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Histórias de mulheres _ Revista Emília

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20/04/2019 Histórias de mulheres | Revista Emília
revistaemilia.com.br/historias-de-mulheres/ 1/12
Histórias de mulheres
POR PILAR MUÑOZ LESCANO | 14 DE JULHO DE 2012 | PROTAGONISTAS |
Fadas no século XXI
ontos de fadas às portas do século XXI? Contos de fadas na era do imediatismo digital?
Escrever e ler contos de fadas na era dos blogs? Embora à primeira vista pareça incompatível
uma estrutura narrativa tão antiga quanto o homem e as últimas tecnologias desenvolvidas por
e para o ser humano, uma leitura crítica – e prazerosa – dos contos de Marina Colasanti nos
permite pensar que é sim possível.
O olhar com que a autora brasileira aborda os contos de fadas nos permite estudar o seu ponto de vista dentro
de uma ética ligada à importância de narrar e ouvir relatos e à relevância das histórias maravilhosas com ou sem
final feliz. Ao mesmo tempo, vamos refletir sobre o lugar singular concedido à mulher na história. Para Marina,
as mulheres muitas vezes desempenham um papel fundamental no relato e sempre o fazem ao narrar; e como
historicamente muitas mães e avós contam histórias, o relato transcende com voz de mulher.
 
Sobre fadas, palavras e mulheres, e mulheres fadas
Nos contos maravilhosos, o imaginário aparece em imagens primordiais, também chamado de motivo. Ao
estudar o conto popular, Stith Thompson definiu o motivo como o menor elemento com poder de perdurar na
tradição. Já Ana Garralón pontua que se trata de “imagens persistentes, partículas de grande força que se
imprimem na psique, na emoção e na memória do receptor do conto” e também indica que “como realidade
literária, são ambíguas, polivalentes, ou seja, poéticas, simbólicas”.
Em vários dos contos incluídos em Entre a espada e a rosa e Longe como o meu querer e outros contos é
possível encontrar, ao menos, um motivo. No conto “Entre a espada e a rosa”, a imagem primordial são
as lágrimas da princesa acompanhadas das súplicas ao seu corpo e à sua mente, visto que por meio delas a
princesa gera o encantamento sobre si mesma e evita um casamento que não deseja; portanto, é também por
meio das lágrimas e das preces que desfaz o feitiço e consegue casar com o homem que ama; em “Uma voz
entre os arbustos” é o silêncio e, ao mesmo tempo, a voz da princesa, porque através deles a protagonista
seduz e encanta o rei. Em “Como um colar” podemos pensar que o motivo é proporcionado pelas pérolas, pois
elas delineiam a história e, além disso, se enfileiram em torno do pescoço da protagonista morta, no final.
O canto da pescadora que atrai os peixes é a imagem primordial em “Um cantar de mar e vento”, e também
os peixes e o golfinho, que em vários momentos salvam a vida da protagonista, a chave, o anel de ouro e
o retrato do jovem que ela se permite conhecer em sonhos. Em “Longe como o meu querer”, o motivo é
http://revistaemilia.com.br/author/pilar-munoz-lescano/
http://revistaemilia.com.br/categorias/protagonistas/
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a cabeça do homem amado que, sem ser mais do que apenas uma parte do corpo, pode falar com a princesa e
se torna, para ela, objeto de adoração e luta.
 Virginia Sterrett, 1920 (openlibrary.org)
Além de definir o motivo, Stith Thompson observa que podem ser de três tipos e, em um deles, os personagens
incluem os deuses. Desta forma, podemos pensar que a imagem primordial de “Com sua voz de mulher” é
http://www.archive.org/stream/oldfrenchfairyta00sgrich#page/n241/mode/2up
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o deus tornado mulher na terra. Mas também é possível contemplar como tal as palavras, porque por meio delas
a protagonista torna-se heroína — ao combater o tédio, narrando, como se utilizasse palavras mágicas, capazes
de produzir um encantamento: ouvir e sonhar. Assim, essas palavras, encantadoras, entretém durante o relato
noturno e, a partir de suas reminiscências, durante o dia:
Agora, durante o dia, enquanto aravam, martelavam, enquanto erguiam o machado, os homens
lembravam-se das histórias que tinham ouvido à noite, e tinham a impressão de também navegar, voar,
cavalgando trovões e nuvens como aquelas personagens. E as mulheres estendiam lençóis como se
armassem tendas, repreendiam o cão como se domassem leões, e atiçando o fogo chuçavam dragões. Até
o pastor como suas ovelhas não estava mais só, e as ovelhas eram sua legião.
Os homens sorriam debruçados sobre suas tarefas, as mulheres cantavam e tinham gestos amplos nos
braços, e as crianças se enrodilhavam estremecidas de medo e de prazer. O tédio havia desaparecido.
 
