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DERRIDA E O 
PENSAMENTO 
CONTEMPORÂNEO 
 
 
 
 
• Agnaldo Cuoco Portugal, UNB, Brasil 
• Alexandre Franco Sá, Universidade de Coimbra, Portugal 
• Christian Iber, Alemanha 
• Claudio Gonçalves de Almeida, PUCRS, Brasil 
• Cleide Calgaro, UCS, Brasil 
• Danilo Marcondes Souza Filho, PUCRJ, Brasil 
• Danilo Vaz C. R. M. Costa, UNICAP/PE, Brasil 
• Delamar José Volpato Dutra, UFSC, Brasil 
• Draiton Gonzaga de Souza, PUCRS, Brasil 
• Eduardo Luft, PUCRS, Brasil 
• Ernildo Jacob Stein, PUCRS, Brasil 
• Felipe de Matos Muller, PUCRS, Brasil 
• Jean-François Kervégan, Université Paris I, França 
• João F. Hobuss, UFPEL, Brasil 
• José Pinheiro Pertille, UFRGS, Brasil 
• Karl Heinz Efken, UNICAP/PE, Brasil 
• Konrad Utz, UFC, Brasil 
• Lauro Valentim Stoll Nardi, UFRGS, Brasil 
• Marcia Andrea Bühring, PUCRS, Brasil 
• Michael Quante, Westfälische Wilhelms-Universität, Alemanha 
• Miguel Giusti, PUCP, Peru 
• Norman Roland Madarasz, PUCRS, Brasil 
• Nythamar H. F. de Oliveira Jr., PUCRS, Brasil 
• Reynner Franco, Universidade de Salamanca, Espanha 
• Ricardo Timm de Souza, PUCRS, Brasil 
• Robert Brandom, University of Pittsburgh, EUA 
• Roberto Hofmeister Pich, PUCRS, Brasil 
• Tarcílio Ciotta, UNIOESTE, Brasil 
• Thadeu Weber, PUCRS, Brasil 
Comitê Editorial da 
 
 
 
 
 
 
 
 
DERRIDA E O 
PENSAMENTO 
CONTEMPORÂNEO 
 
 
 
Ricardo Timm de Souza 
Marco Antonio de Abreu Scapini 
(Orgs.) 
 
 
 
φ 
 
Direção editorial: Agemir Bavaresco 
Capa e diagramação: Lucas Fontella Margoni 
 
A regra ortográfica usada foi prerrogativa de cada autor. 
 
Todos os livros publicados pela Editora Fi 
estão sob os direitos da Creative Commons 4.0 
https://creativecommons.org/licenses/by/4.0/deed.pt_BR 
 
 
http://www.abecbrasil.org.br 
 
Série Filosofia e Interdisciplinaridade - 75 
 
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) 
SOUZA, Ricardo Timm de; SCAPINI, Marco Antonio de Abreu (Orgs.). 
 
Derrida e o pensamento contemporâneo - estudos interdisciplinares [recurso eletrônico] / 
Ricardo Timm de Souza; Marco Antonio de Abreu Scapini (Orgs.) -- Porto Alegre, RS: 
Editora Fi, 2017. 
 
314 p. 
 
ISBN - 978-85-5696-162-4 
 
Disponível em: http://www.editorafi.org 
 
1. Filosofia. 2. Derrida. 3. Filosofia contemporânea. 4. Psicanálise. 5. Estética. 
6. Interdisciplinares. I. Título. II Série. 
CDD-100 
Índices para catálogo sistemático: 
1. Filosofia 100 
 
