular, o que também decorria de seu pouco uso no intercurso verbal e de seu pouco valor como bem cultural. Na segunda metade do século XVIII, as reformas pombalinas, com o objetivo de garantir o poder sobre as colônias, intervêm nas condições de constituição da disciplina, ao tornar obrigatório o uso da língua portuguesa no Brasil e proibir o uso de outras línguas. Porém, tal como concebido pela reforma, o objetivo de saber ler e escrever em português, bem como de conhecer sua gramática, tinha ainda caráter instrumental, isto é, tornar possível o aprendizado da gramática latina. A partir dos anos 1950, começou a ocorrer real modificação no conteúdo da disciplina língua portuguesa, em função da progressiva transformação nas condições sociais e culturais e das possibilidades de acesso à escola, o que exigiu reformulação das funções e objetivos dessa instituição. Teria se iniciado, a partir de então, a 10 modificação das características do alunado, em razão da democratização do acesso à escola. A ampliação da oferta de escolarização teria promovido aumento da demanda por professores – nessa época, já formados em faculdades de filosofia –, o que teria implicado menor seletividade na contratação desses profissionais, e, em consequência, prejuízo para a qualidade de ensino. Desse modo, num processo que se inicia nos anos 1950 e se consolida na década de 1960, a fusão de gramática e livro de textos faz-se de forma progressiva, e os manuais passam a apresentar exercícios de vocabulário, de interpretação, de redação e de gramática. Estuda-se gramática a partir do texto e vice-versa, com primazia conferida àquela. Nesse momento, em que começa a ser transferida ao livro didático (ao seu autor) a tarefa de preparar aulas e exercícios, teria se intensificado, segundo a autora, o processo de depreciação da função docente. Como visto, a democratização do acesso à escola, que se iniciou na década de 1950, produziu a necessidade de contratação de maior número de professores. A esse fator associam-se a necessidade de formação de professores em grande número para atender à demanda produzida; a implementação ainda recente dos cursos de letras nas faculdades de Filosofia; as mudanças no caráter interno da disciplina língua portuguesa, com a gramática adquirindo primazia em relação aos demais conteúdo da disciplina; e a dependência cada vez maior do professor em relação ao autor do livro didático. Essas condições são amplificadas na década de 1970, quando, pela lei n. 5.692/71, o oferecimento de oito anos de escolarização passa a ser obrigatório. Segundo Soares (idem), quando a ditadura militar intervém, nas décadas de 1960 e 1970, algumas mudanças importantes teriam sido operadas em relação ao ensino, em geral e ao ensino de língua portuguesa em particular. Assim, no período, segundo a autora, a educação foi colocada a serviço do que se nomeou desenvolvimento. O ensino teria assumido caráter pragmático e utilitarista, e seu objetivo seria o desenvolvimento do uso da língua, o que se conseguiria com alterações na disciplina, que se fundamentaria a partir de então em elementos da teoria da comunicação. Nesse novo contexto, o aluno seria visto como um emissor receptor de códigos os mais diversos, e não mais apenas do verbal. Ainda segundo a autora, a concepção de língua como sistema (ensino de gramática) e a concepção de língua como expressão estética (ensino da retórica e poética, e, posteriormente, estudo de textos) foram substituídas pela concepção de língua como comunicação. 11 Na década de 1960, a expansão do acesso à educação trouxe novos tipos de desafios aos professores de Língua Portuguesa, já que, segundo Nícia de Andrade Verdini Clare, o perfil dos alunos das escolas públicas mudou rapidamente: já não eram mais os filhos das elites letradas que nelas estudavam, mas os filhos da massa analfabeta do país. "O que fazer diante da nova realidade? Nivelar por baixo ou reprovar os alunos de forma maciça"? Ainda conforme Nícia, a expansão do ensino também aumentou a demanda por novos professores, e o governo militar, então instalado, autorizou a proliferação de faculdades particulares, “sem planejamento ou fiscalização” e sem preocupação com a “qualificação docente”. Com a publicação da Lei de Diretrizes e Bases de 1971, o ensino de Língua Portuguesa, da 1ª à 4ª série, foi transformado em Comunicação e Expressão. Da 5ª à 8ª série, em Comunicação e Expressão em Língua Portuguesa. Como consequência de tais diretrizes, os exercícios de expressão oral passaram a integrar boa parte dos livros didáticos e os textos literários mais elaborados foram substituídos por crônicas de linguagem coloquial. No currículo escolar, as disciplinas de Língua Portuguesa e de Literatura Brasileira, só mesmo no 2º grau. No século XXI, a concepção de língua com diversos usos e como instrumento de enunciação, discurso e intercomunicação começou a ganhar corpo. Nessa visão, o papel desempenhado pelo aluno passou a ser pensado de maneira diferente: como agente ativo, autônomo e construtor de suas próprias habilidades e conhecimentos,de forma que os processos de leitura e de escrita passaram a ser vistos como o resultado da interação entre autor, texto e leitor. 4 PRESSUPOSTOS TEÓRICOS DO ENSINO OPERACIONAL E REFLEXIVO DA LINGUAGEM: A LINGUAGEM COMO INTERAÇÃO, O TEXTO COMO ENUNCIADO, OS GÊNEROS DO DISCURSO A correspondência que se costuma estabelecer entre os termos língua e fala da linguística estrutural e competência e desempenho do gerativismo é, na verdade, uma correspondência parcial, pois a questão não se resume apenas à terminologia, mas também à definição. A língua – sistema linguístico socializado – de Saussure aproxima 12 a Linguística da Sociologia ou da Psicologia Social; a competência – conhecimento linguístico internalizado – aproxima a Linguística da Psicologia Cognitiva ou da Biologia (PETER, 2004, p.15). Fonte: cognikids.com Para melhor esclarecimento, observe o trecho abaixo, no qual incluímos, além da relação acima mencionada, a correspondência entre outros conceitos: SAUSSURE Língua: sistema de signos/signos organizados. Fala: ato individual de vontade e inteligência/maneira particular de usar a língua. A criatividade localiza-se na fala, pois esta apresenta um aspecto criador e livre. Permite o armazenamento dos signos da língua. Está no domínio da fala, é uma criação livre. CHOMSKY Competência: sistema de regras. Desempenho: maneira pessoal do locutor utilizar as regras, ou a competência. Há dois tipos de criatividade. O primeiro tipo refere-se à competência, pois é governado por regras. O segundo tipo consiste nos variados desvios individuais; liga-se ao desempenho. Um dos fatores que condiciona o bom funcionamento da performance. Está no domínio da competência. 13 SOCIOLINGUÍSTICA embora o conceito que vem a seguir não tenha sido desenvolvido especificamente dentro da Sociolinguística, foi amplamente utilizado por essa área do saber. 