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CENTRO UNIVERSITÁRIO DE JALES – UNIJALES PSICANÁLISE DOS CONTOS DE FADAS ZILDA ARAUJO DA SILVA DIAS OS CONTOS DE FADAS NO PROCESSO DO DESENVOLVIMENTO EMOCIONAL INFANTIL SÃO PAULO – 2018 ZILDA ARAUJO DA SILVA DIAS OS CONTOS DE FADAS NO PROCESSO DO DESENVOLVIMENTO EMOCIONAL INFANTIL Orientador Professor Me. Enésio Marinho da Silva São Paulo – 2018 Monografia apresentada ao Centro Universitário de Jales – UNIJALES, como requisito parcial para conclusão da Pós Graduação em Psicanálise dos Contos de Fadas FOLHA DE APROVAÇÃO ZILDA ARAUJO DA SILVA DIAS OS CONTOS DE FADAS NO PROCESSO DO DESENVOLVIMENTO EMOCIONAL INFANTIL Orientador Professor Me. Enésio Marinho da Silva Banca Examinadora Aprovada em: setembro/2018 com nota 9,0 ________________________________________________________________ Orientador Professor Me. Enésio Marinho da Silva Monografia apresentada ao Centro Universitário de Jales – UNIJALES, como requisito parcial para conclusão da Pós Graduação em Psicanálise dos Contos de Fadas Aos meus familiares, mãe, filhos, esposo e amigos que com amor, paciência, compreensão e colaboração me ajudaram a cumprir mais essa jornada da minha vida. AGRADECIMENTOS A todos os professores do curso, pelos seus esforços, amor, carinho, paciência e dedicação em nos ensinar a ser, acima de tudo, pessoas. Aos amigos que com carinho e união me apoiaram e dedicaram sua amizade, seu tempo, seu amor. O que muito me ajudou em todos os momentos. Por fim, agradeço aos meus filhos, esposo e amigos que compreenderam, incentivaram e participaram de mais uma etapa da minha vida. “Enquanto houver um contador de histórias, a fantasia existirá”. Autor: Vânia Dohme. RESUMO Esta pesquisa visa discutir a importância dos contos de fadas no processo de desenvolvimento emocional infantil. Contar histórias para as crianças significa proporcionar-lhes momentos de prazer e encantamento, onde a razão e a emoção se misturam. Pensando no valor destes momentos é que este trabalho tem como objetivo, buscar epistemologicamente, os efeitos e os resultados das histórias, principalmente os contos de fadas no emocional das crianças, saber como as histórias promovem o crescimento interno auxiliando nas tomadas de decisões, acomodam seus sentimentos. Para tanto, os instrumentos utilizados para a realização da pesquisa foram leituras bibliográficas, entrevistas por meio de questionários com os educadores, e observação das atividades com as crianças do CEI, o que permite conhecer as diversas óticas sobre a importância de se trabalhar com os contos de fadas com crianças. Os significados de algumas histórias também estão relatados nessa pesquisa, através de uma visão psicanalítica, proporcionando ao leitor um melhor entendimento a respeito das mensagens implícita nas histórias. A análise das informações confirma que as crianças realmente se envolvem ao ouvir contos de fadas e assimilam conhecimentos, descobrem e re- significam sentimentos, valores, idéias, costumes e papéis sociais. Enfim, o aprendizado resulta da convivência com todos e o ambiente escolar favorece essa interação. SUMÁRIO INTRODUÇÃO.......................................................................................................08 CAPÍTULO I 1. Os Contos de Fadas através dos séculos.........................................................09 2. Buscando significados.......................................................................................12 CAPÍTULO II 1. A influência dos Contos de Fadas......................................................................14 1.1 O mundo da criança...................................................................................17 1.2 A criança e a escola...................................................................................19 CAPÍTULO III 1. Histórias e Desenvolvimento............................................................................22 2. A Mensagem dos contos de fadas...................................................................25 CAPÍTULO IV Análise de dados....................................................................................................28 Metodologia............................................................................................................32 CONSIDERAÇÕES FINAIS...................................................................................33 REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA...........................................................................35 8 INTRODUÇÃO Durante 20 anos de trabalho como professora de Educação Infantil, trabalhei com todas as faixas etárias que o Centro de Educação Infantil atende. Meu olhar para a criança vem mudando, estou mais atenta e percebo que as reações das crianças ao ouvirem histórias, principalmente contos de fadas, são por vezes contraditórias e preocupantes. A partir dessas observações surgiram alguns questionamentos: “como a criança administra seus sentimentos e re- significa cada um deles na sua vida?”, “Que tipo de sentimento é estruturado quando ouve um conto de fadas, onde as bruxas, os caçadores, habitam, se amam e se odeiam?”, “As situações de colaboração, companheirismo, privação, solidão, medo entre outras, que envolvem o convívio social, recheiam as histórias tornando-as instigantes e fascinantes. Como as histórias podem colaborar para o desenvolvimento emocional das crianças? Com base nesses questionamentos, tenho como objetivo fazer uma investigação fundamentada em alguns autores, em entrevistas com profissionais da educação e observação de crianças. As histórias têm um encantamento que nos tiram da realidade, levando-nos a esferas superiores, as quais nos permitem mudar o rumo, reinventar finais, transformar os meios. Presenciei cenas de homens e mulheres tendo manifestações emocionais que iam do amor ao ódio, talvez por ser a história uma das formas de mover os sentimentos mais profundos. O capítulo I “Os Contos de Fadas através dos séculos” mostra um relato histórico dos contos de fadas, mostrando brevemente sua trajetória desde a origem até sua apropriação por camadas populares e seu impacto inicial nas crianças. O capítulo II “A influência dos contos de fadas” apresenta como as crianças se apropriam das histórias infantis em sua vida e que efeito esse exerce sobre elas, bem como apresenta o mundo da criança, e como os educadores fazem a mediação entre a criança e os contos de fadas. E por fim, o capítulo III “História e desenvolvimento” aponta os valores éticos incutidos nos contos de fadas. Também fala da mensagem implícita em três narrativas: João e Maria, Rapunzel e A Polegarzinha. 