(“Com sua voz de mulher”)
A palavra, de alguma forma, está envolvida nos motivos dos seis contos analisados. O silêncio e a voz seduzem
o rei em “Uma voz entre os arbustos”; as súplicas da princesa ao seu corpo e à sua mente faz e desfaz o
encantamento em “Entre a espada e a rosa” e a pescadora enfeitiça com seu canto em “Um cantar de mar e
vento”, assim como a cabeça fala em “Longe como o meu querer”. A mulher-deus de “Com sua voz de
mulher” delineia palavras mágicas para entreter assim como as pérolas delineiam para construir o relato, em
“Como um colar”. Canto e fala, voz e silêncio; palavras presentes, ausência de palavras; sedução,
encantamento, fascínio. Relato delineado com palavras, relato delineado com pérolas; esboço, trama, tecido.
Seduzir com a voz, encantar com as palavras, maravilhar com o relato. Narrar. Neste conjunto de motivos há
uma síntese da relevância da narrativa na poética da autora, apontada da seguinte maneira:
Os seres humanos precisam narrar. Não para se distrair, não como uma forma lúdica de relacionamento,
mas para alimentar e estruturar o espírito, assim como a comida alimenta e estrutura o corpo.
 
(“Em busca do mapa da mina: pensando na formação de leitores”)
Não restam dúvidas de que para Marina Colasanti narrar é vital, mas, além disso, o relato é uma ponte:
A narrativa não funciona somente como intermediário entre nós e o mundo. Ela é também mediadora entre
nós e nós mesmos, entre aquilo que em nós é consciência, razão, controle, e aquilo que é sentimento,
inconsciente, impulso.
A narrativa nos aproxima daquilo que desconhecemos.
E a necessidade dessa aproximação faz de nós todos narradores e ouvintes.
 
(“Em busca do mapa da mina: pensando na formação de leitores”)
Neste sentido, não é casual que as palavras sobrepostas, o relato, o narrar, analisados como motivos nestes
contos, não são aleatórios, mas fiel testemunha dos conceitos de relato e narrativa que prega a autora.
Além disso, cada protagonista pode ser identificada com um atributo que chamaremos valor. Trata-se de uma
característica que pondera o desempenho da mulher na história, ou seja, é uma qualidade que a diferencia
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positivamente e a eleva sobre o grupo que a cerca. O quadro a seguir mostra o valor analisado em cada conto.
CONTO VALOR
“Entre a espada e a rosa” corajosa
“Uma voz entre os arbustos” perspicaz
“Como um colar” sábia
“Um cantar de mar e vento” superior
“Longe como o meu querer” ousada
“Com sua voz de mulher” contadora
 
Nas primeiras linhas de “Entre a espada e a rosa”, o leitor descobre que a princesa é governada pela lei de seu
pai, o rei. Portanto, a mulher está sujeita às ordens e interesses masculinos, este é o seu lugar:
Qual é a hora de casa, senão aquela em que o coração diz “quero”? A hora que o pai escolhe. Isso
descobriu a princesa na tarde em que o rei mandou chamá-la e, sem rodeios, lhe disse que, tendo decidido
fazer aliança com o povo das fronteiras do norte, prometera dá-la em casamento ao seu chefe. Se era
velho e feio, que importância tinha, frente aos soldados que traria para o Reino, às ovelhas que poria nos
pastos e às moedas que despejaria nos cofres?
 