4.1 A Linguagem como Interação A linguagem é, antes de tudo, social. Portanto, sua função inicial é a comunicação, expressão e compreensão. É por meio das relações sociais que o ser humano aprende e ensina, constrói e desconstrói conhecimento. A constante interação entre o sujeito e o mundo exterior é o processo pelo qual se dá o desenvolvimento intelectual humano (PIAGET, 1978, p. 59). Assim sendo, a concepção de linguagem mais aceita atualmente compreende a língua como uma atividade coletiva, realizadora de ações através da interação social e cognitiva. A linguagem é uma ação interativa que, se bem desempenhada, pode ter efeitos decisivos na vida do indivíduo e na vida das pessoas ao seu redor. É no contexto social que percebemos e tomamos noção do poder que nossas palavras exercem e se através delas estamos alimentando relações de qualidade ou não. A comunicação é permeada de um caráter problematizador que gera consciência crítica e permite a busca do compromisso de transformação da realidade. Interação e linguagem são elementos que se complementam. A vida social do ser humano se constitui a partir de sua capacidade de interagir com seus semelhantes por meio da linguagem. Desta forma, cada indivíduo, ao utilizar a língua, não apenas diz o que pensa, mas também age sobre as pessoas, visando influenciar determinadas atitudes ou comportamentos. Esse contato entre o sujeito e o grupo acaba por resultar na construção de conhecimentos e em uma aprendizagem significativa para todos. Dentro deste contexto, educação e interação se entrelaçam, sendo que a comunicação entre professor e aluno acontece por intercâmbio da linguagem, e, desta forma, promove-se a interação. Cabe a cada um de nós nos utilizarmos da maneira mais sábia possível desta poderosa fusão que é a interação através da linguagem. 14 4.2 O Texto como Enunciado De maneira geral, os enunciados podem ser considerados como sendo acontecimentos discursivos, isto é, são as unidades de comunicação/interação entre os sujeitos. Para que possamos refletir a respeito do enunciado, é preciso, primeiramente, discutirmos a respeito da Linguística da Enunciação, área da filosofia da linguagem que trata do estudo dos enunciados, dos discursos e suas condições de produção. Essa área de estudos da linguagem ganhou destaque com a publicação da obra Marxismo e Filosofia da Linguagem (1929), quando Mikhail Bakhtin lançou as bases de um novo arcabouço teórico-metodológico para análise dos fenômenos de linguagem, cujo objeto é a enunciação, isto é, a interação verbal. Bakhtin enfatiza a relevância de se considerar o trabalho com a linguagem a partir das condições reais de uso, e não a partir da classificação e da análise de categorias fixas e classificatórias das palavras e do funcionamento das línguas. Isso porque, para o filósofo russo, todo enunciado tem caráter fundamentalmente dialógico, ou seja, os enunciados geram efeitos de sentido que só podem ser analisados no contexto de enunciação e estão sempre relacionados a outros enunciados anteriores e àqueles que ainda estão por vir. É no enunciado que se encontram as mais variadas formas de expressividade linguística, estando essas formas de expressão em estado de incompletude ou inacabamento, prontas para responder aos enunciados já proferidos ou àqueles que ainda serão realizados, isto é, estão em função das formas das enunciações, realizadas nos momentos de interação. Para analisarmos um enunciado, é preciso observá-lo a partir de sua relação dialógica, ou seja, como cada enunciado é um elo na corrente de outros enunciados. Essa corrente só pode ser vista na sua atuação e materialização linguística, a exemplo dos textos verbais, orais ou escritos. Isso significa que encontramos nos textos (verbais ou não) um exemplo de enunciado concreto. O enunciado e o texto são compreendidos como sendo um só fenômeno concreto, como unidades de intercâmbio verbal. 15 4.3 Gêneros do discurso É vivendo a vida com os textos, isto é, atuando e nos comunicando nos diferentes campos/ esferas de atividade pelas quais circulamos em nosso cotidiano – em casa, no trabalho, estudando, informando-nos por meio do jornalismo, consumindo, apreciando e fruindo obras de arte, divertindo-nos – que enunciamos e materializamos nossos textos orais, escritos e multimodais. Os gêneros de discurso nos servem nesses momentos, pois são as formas de dizer mais ou menos estáveis em nossa sociedade. Todos os cidadãos sabem o que são e reconhecem notícias, anúncios, bulas de remédio, cheques, livros didáticos, bilhetes etc. A estrutura de determinado tipo de texto pode ser mais flexível ou menos, aos mais flexíveis chamamos informais, pode ser uma carta para a mãe, um bilhete que escrevemos escondido durante uma aula chata, um bate papo na internet, ou a fala corriqueira entre as pessoas. Já aos textos menos flexíveis, que são mais rigorosos na sua estrutura, chamamos textos formais, são os ofícios (declaração, solicitação, contrato, etc.), os textos literários, os científicos, os jornalísticos, etc. Em suma, estes últimos são os textos que não aceitam, ou aceitam pouco, as mudanças nas regras de sua construção. Alguns textos formais, dependendo do seu contexto, podem ficar informais, como é o caso do texto literário, que se situaria no campo da formalidade, porém se lêssemos as narrativas modernas, perceberíamos a tentativa de fugir do padrão principalmente depois dos modernistas. Além dos textos formais e informais, temos os tipos de textos verbais e não verbais. Os primeiros são aqueles predominantemente escritos. Com a palavra como meio de compreensão. São os tipos de textos mais aceitos como textos. Porém também há os textos não-verbais que se caracterizam ou pela oralidade, pelo som, ou pela visão. Um exemplo de texto oral é a música, que podemos chamar de textos, pois tem um autor que a direciona ao leitor,ou ouvinte; as músicas são produzidas geralmente com um sentido; têm um contexto e tem uma estrutura material. Mesmo as músicas que não tem letra foram produzidas seguindo rigorosas regras, produzindo uma sensação, produzindo um sentido. Quem compõe música sabe disso, não é possível produzir uma sem seguir as regras deste tipo de texto. Dependendo do meu papel na sociedade, ou dos meus interesses eu vou me manifestando com tantos tipos de textos que eu precisar, por isso torna-se tão 16 importante conhecermos e compreendermos cada característica de tipos de texto diversos. A minha vida e as atividades humanas das quais eu participo vão determinar a minha fluência ou não para cada texto. Texto e contexto se desenrolam com a nossa vida. Uma existe para a outra assim como a palavra para o escritor, ou o traçado para o pintor, ou o som para o compositor. Texto e contexto transformam nossa vida através dos tipos relativamente estáveis de texto, em suma, através dos gêneros do discurso. 5 VARIAÇÕES LINGUÍSTICAS A língua portuguesa encontra-se em constante alteração, evolução e atualização, não sendo um sistema estático e fechado. O uso faz a regra e os falantes usam a língua de modo a suprir suas necessidades comunicativas, adaptando-a conforme suas intenções e necessidades. Sendo uma sociedade complexa, formada por diferentes grupos sociais, com diferentes hábitos linguísticos e diferentes graus de escolarização, ocorrem variações na língua, principalmente de caráter local, temporal e social. Nem todas as variações linguísticas usufruem do mesmo prestígio, sendo algumas consideradas menos cultas. Contudo, todas as variações devem ser encaradas como fator de enriquecimento e cultura e não como erros ou desvios. 