10 CAPÍTULO I 1. Os Contos de Fadas através dos séculos Os contos de fadas são de origem Celta, são uma variação do conto popular ou fábula. Partilham com estes o fato de serem uma narrativa curta, transmitida oralmente, e onde o herói ou heroína tem de enfrentar grandes obstáculos antes de triunfar contra o mal. Caracteristicamente são narrações que podem ou não contar com a presença de fadas, e envolvem algum tipo demagia, metamorfose ou encantamento. Animais falantes são muito mais comuns neles do que as fadas propriamente ditas. Seu núcleo problemático é existencial (o herói ou a heroína busca a realização pessoal), e os obstáculos ou provas constituem-se num verdadeiro ritual de iniciação. Como por exemplo em "Rapunzel", "Branca de Neve e os Sete Anões" e "A Bela e a Fera". A palavra portuguesa "fada" vem do latim fatum (destino, fatalidade, fado etc). O termo se reflete nos idiomas das principais nações européias: fée em francês, fairy em inglês, fata em italiano, Fee em alemão e hada em espanhol. Por analogia, os "contos de fadas" são denominados conte de fées na França, fairy tale na Inglaterra, cuento de hadas na Espanha e racconto di fata na Itália. Na Alemanha, até o século XVIII era utilizada a expressão Feenmärchen, sendo substituída por Märchen ("narrativa popular", "história fantasiosa") depois do trabalho dos Irmãos Grimm. No Brasil e em Portugal, os contos de fadas, na forma como são hoje conhecidos, surgiram em fins do século XIX sob o nome de contos da carochinha. Esta denominação foi substituída por "contos de fadas" no século XX. Diferentemente do que se poderia imaginar, os contos de fadas não foram escritos para crianças, nem eram para transmitir ensinamentos morais. Em sua forma original, os textos traziam doses fortes de adultério, incesto, canibalismo e mortes hediondas. Segundo Cashdan os contos de fadas não foram produzidos para serem contatos em creches, mas para entretenimento de adultos, que se juntavam em reuniões sociais, no trabalho, nos campos. 11 “É por isso que muitos dos primeiros contos de fada incluíam exibicionismo, estupro e voyeurismo. Em uma das versões de Chapeuzinho Vermelho, a heroína faz um striptease para o lobo, antes de pular na cama com ele. Numa das primeiras interpretações de A bela adormecida, o príncipe abusa da princesa em seu sono e depois parte, deixando-a grávida. E no conto A Princesa que não conseguia rir, a heroína é condenada a uma vida de solidão porque, inadvertidamente, viu determinadas partes do corpo de uma bruxa. ”(Cashdan 2000, p.20)” Segundo Nelly Novaes Coelho, as versões infantis de contos de fadas hoje consideradas clássicas, devidamente expurgadas e suavizadas, teriam nascido quase por acaso na França do século XVII, na corte de Luís XIV. Para Sheldon Cashdan, em referência aos países de língua inglesa, a transformação dos contos de fadas em literatura infantil, ou sua popularização, só teria ocorrido no século XIX, em função da atividade de vendedores ambulantes que viajavam de um povoado para o outro “vendendo artigos domésticos, partituras e pequenos volumes baratos chamados de chapbooks" (Cashdan, 2000, pp. 20-21). Estes chapbooks (livros baratos), eram vendidos por poucos centavos e continham histórias simplificadas do folclore e contos de fadas expurgados das passagens mais fortes, o que lhes facultava o acesso a um público mais amplo e menos sofisticado, como também às crianças. Uma outra fonte histórica fala sobre o trabalho dos irmaõs Grimm, que transformaram os contos de fadas originais, em contos voltados para o público infantil. As histórias dos irmãos Grimm defendem valores como a bondade, o trabalho e a verdade. Em seus contos, as pessoas bondosas são premiadas e as maldosas são castigadas. Não é sempre que isso acontece na vida real, mas na fantasia dos irmãos Grimm quem merece sempre ganha um final feliz. Um exemplo é a primeira versão do conto Chapeuzinho Vermelho que foi registrada em texto em 1697 por Charles Perrault. Nela, Chapeuzinho é castigada por ter desobedecido à mãe e acaba devorada pelo lobo. No século 19, os irmãos Grimm deram outra versão à história: o caçador enche a barriga do lobo de pedras depois de tirar Chapeuzinho e sua avó de lá. A partir daí os contos de fadas passaram a ser verdadeiras lições de vida. Uma história fantasiosa que carrega em seu interior significados reais da vida humana. 12 2 - Buscando significados Ao longo dos últimos 100 anos, os contos de fadas e seu significado oculto têm sido objeto da análise dos seguidores de diversas correntes da Psicologia. Bruno Bettelhein afirma que os contos de fadas embora sejam narrações antigas que nada ensinam sobre nossa sociedade moderna, são enredos que carregam em seu conteúdo uma bagagem cheia de significados que podemos nos apropriar para resolver conflitos interiores, não apenas nas crianças, mas nos adultos. “Na verdade, em um nível manifesto, os contos de fadas ensinam pouco sobre as condições específicas da vida na moderna sociedade de massa; estes contos foram inventados muito antes que ela existisse. Mas através deles pode-se aprender mais sobre os problemas interiores dos seres humanos, e sobre as soluções corretas para seus predicamentos em qualquer sociedades, do que com qualquer outro tipo de estória dentro de uma compreensão infantil” (Bettelhein 2002, p.5). Cashdan sugere que os contos seriam "psicodramas da infância" espelhando "lutas reais". "embora o atrativo inicial de um conto de fada possa estar em sua capacidade de encantar e entreter, seu valor duradouro reside no poder de ajudar as crianças a lidar com os conflitos internos que elas enfrentam no processo de crescimento". (Cashdan 2000, p. 25). O autor prossegue em sua análise sobre a vinculação entre os contos de fadas e os conflitos internos infantis: “Cada um dos principais contos de fadas é único, no sentido em que trata de uma predisposição falha ou doentia do eu. Logo que passamos do "era uma vez", descobrimos que os contos de fada falam de vaidade, gula, inveja, luxúria, hipocrisia, avareza ou preguiça - os "sete pecados capitais da infância". Embora um determinado conto de fada possa tratar de mais de um "pecado", em geral um deles ocupa o centro da trama.” (Cashdan 2000, p.28). 