Buscar

Caminhos possíveis _ Revista Emília


Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 3, do total de 12 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 6, do total de 12 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 9, do total de 12 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Continue navegando


Prévia do material em texto

20/04/2019 Caminhos possíveis | Revista Emília
revistaemilia.com.br/caminhos-possiveis/ 1/12
Caminhos possíveis
POR PATRÍCIA PEREIRA LEITE | 2 DE DEZEMBRO DE 2011 | FORMAÇÃO DE LEITORES |
“Antes as palavras saiam da minha boca, hoje saem do meu pensamento.”
 
Depoimento de educador sobre fala de um jovem, 1999.
 
Todas as histórias têm um começo, e a minha com projetos relacionados à aquisição prazerosa e plena da
leitura através da transmissão de narrativas literárias iniciou-se na França, há 20 anos. Naquela ocasião, tive a
oportunidade de trabalhar vários anos com René Diatkine, Marie Bonnafé, Claude Avram e muitos colegas e
amigos animadores do livro e terapeutas na “Únité René Diatkine“ e na Associação ACCES. Muitos dos
conteúdos que fundamentam o trabalho da A Cor da Letra foram oriundos destas experiências.
Fundada em 1998, A Cor da Letra – Centro de Estudos e Pesquisa em Leitura e Literatura – desenvolve
projetos nas áreas de educação, cultura e saúde focando jovens e crianças. Trabalhamos na formação de
profissionais que atuam em instituições que atendem crianças e adolescentes em situação de
risco,*organizações não governamentais, escolas públicas e particulares, hospitais e também empresas
interessadas na implantação de projetos de leitura e bibliotecas. Realizamos também a formação direta de
jovens para que atuem como mediadores de leitura e multiplicadores em ações culturais e projetos sociaise
oferecemos formação em documentação.
Aqui darei ênfase à formação que ministramos aos profissionais das instituições e aos jovens mediadores, além
de tratar da prática desenvolvida com os adolescentes e jovens adultos enquanto agentes culturais, mediadores
e multiplicadores desta ação, circunscrevendo a natureza do nosso trabalho para situar a especificidade de cada
prática.
 
1. Mediação de leitura
Mediação de leitura é uma situação em que duas ou mais pessoas estabelecem uma relação por meio da leitura
de histórias e do contato com os livros de literatura. A leitura de um texto é infinita, mas o momento em que o
mediador compartilha com a criança a leitura, a troca de experiências que este ato envolve é único, porque inclui
o vínculo ali estabelecido.
Roupa vermelha, maçã vermelha
http://revistaemilia.com.br/author/patricia-pereira/
http://revistaemilia.com.br/categorias/formacao-de-leitores/
http://revistaemilia.com.br/caminhos-possiveis/#situacao-de-risco
20/04/2019 Caminhos possíveis | Revista Emília
revistaemilia.com.br/caminhos-possiveis/ 2/12
“Sabrina, grudada em mim sempre interessada nos livros, repetindo-os conforme o som das palavras, uma hora me
contou histórias sobre o barraco onde mora, a polícia que foi chamada, onde ela vai morar no ano que vem… Arllis,
ao ver a cor vermelha no livro Cores, me vendo apontar a roupa de um que era vermelha, a maçã que é vermelha,
gritou: “SANGUE”. Bom, pensei, é vermelho… ”. (Juliana. A .T., 16 anos, jovem voluntária, 1999)
A mediação de leitura propicia às crianças, aos jovens ou aos adultos um momento de contato com grande
diversidade de livros de literatura, de maneira livre e prazerosa, acompanhada de um adulto ou jovem mediador
de leitura, em situações coletivas e públicas.
O mediador se propõe a ler, a compartilhar com todos os presentes o prazer da descoberta das narrativas, dos
livros e da literatura. Ele aproxima o livro e a criança, deixando cada um fazer suas escolhas do que será lido. A
ideia é encontrar o outro “lá onde ele está”, levando em conta as condições que ele tem naquele momento para
se aproximar de um livro, sua disponibilidade em falar ou não durante e depois da história, sua trajetória com as
narrativas e, principalmente, dando a ele a possibilidade de escolher participar ou não.
Portanto, aquele que lê os livros (o mediador) está disponível para acompanhar o outro na história, acolhendo
suas colocações ou seus silêncios, sem preocupação de intervir. Ele respeita assim, a forma, a distância e o
ritmo de cada indivíduo na aproximação com o livro, proporcionando um momento afetivo e prazeroso em torno
da transmissão das histórias.
A partir das leituras, não são impostas atividades e nem colocadas limitações na maneira de se expressar
daqueles que ouviram as histórias, permitindo diferentes olhares e diferentes leituras sobre um mesmo livro ou
uma mesma situação. Sempre procuramos abrir novos caminhos para que as pessoas descubram e escolham,
por si, o que querem ali, naquele momento.
“Que a arte, aqui representada pela literatura e intermediada pela relação, possa ser um meio que ajude as
pessoas, principalmente, a conversarem consigo.”
“Eu me aproximei de uma incubadora, do lado a mãe e um bebê. Cleurimar, que é o nome da mãe, me contou que
a filha tinha uma semana de vida e estava com problemas no coração. Ofereci as leituras para a mãe, ela aceitou.
 