5.1 Norma Este termo foi introduzido por Eugênio Coseriu (1980), um funcionalista da linguagem. Ele considera a norma um elemento intermediário entre língua e fala, e ainda como um conjunto de realizações linguísticas constantes e repetidas, tendo um caráter social. Assim, norma é tudo o que é comum e corrente numa comunidade de fala. Se considerarmos a língua abstrata e coletiva e a fala real e individual, então a norma será real e coletiva. Mesmo tendo a fala um caráter individual, todo falante segue a norma de sua região ou grupo social. Exemplos: A forma fazido, do verbo fazer, pode ser norma na linguagem das crianças e na linguagem de pessoas sem escolarização. A norma de pessoas adultas e escolarizadas é feito; Entre os sulistas: 17 semáforo; entre os nordestinos: sinal; A variante antão, para alguns caipiras, então para a norma da cidade grande, etc. 5.2 Norma Culta “Conjunto de hábitos linguísticos vigentes no lugar ou na classe social mais prestigiosa do país” (CÂMARA JUNIOR, 1998, p.177). Verifica-se que, segundo a Gramática Normativa, norma é um conjunto de regras impostas à comunidade linguística. Veja que essas regras impõem um padrão do bem falar/escrever, pois determina os conceitos de “certo” e “errado” no uso da língua. Já para a Sociolinguística, teríamos tantas normas quanto os diferentes falares ou as variedades de uma língua. Essa visão unificada e homogênea da língua é bastante criticada pela Sociolinguística. Para ela, a língua é heterogênea e se manifesta em variedades que dependem de vários fatores: grau de escolaridade, região dos falantes, sexo, faixa etária etc. 5.3 Dialeto subdialeto, idioleto e outros letos Esses conceitos se justificam pelo fato de as línguas não serem apenas estruturas (na visão de Saussure ou estruturalista a língua seria apenas uma estrutura). Sabemos que as estruturas de uma língua não apareceram por 8 acaso; são condicionadas histórica e geograficamente e estão inseridas em um contexto social. Desse modo, pode-se investigar a realidade linguística, considerando-se as diferentes abordagens da língua. Se a estudarmos como estrutura ou sistema, deveremos nos orientar pelas propostas do Estruturalismo; se seguirmos as orientações da Sociolinguística, estudaremos a língua através de seus dialetos. Há certa variação, quanto à definição de dialeto. No dizer de Monteiro (2000, p. 46): “As variações de uma língua são decorrentes do fato de a linguagem ser uma forma de atividade cultural praticada por vários grupos sociais. Essas variações podem-se manifestar de indivíduo para indivíduo e de grupo para grupo”. Cada dialeto pode-se dividir em subdialetos, já que os dialetos não oferecem uma unidade absoluta em todo território por onde se estende. Desse modo, os 18 subdialetos irão apresentar traços linguísticos secundários entre zonas desse território. Os traços linguísticos que servem de parâmetros para a classificação em dialetos e subdialetos de uma língua, geralmente, são os fonológicos e os morfológicos, pois estes traços são mais estáveis nas línguas. Castim (1994, p. 48), ao otimizar algumas ideias sobre o dialeto, apresenta os seguintes tópicos: - todo dialeto é um sistema de signos e de regras combinatórias da mesma origem do sistema considerado como língua; - nos países que possuem uma língua oficial, o dialeto é excluído das relações oficiais e das escolas. Exemplo: o caso do francês e do champanhês; - o dialeto mantém com a língua de que se origina traços linguísticos fundamentais e o sentimento de comunidade entre os seus usuários. Exemplo: o português do Brasil e de Portugal; - o termo dialeto caracteriza também um sistema de signos e de regras de um determinado grupo social, comumente conhecido por jargão (jargão de médicos, de engenheiros, de advogados, de militares). Dentro deste quadro geral de dialetos, subdialetos, vamos encontrar o idioleto, que é definido como o conjunto de enunciados realizados por uma só pessoa; por isso é considerado a menor limitação de um dialeto. Isso porque numa comunidade não vamos encontrar duas pessoas que falem do mesmo jeito. “A noção de idioleto parte do princípio de que cada pessoa tem sua maneira própria de usar a língua, dependente que é de condições psicofisiológicas, ambientais e sociais” (Ibidem). Há, dentro desta área, outros termos como – o socioleto, o tecnoleto, o biodialeto, o interleto. O primeiro termo, também chamado dialeto social, corresponde ao uso linguístico próprio de uma classe social. Citando Monteiro (2000, p. 50), “é o conjunto de traços linguísticos empregados preferencialmente por um determinado estrato social”. O tecnoleto, o próprio nome já ajuda, é uma variedade linguística própria de um domínio profissional, exemplos: o economês, o pedagogês. O biodioleto refere -se ao uso linguístico influenciado pelas fases da vida (criança, adolescente, idoso) ou de aspectos biológicos do falante; pode-se classificar em etnoleto – faixa etária, ou sexoleto - diferenças no falar atribuídas ao fator sexo. Já o interleto acontece, principalmente, quando os falantes moram em zona fronteiriça entre duas línguas. Assim, eles falam com influência das duas línguas, ou uma língua franca. Os conceitos advindos da Sociolinguística são inúmeros, por enquanto vamos ficar com esses. 19 6 LINGUÍSTICA TEXTUAL FRASE, TEXTO E CONTEXTO Fonte: www.theodysseyonline.com Por um bom período, a Linguística cuidou apenas das palavras; com o desenvolvimento dos estudos linguísticos, voltou-se para a frase e depois para o texto. Atualmente a Linguística volta-se mais para o discurso, um campo de análise bastante procurado por pesquisadores. Frase Em relação à frase, vamos resumir três visões: Por exemplo: Este livro aborda assuntos de Linguística para os alunos de Educação a Distância. Os primeiros constituintes desta frase: I - Este livro II - aborda assuntos de linguística para os alunos de Educação a Distância. Depois poderíamos subdividir cada constituinte: I - 1 – Este 2 – livro II - 1- aborda assunto de linguística 2 - para alunos de Educação a Distância. No item II, as partes 1 e 2 poderiam ainda ser subdivididas em constituintes de ordem inferior sucessivamente. Durante muito tempo, a frase era vista como “uma reunião de vocábulos com sentido completo” (visão da 20 gramática tradicional). Contudo, modernamente, a gramática prefere dizer de que se constitui a frase e não simplesmente defini-la. Por essa visão, uma frase é um enunciado cujos constituintes assumem uma função (Gramática ou Linguística Funcional). De acordo com a Gramática Gerativa, a frase se define como um conjunto hierarquizado de constituintes: os de ordem superior e os de ordem inferior. Cada constituinte de ordem inferior faz parte de um constituinte de ordem superior. Texto Um dos primeiros aspectos a serem considerados na definição de texto é que ele não tem existência fora de sua produção e de sua recepção (FÁVERO; KOCH, 1998, p.22). Outro ponto a acrescentar vem com o posicionamento de Marcuschi (1996, p. 9): “O texto se acha em permanente elaboração e reelaboração ao longo de sua história e ao longo das diversas recepções pelos diversos leitores”. Vamos encontrar mais adiante em Fávero e Koch (1998, p. 25), a seguinte definição de texto: “(...) consiste em qualquer passagem, falada ou escrita, que forma um todo significativo, independentemente de sua extensão”. Logo, uma obra completa de um autor é um texto, um capítulo, um parágrafo, uma frase, tudo pode ser considerado texto, desde que forme um todo significativo. Contexto O contexto é o ambiente linguístico ou extralinguístico em que se encontra o texto ou qualquer um dos seus constituintes. Por ambiente ou contexto linguístico, compreende-se