13 O modo pelo qual os contos de fadas resolvem esses conflitos é oferecendo às crianças um palco onde elas podem representar seus conflitos interiores. As crianças, quando ouvem um conto de fadas, projetam inconscientemente partes delas mesmas em vários personagens da história, usando-os como repositórios psicológicos para elementos contraditórios do eu. E são nesses contos que criança encontra significado para questões incompreensíveis da sua vida. “Como muitas outras modernas percepções psicológicas, esta foi antecipada há muito tempo pelos poetas. O poeta alemão Schiller escreveu: "Há maior significado profundo nos contos de fadas que me contaram na infância do que na verdade que a vida ensina" (Bettelhein 2002, pp. 5-6). É essa linha de pensamento que essa pesquisa seguirá, de que os contos de fadas são ferramentas úteis para intermediar o mundo da fantasia do mundo real da criança, ajudando-as no processamento dos sentimentos, diante de uma nova fase da vida. 14 CAPÍTULO II 1. A influência dos contos de fadas “Esta é exatamente a mensagem que os contos de fada transmitem à criança de forma múltipla: que uma luta contra dificuldades graves na vida é inevitável, é parte intrínseca da existência humana - mas que se a pessoa não se intimida mas se defronta de modo firme com as opressões inesperadas e muitas vezes injustas, ela dominará todos os obstáculos e, ao fim, emergirá vitoriosa”. (Bettelheim, 2002 p.6) Representados por príncipes, fadas e também por monstros, lobos e bruxas apavorantes, os contos de fadas agradam crianças e adultos desde a sua criação. Mas a sua função vai além do entretenimento, transmitem valores e costumes e ajudam a elaborar a própria vida através de situações conflitantes. Segundo Bettelheim, que analisa as histórias mais conhecidas, todos os problemas e ansiedades infantis, como a necessidadedo amor, do medo, do desamparo, da rejeição e da morte, são colocados nos contos em lugares fora do tempo e do espaço, mas muito reais para as crianças. A solução geralmente encontrada na história e que quase sempre leva a um final feliz, indica a forma de se construir um relacionamento satisfatório com as pessoas ao redor. Mas, o que os contos de fadas despertam no imaginário das crianças que tanto as fascina, e por que eles são importantes para elas? Por que as crianças os adoram, pedem para que os recontemos centenas de vezes, e assim fazem com que essas narrativas venham perdurando através dos séculos? Para responder essas questões é necessário pensar um pouco sobre o desenvolvimento da psique humana, pois os contos de fadas são tão fascinantes porque simbolizam o processo pelo qual percorremos nesse desenvolvimento. Para a psicanálise, nossa psique se constitui de três estruturas dinâmicas, o Id (princípio do prazer), o Ego (princípio da realidade) e o Superego (princípio 15 moral). Dessas três estruturas, nascemos dotados apenas do Id, sendo que as outras duas estruturas terão de ser construídas na relação do sujeito com o mundo que o cerca. O Id é a fonte de nossa energia original (libido), que nos sustenta e motiva a mover-nos em direção ao mundo, buscando satisfazer nossos desejos (pulsões), e não se preocupa que esses desejos se realizem de forma concreta. Ele se satisfaz com realizações alucinatórias, através de imagens que condensam muitos desejos num só objeto criado pela imaginação. Também não se preocupa com tempo e espaço. Para o Id, tudo o que acontece é aqui e agora. As crianças pequenas estão sob forte influência desse aparelho de nossa mente, e a linguagem simbólica, não-verbal desses contos, comunica-se diretamente com o imaginário delas. Segundo a pedagoga brasileira Fanny Abramovich, tentando responder à mesma pergunta do por que os contos de fadas causam tanto fascínio diz: “Por quê? Porque os contos de fadas estão envolvidos no maravilhoso, um universo que denota fantasia, partindo sempre duma situação real, concreta, lidando com emoções que qualquer criança já viveu... Porque se passam num lugar que é apenas esboçado, fora dos limites do tempo e do espaço, mas onde qualquer um pode caminhar. (...) Porque todo esse processo é vivido através da fantasia, do imaginário, com intervenção de entidades fantásticas (bruxas, fadas, duendes, animais falantes, plantas sábias.)” (Abramovich, 1995 p.120). Assim, os contos de fadas ao se iniciarem com sua clássica fórmula do “Era uma vez um reino distante...” são tão atemporais quanto o Id. Esse reino pode ser qualquer um, em qualquer lugar, bem como ser aqui e agora, despertando assim a identificação imediata da criança com o conto. Também seus personagens típicos (bruxas, fadas, etc.), não são puras criações da mente de seus autores. São representações talhadas pela humanidade, para simbolizar seus sentimentos mais profundos. Eles condensam todos esses sentimentos numa forma de representação não-verbal que também é utilizada pelo Id, muito semelhante à forma como as crianças pensam sobre suas próprias emoções. A respeito desses personagens, diz Abramovich: 16 “Daí que haver numa história fadinhas atrapalhadas, bruxinhas que são boas ou gigantes comilões não significa – nem remotamente – que ela seja um conto de fadas... Muito pelo contrário. Tomar emprestado o nome das personagens-chaves desses contos não faz com que essas histórias adquiram sua dimensão simbólica... A magia não está no fato de haver uma fada anunciada já no título, mas na sua forma de ação, de aparição, de comportamento, de abertura de portas...”(Abramovich, 1995 p.121) Ou seja, não são os personagens simplificados das histórias de hoje que despertam profundas identificações entre eles e as crianças. Os personagens dos contos de fadas têm determinadas características que provocam esses sentimentos. Nota-se que os personagens de contos de fadas não têm nome próprio, mas sim nomes que são ligados às suas características físicas e emocionais, por exemplo: “Branca de Neve” tem esse nome porque sua pele é branca como a neve; “Bela Adormecida” porque de fato adormece por 100 anos; e “Gata Borralheira” assim chamada porque suas irmãs invejosas obrigam-na a dormir no borralho (cinza), significado de onde também vem seu outro nome, “Cinderela”. Isso torna mais fácil a identificação com o personagem, uma vez não tendo nome, ele não tem uma identidade própria, e assim pode emprestar sua personalidade ao ouvinte enquanto ele acompanha a narrativa. Esses personagens também não têm idade definida, pode-se dizer que sua idade situa-se aproximadamente entre os 8 e os 80 anos. Os heróis em geral são dotados de características tão presentes na infância (medo, vergonha, ingenuidade, etc.) quanto na adolescência (desejo de conhecer e dominar o mundo, autonomia, espírito aventureiro, paixões arrasadoras e platônicas). Seus familiares também não têm idade definida; a mãe tem idade para ser qualquer mãe, e o pai idade para ser qualquer pai. Também os personagens que se interpõem em seus caminhos, como gnomos, duendes, feiticeiros, espíritos de toda a sorte (que podem, inclusive, estar encarnados em plantas ou animais), são em geral anciões, representando a sabedoria vinda de bastante experiência pela vida e que será passada ao jovem aventureiro. Desse modo, os contos encantam pessoas de qualquer faixa etária, pois reproduzem, em seu enredo, a passagem por todos os estágios da vida humana. 