Comecei a ler, Cleurimar se emocionou e começou a chorar, fiquei preocupado e perguntei o que tinha acontecido,
ela me pediu para aguardar com a mão, ela precisava chorar, desabafar. Depois ela me contou a história de Lia, a
sua bebê.
 
Depois de me contar perguntei se ela queria que eu continuasse a ler para ela, ela aceitou novamente e li alguns
livros, ela riu em algumas passagens. No final disse que seria bom ela contar, cantar e falar com a filha, quando me
dirigi para Lia na incubadora e comecei a falar com ela, o medidor de batimentos começou a acelerar. Disse à mãe
que se ela quisesse podia pegar livros no 2o andar.”
 
(Ilan Brenman, autor e mediador de leitura – Unidade Neonatal, Hospital Pediátrico – 2001)
 
20/04/2019 Caminhos possíveis | Revista Emília
revistaemilia.com.br/caminhos-possiveis/ 3/12
Three 136, de Toni Demuro
 
2. Ação Cultural
Estes momentos de inserção cultural deveriam ser situações cotidianas e naturais de transmissão de narrativas
entre gerações e grupos. Deveriam ser espontâneos os momentos com os livros, com as leituras, com a
transmissão dos saberes. Poderiam estar inseridos na vida de todas as pessoas de qualquer idade, origem,
condição social e também em situações sociais, pois são momentos de troca de experiência de vida, de
repertórios culturais, de expressão e de transmissão da história e dos conhecimentos. Mas que por várias
razões históricas, políticas, sociais, culturais, isto não acontece – e que acontecem cada vez menos em certas
regiões.
“Nesse bairro não tem farmácia, vídeo locadora, não tem praticamente nada… tem bar, várias igrejas e esgoto a
céu aberto. A única coisa que deveria ser boa são as escolas que a população não cuida direito. Então é muito bom
fazer alguma coisa nas escolas, sentir que as crianças e os professores gostam do que a gente faz, porque assim a
20/04/2019 Caminhos possíveis | Revista Emília
revistaemilia.com.br/caminhos-possiveis/ 4/12
gente faz da escola algo bom de verdade”.
 
(Luciane Sanches, jovem mediadora de leitura, São Paulo, 2004)
 “Fico muito feliz desses jovens estarem atuando aqui na escola fora todos os benefícios da leitura para as crianças,
o exemplo que eles passam a elas é essencial para o desenvolvimento dessas crianças…”
 