(“Entre a espada e a rosa”)
Porém, a protagonista deste conto logo começa a moldar seu destino, ainda que o feitiço sejaprovocado por seu
pranto e suas súplicas:
De volta ao quarto, a princesa derramou mais lágrimas do que acreditava ter para chorar. Embolada na
cama, aos soluços, implorou ao seu corpo, à sua mente, que lhe fizessem achar uma solução para escapar
da decisão do pai. Afinal, esgotada, adormeceu.
E na noite sua mente ordenou, e no escuro seu corpo ficou. E ao acordar de manhã, os olhos ainda
ardendo de tanto chorar, a princesa percebeu que algo estranho se passava. Com quanto medo correu ao
espelho! Com quanto espanto viu cachos ruivos rodeando-lhe o queixo! Não podia acreditar, mas era
verdade. Em seu rosto, uma barba havia crescido.
 
(“Entre a espada e a rosa”)
No entanto, é sua coragem que lhe permite percorrer os caminhos da liberdade e enfrentar as situações
adversas. Ao não ser aceita nem como homem nem como mulher, esconde-se sob uma couraça e se transforma
em um valente guerreiro. Na verdade, em uma mulher corajosa, que só é derrubada quando ouve seu coração,
porque é neste momento que precisa novamente das lágrimas e das súplicas para quebrar o feitiço:
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Chorou todas as lágrimas que ainda tinha para chorar. Dobrada sobre si mesma, aos soluços, implorou ao
seu corpo que a libertasse, suplicou à sua mente que lhe desse uma solução. Afinal, esgotada, adormeceu.
 
(“Entre a espada e a rosa”)
A protagonista de “Uma voz entre os arbustos” é uma mulher perspicaz e em dois sentidos. Em primeiro lugar, é
filha do estalajadeiro, mas, como é mais esperta que os homens, consegue se fazer passar pela noiva do rei:
A jovem era bem mais esperta que o pajem, porque lhe bastou olhar a boneca para perceber o engodo que
ali estava. E, engodo por engodo, teve uma ideia audaciosa. Sem ser vista, arrastou a boneca para trás de
um estábulo, trocou suas roupas pelas dela, cobriu com a peruca de cachos seus próprios cabelos e,
rápida, sentou-se sobre os coxins.
 
(“Uma voz entre os arbustos”)
Sua conduta silenciosa e sua voz seduz o dono do castelo, o que a conduz ao casamento feliz.
A princesa de “Longe como o meu querer” é apresentada como uma jovem mimada. No entanto, quando
conhece os sofrimentos de seu amado, nem seus costumes, nem seus conhecimentos distantes do universo
mundano e masculino, nem sua roupa real, a impedem de desobedecer ao pai e deixar o palácio, em várias
ocasiões, para trabalhar no campo:
Apearam no campo onde ela o havia visto a primeira vez. A terra estava arada. No celeiro encontraram as
sementes. A castelã calçou os tamancos sobre seus sapatinhos de cetim, não fosse a lama denunciá-la ao
pai. E durante todo o dia lançou sementes nos sulcos.
 
(…)
 
Subiram a cavalo até o alto do monte. As ovelhas pastavam. A castelã cobriu sua saia com o manto, não
fossem folhas e espinhos denunciá-la ao pai. Depois, com a ajuda da dama reuniu as ovelhas e, levando o
cavalo pelas rédeas, desceu com o rebanho até o redil.
 
(…)
 
Os feixes de palha, amontoados, secavam ao sol. A castelã calçou os tamancos, protegeu a saia, enrolou
tiras de pano nas mãos, não fossem feridas denunciá-la a seu pai. E começou a carregar os feixes para o
celeiro.
 