17 1.1 - mundo da criança “O conto de fadas claramente não se refere ao mundo exterior, embora possa começar de forma bastante realista e ter entrelaçados os traços do cotidiano. A natureza irrealista destes contos (...) é um expediente importante, porque torna óbvio que a preocupação do conto de fadas não é uma informação útil sobre o mundo exterior, mas sobre os processos interiores que ocorrem num indivíduo” (Bettelheim, 2002 pp.24-25). Uma característica peculiar dos personagens de contos de fadas é que nos contos, ou o personagem é o herói “completamente bom” ou o vilão “completamente mau”. Dessa forma, os personagens funcionam da mesma maneira que a mente infantil. A criança pensa sob uma espécie de esquizofrenia, na qual tende a separar os objetos de que gosta, em bons ou maus, pois é difícil para ela aceitar que alguém que ame, possa negar-lhe a realização de seus desejos, e desgostar- se com isso, sem deixar de amar a pessoa querida. Tal característica manifesta-se já no bebê, que ao ser amamentado vê a mãe “boa” que o alimenta, bem como a mãe “má” que o desmama, e para manter o relacionamento amoroso com a mãe, projeta as características negativas em algum outro objeto que ele possa rejeitar. Mas ao fazê-lo, a criança não nega sua própria parte má, pois ela não se identifica apenas com a “Chapeuzinho Vermelho” boazinha, mas também com o “Lobo Mau”. Esse pensamento, que projeta no outro as suas próprias deficiências, perdura durante toda a primeira infância. Por isso, é muito fácil para as crianças se identificarem com os personagens dos contos, que também assim se estruturam. Por exemplo, o conto de "João e Maria": pais pobres, preocupação com o sustento, educação dos filhos e decisões importantes tomadas pelos adultos, que envolvem diretamente a vida dos pequeninos de forma radical e por vezes definitiva. A história mostra os sentimentos negativos das crianças como insegurança, medo, frio, fome, dor. E também projeta sentimentos de luta, perseverança, 18 esperança, cooperação num auxílio mútuo que leva ao sucesso devido aos esforços conjugados. Orientando a criança no sentido de independência dos pais ou do adulto. O conto também encoraja a criança a explorar seus medos fantasiosos, transmitindo-lhea confiança de que é possível controlar os perigos, por exemplo, a bruxa da história poderá persegui-la, mas também poderá ser empurrada para dentro do seu próprio fogão, para que morra queimada, afinal é uma bruxa da qual a criança pode se livrar. Conseguindo compreender que esta bruxa poderia ser representada por algo temido pela criança, a experiência de derrotá-la é de grande valia, assim como aconteceu a João e a sua irmã Maria. Ao contar ou ler uma história de conto de fadas para uma criança de educação infantil, e sugerir-lhe que em seguida desenhe algo de forma livre, possibilita a observação de como a criança internaliza os fatos vividos no momento. Surpreendentemente podemos compreender e "ler" entre as figuras desejos, alegrias, tristezas em que a criança se encontra, e cada uma possui sua história, que está sendo escrita a partir de cada vivência, criando assim sua identidade. Percebe-se nas histórias diferentes óticas: experiências da precariedade, ameaças e pré-conceitos, mas também luz no final do túnel, onde traz o riso, a esperança, o lúdico, o poder individual e coletivo de poderes mágicos exteriores e interiores, capazes de mudar o mundo, o seu mundo. 19 1.2 - A criança e a escola A escola não se restringe à transmissão de conhecimentos e pode contribuir para a formação pessoal de cada indivíduo. Ao mesmo tempo em que os contos de fadas aliviam pressões inconscientes, ajudam no processo de simbolização, podendo ser considerado um rico instrumento pedagógico. Ao iniciar a pesquisa de campo sobre a influência dos contos de fadas no desenvolvimento emocional infantil, 10 (dez) profissionais de educação infantil foram entrevistados, questionário anexo. Percebe-se que a maioria (8) costuma trabalhar com este conteúdo durante o seu cotidiano escolar, de forma a contemplar diversificadamente o currículo de educação infantil. Uma (1) professora diz não ter a preocupação ou a valorização em especial neste sentido, mas sim com as histórias infantis em geral. Acreditam que tais contos contribuem para o desenvolvimento do raciocínio, da criticidade, do gosto pela leitura, aproximando a criança da possibilidade de resolver suas questões emocionais, como o medo, a insegurança, o egocentrismo, etc. Afirmam que ao se identificarem com os personagens, as crianças sentem prazer ao entrar neste mundo de magia, de faz-de-conta, onde o tempo e o espaço ficam fora da realidade conhecida, acreditando que o "bom e o positivo" sempre vencerão. E, apenas 1 (uma) professora diz não trabalhar com os contos de fadas, pois não se identifica com este tipo de leitura. Ao trabalhar pedagogicamente com os contos de fadas, as professoras relatam perceber diversas reações em seus alunos. Reações como medo, alegria, surpresa e curiosidad. Também dizem demonstrar menos agressividade, mais concentração e atenção, socialização e em especial, muito entusiasmo com as fadas e as bruxas. “É interessante, nós não acreditamos até fazer a tarefa. Ninguém imagina o que uma simples história é capaz de fazer numa sala com um número elevado de alunos, onde temos que nos desdobrar para ensinar matemática ou geografia. A história de fadas e bruxas fazem verdadeiros milagres na classe” (Professora Izilda, 2008) 20 É fascinante vivenciar momentos de magia, fazendo parte da tristeza da Cinderela ao saber que não poderá participar do grande baile; do medo da Branca de Neve ao encontrar-se com o caçador e a alegria da Chapéuzinho vermelho, ao reencontrar a avó, que julgava morta. É visível no rosto de cada criança, o sentimento que flui do seu interior. São momentos de verdadeira entrega aos acontecimentos. Durante e após a contagem das histórias, como material de apoio as professoras utilizam atividades como dramatização, músicas, desenhos livres, mimeografados, produção e reprodução de texto, roda de conversa