APRESENTAÇÃO 
Ricardo Timm de Souza 
 
 A presente publicação trata de tema de crescente interesse 
tanto na academia como nos meios cultos contemporâneos: a 
renovada presença do pensamento de J. Derrida, já em recepção 
madura, no contexto das mais diferentes especialidades e 
intersecções hermenêuticas da contemporaneidade. De fato desde 
sua morte prematura, em 2004, a influência do autor só faz crescer 
em áreas como a Filosofia, a História, a Psicanálise, a Psicologia, o 
Direito, a Literatura, os Estudos Culturais, entre tantas outras. 
 O pretexto – ou pré-texto – para a confecção da presente 
obra remonta ao Seminário realizado no 2. semestre de 2016 no 
Programa de Pós-Graduação em Filosofia da PUCRS, intitulado 
ESPÍRITO E ESPECTROS DA FILOSOFIA POLÍTICA – 
Spinoza, Benjamin, Agamben, Levinas e Derrida em diálogo desde “Espectros 
de Marx”. De fato, os espectros que retornam em uma época de 
profunda depressão social, política e cultural – não apenas em 
termos nacionais, mas igualmente internacionais – trazem consigo, 
no diálogo com grandes pensadores do passado e do presente, a 
acutilância de novas e por vezes inusitadas possibilidades 
interpretativas do presente desde as brumas sobreviventes do 
passado. É a essas novas possibilidades interpretativas e à sua 
explanação dialogal que os dezenove autores dirigiram seus esforços, 
resultando em um conjunto de textos que abrangem temas e 
provocações tão variados como a Ética Animal, o mal-estar 
psicanalítico, o tema do fetichismo, a relação entre o pensamento de 
Derrida e o Ubuntu do pensamento africano, os desafios da 
criminologia e a “democracia por vir”, entre outros. Ao leitor caberá 
julgar a fidelidade – ou criativa infidelidade – à herança derridiana 
que tais textos são capazes de sugerir, na observância sensível do 
tema simultaneamente mais fátuo e mais concreto de todos os que 
habitam a urgência do presente: a espectralidade incisiva e 
incontornável que não renuncia à responsabilidade pelo futuro. 
 
Porto Alegre, julho de 2017. 
 
 
SUMÁRIO 
 
 
ESPECTROS DE “ESPECTROS DE MARX”: FIGURAS DA ESQUERDA NO SÉCULO XXI 
ALMERINDO A. BOFF 11 
 
CRIMINOLOGIA COMO DESCONSTRUÇÃO – TALVEZ... 
AUGUSTO JOBIM DO AMARAL 35 
 
A PSSIBILIDADE DE UMA ABORDAGEM FILOSÓFICA SEBRE A ESCRITURA- O SIGNO, EM DERRIDA 
E UBUNTU. 
CELESTINO TAPERERO FERNANDO 53 
 
SERIA ENTÃO UMA CONVERSA ARROGANTE? O MAL-ESTAR PSICANALÍTICO PELO OLHAR DE 
JACQUES DERRIDA 
ESTEVAN DE NEGREIROS KETZER 69 
 
(AS)SOMBRAS DE MARX: AS SOBRAS DE UMA POSSÍVEL REVOLTA 
FÁBIO CAIRES CORREIA 93 
 
PSICANÁLISE E DESCONSTRUÇÃO - A DEMOCRACIA POR VIR 
FABIO CAPRIO LEITE DE CASTRO 105 
 
O "ATEÍSMO RADICAL QUE SE LEMBRA DE DEUS" NO QUIASMA ENTRE DERRIDA E LEVINAS 
GUSTAVO PEREIRA 129 
 
B -- X 
LEONARDO WITTMANN 167 
 
ESPECTRALIDADE POLICIAL, EXCEÇÃO E MEDO COMO AFETO POLÍTICO CENTRAL 
LUCAS E SILVA BATISTA PILAU 173 
LUCAS MELO BORGES DE SOUZA 
 
ESPECTROS E OBSESSÃO: DERRIDA COM LACAN 
MANUELA SAMPAIO DE MATTOS
*
 189 
 
A DIFERENÇA ESPECTRAL – A INDECIDÍVEL MELANCOLIA 
MARCO ANTONIO DE ABREU SCAPINI 199 
 
 
O RETORNO DO FIM HOJE: DERRIDA, FUKUYAMA E A FORÇA DO DISCURSO NEOLIBERAL 
MARCUS DE DUTRA MATTOS 217 
 
DERRIDA E A REALPOLITIK – OS DIÁLOGOS COM O MATERIALISMO E O MARXISMO ANOS 60 E 70 
MOYSÉS PINTO NETO 229 
 
OS ESPECTROS DE MARX: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES 
OLGA NANCY P. CORTÉS 253 
 
FETICHISMO, SUJETO Y LEY EN LOS ESPECTROS DE MARX. 
OSCAR PÉREZ PORTALES. 267 
 
ESPECTROS ANIMAIS: “E SE O OLHAR FOSSE A CONFRONTAÇÃO DE DUAS RESPIRAÇÕES?” 
BRUNA DE OLIVEIRA BORTOLINI 275 
RENATA GUADAGNIN 
 
ESBOÇO SOBRE REFLEXÕES CONTEMPORÂNEAS A PARTIR DE COMPREENSÕES DA PSICANÁLISE 
FREUDIANA E DE DERRIDA 
ROBERTA ARAUJO MONTEIRO 295 
 