tudo aquilo que, dito antes ou depois, complementa o sentido de um signo. Por ambiente ou contexto extralinguístico, compreende-se tudo o que forma um conjunto de circunstâncias do mundo extraverbal que influencia na compreensão do texto (mundo verbal); na atualidade, prefere-se o uso de cotexto em substituição ao contexto linguístico. Segundo Levinson (1989), o contexto tem a função de identificar naquele evento de fala os participantes, os parâmetros temporal e espacial, as crenças, o conhecimento e a intenção dos participantes. Exemplos: “Pára de servir salgadinho, porque senão ninguém entra na festa. ” José Possi Neto, organizador do Oscar do cinema brasileiro, orientando os assistentes para suspender o coquetel no salão do Hotel Quitandinha, em Petrópolis. (Veja - 23/02/2000) No exemplo acima, o texto apresenta, nitidamente, duas partes; a 8 primeira parte (que marcamos com aspas) traz a fala de um personagem; já a segunda, (com 21 aspas simples) traz, por escrito, a recuperação da situação em que foi dita essa fala. Observe que só através do contexto extraverbal, recuperado no texto pela revista (já que não estávamos no momento da enunciação) é que temos condições de identificar: o locutor (José Possi Neto), os interlocutores (assistentes de José Possi), o parâmetro espacial (salão do hotel Quitandinha) e o temporal (por ocasião da entrega do Oscar do cinema brasileiro, em fevereiro). É claro que, nesse exemplo, o papel do contexto extraverbal é um pouco complicado, pois ele vem por escrito. “Aqui no Rio de Janeiro nem malandro está livre de rasteira”. Bezerra da Silva, sambista, para quem a Riotur prometeu pagar RS 12 mil pelo show que ele fará no carnaval, mas agora avisou que pagará somente RS 1 mil. (ISTOÉ - 01/03/2000). Analisamos, no exemplo acima, o papel do contexto extraverbal; vamos analisar, no segundo exemplo, o contexto verbal. Observe que o signo linguístico “aqui” é recuperado no próprio mundo verbal, como sendo o “Rio de Janeiro”. Os exemplos acima fazem parte da tese de doutoramento da autora (PEDROSA, 2005) que, na ocasião, defendeu esses exemplos em seu conjunto (fala do locutor e fala do editor) como sendo um só texto. Por enquanto, eles servem para o propósito, explicar contextos e co-textos. 6.1 Conceitos Ferdinand de Saussure (1916) A língua não se confunde com a linguagem; é somente uma parte determinada, essencial dela. É, ao mesmo tempo, um produto social da faculdade de linguagem e um conjunto de convenções necessárias, adotadas pelo corpo social para permitir o exercício dessa faculdade nos indivíduos. A linguagem é multiforme e heteróclita; a língua, ao contrário, é um todo por si e um princípio de classificação. Ela é a parte social da linguagem, exterior ao indivíduo. Mikhail Bakhtin (1929) A verdadeira substância da língua não é constituída por um sistema abstrato de formas linguísticas nem pela enunciação monológica e isolada, nem pelo ato psicofisiológico de sua produção, mas pelo fenômeno social da interação verbal. A língua vive e evolui historicamente na comunicação verbal concreta, não no sistema linguístico abstrato das formas da língua nem no psiquismo individual dos falantes. Edward Sapir (1929) A linguagem é um método puramente humano e não instintivo de se comunicarem 22 ideias, emoções e desejos por meio de símbolos voluntariamente produzidos. 218 Noam Chomsky (1957). A linguagem é um conjunto (finito ou infinito) de sentenças, cada uma finita em seu comprimento e construída a partir de um conjunto finito de elementos. Noam Chomsky (2000) A linguagem é um componente da mente/cérebro humanos especificamente dedicada ao conhecimento e uso da língua. A faculdade da linguagem é o órgão da linguagem. A língua é então um estado dessa faculdade. Carlos Franchi (1977) A língua é atividade constitutiva. Pela diversidade dos posicionamentos apresentados acerca da definição de língua/linguagem, percebemos que a linguística é marcada pela constante discussão e retomada do seu objeto de estudo. Essas posições sinalizam, além do marco teórico defendido por seus autores, uma postura filosófica sobre o papel da linguagem na vida dos seres humanos. Do conjunto de definições, percebemos que a língua ora se apresenta como um sistema de representação da realidade, ora como um instrumento de comunicação, ora como uma forma de ação social. Essas concepções orientam a escolha de uma definição teórica de linguagem. 6.2 Concepções de Linguagem • Linguagem como representação do pensamento e do conhecimento. • Linguagem como um código para a comunicação. • Linguagem como uma forma de ação interativa. O conceito de língua adotado pelo linguista suíço Saussure instaura, no século XX, a autonomia da Linguística como ciência. Saussure define língua por oposição à linguagem e à fala. O conceito de ciência nesse período era marcado pela busca de teorias capazes de explicar qualquer fenômeno de modo universal. A linguagem não serviria como bom objeto para a nova ciência porque era “multiforme e heteróclita”, isto é, o conhecimento da linguagem envolveria a investigação de sua natureza mental, abstrata, psicofisiológica, o que extrapolaria os limites da linguística. Por outro lado, a fala, como fenômeno individualizado não se prestaria à elaboração de uma teoria capaz de explicar todas as línguas. Surge, então, o conceito de língua, como 23 um recorte feito pelo autor, para explicar o caráter concreto, homogêneo e objetivo do fenômeno linguístico. A noção adotada por Saussure aponta para língua como um sistema, ou seja, uma estrutura formal passível de classificação em elementos mínimos que compõem um todo. Esses elementos se organizam por princípios de distribuição e associação, verificáveis em todas as línguas naturais. Mikhail Bakhtin, filósofo e linguista russo, concebe o fenômeno linguístico de modo bastante diferente de Saussure. Para este autor, a discussão sobre o caráter abstrato ou individualista da linguagem é simplesmente inadequada. O que constitui a língua é sua natureza socioideológica,isto é, o complexo de relações existentes entre língua e sociedade. Essas relações se materializam no discurso, perceptível nos enunciados proferidos pelos falantes, em situações comunicativas concretas. Bakhtin destaca o papel das relações intersubjetivas entre o falante e o ‘outro’ como instaurador de uma concepção adequada de linguagem, privilegiando a ação dialógica no curso da história, em uma sociedade. Para o antropólogo-linguista estadunidense, de origem alemã, Edward Sapir, o conceito de linguagem perpassa a representação que uma determinada comunidade faz de sua cultura, através dos símbolos que utiliza. A língua é, portanto, uma categorização simbólica organizada. Juntamente com seu associado, Benjamin Whorf, Sapir defende a hipótese de que nós recortamos a natureza, a organizamos em conceitos e atribuindo-lhes significações porque convencionamos culturalmente organizá-la dessa forma. Essa convenção faz parte de um contrato que se mantém através de nossa comunidade linguística e está codificado nos padrões de nossa língua. Sapir e Whorf defendem que nosso universo mental é determinado pelas estruturas da língua que falamos, e estas estruturas são um recorte arbitrário da realidade. “A lógica natural diz-nos que a fala é apenas uma manifestação acessória, que diz estritamente respeito à comunicação e não à formulação das ideias. Supõe-se que a