(Maria da Graça, coordenadora do Recreio das férias da EMEF Manuel Vieira, São Paulo, 2004)
Através das leituras compartilhadas esta aproximação e aprendizagem, recíproca, entre as gerações volta a
ocorrer. Os grupos – distanciados pela hierarquia e rotina de uma instituição ou por realidades socioeconômicas
distintas ou simplesmente pela forma de viver na nossa sociedade contemporânea em que “o tempo é sempre
curto” e se joga pouca “conversa fora” – tendem a funcionar de forma cindida e muitas vezes conflituosa,
violenta, pouco criativa e produtiva. Prevalece certo individualismo sem esperança, uma supervalorização do
momento, uma necessidade de permanecer jovem. Isto tudo sem o abrigo do passado, a esperança do futuro, o
sentido da trajetória e o contorno comum da própria história do homem.
Os grupos de adolescentes de diversas classes sociais e regiões de São Paulo, por exemplo, nos mostraram
que a transmissãode narrativas é uma ferramenta importante no trabalho e na valorização da diversidade:
“Somos diferentes, mas falamos a mesma língua!”.
Para os profissionais das instituições esta ação permitiu a horizontalidade das relações entre aqueles que
estavam envolvidos no projeto, intensificando a integração entre os mesmos. O reconhecimento da experiência
do outro e da importância do trabalho multidisciplinar ficaram assim evidenciados.
A valorização da experiência confere sentido à vida!
“Hoje os meus amigos e familiares me vêem como uma mediadora, e com isso eu sinto que tenho uma
responsabilidade pelas crianças.” (Juliana Alves, jovem mediadora de leitura, São Paulo, 2004)
No geral, vemos como a mediação destas narrativas literárias estabelece um tempo de prazer entre um adulto e
uma criança, um adulto e um adolescente, um adolescente e uma criança, adolescentes entre si, etc… Que é
um prazer dividido entre gerações e que pode ser longo, curto ou apenas um momento, mas estabelecido
verdadeira e naturalmente – introduzindo o livro e a leitura neste contexto, que propicia o desejo de
conhecimento e a apropriação dele.
Nossa experiência tem demonstrado que a transmissão entre gerações nunca acontece em um só sentido e
este é um ingrediente fundamental que deve ser sempre considerado, pois potencializa a ação e seu efeito
multiplicador! Assistimos a pequeninas crianças migrantes traduzirem narrativas para suas mães e
adolescentes, introduzindo os livros e as narrativas em sua comunidade. Somos surpreendidos continuamente
por detalhes destacados, segredos preciosos que nos revelam outra realidade a partir de relatos e perguntas
feitas espontaneamente pelas crianças e jovens sobre narrativas, já lidas tantas vezes que pensávamos
conhecer e dominar. Também nós, formadores e mediadores de leitura, estamos neste contexto continuamente
a aprender. É um momento de equilíbrio delicado, em que é necessária a presença da capacidade de se
surpreender!
20/04/2019 Caminhos possíveis | Revista Emília
revistaemilia.com.br/caminhos-possiveis/ 5/12
“Ana (11 anos) mora em uma comunidade pequena na costa. O acesso até lá é feito exclusivamente de
barco. Um dos técnicos da equipe resolveu levar livros de literatura e implantar voluntariamente um pequeno
trabalho com a comunidade. Após alguns dias os livros começaram a ser emprestados, as crianças podiam
levá-los para casa, para ler com seus pais, irmão e avós. Ana pegou emprestado Tanto, tanto, de Trich Cooke
e Helen Oxemburyet. Ao chegar em casa leu para a mãe (analfabeta) e para os irmãos. Todos gostaram, e a
mãe, que nunca vira álbuns ilustrados, ficou encantada com as ilustrações. Durante a noite, a mãe
transformara as páginas do livro em quadros e decorou várias paredes da casa com eles. Ana, em lágrimas,
explica para mãe que livros não são feitos para isto, que ela tinha de devolver, de que era para várias
pessoas da comunidade ler etc… A mãe, surpresa, e um pouco envergonhada, acompanha então Ana para
contar que Tanto, tanto infelizmente tinha virado quadro e pede desculpas!” (Tatiana Wexler, técnica do
projeto)
Trabalhamos a literatura e a leitura através de ações culturais. Ao fazer esta escolha, definimos um campo
preciso de ação. Ele permite aos envolvidos o despertar ou a descoberta de sua própria capacidade de
expressão verbal, cultural. De certa forma, de descobrir-se autor, narrador… Criar, inventar e reinventar seus
objetivos, encontrando novas possibilidades de elaborar e construir sua própria história.
“Eu já me desenvolvi bastante! Perdi o meu jeito tímido, envergonhado e medroso comigo mesma. Também
aprendi bastante com as crianças, nas mediações.”
 