 
 
ESPECTROS DE “ESPECTROS DE MARX”: 
FIGURAS DA ESQUERDA NO SÉCULO XXI 
Almerindo A. Boff1 
 
 
 
Todos os recursos – como matas, água, campos, etc. – 
serão usados em comum... Nossa obediência aos senhores 
espirituais e temporais encontrará um fim. Também os 
servos dos príncipes e lordes abandonarão seu serviço. E 
se alguém pensa que pode manter seu status social, isto 
será em vão... desejos de ganho egoísta serão 
abandonados. E uma aspiração pelo bem comum 
prevalecerá. 
Hans Hergot, circa 15272 
 
 Fica, ilusão! 
 
William Shakespeare, circa 1600 
“Hamlet”, Ato I, Cena 1 
 
Espectros milenares encontram em Marx a oportunidade 
de uma transfiguração original da escatologia messiânica dos 
primeiros profetas hebreus. Após atravessar milênios, em suas 
diversas transformações, esta havia tomado novo fôlego no 
século XVI em alguns segmentos do pensamento anabatista 
radical. Além da reconhecida derivação a partir da dialética 
hegeliana, o otimismo de Marx em relação ao curso da História 
em direção ao seu final pode também ter origens identificadas no 
ramo jacobino da tradição iluminista, assim como no pensamento 
moral e político do judaísmo clássico e do cristianismo inicial. 
Apesar da sua rejeição a aspectos do humanismo judaico e 
 
1 Doutor em Filosofia (PUCRS).Psicanalista (Sigmund Freud Associação Psicanalítica). 
http://lattes.cnpq.br/4570132129917050 
2 Apud OSBORN, Ronald E. Humanism and the death of God: searching for the 
good after Darwin, Marx and Nietzsche. Oxford: Oxford University Press, 2017. 
Kindle edition: location 2285. 
12 | DERRIDA E O PENSAMENTO CONTEMPORÂNEO: ESTUDOS INTERDISCIPLINARES 
 
cristão, pode também ser evidenciada continuidade do seu 
pensamento com aquele dos grandes rabinos e intérpretes do 
Talmud, podendo-se afirmar que, também apesar do seu 
proclamado ateísmo, o socialismo de Marx enraíza-se diretamente 
na escatologia messiânica, o que permite a George Steiner 
afirmar: “Nada é mais religioso, nada está mais próximo da fúria 
extática por justiça nos profetas do que a visão socialista da 
destruição da Gomorra burguesa e a criação de uma cidade nova 
e limpa para os homens”.3 
Pontuamos até aqui as origens do pensamento de Marx na 
escatologia messiânica dos primeiros profetas hebreus e o retorno 
de suas ideias em correntes religiosas do século XVI. No século 
XVIII, Rousseau aceitou o desafio de dissertar racionalmente a 
respeito do problema que o levou a redigir o “Discurso sobre a 
origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens” 
(1755). No século XIX, Marx propôs uma resposta original à 
questão, posicionando sua obra filosófica entre aquelas que mais 
influenciaram os acontecimentos históricos que a sucederam. 
Inquieta-nos hoje a indagação a respeito do legado de Marx para 
o século XXI: seu pensamento ficou datado e devemos agora 
abandoná-lo como pouco útil para compreender a complexidade 
político-econômica da contemporaneidade? Ou podemos pensar 
que alguns dos espectros de Marx devem ser resgatados para que 
possamos compreender o paradoxo contemporâneo da 
simultaneidade de um desenvolvimento tecnológico em ritmo 
exponencial e de um crescimento igualmente exponencial da 
miséria e da desigualdade entre os homens, levando-nos à que já é 
considerada a pior crise humanitária desde 1945? 
A profissão de fé na revelação marxista continua a ser 
renovada e reapresentada, como exemplifica a publicação este 
ano, em sua terceira edição, impressa e disponível em e-book, do 
livro que se intitula “O socialismo está morto! Longa vida ao 
socialismo!: O código Marx – socialismo com uma face humana 
(Uma Nova Ordem Mundial)”. Nesta obra, o autor defende que a 
completa solução dos problemas do capitalismo só pode ser 
 