fala, ou o emprego da língua exprime apenas o que, em princípio, já está formulado não verbalmente. A formulação é um processo independente, denominado pensamento e considerado muito escassamente tributário do caráter particular das diferentes línguas. O relativismo linguístico modifica o veredicto do Senhor Senso Comum. Em vez de dizer ‘as frases são diferentes porque evocam fatos diferentes’, passa a dizer ‘os fatos são diferentes’ para os locutores cujo pano de fundo linguístico atribui a esses fatos uma formulação diferente” (WHORF, 1956, p. 117; 24 160). Para o linguista Avram Noam Chomsky, a linguagem humana baseia-se em uma propriedade elementar biologicamente isolada na espécie humana: a infinitude discreta. Esta propriedade é comparável àquela dos números naturais, ou seja, elementos discretos (símbolos oponíveis entre si) combinam-se produzindo todas as possibilidades de números existentes. No que se refere à teoria linguística, o autor reproduz o pensamento de Humboldt (séc. XVII) de que a língua possui meios finitos para produzir uma sequência infinita de enunciados. Esse conhecimento é, portanto, parte de um fenômeno natural, biológico, que nos alcançou através da evolução da espécie. Chomsky acredita que o conhecimento da linguagem é individual e interno à mente e ao cérebro humano. A faculdade da linguagem, para essa teoria, é uma propriedade da espécie humana que varia muito pouco entre os indivíduos e que não tem análogo significativo em outras espécies. A linguagem humana é, portanto, um objeto biológico e deve ser analisada segundo a metodologia das ciências naturais. Assim, um estudo adequado da língua precisa tratar de seu construto mental, uma entidade teórica a que Chomsky se refere como Língua-I, uma propriedade interna do indivíduo. Segundo o autor, todas as propriedades essenciais da língua são construídas desde o início. A criança não precisa aprender as propriedades da língua a que está exposta, apenas seleciona opções específicas de um conjunto pré-determinado. O órgão da linguagem (faculdade) de uma criança está em estado L (linguagem internalizada). A teoria da linguagem dessa criança é a gramática de sua língua. A língua determina uma gama infinita de expressões (som + significado), ou seja, a língua gera expressões na linguagem. Esta teoria de linguagem é chamada de gramática gerativa. No Brasil, o linguista Carlos Franchi, da UNICAMP, nos apresenta noção de linguagem que extrapola os limites estruturais, comunicativos e cognitivos dentro dos quais a língua havia sido pensada. Para Luiz Antônio Marcuschi (2003, p. 46), eminente linguista que comunga com o pensamento de Franchi, “A língua é muito mais do que uma simples mediadora do conhecimento e muito mais do que um instrumento de comunicação ou um modo de interação humana. A língua é constitutiva de nosso conhecimento”. Bem repetindo Humboldt, a linguagem é um processo cuja forma é persistente, mas cujo escopo e modalidades do produto são completamente indeterminados; em outros termos, a linguagem em um de seus aspectos fundamentais é um meio de revisão de categorias e criação de 25 novas estruturas. Nesse sentido a linguagem não é somente um processo de representação, de que se podem servir os discursos demonstrativos e conceituais, mas ainda uma prática imaginativa que não se dá em um universo fechado e restrito, mas permite passar, no pensamento e no tempo, a diferentes universos mais amplos, atuais, possíveis, imaginários (FRANCHI, 1977, p. 32). Como atividade constitutiva, a linguagem é incontornável e imprescindível das relações e ações humanas, fazendo parte de nossa natureza e ativamente modelando nossa comunicação, nosso pensamento, nossa interação. “A rigor, para que existiria linguagem? Certamente não para gerar sequências arbitrárias de símbolos nem para disponibilizar repertórios de unidades sistemáticas. Na verdade, a linguagem existe para que as pessoas possam relatar a estória de suas vidas, eventualmente mentir sobre elas, expressar seus desejos e temores, tentar resolver problemas, avaliar situações, influenciar seus interlocutores, predizer o futuro, planejar ações” (SALOMÃO, 1999, p. 65). REFLEXÃO: Após a leitura dos conceitos apresentados pelos diversos autores, procure associar cada conceito a uma das três Concepções de Linguagem, que orientam o posicionamento teórico sobre linguagem. 6.3 História Dos Estudos Da Linguagem Fonte: www.spiegel.de 26 A existência de uma ciência da linguagem não é, em si, o ponto de partida para os estudos sobre a relação entre a linguagem e o ser humano. Antes de a Linguística se constituir como ciência, seu objeto, a língua, mantinha relacionamento estreito com muitas disciplinas, tanto do conhecimento científico, quanto do conhecimento popular. Se considerarmos que desde a mais remota era, o homem já buscava formas de se comunicar por meio de trocas simbólicas que possivelmente deram origem à linguagem, tal como ela é hoje, poderíamos pressupor que desde então já havia um interesse latente pelo estudo da linguagem. Este interesse pela compreensão do fenômeno linguístico pode ser encontrado no mundo antigo por meio de mitos, lendas e ritos que são comuns a várias culturas (como a origem do homem, a Torre de Babel, etc.), e que fazem parte do conhecimento popular sobre o fenômeno linguístico, como sua origem (várias culturas acreditam que a língua é um dom divino ou que todas as línguas se originam língua falada entre um deus e o primeiro homem); seu poder de fazer coisas acontecerem (a história da criação do mundo em várias culturas está relacionada ao poder da palavra: “faça-se a luz!”); e a natureza mística das palavras de atraírem o bem e o mal. Os estudos sobre a linguagem podem ser reconstituídos à aproximadamente quatro ou cinco séculos antes da nossa era. Por razões religiosas, os Hindus foram, aparentemente, os primeiros a empreender a tarefa linguística de preservar os escritos sagrados do Vedas contra a falsificação. Entre os Hindus, o gramático Panini fez descrição minuciosa da língua falada entre seu povo, que veio a ser descoberta nos fins do século XVIII, popularizando entre os linguistas e filólogos o estudo do Sânscrito. Entre os gregos, os estudos da linguagem debruçavam-se sobre as relações desta com os conceitos. Investigava-se se a nomeação de um conceito por meio da língua era tarefa puramente convencional, ou se havia entrepalavras e conceitos uma relação natural. O diálogo O Crátilo, de Platão, investiga essas duas correntes para explicar como a língua refere-se ao mundo, denominando-as de naturalismo e convencionalismo. O diálogo sintetiza estas posições através da fala de suas personagens: Crátilo, naturalista, acredita que os nomes refletiam o mundo, e Hermógenes, convencionalista, defendia que os nomes das coisas lhes são atribuídos por convenção. Outra personagem, Sócrates, através de quem o próprio Platão expressa sua opinião, oferece a seguinte explicação para o debate: 27 • Tanto as coisas quanto a linguagem estão em constante movimento; • No início, os nomes poderiam ter exprimido o sentido das coisas, mas com o movimento, a expressão degenerou-se e as convenções fizeram- se necessárias; • Os nomes são imitações imperfeitas das coisas; • A linguagem não pode nos ensinar a realidade, mas nos impede de ver a essência das coisas. Outro filósofo grego, Aristóteles, acreditava que a função da linguagem seria traduzir o mundo, representá-lo. As estruturas da linguagem, classificadas segundo sua natureza lógica de nomear, qualificar, predicar, etc. refletem as estruturas encontradas no mundo e nos permitem conhecer este. Aristóteles defendia que a lógica pré-existente ao mundo organizado era regente da lógica da língua. Assim, a linguagem teria um caráter secundário em relação à lógica natural. Nesse empreendimento, a estrutura da língua, do discurso e das categorias gramaticais, descrição pioneira de Aristóteles, era apenas um meio de se chegar ao conhecimento das estruturas e da lógica da realidade. Entre os romanos, que primavam por recuperar a herança helênica, Varrão se propôs a formular a noção de gramática, já presente entre hindus e gregos, como ciência e como arte. Sua obra sobre a língua latina se constitui um compêndio de teorias sobre etimologia, flexão, e rudimentos de sintaxe, nos moldes de uma gramática atual. 