(Marisa Alves, jovem mediadora de leitura, São Paulo, 2004)
“Aqui no curso comecei a aprender a me organizar, a planejar, escrever relatório e isso me ajudou muito a
escolher minha faculdade. Passei no curso de secretariado e estou muito feliz porque agora vou ter uma
profissão.” (Marina Nemoto, jovem mediadora de leitura, São Paulo, 2004)
 
20/04/2019 Caminhos possíveis | Revista Emília
revistaemilia.com.br/caminhos-possiveis/ 6/12
Three 153, de Toni Demuro
 
3. Leitura e a literatura como direito
A leitura é um direito, visto que ela é um instrumento fundamental para o processo formativo e para o aprender.
Várias experiências mostram que quando lemos histórias para crianças, jovens e adultos que não sabem ler,
eles se encantam ao descobrir um universo que muitas vezes ignoravam, mesmo aqueles que apresentam
dificuldades de aprendizagem, que vivem em um universo onde o livro e a escrita são pouco presentes ou
encontram-se em um contexto de acompanhamento terapêutico ou de adversidade.
É essencial para a dignidade de todo ser humano que ele aprenda a ler, escrever, além disso, que possa
participar – o mais amplamente possível – de todas as manifestações culturais, que conheça a sua história e a
história da humanidade e que guarde na memória os fatos do passado, tanto aqueles felizes, quanto os
marcados pela destruição. Os diversos instrumentos de conhecimento são os meios seguros que nos permitem
apreender a realidade, ter o desejo de participar dela e, quem sabe, de transformá-la.
“Engraçado que ao observar a reação das crianças menores, geralmente bebês em primeiro contato com os
livros. A tentativa deles de arrancar as imagens dos livros, verificando logo que as figuras não são reais,
mesmo sem terem uma noção, se acostumam com a realidade. Eles perguntam constantemente (quando já
falam) o que são todas aquelas imagens. Já as crianças maiores, que já sabem falar, estão em contato com
figuras e histórias. Instigantes são as figuras embaixo das imagens, mais parecidas com insetos (já me disse
20/04/2019 Caminhos possíveis | Revista Emília
revistaemilia.com.br/caminhos-possiveis/ 7/12
uma menina), vários tem pernas, mas nenhum tem olho nem boca… E aos poucos as letras do alfabeto
também se tornam familiares… A importância dos livros é inigualável”
 
(Juliana A. T., jovem voluntária, São Paulo, 1999)
 
4. A leitura e diversidade em espaços de crise
Quando a adversidade da vida é excessiva, utilizamos menos a linguagem narrativa e, muitas vezes, nos
encontramos impedidos de sonhar e pensar. Nestes momentos surge a angústia, a barbárie, a depressão.
Segundo Leopoldo Nosek, em “Terror na Vida Cotidiana”, “nesta esfera de ausência de sonhos, o passado não
faz sentido, a atualidade carece de vida e o futuro não existe… neste tempo, onde o passado não faz sentido e o
futuro não foi vislumbrado, criam-se os monstros…”.
“Quando nós fazemos um trabalho coletivo, com quatro mediadores, colocamos os tapetes, esparramamos
os livros, e sempre me impressiona o efeito que isso causa, a quantidade de gente que isso aglutina, as
reações delas, a alegria que elas passam, a alegria que isso gera nos pais. Isso mexe no dinamismo, porque,
são pais que estão há dias, semanas, aqui no hospital, internados junto com as crianças, sofrendo pelo
problema de saúde delas. E de repente, nós instauramos um momento de ludicidade, de alegria, de
conhecimento, de troca, de prazer. Acaba me enchendo os olhos cada vez que nós organizamos um
momento coletivo de leitura.“ (Educador, Hospital Pequeno Príncipe, 11/2/2002)
De acordo com Michele Petit, em seu texto “A Leitura em Espaços de Crise” , “uma crise surge quando os
modos de regulação sociais e psíquicos, que até então estavam funcionando, tornam-se inadequados por causa
de uma mudança brutal (…) ou de uma violência onipresente e durável. Na época contemporânea, a aceleração
das mudanças e o crescimento das desigualdades, e a ampliação do distanciamento entre as populações tem
alterado todos os marcos nos quais se desenvolvia a vida, tornando vulneráveis os homens, as mulheres e as
crianças, de maneira variável, de acordo com seus recursos materiais, simbólicos e afetivos”.
Muitos são os contextos da realidade brasileira que poderíamos qualificar como precários e adversos ao bom
desenvolvimento das crianças e jovens; à valorizaçãoe comunicação dos grupos sociais; à introdução no
mundo da leitura e no acesso à cultura. Precárias – e também insuficientes – são as ferramentas e recursos
para transformarmos efetivamente esta situação. Muitos são os grupos, projetos e profissionais que trabalham e
desenvolvem ações relacionadas ao tema que aqui estamos a discutir.
Na Cor da Letra, investimos na criação, promoção e manutenção de espaços onde a cultura – através da
literatura – esteja presente, acessível e pode ser transmitida e expressa com naturalidade. Escolhemos sempre
criá-los e mantê-los em funcionamento, trabalhando conjuntamente com pessoas que já atuem, habitem no local
e se interessem pelo que estamos propondo, sejam eles adultos ou jovens, com formações específicas ou
educadores leigos, líderes comunitários, mães, pais… São espaços que rapidamente se transformam em
pequenas “ilhas” de expressão, transmissão e criação de cultura. Fabio Hermmann, psicanalista brasileiro,
qualificou nossa ação de: “Criação de Ilhas de Humanização.”
20/04/2019 Caminhos possíveis | Revista Emília
revistaemilia.com.br/caminhos-possiveis/ 8/12
“Depois de uma longa internação, W (12 anos) retornou ao hospital para uma consulta”. O médico perguntou
se estava feliz de ter voltado para casa; W. não titubeou em responder: “É, mas no hospital era bom que
tinha livro e gente pra contar história pra mim, em casa não tem”.
 