3 Idem. Kindle edition: location 2208. 
RICARDO TIMM DE SOUZA; MARCO ANTONIO DE ABREU SCAPINI (ORGS.) | 13 
 
obtida por meio da ciência, mais especificamente do socialismo 
científico de Karl Marx, a única via possível para a instauração da 
Nova Ordem Mundial pós-capitalista. Esta Nova Ordem Mundial 
trará um tempo de igualdade e justiça social, um sistema político 
radicalmente novo que será o sistema mais democrático já 
tornado possível, uma sociedade completamente nova que no 
sistema capitalista é fadada a ser apenas uma utopia. O 
socialismo, como ciência exata, permitirá a realização desta utopia 
pelo estabelecimento da propriedade social dos meios de 
produção, do fim da propriedade privada ou do Estado, e do fim 
da luta de classes com o estabelecimento de uma sociedade 
plenamente democrática e sem classes em uma escala mundial.4 O 
autor prevê assim o fim da utopia ao se positivar nesta Nova 
Ordem Mundial, ideia que não se preocupa em ocultar sua 
inspiração direta e indisfarçada na milenar escatologia messiânica. 
Aqui Marx perde seu caráter espectral e se positivisa como o 
derradeiro profeta. 
Nada mais distante do Marx espectral que Derrida nos 
apresenta em “Espectros de Marx”. Quanto ao estatuto teórico 
da utopia no século XXI, devemos lembrar que meio milênio se 
passou desde a publicação do clássico de Thomas More, o que 
enseja múltiplas reflexões sobre sua espectralidade 
contemporânea.5 Alain Badiou, como veremos mais adiante, une 
ambos os temas na sua acesa discussão sobre a atualidade da 
“hipótese comunista”. A crítica de Deleuze ao capitalismo segue 
despertando debate importante entre seus defensores e 
oponentes.6 Discute-se também a ideia de que o neoliberalismo já 
 
4 BOMBOV, Todor. Socialism is dead! Long live socialism!: The Marx code – 
socialism with human face (A New World Order). Third Edition. USA/Singapore: 
Strategic Book, 2016 (Print Edition) e 2017 (E-book Edition). 
5 OLKUSH, Ksenia; KLOSINSKI, Michal; MAJ, Krzysztof M. (Editors) More after 
More: essays commemorating the five-hundredth anniversary of Thomas More’s 
Utopia. Kraków: Facta Ficta Research Centre, 2016. 
6 CULP, Andrew. Dark Deleuze. Minneapolis: University of Minnesota Press, 2016. 
14 | DERRIDA E O PENSAMENTO CONTEMPORÂNEO: ESTUDOS INTERDISCIPLINARES 
 
tenha dado lugar ao aceleracionismo como “terceiro espírito do 
capitalismo”.7 
Estas rápidas referências às publicações recentes de 
Bombov, Badiou, Culp e Pinto Neto pretendem apenas 
evidenciar a atualidade e a relevância das discussões que os 
espectros de Marx continuam a suscitar a respeito do capitalismo 
e suas derivas espectrais. No presente trabalho, partiremos da 
retomada de algumas considerações de Derrida em entrevistas 
posteriores ao seu livro, para nos dirigirmos em direção a uma 
apreciação crítica de algumas figuras da esquerda que se 
apresentam neste início de século. 
 
Derrida revisita os espectros de Marx 
 
Em meados dos anos 70, Derrida dedicou um seminário 
de um ano ao estudo de Marx, apenas recentemente publicado.8 
Quase vinte anos passarão até que o encontro longamente 
esperado e diferido entre a desconstrução e o marxismo venha a 
público em 1993 com o lançamento de “Espectros de Marx”.9 
Sua entrevista a Michael Sprinker sobre Marx e Althusser, 
realizada ao final dos anos 80, havia sido publicada em inglês em 
dezembro de 1992 em uma obra coletiva, editada por Kaplan & 
 
7 PINTO NETO, Moysés da Fontoura. Esquecer o neoliberalismo: aceleracionismo 
como terceiro espírito do capitalismo. Cadernos IHU ideias. São Leopoldo: Instituto 
Humanitas Unisinos. Ano 14, Número 245, Volume 14, 2016. ISSN 1679-0316 
(impresso) ISSN 2448-0304 (online). 
8 DERRIDA, Jacques. Théorie et pratique. Cours de l’ENS-Ulm1975-1976. Édition 
établie par Alexander García Düttmann. Paris: Galilée, 2017. 
9 Benoît Peters observa que há cerca de trinta anos muitos amigos, principalmente na 
França, criticavam-no por nada ter escrito sobre Marx. A redação do livro se deveu à 
aceitação por Derrida do convite para realizar, em abril de 1993, a conferência de 
abertura de um colóquio internacional organizado pela Universidade da Califórnia que 
tinha o título provocativo de “Wither marxism?”, que pode ser traduzido como “Aonde 
vai o marxismo”, com a conotação de “O marxismo está morrendo?”. (PETERS, 
Benoît. Derrida. Tradução André Telles. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2013. p. 
556) Relembro isto para evidenciar de mais uma maneira o caráter espectral de Marx, 
que aqui se revela na indecidibilidade da questão a respeito da morte ou da sobrevida de 
Marx em sua persistente insepultabilidade. 
RICARDO TIMM DE SOUZA; MARCO ANTONIO DE ABREU SCAPINI (ORGS.) | 15 
 