6.4 Evolução Das Ciências Da Linguagem Após a tradição hindu, grega e latina, os estudos da linguagem assumiram diversas orientações que indicavam, de certo modo, a contextualização histórica ideológica vigente em um dado período e em um dado lugar. Assim, costuma-se pensar que a evolução das ciências da linguagem passou por, pelo menos, três períodos em que as ideias linguísticas refletiam a predominância de certas formas de pensar. A linguística, no século XX, retoma o caráter científico dos estudos da linguagem, determinando como seu objeto a língua. Antes disso, porém, língua e linguagem foram objetos de estudo de inúmeras ciências (como a filosofia, a lógica, a filologia, por exemplo). Parte das investigações sobre a linguagem, nessas ciências, 28 tentava responder à questão sobre o que nos diferencia, enquanto humanos, de outros animais: a língua era sempre apontada com a resposta a essa pergunta. Na idade média, por exemplo, o foco dos estudos sobre a linguagem, derivados da noção de que a língua tem origem divina, era conceber as estruturas linguísticas como universais, o que tornava as regras gramaticais um sistema lógico autônomo e independente das línguas naturais. Da atitude teológico-cristã, característica desse período, derivam alguns movimentos que contribuíram para os estudos da linguagem: • A invenção da imprensa por Johann Gutenberg dá início ao movimento de estudos fonéticos; • A religiosidade da reforma protestante faz com que se iniciem as traduções da Bíblia para diversas línguas diferentes do latim; • Os estudos de tradução dão origem às gramáticas das línguas chamadas de vulgares; • As línguas do novo mundo (Américas) passam a ser descritas pelos missionários e viajantes do século XVI; • São elaborados os primeiros dicionários poliglotas (Ambroise Calepino); • Os estudos de fonética progridem, gerando a descrição de centenas de línguas; • Da semelhança entre as línguas descritas, surge a hipótese de que todas derivam de uma mesma origem, o Hebraico. Ao final desse período, o interesse pela linguagem como dom divino cedeu lugar aos estudos sobre a lógica e a razão. O movimento chamado de iluminista e, posteriormente, o renascimento deslocaram o interesse dos estudos científico filosóficos da divindade para o homem. Nos estudos linguísticos, um ícone desse movimento é a Gramática de Port-Royal, que concebe a linguagem como fundada na razão e no pensamento do homem, sendo, portanto, universal e modelo para as gramáticas de outras línguas. O século XIX incorpora as diretrizes racionalistas da Gramática de Port-Royal e inaugura um interesse pelo estudo das línguas vivas na comparação com outras línguas. Este movimento, denominado histórico-comparativo, dá origem ao método histórico das gramáticas comparadas e à linguística histórica. O que desencadeia esse programa de investigações é a descoberta do Sânscrito (entre 29 1786 e 1816), que demonstra as evidências de parentesco entre latim, grego, línguas germânicas, eslavas e célticas com o sânscrito. Essas descobertas indicam que à linguagem pode-se aplicar um modelo biológico de evolução: as línguas são organismos vivos que nascem, crescem e morrem, encontrando um tempo breve de perfeição. A linguística histórica surge da possibilidade de desenvolvimentos de métodos e princípios da gramática comparada. A comparação entre as línguas facilitava a 224 demonstração do parentesco e da evolução histórica de uma língua. O estudo da passagem da língua de um estado para o seguinte se dada mediante a análise das leis que determinavam essa evolução, encontradas particularmente nos textos escritos. Assim, a gramática comparada era, efetivamente, o estudo da evolução contínua das línguas, o que a confundia com a própria linguística histórica. Nesse movimento, a escola neogramática acreditava que a quase totalidade das transformações linguísticas poderia ser explicada no domínio da fonética. 6.5 O que é gerativismo? A teoria linguística chamada Gramática Gerativa tem sido desenvolvida por Noam Chomsky e muitos outros pesquisadores desde 1957. Trata-se de uma teoria que se ocupa das línguas e da linguagem. Há, entretanto, várias maneiras de se estudar as línguas e a linguagem. O que existe, na verdade, são homens que falam, numa sociedade que se organiza através da linguagem. Vamos chamar isto de mundo das aparências, das coisas que existem concretamente. Para tornar inteligível este mundo das aparências, o espírito humano constrói modelos abstratos, teorias, que levam em conta normalmente apenas partes desse mundo. Quero dizer que cada modelo abstrato, cada teoria, escolhe um aspecto da linguagem para estudar e que não existe um modelo bem-sucedido que contemple todo o fenômeno da linguagem. Esta observação é válida em outras áreas do conhecimento, como na física, por exemplo. O que se faz, então, é privilegiar um aspecto da linguagem, o dos sons, por exemplo, o significado destes sons, as modificações da língua, geograficamente ou historicamente. Pode-se também estudar a conversação, o texto, etc. Ao tomar um desses aspectos da linguagem como tema de pesquisa já se faz um primeiro trabalho de abstração. Ora, a linguagem tem lugar 30 de maneira global, inteira. E é no interior do fragmento da linguagem escolhido que o pesquisador vai elaborar seu objeto de estudo. A Gramática Gerativa vai se ocupar, privilegiadamente, da sintaxe das línguas, mas não é a sintaxe das línguas seu objeto de estudo. A sintaxe das línguas é apenas um meio para se descrever uma entidade teórica chamada de Gramática Universal. Este é o objeto de estudo da Gramática Gerativa. A Gramática Universal pode ser definida, inicialmente, como os aspectos sintáticos que são comuns a todas as línguas do mundo. Supõe-se então que, apesar da variação que existe entreas línguas, isto é, apesar das línguas serem diferentes (por exemplo, o fato de o objeto direto Abordagens e teorias sobre a aquisição da linguagem: as hipóteses inatistas e interacionista; aparecer antes do verbo em japonês e depois do verbo em português) existiria uma gramática subjacente a todas elas. Esta gramática seria composta de: 1) Mecanismos que permitiriam colocar em relação termos da língua, formando níveis de representação associados com a interpretação do significado dos sons 2) Um conjunto de princípios que restringiriam as possibilidades de combinação desses. Esta gramática conteria também certos parâmetros que determinariam as dimensões de variação das gramáticas das línguas. Esta gramática só permitiria também a ocorrência de frases bem-formadas de uma língua. A dicotomia frase bem formada/malformada não se confunde com a oposição frase correta/incorreta da gramática tradicional: a frase incorreta pode ser uma frase bem-formada. Embora a gramática só permita a ocorrência de frases bem-formadas, o linguista lida também com frases malformadas. O linguista trabalha, na verdade, no limite entre as frases bem-formadas e as malformadas. É, neste limite, para usar uma metáfora, entre o mundo da gramaticalidade e o mundo da agramaticalidade, que se podem identificar os princípios da Gramática Universal. Nesse sentido, vale a brincadeira segundo a qual o gerativista não gosta da língua. A análise da língua, que é extensa, é só um pretexto para se estabelecer a Gramática Universal. Essas ideias redefiniram a natureza da linguagem e da teoria linguística. 