com levantamento de hipóteses, sugestões de mudanças do final ou do meio da história, ou até resolução de problemas relacionados ao enredo da história e talvez até com sua realidade vivida. O relato de uma professora levanta um dado relevante: "Eu conto com o intuito de dar prazer às minhas crianças, pois percebo que ficam contentes, participam com mais interesse, prestando mais atenção e se tornando mais participativo durante a roda de conversa e nas dramatizações". (Professora Sueli, 2008). Embora a professora conte as histórias para proporcinar prazer aos alunos, é através deste "prazer” que acontece a "reflexão". A fantasia possibilita a criança, sem sair do lugar, descobrir outros tempos, lugares e descobrir soluções para os próprios conflitos. É importante que o professor acredite que, enquanto verdadeiro agente da ação educativa, tem a função de estimular a imaginação dos alunos. Contando histórias, de maneira natural, estabelece um clima de cumplicidade, voltando à época dos antigos contadores que em volta do fogo contavam as histórias do seu povo, seus costumes e valores, patrimonio da humanidade acumulado por séculos. 21 As leituras preferidas pelas educadoras pesquisadas são variadas. Umas dizem ler um pouco de tudo, outras tem preferencia por livros de auto-ajuda, bíblia, romances, espíritas, contos judaicos, evangélicos e/ou reflexivos. Todas relatam gostar muito de leitura, porém possuem pouco tempo para essa prática. “Gosto de ler, leio o que gosto e até mesmo o que não gosto, para aprender um pouco de cada coisa. Mas não dá para ler com frequencia porque tenho muito o que fazer na escola, planejamentos, hora atividade, Isso sufoca tanto a gente que não temos tempo para aprimorar nossos estudos e nos atualizar como profissionais”. (Professora Cristina, 2008) Felizmente encontramos muitos professores que trabalham com contos de fadas, que consciente ou inconscientemente através deles interferem no desenvolvimento emocional das crianças. Com estes depoimentos, chega-se a conclusão de que os contos de fadas são valorizados e trabalhados pelos professores que realizam projetos capaz de desenvolver a capacidade da fantasia infantil, que fornecem escapes necessários falando aos medos internos da criança, às suas ansiedades e ódios, seja como vencer a rejeição como em "João e Maria", ou os conflitos com a madrasta (como em "Branca de Neve"), ou a rivalidade com irmãos (como em "Cinderela"). Segundo os professores, os contos trabalham ética, conduta, postura, conceitos, que são subsídios para várias reflexões desenvolvidas com as crianças e também são fontes de prazer e encantamento. 22 CAPÍTULO III 1. Histórias e Desenvolvimento “Como é sabido, as crianças têm uma forma diferente dos adultos de entender e refletir. As crianças pequenas não conseguem desenvolver um raciocínio de causa e efeito. Seu entendimento é baseado muito mais na emoção do que na razão. Assim, querer persuadir uma criança baseando-se em argumentos racionais, comuns aos adultos, terá grandes possibilidades de fracassar.” (Dohme, 2003 p.23) Cada história tem uma mensagem específica, que permite ao narrador escolher o tema de acordo com o que se pretende passar a criança, levando em consideração seu grau de reflexão. De forma geral, as histórias contribuem com diversos aspectos da formação dos pequenos. Aspectos que podem variar de uma história para outra, mas de forma geral, todas as histórias propiciam o desenvolvimento da atenção e raciocínio, do senso crítico, da imaginação, da criatividade, da afetividade e da transmissão de valores. Atenção e Raciocínio As histórias fazem mais do que apenas prender a atenção das crianças. Os pequenos acompanham os fatos e levantam hipóteses: Como será que o herói saiu dessa situação? A princesa vai encontrar opríncipe e será feliz para sempre? Ao tomarem conhecimento da conclusão da história, irão compará-lo com as suposições que fizeram. Isso fará com que elas exercitem a relação de causa e efeito, que faz parte do seu amadurecimento. A narrativa também exercitará a memória, pois as maldades feitas pela bruxa serão relembradas quando ela for castigada no final da história. A criança, por estar interessada no enredo, guarda elementos que sabe que lhe trará satisfação em outra parte da história. Isso também pode acontecer quando a mesma história é contada várias vezes. As crianças gostam de repetir a mesma história porque querem ter certeza de que tudo acabou bem no final. 23 Senso Crítico O que se pretende formar, sem dúvida, são cidadãos críticos, com capacidade de analisar o que esta ao seu redor, de avaliar o que está de acordo com os seus valores e de tomar suas próprias decisões, o que não é fácil. As simples histórias podem ser um canal para os pais ou professores discutirem com as crianças comportamentos e posturas de forma a convidá-las a pensar. E poderão perceber, ao longo do tempo, que a forma delas verem os fatos vão amadurecendo à medida que elas crescem. Por exemplo: as crianças pequenas ficam encantadas quando Cinderela se apaixona imediatamente pelo príncipe. Ao passo que as mais velhas questionam se somente o fato de ser bonito e rico é suficiente para alguém se apaixonar, ou, se o Patinho Feio não seria mais feliz continuando feio, mas ficando com sua mãe e irmãos, do que se transformar em um belo cisne e ficar sozinho. O importante é que as histórias vão trazer o contexto no qual os pais ou educadores, poderão fundamentar uma discussão que busque produzir uma reflexão e o exercício do senso critico. Imaginação As histórias conduzem o ouvinte a lugares sem limites. Uma boa narrativa pode levar ao fundo do mar, acima das nuvens, a países distantes, ao futuro e ao passado. A descrição detalhada fará com que o ouvinte sinta o cheiro das flores, visualize a grama verde e se encante com o cavalo alado que voa pelo céu estrelado. Porém, este detalhamento não deve ser exagerado, a fim de permitir que o ouvinte coloque a sua "própria" cor do céu, enfeite o campo com árvores. A narrativa é um convite para que a imaginação se desencadeie e complemente o cenário. 