Sprinker, intitulada “The Althusserian Legacy”10. A mesma 
editora publicará em 1999 a resposta de Derrida aos ensaios 
críticos de diversos autores sobre “Espectros de Marx”11, 
ocorrendo em 2002 a publicação em francês apenas do texto de 
Derrida lá publicado.12 Como não poderia deixar de ser, o livro de 
Derrida levantou muitas questões que foram reabordadas por ele 
em diversas entrevistas. Destaco nesta sessão a reiteração por 
Derrida da estrita relação entre a desconstrução e a psicanálise, o 
que fareiutilizando breves resenhas do tema em quatro 
entrevistas posteriores à publicação do livro. 
Em entrevista concedida a Betty Milan13, Derrida observa 
que a consciência política mundial de hoje precisa reafirmar que 
Marx e o comunismo estão mortos e bem enterrados, o que 
revela a persistência de uma relação com os espectros de ambos. 
Daí a necessidade filosófica de uma “lógica espectral” que 
abarque a compreensão do que não é nem inteligível nem 
sensível, nem visível nem invisível, nem vivo nem não vivo, 
constituindo uma estrutura que resiste às oposições metafísicas. A 
espectralidade constituiu o viés estratégico da desconstrução 
justamente por constituir uma “categoria” que resiste às 
categorias filosóficas. Sua reflexão passou a privilegiar a 
espectralidade a partir da teorização do luto em Freud, o que o 
levou a desenvolver a ideia da interminabilidade do luto. O 
espectro vive numa disjunção do tempo, num tempo anacrônico 
e não contemporâneo a si mesmo. 
Embora lançando mão do conceito freudiano de 
recalcamento para entender nossa relação com o espectro, o 
passo original de Derrida, no que se refere à psicanálise, está em 
que ele leva este conceito para além do campo discursivo 
psicanalítico para pensar uma dimensão política do recalcamento. 
 
10 KAPLAN, E. Ann & SPRINKER, Michael (Editors) The Althusserian Legacy. 
London: Verso Books, 1993. 
11 SPRINKER, Michael (Editor) Ghostly demarcations: a symposium on Jacques 
Derrida’s Specters of Marx. London: Verso Books, 1999. 
12 DERRIDA, Jacques. Marx & Sons. Paris: PUF/Galilée, 2002. 
13 MILAN, Betty. A força da palavra: entrevistas. Rio de Janeiro: Record, 2012. 
16 | DERRIDA E O PENSAMENTO CONTEMPORÂNEO: ESTUDOS INTERDISCIPLINARES 
 
Considera que as categorias psicanalíticas devem ser reelaboradas 
e politizadas, já que tanto o filósofo quanto o psicanalista se 
ocupam da dimensão espectral. No caso de Marx, considera que 
esta extensão da psicanálise ao campo da política lhe permite 
construir o livro “Espectros de Marx” como um livro não 
simplesmente filosófico, já que o pensamento do espectro 
necessita ser construído contra a própria filosofia em muito dos 
seus axiomas. O livro constitui um protesto contra uma certa 
reapropriação de Marx que o neutraliza ao fazer dele um recorte 
que o imobiliza como mais um personagem da Academia 
filosófica. 
Pensar o retorno do espectro de Marx implica não ficar 
aprisionado em uma dogmática marxista e tentar pensar “o 
inédito do nosso tempo” com um certo “espírito de justiça” que 
nos advém a partir dele. Este pensamento implica a necessidade 
de desconstruir sua filosofia, sua ontologia e seu materialismo 
dialético, em nome deste próprio espírito de Marx. 
Os parágrafos anteriores reunem ideias apresentadas na 
referida entrevista a Betty Milan. Em março de 1997, Jean-Pierre 
Vincent apresenta no Théatre des Amandiers de Nanterre o 
espetáculo Karl Marx Théatre inédit, baseado em textos de 
Shakespeare, Marx, Derrida e Chartreux. A este propósito, 
Derrida concede a Nadine Eghels uma entrevista da qual 
passamos também a apresentar alguns recortes.14 Ele reafirma que 
seu livro é tudo menos um “retorno a Marx”. A afirmação da 
herança de um certo “espírito” de Marx é ali um gesto político 
que não busca restaurar qualquer “marxismo” mas, ao contrário, 
apresentar uma posição crítica em relação a todos os 
dogmatismos que buscam apropriação de uma tradição marxista, 
bem como a uma leitura exclusivamente filosófica de Marx. 
Opõe-se a uma apropriação academicista que neutraliza a 
virulência de Marx ao apresentá-lo como um grande clássico 
imobilizado nos cânones dos “grandes filósofos”, tentação à qual 
deve-se resistir. 
 