31 Diferentemente do estruturalismo que edifica sua teoria a partir de uma pergunta sobre a gênese da significação, a gramática gerativa propõe que o que é essencial à linguagem é a sua recursividade, isto é, o fato de com elementos finitos ser possível gerar frases infinitamente. Frases em número infinito, mas não todo tipo de frase. A questão que se coloca é saber o que faz com que uma frase seja uma frase de uma língua. Conclui-se, assim, que existem princípios que filtram as frases mal formadas. Como a ideia da existência da Gramática Universal pôde ser considerada plausível? Ora, é uma ideia estranha: no mundo das aparências as línguas variam; existe até o mito bíblico da torre de Babel. Para justificar a hipótese da Gramática Universal, há uma crença e dois tipos de evidências que podem ser chamadas de empíricas. A crença, que é a mesma que permitiu o aparecimento da física clássica no século XVII, é a de que existe uma ordem oculta no universo, ou seja, subjacente ao caos do mundo das aparências, existe um mundo perfeito composto de leis que o cientista deve descobrir ou estabelecer. A hipótese da Gramática Universal pode ser vista como uma transposição dessa crença para o domínio da linguagem. Assim como existem as leis que pré- determinam o universo, há os princípios que pré-estabelecem as possibilidades de variação entre as línguas. O gerativista, que é um iluminista (mas não iluminado), espera: o que não damos conta hoje, podemos dar conta amanhã. O primeiro tipo de evidência que sustenta a hipótese da gramática universal é o trabalho empírico de análise de línguas. O que se faz é um trabalho de sintaxe comparativa no qual se procura estabelecer regularidades entre as línguas e, a partir dessas regularidades, princípios que as expliquem. Se encontrarmos, por exemplo, comportamento sintático espetacularmente similar entre o português do Brasil e o chinês, como em VITRAL (1992), não há a possibilidade de se explicar isto através de contato entre as línguas, empréstimo, etc. Parece necessário supor que há algo em comum, num nível abstrato, entre essas línguas. O outro tipo de evidência que sustenta a hipótese da gramática universal diz respeito à aquisição da linguagem pela criança. As características da aquisição da linguagem desfavorecem a ideia de que a aquisição da linguagem se dá pela transmissão de estruturas linguísticas externas (que o adulto domina) para a criança que as intrometa. As coisas não se passam assim. Há evidências que mostram que o ambiente linguístico da criança apenas ativa estruturas que já são de posse da mesma. Além disso, a aquisição da linguagem é 32 homogênea, isto é, independe de classe social, grau de estimulação e tem lugar entre 1 e 4 anos; a aquisição também é completa, ou seja, a criança aprende todo o sistema linguístico. Não há casos de aprendizagem parcial: seria uma hipótese absurda a criança aprender as frases interrogativas, mas não saber estruturar nem interpretar as frases relativas porque a mãe trabalha fora e não tem tempo de ensinar. Supondo então que a hipótese da gramática universal seja plausível, como explicar por outro lado, o fato de ela ser universal? Ou seja, por que ela é comum a todas as línguas? Chomsky propõe que a gramática universal deve ter uma base biológica, isto é, o que se chama de Gramática Universal é uma teoria sobre aparecer antes do verbo em japonês e depois do verbo em português) existiria uma gramática subjacente a todas elas. Esta gramática seria composta de: 1) Mecanismos que permitiriam colocar em relação termos da língua, formando níveis de representação associados com a interpretação do significado dos sons 2) Um conjunto de princípios que restringiriam as possibilidades de combinação desses. Esta gramática conteria também certos parâmetros que determinariam as dimensões de variação das gramáticas das línguas. Esta gramática só permitiria também a ocorrência de frases bem-formadas de uma língua. A dicotomia frase bem-formada/malformada não se confunde com a oposição frase correta/incorreta da gramática tradicional: a frase incorreta pode ser uma frase bem-formada. Embora a gramática só permita a ocorrência de frases bem formadas, o linguista lida também com frases malformadas. O linguista trabalha, na verdade, no limite entre as frases bem-formadas e as malformadas. É, neste limite, para usar uma metáfora, entre o mundo da gramaticalidade e o mundo da agramaticalidade, que se podem identificar os princípios da Gramática Universal. Nesse sentido, vale a brincadeira segundo a qual o gerativista não gosta da língua. A análise da língua, que é extensa, é só um pretexto para se estabelecer a Gramática Universal. Essas ideias redefiniram a natureza da linguagem e da teoria linguística. Diferentemente do estruturalismo que edifica sua teoria a partir de uma pergunta sobre a gênese da significação, a gramática gerativa propõe que o que é essencial à 33 linguagem é a sua recursividade, isto é, o fato de com elementos finitos ser possível gerar frases infinitamente. Frases em número infinito, mas não todo tipo de frase. A questão que se coloca é saber o que faz com que uma frase seja uma frase de uma língua. Conclui-se, assim, que existem princípios que filtram as frases mal formadas. Como a ideia da existência da Gramática Universal pôde ser considerada plausível? Ora, é uma ideia estranha: no mundo das aparências as línguas variam; existe até o mito bíblico da torre de Babel. Para justificar a hipótese da Gramática Universal, há uma crença e dois tipos de evidências que podem ser chamadas de empíricas. A crença, que é a mesma que permitiu o aparecimento da física clássica no século XVII, é a de que existe uma ordem oculta no universo, ou seja, subjacente ao caos do mundo das aparências, existe um mundo perfeito composto de leis que o cientista deve descobrir ou estabelecer. A hipótese da Gramática Universal pode ser vista como uma transposição dessa crença para o domínio da linguagem. Assim como existem as leis que pré- determinam o universo, há os princípios que pré-estabelecem as possibilidades de variação entre as línguas. O gerativista, que é um iluminista (mas não iluminado), espera:o que não damos conta hoje, podemos dar conta amanhã. O primeiro tipo de evidência que sustenta a hipótese da gramática universal é o trabalho empírico de análise de línguas. O que se faz é um trabalho de sintaxe comparativa no qual se procura estabelecer regularidades entre as línguas e, a partir dessas regularidades, princípios