(Enfermeira, Hospital São Paulo, 2002).
Apostamos nesta possibilidade de brincar, pesquisar, pensar e expressar a partir das histórias. Pela importância
e riqueza que a literatura tem para o desenvolvimento dos indivíduos, dos grupos e das relações entre os
mesmos. Esta manifestação de vida, saúde e desenvolvimento, é bastante visível entre as crianças, jovens e
adultos quando nos dispomos a estar com eles e com os livros.
“Eu não gostava de ler nada, nem mesmo gibi, pois eu só gostava de ficar na rua sem fazer nada. Quando
começou o projeto da Prefeitura foi muito construtivo pra mim, pois eu comecei a me interessar pelos livros
e hoje eu faço leituras diversas, inclusive jornal e revista”.
 
(Rafaela da Silva Logelso, mediadora de leitura, 2004)
“Todos se beneficiam destas transmissões de saberes, ultrapassando os limites dos mundos privados. Cada
história suscita o aparecimento de novas historias que circulam pela memória, por novas leituras e
interpretações”, como afirma Nosek. Nossa intenção é a de contribuir para melhorar a qualidade de vida e
complementar outras ações junto a crianças e adolescentes, principalmente aqueles que se encontram em
situação de risco e exclusão.
“Não é possível equilíbrio psíquico sem sonho durante o sono, talvez possamos dizer que não haja equilíbrio
social sem literatura desta forma ela é um fator essencial para a Humanização e sendo assim confirma o homem
na sua humanidade, inclusive porque atua no subconsciente e no inconsciente”. Partindo do mesmo princípio da
afirmação de Antonio Candido, nomeamos como narrativas literárias todas as criações poéticas, ficcionais ou
dramáticas, de diferentes níveis, de uma sociedade e nas diferentes culturas, do folclore, da lenda, do chiste, até
as formas mais complexas encontradas nas produções escritas das civilizações. Trabalhamos com a
transmissão de narrativas literárias lidas. Ler para o outro é uma estratégia que permite a transmissão e a
apropriação da linguagem devido à repetição exata do texto e a permanência da história. A escrita traz a
possibilidade da releitura. “Cada nova leitura é uma descoberta que permite renovar e reforçar o sentimento de
existir de um jeito diferente que aquele atravessado pela dificuldade.” (citando novamente Antonio Candido).
Trabalhamos com livros de literatura infantil e juvenil, apesar de que os bons livros não têm idade, pois agradam
a diferentes faixas etárias e despertam emoções, independente da idade. Atualmente, no Brasil, dispomos de
uma enorme variedade de publicações de autores nacionais e internacionais, clássicos e modernos.
Selecionamos os acervos que vamos utilizar, garantindo sempre que uma grande diversidade de formas
literárias, de temáticas, de origens culturais das narrativas seja contemplada.
 