(“Longe como o meu querer”)
Nem mesmo os caprichos palatinos a impedem de abandonar a vida no palácio e ir em direção ao mar, lugar
onde a cabeça e o corpo de seu amado se uniram. Neste sentido, podemos dizer que a protagonista não se
comporta como uma princesa “boba”, mas sim como uma mulher ousada, pois não teme as palavras de seu pai,
nem o trabalho de homem, nem abrir mão de seus hábitos palacianos em nome de seu amor e seus desejos.
Em “Como um colar”, os personagens acreditam que a princesa é cega. No entanto, ela não abre seus olhos
porque não acha necessário:
É cega, diziam todos. Mas cega a princesa não era. Desde o dia do seu nascimento não havia aberto os
olhos. Não porque não pudesse. Apenas porque não sentia necessidade, pois já no primeiro momento vira
tantas coisas bonitas por trás das pálpebras fechadas que nunca lhe ocorrera levantá-las. Era como se a
janela dos seus olhos fosse voltada para dentro, e debruçada nessa janela ela passasse seus dias
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entretida. Mas isso os outros não sabiam.
 
(“Como um colar”)
cegueira da princesa é encarada como um defeito pelos outros personagens, mas não por ela,
e o que para os outros não é um prejuízo – matar o pombo –, é para a princesa. E é a ação de
salvar este pombo que a torna uma heroína no final da história. Dessa forma, podemos pensar
que a protagonista, submersa na escuridão, compreende melhor a realidade que compartilha
com os demais personagens, pois seu olhar vai além dos valores mundanos. Para ela, as
pérolas são grãos e, como o pombo sente fome e frio, é lógico, em sua leitura, entregá-los. Assim, os valores
superficiais ficam reservados àqueles que têm os olhos bem abertos, e sua cegueira a torna sábia. Podemos
pensar, inclusive, sua cegueira e sua sabedoria como um símbolo do sábio grego, Homero, a quem a tradição
julgou cego e sábio, poeta e rapsoda, criador e contador, pai da epopéia grega, por muitos considerada a
semente originária da literatura ocidental.
Em princípio, a pescadora de “Um cantar de mar e vento” age no mar com gestos similares aos utilizados por
outras mulheres na casa; trata-se, então, de modos semelhantes em contextos diferentes:
Desfraldava a vela com os mesmos gestos amplos com que outras abrem a toalha sobre a mesa ou o
lençol na cama. Vela branca com uma branca lua bordada. E assim que escurecia fazia-se ao largo.
 
(“Um cantar de mar e vento”)
Esta pescadora é a preferida do mar, é para ela que entrega mais peixes, é para ela que dá seus tesouros, é
dela a vida que salva e é por ela que se apaixona. É a escolhida. No entanto, a mulher conquistou este lugar
com seu canto, com sua ausência de mesquinhez e avareza (devolve ao mar os peixes de que não precisa),
sem se preocupar com a inveja que une as pessoas. Estas características fazem com que a mulher se posicione
acima dos homens, é sua atitude superior que a diferencia.
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 Virginia Sterrett, 1920 (openlibrary.org)
O valor da protagonista de “Com sua voz de mulher” é contadora de histórias. É válido tomar este como um
valor? Tendo em vista a concepção da autora sobre o ofício de narrar, provavelmente sim, considerando que,
para Marina Colasanti, contar é coisa de mulheres:
http://www.archive.org/stream/oldfrenchfairyta00sgrich#page/n263/mode/2up
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Os grandes contadores de contos de fadas sempre foram mulheres. Mulheres contaram as histórias que os
irmãos Grimm registraram. Mulheres foram também as grandes transmissoras dos contos italianos, como
reconheceu Ítalo Calvino ao fazer a coletânea desse folclore. Uma mulher, que sabia de cor 11 mil versos
do Kalevala, poema nacional da Finlândia, contou-os a Sibelius, que neles se inspirou. Mulheres foram as
pacientes do pai de Oscar Wilde, médico em Dublin, que costumava pedir-lhes a narração de uma história
como forma de pagamento. E uma mulher, sua esposa Speranza, as redigiu. Minha mãe me contou
histórias, e eu contei histórias para minhas filhas. A bisavó contou à avó, que contou à mãe, que contou à
filha: dessa maneira, Agatuzza Messina alimentou, com as histórias que havia recebido, o grande folclorista
siciliano Giuseppe Pitré. E assim a perder de vista, ao redor de tantas fogueiras, em tantas noites de
estábulos e cozinhas, ao pé de tantas camas de crianças e de adultos, vozes femininas repetiram os
antigos contos.
 