que as expliquem. Se encontrarmos, por exemplo, comportamento sintático espetacularmente similar entre o português do Brasil e o chinês, como em VITRAL (1992), não há a possibilidade de se explicar isto através de contato entre as línguas, empréstimo, etc. Parece necessário supor que há algo em comum, num nível abstrato, entre essas línguas. O outro tipo de evidência que sustenta a hipótese da gramática universal diz respeito à aquisição da linguagem pela criança. As características da aquisição da linguagem desfavorecem a ideia de que a aquisição da linguagem se dá pela transmissão de estruturas linguísticas externas (que o adulto domina) para a criança que as intrometa. As coisas não se passam assim. Há evidências que mostram que o ambiente linguístico da criança apenas ativa estruturas que já são de posse da mesma. Além disso, a aquisição da linguagem é homogênea, isto é, independe de classe social, grau de estimulação e tem lugar entre 1 e 4 anos; a aquisição também 34 é completa, ou seja, a criança aprende todo o sistema linguístico. Não há casos de aprendizagem parcial: seria uma hipótese absurda a criança aprender as frases interrogativas, mas não saber estruturar nem interpretar as frases relativas porque a mãe trabalha fora e não tem tempo de ensinar. Supondo então que a hipótese da gramática universal seja plausível, como explicar por outro lado, o fato de ela ser universal? Ou seja, por que ela é comum a todas as línguas? Chomsky propõe que a gramática universal deve ter uma base biológica, isto é, o que se chama de Gramática Universal é uma teoria sobre mecanismos inatos, uma matriz biológica que fornece uma estrutura dentro da qual se dá o desenvolvimento da linguagem. A gramática universal é, pois, transmitida geneticamente. Esta hipótese de que bases do pensamento ou da linguagem possam ter correspondentes biológicos ou anatômicos encontrou muita resistência esses anos todos. Estamos prontos para aceitar isto com relação a características cognitivas. O fato é que Chomsky acredita que devemos pressupor uma matriz biológica, com características que possam ser especificadas e que determinem o resultado de qualquer processo ao qual o organismo seja submetido, embora estejamos muito longe de conseguir estabelecer correspondências entre entidades biológicas e entidades linguísticas. Referência Bibliográfica VITRAL, L. Structure de la proposition et syntaxe du mouvement en portuguais brésilien. Tese de doutorado, Universidade de Paris VIII, 1992. 35 7 A HIPÓTESE DA GRAMÁTICA UNIVERSAL Fonte: www.usnews.com 7.1 A gramática universal Na visão inatista de Chomsky é proposto que a criança “...possui uma Gramática Universal incorporada à própria estrutura de sua mente”, isto é a criança já nasce biologicamente (geneticamente) equipada com uma gramática onde se encontrem todas as regras possíveis da todas as línguas, um enorme conteúdo de informações, isto é, uma gramática universal. Essa abordagem postula que a criança realiza operações mentais que transforma a gramática universal na gramática da língua a que está exposta, da seguinte forma: a gramática universal constitui-se de um conjunto de regras, das quais a criança irá selecionar as que serão empregadas para que possa efetivamente adquirir a linguagem que está submetida e excluir todas as demais. Chomsky pauta seus argumentos para validar a teoria da gramática universal desta forma: “...a criança, que é exposta normalmente a uma fala precária, fragmentada, cheia de frases truncadas ou incompletas, é capaz de dominar um conjunto complexo de regras ou princípios básicos que constituem a gramática internalizada do falante. (...). Um mecanismo ou dispositivo inato de aquisição da linguagem (...), que elabore hipóteses linguísticas sobre dados linguísticos 36 primários (isto é, a língua a que a criança está exposta), gera uma gramática específica, que é a gramática da língua nativa da criança, de maneira relativamente fácil e com um certo grau de espontaneidade. Isto é, esse mecanismo inato faz “desabrochar “o que “já está lá”, através da projeção, nos dados do ambiente, de um conhecimento linguístico prévio, sintático por natureza”. Assim, a linguagem é atrelada a características inerentes a espécie humana, o que reafirma seu caráter universal, tomando a linguagem como um fator biológico e cognitivo. Ao assumir essa postura admite-se que o ser humano por natureza é detentor de uma gramática universal que possui princípios universais que fazem parte da faculdade da linguagem e parâmetro que serão definidos pela influência do meio e/ou da língua nativa. 8 A TEORIA DE PRINCÍPIOS E PARÂMETROS Elaborada por Chomsky, em 1984, a Teoria de princípios e parâmetros significou uma adequação dos conceitos da gramática universal face aos questionamentos surgidos em torno da mesma, bem como diante das novas descobertas na área da aquisição da linguagem. Nessa releitura “...postula-se que a criança nasce pré-programada com princípios (universais) e um conjunto de parâmetros que deverão ser fixados ou marcados de acordo com os dados da língua a que a criança está exposta. A criança não escolhe mais as regras, nesta versão da teoria de princípios e parâmetros, mas valores, paramétricos”. Em outras palavras podemos dizer que se passou a acreditar que a gramática universal é disposta por princípios ou “leis” que são constantes e que são usadas igualmente em todas as línguas; contendo também parâmetros ou “leis” que tem representações definidas pela língua que se encontre, ocasionando as divergências entre as línguas e as transformações dentro de uma mesma língua. Nessa teoria a função da criança é analisar todas as partes e depois processá-lo a fim de atribuir o valor que cada parâmetro deve possuir. Para um melhor esclarecimento, vamos exemplificar do seguinte modo: 37 Partindo da concepção de que todas as frases, indistintamente da língua, requerem um sujeito, contudo esse sujeito não necessariamente tem que estar explicito, sendo esse parâmetro ou valor que deve ser fixado. A criança, dependendo do sistema linguístico em que se encontra, decidirá se o sujeito deve ou não constar obrigatoriamente na frase realizada. Entretanto, muitas perguntas sobre a problemática dos parâmetros ainda esperam por uma explicação, tais como: ”...quantos são os valores dos parâmetros? No estado inicial da GU, um dado parâmetro já tem uma marcação especifica ou não tem marcação alguma? É possível haver reparametrização? O que desencadearia a parametrização?...” Buscando desvendar como se dá à atribuição dos valores aos parâmetros temos três hipóteses que se propõem da conta de tal questão. A primeira afirma que no começo do processo os parâmetros não estão completamente presentes e só com o prosseguimento da aquisição da linguagem é que esses surgem, crendo também que os mesmos são organizados geneticamente, de modo a ocorrerem em determinadas etapas do amadurecimento do indivíduo, cujos fatores motivadores de tal processo são responsáveis pela transcrição da gramática universal para a gramática da língua nativa. A segunda hipótese divide-se em duas perspectivas, a da competência plena/total o entendimento que se teve é que todos os princípios estão presentes no começo do processo, caso não ocorra à delimitação logo, o motivo pode ser um problema de memória, por exemplo, na referida delimitação. Já a hipótese de aprendizagem lexical explica,
Compartilhar