20/04/2019 Caminhos possíveis | Revista Emília
revistaemilia.com.br/caminhos-possiveis/ 9/12
Three 177, de Toni Demuro
 
5. O trabalho com jovens no Brasil
É fundamental pensar projetos nos quais todos os interessados façam parte da ação e possam estar incluídos
como agentes e não apenas beneficiários. Investir em ações que tem o jovem (educador leigo, o profissional da
instituição que não tem formação acadêmica, pais, mães, avós, não leitores…) foi um investimento, uma
descoberta e um desafio para nós.
Os jovens, em geral, são vistos como inconstantes, irresponsáveis e imprevisíveis. Eles, que já não sabem qual
pode ser o seu lugar, ficam sem alternativa de ação junto à sociedade e são, assim, desvalorizados e pouco
reconhecidos em suas capacidades e reais possibilidades de contribuição com a comunidade na qual estão
inseridos. O jovem tem grande energia, força de trabalho, criatividade e ousadia (próprias da idade). Ele deseja
ser agente e canalizar estas potencialidades e em geral não sabe como fazê-lo, pois esta é uma descoberta em
si mesmo. Quando propomos uma ação cultural constante, acompanhada por outros jovens e por adultos que
esperam realmente que eles trabalhem, o jovem facilmente adere e contribui para o desenvolvimento do projeto,
pois sente na proposta a possibilidade de valorização pessoal e a contribuição para a construção de sua própria
trajetória, além da transformação da realidade onde está inserido.
20/04/2019 Caminhos possíveis | Revista Emília
revistaemilia.com.br/caminhos-possiveis/ 10/12
Alguns estudos, como “Qualidade da educação”, demonstram que, atualmente, os jovens procuram aprender,
definir sua conduta e obter conselhos muito mais de seus pares do que de sua família: “o grupo dos iguais está
notavelmente a assumir a tarefa de socialização dos adolescentes; e, na medida em que as crianças se
deslocam para a puberdade, as ideias dos pais tornam-se para elas cada vez mais irrelevantes”.
Nesse sentido, propomos ações nas quais os jovens possam criar uma identidade de grupo, trocar experiências
saudáveis e perceber que são agentes de transformações positivas.
Porém, no Brasil, em razão da falta de oportunidade no mercado de trabalho e de políticas públicas, os jovens
têm permanecido mais tempo morando com suas famílias e demorando a se tornar independentes
economicamente, o que tem mudado e aumentado a faixa etária do que se considera jovem. Assim, diferentes
órgãos sociais têm feito divisões considerando adolescentes a faixa entre 14 e 17 anos, e jovens os de 18 aos
24 anos.
Em qualquer lugar ou instituição em que implantamos um projeto, trabalhamos no e com o coletivo, investindo
em situações nas quais podemos reunir várias gerações ou grupos sociais. Desenvolver estas propostas,
considerando a relevância da diversidade, levou-nos, muitas vezes, a constatar, descobrir e a refletir sobre
aspectos que não havíamos considerado e até que desconhecíamos. Essas reflexões foram geradoras de novas
ações, conhecimentos e caminhos possíveis na construção de uma realidade mais digna, reflexiva e, portanto,
construtiva e saudável.
Three, de Toni Demuro** Este artigo é uma versão
do apresentado na Sessão Preliminar do Salão do Livro e da Imprensa para a Juventude em Seine-Saint-Denis, no
20/04/2019 Caminhos possíveis | Revista Emília
revistaemilia.com.br/caminhos-possiveis/ 11/12
Fórum franco-brasileiro reservado aos profissionais, “Cultura e desigualdades culturais na França e no Brasil”, UNESCO
(Paris 7°), 29/11/2005.
A Cor da Letra foi criada em 1998 por Cíntia Carvalho, bacharel em Letras, e Patrícia Bohrer Pereira Leite, psicóloga
clínica e psicanalista.
* Situação de risco é aquela em que as crianças e jovens sem seus direitos básicos assegurados, e que, por questões de
saúde ou de deficiência física ou mental têm comprometido o seu desenvolvimento global, e crianças que, por situações
de perdas diversas vivem durante certo tempo uma redução importante da atenção e dedicação afetiva que lhes são
necessárias, tanto para o seu desenvolvimento físico, emocional e cognitivo quanto para entender e lidar com a
adversidade a qual foram submetidos.
 