24 Criatividade A criatividade é proporcional à quantidade de referência que uma pessoa possui, e as histórias são capazes de dar estas referências às crianças. Essas referências são aquelas apresentadas a elas, e também resultantes de seu próprio raciocínio e imaginação. Assim, as histórias incentivam à criatividade. As histórias também fornecem um contexto com o qual pode-se trabalhar de diversas maneiras, fazendo com que as crianças sejam convidadas a criarem. Após ouvirem uma história, podemos pedir que façam um desenho da cena que gostaram mais, por exemplo. Um grupo de crianças poderá representá-la ou ser convidado a fazer a sua continuação. Situações que ficariam difíceis de serem pedidas aleatoriamente, mas que ganham sentido dentro de uma história que acabou de ser contada. Afetividade As crianças adoram ouvir histórias e gostam de ouvi-las várias vezes. Isso acontece porque além do gostar, o ato de contar histórias proporciona situação de aconchego, de amparo. Nesse momento, o pai, a mãe, irmão, professor, é só delas e lhes dedica a mais completa atenção. Para elas, esta situação pode durar para sempre. Estes momentos aumentam o companheirismo e favorecem a afetividade, fazendo com que as relações melhorem, e melhorando as relações, o diálogo é favorecido e um passar a ouvir o outro. Transmissão de valores As histórias, são um verdadeiro depósito de fatos que exaltam os valores éticos. “Como transmitir um conceito que a mentira deixa mais vulnerável o mentiroso do que aquele que pretende enganar?” É difícil, mas a história de Pinóchio cumpre este papel de forma simples: o boneco de madeira mentia e o seu nariz crescia, ficando assim vulnerável. É necessário que aquele que irá contá-las esteja aberto para esse fator, que acredite realmente na verdade das afirmações contidas na história, e que estejam de acordo com aquilo que ele deseja transmitir. 25 2 – A mensagem dos contos de fadas Esta é exatamente a mensagem que os contos de fada transmitem à criança de forma múltipla: que uma luta contra dificuldades graves na vida é inevitável, é parte intrínseca da existência humana - mas que se a pessoa não se intimida mas se defronta de modo firme com as opressões inesperadas e muitas vezes injustas, ela dominará todos os obstáculos e, ao fim, emergirá vitoriosa. (Bettelheim, 2002 p.6). João e Maria João e Maria foram mandados para a floresta pelo pai, que não podia mais sustentá-los. Lá, foram atraídos por uma casinha de doces onde morava uma bruxa má que queria devorá-los, mas para isso, precisariam engordar. Graças a um plano dos dois, eles acabam com a bruxa, encontram seu tesouro e voltam para casa, onde foram bem recebidos. Esta história trabalha a incerteza da criança quanto à capacidade de enfrentar o mundo sozinha, sem os pais. João e Maria, no final saem vitoriosos, pois tomam iniciativa e trabalham de forma mútua e inteligente. Assim, o conto transmite confiança à criança, de que ele também sairá vitorioso quando chegar o momento de fazer coisas sozinho. Segundo Bruno Bettelhein "para a criança, lidar com símbolos é mais seguro do que lidar com coisas reais". A história faz, então, o seu papel de revelar pensamentos através de simbolismos, fazendo a criança usar a imaginação para compreendê-los e assim, obter respostas às suas dúvidas, aos seus desejos e ter uma perspectiva otimista quanto ao seu desempenho futuro. Assim, a floresta é o desconhecido, a casa de doces é a tentação, a bruxa é a destruição, mas uma “bruxa” que pode ser destruída. E, finalmente, a volta à casa do pai bondoso está de acordo com o pensamento da criança, que espera encontrar a felicidade no seu lar. Ela pode até aventurar-se fora dele, uma vez que isso é necessário para que ela amadureça, mas depois volta pronta para viver feliz junto com seus pais. 26 Rapunzel Rapunzel é aprisionada em uma torre pela bruxa, sua madrasta. Esta usa a trança de Rapunzel para visitá-la. Um príncipe se apaixona pela voz de Rapunzel e também sobe na torre para vê-la, que também se apaixona por ele. Isso é descoberto pela bruxa, que manda Rapunzel e o príncipe embora. O príncipe cai em um espinheiro e fica cego, os dois vagam separadamente por muito tempo até que se encontram, as lágrimas de Rapunzel fazem com que ele enxergue novamente e os dois se casam para serem felizes para sempre. Rapunzel é um conto de fadas dos irmãos Grimm e, como todo conto de fadas desta categoria, possui uma série de símbolos. Segundo Bruno Bettelheim, ilustra a fantasia, o escape, a recuperação e o consolo, que são os quatro elementos necessários em um tradicional. Fantasia é presença de elementos diferentes do cotidiano que levam a situações, desafios e soluções inesperadas. O escape, a recuperação e o consolo estão ligados a algum perigo ao qual o herói é submetido, mas que dele se recupera e acaba com um lindo final feliz. Os finais felizes são indispensáveis, pois eles vão ao encontro do sentimento profundo da criança de que se faça justiça, muitas vezes porque ela se sente impotente em relação a injustiças que sofre ou julga sofrer. Assim, Rapunzel traz todos estes elementos. A ameaça é a feiticeira, que tem um amor egoísta por Rapunzel e a coloca incomunicável em uma torre, provoca a sua separação do príncipe, pune-a a vagar no deserto e provoca a cegueira do príncipe. A recuperação dá-se quando Rapunzel e o príncipe, vagam separadamentepelo deserto. Sempre, segundo Bettelheim, ambos vagam no deserto buscando a sua maturidade, pois antes não a tinham, agiram de forma imatura escondendo-se da bruxa, tanto que a própria Rapunzel se denuncia ao dizer que a bruxa é mais pesada que o príncipe. No deserto, nenhum dos dois tem a proteção dos adultos, eles têm que cuidar de si mesmos, enfrentando vários perigos. Mas, eles amadurecem e, finalmente, encontram-se, maduros para ampararem um ao outro e viverem felizes para sempre. 27 Outro símbolo que a história encerra é a possibilidade de obter por si mesmo os meios de encontrar a felicidade, pois é a trança de Rapunzel que permite conhecer o príncipe e suas lágrimas que o curam da cegueira. Ao ouvirem esta história, as crianças não obterão imediato entendimento destes significado, elas terão prazer em ouvir e tirarão proveito conforme a sua maturidade. Certamente, elas desejarão ouvir mais uma vez e, provavelmente, absorverão estes significados de forma diferente. Estes diversos momentos irão reduzir ansiedades e alimentar esperanças. A Polegarzinha Nesta história, uma mulher deseja muito ter um filho, então pede ajuda a uma feiticeira que lhe dá um grão de cevada. A partir do beiio da mãe a flor se abre e nasce a filha, como é muito pequena, recebe o nome de Polegarzinha. Um dia, enquanto está dormindo, um sapo fêmea a sequestra para casar-se com o filho sapão. No entanto, a menina foge com a ajuda dos peixes. Um besouro a pega para casar-se com ele, mas todos os outros insetos dizem que Polegarzinha é muito feia. Depois de ser deixada pelo besouro a personagem acredita ser feia. Ela encontra-se, então, com uma rata, e esta também quer realizar o casamento da Polegarzinha com o vizinho toupeira, por este ser rico e inteligente. Enquanto está na casa da rata, a menina salva uma andorinha e esta depois ajuda sua salvadora a fugir do casamento, levando-a para um lugar onde há outras pessoas como ela.. Lá então Polegarzinha conhece um homem com quem se casa. Esta pequena história nos mostra que Polegarzinha vive segundo os desejos do Outro. É sempre levada, carregada para os lugares sem ser questionada. Quando a andorinha aparece, a personagem faz uma escolha, pois lhe é feita uma pergunta: "O frio inverno está chegando -disse a pequena andorinha - Estou de viagem para as regiões quentes. Você quer vir junto?" O conto ilustra Polegarzinha presa ao desejo dos outros até que toma sua decisão e parte, libertando-se dos desejos dos outros e tornando-se um sujeito desejante. Agora, já caminha com seus próprios pés, sem precisar ser levada pelos outros. 