(“E as fadas foram parar no quarto das crianças”)
No conto “Com sua voz de mulher”, um deus decide descer à terra não como homem ou como animal, prefere
personificar-se como mulher. E esta mulher, frente ao tédio próprio ealheio, dá início à história da narração:
Cumpriam suas tarefas de dia. À noite juntavam-se no estábulo para aproveitar o calor dos animais. As
mulheres fiavam. Os homens consertavam ferramentas ou faziam cestos. Ninguém falava. As noites eram
longas depois de longos dias. Os humanos se entediavam.
Até mesmo o deus, de fuso na mão, se entediava. E uma noite, não suportando a mesmice dos gestos e do
silêncio, abriu a boca e começou a contar.
 
(“Com sua voz de mulher”)
Após contar histórias durante várias noites e semear a semente da narração, o deus-mulher permite que os
outros a deixem crescer livremente:
Foi quando uma mulher que havia estado no estábulo passou a repetir as histórias do deus para outros
habitantes da cidade. Repetir exatamente, não. Aqui e ali acrescentava coisas, tirava outras, e cada
história, sendo a mesma, era outra. Mais que contar, recontava. Depois houve um rapaz, que fez o mesmo.
E, passado um tempo, ninguém mais podia dizer com certeza de onde tinha vindo esta ou aquela história, e
quem a havia contado primeiro.
 
(“Com sua voz de mulher”)
“Com sua voz de mulher” sintetiza, portanto, a ideia que Marina Colasanti confere à arte de contar e ao papel
fundamental das mulheres na transmissão do relato. Deste modo, a mulher contadora de histórias possui um
valor, e um muito distinto quando observado pelo prisma da autora.
Analisamos os motivos de cada conto e apontamos um valor para cada protagonista. Existe, talvez, alguma
relação entre os dois? Em “Uma voz entre os arbustos”, o silêncio e a voz põe em evidência a perspicácia da
filha do estalajadeiro. Em “Como um colar”, as pérolas que delineiam a história, e diante das quais a princesa
não se comove por ser algo superficial, demonstram a sabedoria da princesa que todos pensam ser cega. Em
“Um cantar de mar e vento”, o canto da pescadora faz da protagonista a escolhida e contribui para erguê-la
como superior aos homens, mesquinhos e invejosos, que a cercam. Podemos dizer, então, que nesses contos
os motivos demonstram o valor de cada mulher. Há entre eles um vínculo de confirmação.
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Em “Entre a espada e a rosa”, as lágrimas e as súplicas da princesa geram o feitiço que a leva a fugir e, com
isso, tornar-se uma mulher corajosa. Em “Longe como o meu querer”, as palavras que saem da cabeça do
amado obrigam a princesa a agir como uma mulher ousada. E no conto “Com sua voz de mulher” a protagonista
utiliza palavras evocativas que a tornam uma contadora de histórias. Nesses contos os motivos conduzem ao
valor de cada mulher e portanto, há entre eles uma relação de causa-consequência.
Em síntese, nos contos analisados os motivos – idiossincrásicos dos contos populares e comuns nos contos
maravilhosos – e o valor – que eleva cada protagonista sobre os que a cercam – se entrelaçam, conferindo
assim um ar mágico ao papel feminino e inserindo o feminismo nesses contos de fadas.
Além disso, não há dúvida a autora está interessada em revalorizar um gênero milenar. E isso provavelmente
acontece porque considera que as fadas são mediadoras:
(…) entre dois mundos indispensáveis ao equilíbrio do ser humano, o da realidade e o do imaginário. São
nossas interlocutoras com o silêncio. São pontes que nos permitem passar da luz à sombra.
(“E as fadas foram parar no quarto das crianças”)
Mas, além disso, para esta escritora é um erro que, nos contos de fadas, os ogros tenham sido domados, os
lobos domesticados, as espadas embainhadas e os apelos sexuais excluídos, pois considera que as crianças
devem enfrentar o medo através das histórias:
Dialogar com o medo atrai, porque é necessário. Porque a criança é frágil e se sente ameaçada, porque
tem medo do escuro, da solidão, do abandono, dos predadores, do desconhecido e da morte, precisa
dialogar com o medo, interagir com ele no imaginário, livre dos riscos da realidade. Viver o medo através de
um livro é a melhor forma para uma criança enfrentar o perigo sem deixar o abrigo de seu entorno.
 