Referências
Antonio Candido Melo e Sousa, “O direito à literatura. Em: Vários Escritos. São Paulo: Duas Cidades, 1995, pp.242-243.
Avram C, Diatkine R. Pourquoi on m’a né?. Paris: Calmann-Lévy, 1995, p. 158.
C. Carvalho, Hotimsky S. e Patrícia Pereira Leite. “A Leitura para crianças e uma ação de cidadania”. Congresso Latino
Americano de Literatura Infantil. Cuba , 1998.
Edward Shorter, A formação da família moderna. Lisboa: Terramar, 1995.
Leopoldo Nosek, “Terror in Every Life: revisting Mr. Kurtz”. Em: Violence or dialogue. Londres: International Psychoanalyis
Library, 2003, p.31
“Qualidade da educação: uma nova leitura do desempenho dos estudantes da quarta série do ensino fundamental”,
Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep/MEC). O trabalho teve como base os resultados do
Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (Saeb) de 2001.
Trish Cookie e Helen Oxemburyet, Tanto tanto. São Paulo: Ática.
A EMÍLIA agradece a Toni Demuro, autor de todas as ilustrações deste artigo. Para saber mais sobre a obra deste
ilustrador italiano, visite seu blog.
COMPARTILHAR: 
http://www.acordaletra.com.br/
http://tonidemuro.blogspot.com/%20
http://tonidemuro.blogspot.com/
http://www.facebook.com/sharer.php?u=http://revistaemilia.com.br/caminhos-possiveis/&t=Caminhos%20poss%C3%ADveis
http://twitter.com/intent/tweet?text=Caminhos%20poss%C3%ADveis%20http://revistaemilia.com.br/caminhos-possiveis/
https://plus.google.com/share?url=http://revistaemilia.com.br/caminhos-possiveis/&t=Caminhos%20poss%C3%ADveis
https://www.tumblr.com/share?v=3&u=http://revistaemilia.com.br/caminhos-possiveis/&t=Caminhos%20poss%C3%ADveis
http://www.pinterest.com/pin/create/button/?url=http://revistaemilia.com.br/caminhos-possiveis/&description=Caminhos%20poss%C3%ADveis&media=http://revistaemilia.com.br/wp-content/uploads/2011/12/tonidemuro-3-150x150.jpg
http://www.linkedin.com/shareArticle?mini=true&url=http://revistaemilia.com.br/caminhos-possiveis/&title=Caminhos%20poss%C3%ADveis
https://bufferapp.com/add?url=http://revistaemilia.com.br/caminhos-possiveis/&title=Caminhos%20poss%C3%ADveis
http://www.stumbleupon.com/badge?url=http://revistaemilia.com.br/caminhos-possiveis/&title=Caminhos%20poss%C3%ADveis
http://revistaemilia.com.br/caminhos-possiveis/#
http://revistaemilia.com.br/caminhos-possiveis/#
20/04/2019 Caminhos possíveis | Revista Emília
revistaemilia.com.br/caminhos-possiveis/ 12/12
SOBRE O AUTOR
Patrícia Pereira Leite
Psicóloga clínica e psicanalista. Membro da
Sociedade Brasileira de Psicanálise; Mestre em
Psicologia Clínica e Psicopatologia pela
Universidade de Paris V e especialista em
Técnicas de Saúde Mental pela Universidade de
Paris XIII. Membro fundador de A Cor da Letra
Centro de Estudos em Leitura, Literatura e
Juventude. Presidente e Coordenadora de
Projetos sociais em Ação Cultural do Instituto A
Cor da Letra.
http://revistaemilia.com.br/author/patricia-pereira/