28 CAPÍTULO IV Análise dos dados Ao longo desse trabalho a questão principal enfocada foi a influência que os contos de fadas exercem no desenvolvimento emocional das crianças. Partindo de um relato histórico que permite a localização tempo/espaço em que foram criados bem como seus objetivos e públicos a serem atingidos. Passando por uma evolução e alcançando um público menos favorecido e as crianças, como cita o capítulo I. É através do prazer, das emoções que as histórias proporcionam às crianças, do simbolismo incutido nas tramas, dos personagens, que os contos vão trabalhando no inconsciente dos pequenos e pouco a pouco vai ajudando a resolver os conflitos interiores normais nessa fase da vida. A Psicanálise como afirmado no capítulo II, diz que este simbolismo dos contos de fadas está ligado ao natural sentimento que o ser humano enfrenta ao longo de seu amadurecimento emocional. É nesse sentido, que as histórias, podem ser decisivas para a formação da criança em relação a si mesmo e ao mundo à sua volta. Através delas, a criança é levada a se identificar com o herói ou com o vilão, não devido à sua bondade ou maldade, beleza ou feiura, mas por necessidade de segurança e proteção, ou projeção de sentimentos, como a raiva, em outro objeto. Superando assim o medo que a inibe e enfrentando os perigos e ameaças que sente à sua volta, podendo alcançar aos poucos o equilíbrio emocional adulto, através do pensamento mágico, natural nas crianças. Os autores pesquisados no capítulo II como Bruno Bettelheim, Fanny Abramovich, cuja fundamentação teórica apoiam os tópicos “a influência dos contos de fadas” e o “mundo da criança”, são importantes porque relatam em seus livros os resultados de anos de pesquisa sobre o assunto, e afirmam que as histórias em geral abordam todos os problemas e ansiedades infantis, como a necessidade do amor, do medo, do desamparo, da rejeição, da morte, da frustração, etc. Afirmam que os contos são situados em lugares fora do tempo e 29 do espaço, que os personagens possuem características e idade cronológica também atemporais, permitindo às crianças se enquadrarem em qualquer situação da qual sinta necessidade. O tema discutido causou também grande interesse dentro do CEI, onde se obteve parte da coleta de dados, descritas no capítulo II, tópico “a criança e a escola”. As educadoras entrevistadas relataram que após a entrevista passaram a rever suas ações durante as atividades e fazem pequenas reuniões informais entre elas para discutir o assunto e trocar idéias. De acordo com os dados obtidos por meio de questionários e entrevistas, percebe-se que os profissionais da educação em sua maioria estão sabendo trabalhar os contos de fadas como ferramenta útil para o desenvolvimento da criança. Sabendo que é uma tarefa difícil, pois o professor deve estar preparado psicologicamente para exercer plenamente suas funções com harmonia e responsabilidade, visto as enormes diferenças e dificuldades pelo qual as crianças de nossa escola são incluídas. A observação das crianças pertencentes ao CEI vem sendo feita ao longo dos meus 20 anos de trabalho. Essa observação me levou a reflexão do fator histórico das crianças do CEI, da comparação das crianças de antigamente, das crianças de hoje, e pude perceber então não só a transformação de valores familiares, de situação sócio-econômica, mas também as mudanças que ocorreram na educação em si. Há anos atrás com uma visão apenas assistencialista, a “creche” funcionava como um lugar para “alimentar, higienizar e guardar”, atualmente o “CEI” ganha esse nome, e tem uma concepção de que cuidar e educar são indissociáveis. Essas crianças têm nível sócio-econômico desfavorável e vivências familiares diversificadas, seja por separações conjugais, falecimentos pais/mães, abandono pelo responsável, etc. Esses fatores contribuem para a possibilidade de muitas crianças apresentarem dificuldades em resolverem-se. Em conversas com as educadoras durante as entrevistas e entrega dos questionários, as mesmas afirmaram ter dificuldades em construir uma atividade que aborde os problemas de todos os alunos. Daí a justificativa da utilização dos contos de fadas, como sendo um veículo capaz de atingir a todos de uma só vez. 30 É interessante salientar que sensibilidade é algo nato, pois não existe curso para "formação de sensibilidade". Acredita-se que há um caminho a percorrer, em busca da imaginação e sonhos das crianças. Basta apenas descobrir esse caminho, e parece que as educadoras estão encontrando nessa longa estrada, um caminho florido, por qual podem conduzir essas crianças. Por fim no capítulo III “história e desenvolvimento” e tópico “a mensagem dos contos de fadas”, tive uma grande contribução da autora Vania Dohme que afirma que os contos de fadas possuem mensagens específicas que permitem ao narrador escolher o conto de acordo com o que se pretende passar. Segundo a autora, de forma geral, as histórias propiciam o desenvolvimento: da atenção e raciocínio, do senso crítico, da imaginação, da criatividade, da afetividade e da transmissão de valores. Essas informações abrem nosso entendimento quanto aoque conto escolher para tal atividade ou como trabalhar os contos certos com os diversos sentimentos e objetivos. Para finalizar o trabalho, ainda se utilizando da fonte de Vânia Dohme, foi relatado três mensagens de histórias infantis: “João e Maria” que retrata o abandono dos pais e a superação da morte; “Rapunzel” que se liberta da proteção excessiva na madrasta e vive feliz com seu amado e “A Polegarzinha” que para de fazer apenas a vontade dos outros e alcança sua autonomia. Esses exemplos, nos ajudam a localizar em outros contos, as mensagens que se pretende passar, para que com sucesso, seja realizado a atividade pretendida. O que aprendemos com tudo isso é que a criança é um ser em formação, que tem sentimentos dos mais variados e muitos deles incompreendidos pelos adultos. Que existem meios para intervirmos a fim de amenizar as mais tenras emoções, oferencendo a ela um mundo de magia, de sonhos, onde tudo é possível acontecer. Mas devemos nos lembrar que esses lugares plenamente “tocáveis”, devem ser aprensentados tal como são, e deixar que as crianças façam dele o que bem entenderem. 