(“Duas frases para muita manga”)
Desta forma, a criança estabelece por meio da ficção um diálogo com o medo e quando esse mundo interior
instaura uma relação com o mundo da realidade é possível, também, dialogar com essa realidade e suas
sombras. E portanto, podemos dizer que Marina Colasanti acredita no benefício e na potência dos contos
maravilhosos.
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 Virginia Sterrett, 1920 (openlibrary.org)
 
Bibliografia:
Ana Maria Machado, “Encantos para siempre”, em Clásicos, niños y jóvenes. Buenos Aires: Norma, Col. Catalejo, 2004.
Alison Lurie, “Lo que los cuentos de hadas nos cuentan”, em Niños y niñas eternamente. Los clásicos infantiles desde
Cenicienta hasta Harry Potter. Madri: Fundación Germán Sánchez Ruipérez, 2003.
http://www.archive.org/stream/oldfrenchfairyta00sgrich#page/n0/mode/2up
20/04/2019 Histórias de mulheres | Revista Emília
revistaemilia.com.br/historias-de-mulheres/ 11/12
Ana Garralón, La aventura de oír. Cuentos tradicionales y literatura infantil. Madri: Anaya, Col. La sombra de la palabra,
2009, (p. 73-74 e p. 76, respectivamente).
Graciela Montes, El cuento infantil, nota preliminar. Buenos Aires: Centro Editor de América Latina, 1977.
Jack Zipes, Romper el hechizo. Una visión política de los cuentos folclóricos y maravillosos. Buenos Aires: Lumen, 2001.
Marcela Carranza, “Reseña de Entre la espada y la rosa de Marina Colasanti”, em Imaginaria, nº 235, Buenos Aires,
2008.
Marina Colasanti, Entre a espada e a rosa (“Entre a espada e a rosa”, “Uma voz entre os arbustos” e “Como um colar”).
São Paulo: Melhoramentos, 6ª ed., 2009.
Marina Colasanti, Fragatas para Terras Distantes (“Duas frases para muita manga”, “Em busca do mapa da mina, ou
pensando em formação de leitores” e “E as fadas foram parar no quarto das crianças” ). Rio de Janeiro: Record, 2004.
Marina Colasanti, Longe como o meu querer (“Um cantar de mar e vento”, “Longe como o meu querer” e “Com sua voz
de mulher”). São Paulo: Ática, 4ª ed., 2008
Sergio Andricaín e Antonio Sergio Rodríguez. “Marina Colasanti y las metáforas del inconsciente”, em Cuatrogatos.
Revista de Literatura infantil, n° 1, 2000.
Silvia Pardo, “La palabra mágica”, em Blanco, Lidia y otros. Literatura infantil. Ensayos críticos. Buenos Aires: Colihue,
1996.
Stith Thompson, El cuento folklórico. Caracas: Universidad Central de Venezuela, Ediciones de Biblioteca, 1972.
Vladimir Propp, Morfologia do conto maravilhoso. São Paulo: Forense Universitária, 2006.
TRADUÇÃO: CAROLINAPEZZONI
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SOBRE O AUTOR
Pilar Muñoz Lescano
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Professora, formada em letras, com
especialização em livros e literatura para crianças
e jovens, é editora de literatura infantil e juvenil, e
ministra oficinas de escrita para adultos. Seus
artigos foram publicados em Imaginaria, Cultura
LIJ e na Revista CLIJ. Em 2014, publicou El
caldero de los relatos, sua primeira novela juvenil.
É criadora do blog Cubos de mi torre e El
Canguro Lector. Atualmente é presidente da
associação de literatura infantil e juvenil da
Argentina (ALIJA), seção argentina
do International Board on Books for Young
People (IBBY).
https://cubosdemitorre.wordpress.com/
https://elcangurolector.wordpress.com/

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