31 Explicar para uma criança por que um conto de fadas é tão cativante para ela destrói, acima de tudo, o encantamento da estória, que depende, em grau considerável, da criança não saber bsolutamente por que está maravilhada. E ao lado do confisco deste poder de encantar vai também uma perda do potencial da estória em ajudar a criança a lutar por si só e dominar exclusivamente por si só o problema que fez a estória significativa para ela. As interpretações adultas, por mais corretas que sejam, roubam da criança a oportunidade de sentir que ela, por sua própria conta, através de repetidas audições e de ruminar acerca da estória, enfrentou com êxito uma situação difícil. (Bettelheim, 2002, p.19) 32 Metodologia Para redigir esse trabalho, desde a escolha do tema, que teve início ao vivenciar durante 10 anos o trabalho com crianças de 0 a 6 anos, até sua conclusão, foram utilizados métodos e fontes que propiciam ao leitor uma leitura agradável, verdadeira e confiável dos dados obtidos. O trabalho baseia-se numa mistura de empirismo (observação das crianças do CEI Antônia Maria Torres da Silva), pesquisa de campo (realizada através de entrevistas por questionários aplicados as educadoras do CEI) e fundamentação teorica (tendo por fontes livros conceituados, com autores de renome e revistas especializadas em educação), onde as informações se mesclam resultando numa cumplicidade valiosa que compõe as afirmações citadas no corpo do trabalho. Os livros utilizados foram selecionados após breve leitura e recomendação de profissionais da educação, também por sua veracidade, e pela seriedade dos autores, que se dedicaram exclusivamente a compor seu trabalho. As revistas trouxeram pontos de vista de outros profissionais da educação, contribuindo para uma melhor avaliação do tema central: a influência dos contos de fadas no emocional da criança, através de seus relatos de experiência. Os questionários foram de grande valia, pois possibilitou conhecer o que pensa, como age, o que conhece os docentes que trabalham contos de fadas no dia-a-dia do CEI, profissinais estes do qual tenho acesso. E a obervação das crianças, expressa uma experiência vivida durante 20 anos, onde pude perceber as mudanças que ocorreram na educação durante esse período. Pude notar os anseios, o contexto histórico em que essas crianças de desenvolvem, bem como os contos de fadas influenciam essa trajetória. Por fim, a pesquisa foi concluída com colaboração de pessoas próximas e distantes, mas que por um momento permaneceram unidas dentro desse precioso trabalho. 33 CONSIDERAÇÕES FINAIS A questão pesquisada "obrigou-me" a viajar até ao meu próprio passado e a interrogar-me sobre esse período da existência, em que, ingenuamente, acreditei em personagens mágicos, entre as quais o Papai Noel. Ao pensar nesta fase fui supreendida por uma saudade imensa e por um desejo quase inconsciente de poder novamente acreditar. Não sei se esta nostalgia será partilhada por todos que irão ler esse trabalho, mas seguramente, muitos estarão convictos de que esta foi uma fase cujo encantamento nunca será esquecido. Não só esta memória feliz do passado, mas também os estudos realizados, mostram claramente que as fadas, as princesas e até as bruxas devem fazer parte da vida das nossas crianças e merecem todo o nosso respeito. Os contos de fadas são muito importantes, na medida em que oferecem respostas para todas as dúvidas existenciais e angústias da infância. Além disso, pelo fato de estes contos estarem muito orientados para o futuro, estimulam a criança na busca de uma existência mais independente. Temos atualmente de ter bastante cuidado, uma vez que a pressa do día- a-dia, o desejo de que as crianças cresçam rapidamente e a ideia de que não há espaço para a magia num mundo competitivo como o nosso, podem levar-nos a privar os mais novos destes contos que, além de lhes darem asas, dão-lhes respostas para a vida. É certo e sabido que os contos de fadas não se resumem na expressão: "viveram felizes para sempre". Existem, ao longo destas histórias, personagens tenebrosos e assustadores. Quanto a esse lado mais negro e violento dos contos, afirmam os especialistas que as crianças não devem ser poupadas, uma vez que essa violência é estruturante. A vida é uma alternância de preto e rosa, de alegria e tristeza, de luz e escuridão. Por isso, os contos, ao falarem do bem e do mal, estão ajudando a criança a familiarizar-se com a própria realidade. Sempre que caímos na tentação de amenizar a história, ou tornar os personagens maus em figuras mais simpáticas, com o intuito de "poupar" a criança, estamos privando-a de elementos importantes. Contar ou ler contos de fadas e estimular as brincadeiras de faz-de-conta permite à criança aprender a enfrentar o mundo usando a fantasia e o pensamento mágico, que são indispensáveis na conquista dos seus sonhos, 34 objetivos e independência. Sem imaginação, a criança está entregue à dureza de uma mundo demasiado objetivo e exigente. Por isso, o melhor mesmo é deixá-las sonhar! 35 REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABRAMOVICH, Fanny. Literatura infantil: gostosuras e bobices. São Paulo: Scipione, 1995. BETTELHEIM, Bruno. A Psicanálise dos contos de fadas. Rio de Janeiro: PAZ E TERRA, 1985. BIZ, Manuela. Histórias que despertam emoções. Revista Nova Escola, São Paulo, n. 203 pp. 8-11 Junho/Julho, 2007. CASHDAN, Sheldon. Os 7 pecados capitais nos contos de fadas: como os contos de fadas influenciam nossas vidas. Rio de Janeiro: Campus, 2000. COELHO, Nelly Novaes. O Conto de Fadas. São Paulo: Ática, 1987. DOHME, Vânia. Técnicas de contar histórias para os pais contarem aos filhos. São Paulo: Informal, 2003. PROPP, Vladimir I. Morfologia do conto maravilhoso. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1984. SQUIRE, Charles. Mitos e Lendas Celtas: Rei Artur, deuses britânicos, deuses gaélicos e toda a tradição dos druidas. Rio de Janeiro: Record: Nova Era, 2003.
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