14 DERRIDA, Jacques; GUILLAUME, Marc; VINCENT, Jean-Pierre. Marx en jeu. 
Paris: Descartes & Cie, 1997. 
RICARDO TIMM DE SOUZA; MARCO ANTONIO DE ABREU SCAPINI (ORGS.) | 17 
 
Partindo do conceito psicanalítico do luto, elabora o 
pensamento de um trabalho de luto político a ser feito não 
apenas por marxistas e comunistas como também pelos 
adversários do comunismo, os cruzados do antimarxismo e os 
grandes sacerdotes do neoliberalismo econômico. No momento 
em que os cânticos do triunfo final do mercado capitalista 
perderam seu “inimigo” e vêem-se às voltas com seu fantasma 
que assombra a partir de um trabalho de luto interminável, 
Derrida vislumbra o desafio de tornar o discurso psicanalítico, 
que concerne em geral ao indivíduo, capaz de analisar um luto 
mundial, uma “melancolia geopolítica”. O livro tenta situar “tudo 
o que fragiliza a retórica do neoliberalismo e às vezes a torna 
indecente até a obscenidade” quando ela celebra com acentos 
jubilatórios o laço entre o mercado e a democracia. O espetáculo 
em foco constitui, para Derrida, uma outra aliança entre o teatral 
e o político, na qual o teatro se torna, para além da representação, 
um novo espaço político. 
Em um encontro realizado em 1999 com Antoine Spire e 
Daniel Bensaïd15, Derrida volta a declinar da tendência frequente 
de arrumar Marx como um filósofo canônico no interior da 
tradição dos grandes filósofos clássicos, o que tende a levar à 
neutralização da injunção revolucionária de Marx e à sua 
domesticação. O livro apresentou o protesto de Derrida contra 
esta neutralização por meio da tentativa de “analisar o campo 
atual dos males da ordem mundial, o trabalho do luto do 
horizonte marxista” incorporando “uma espécie de psicanálise do 
campo político” pelo recurso a um princípio psicanalítico, a 
análise dos fantasmas, porém ao mesmo tempo “transformando, 
politizando, a própria mensagem freudiana”. 
Para finalizar esta sessão, retomamos algumas passagens 
da entrevista de Derrida por Elisabeth Roudinesco.16 Ele enfatiza 
que “Espectros de Marx” é um livro “sobre a melancolia como 
 
15 DERRIDA, Jacques (1999). Sob palavra: instantâneos filosóficos. Tradução Miguel 
Serres Pereira. Lisboa: Fim de Século Edições, 2004. 
16 DERRIDA, Jacques & ROUDINESCO, Elisabeth (2001). De que amanhã: diálogo. 
Tradução André Telles. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2004. 
18 | DERRIDA E O PENSAMENTO CONTEMPORÂNEO: ESTUDOS INTERDISCIPLINARES 
 
política, sobre a política da melancolia”, sobre a política como 
trabalho de luto. Procura problematizar as aporias do trabalho do 
luto em relação aos recursos e aos limites do discurso 
psicanalítico a esse respeito. Observa, argutamente, que este luto 
por um certo marxismo ou um certo comunismo chora, às vezes 
sem lágrimas, “sobre o cadáver do próprio político. Chora o 
próprio conceito de político em seus traços essenciais, e mesmo 
nos traços específicos de sua modernidade (o Estado-nação, a 
soberania, a forma-partido, a topologia parlamentar com mais 
credibilidade)”. Considera que “Espectros de Marx” “talvez seja 
um livro sobre a justiça, sobre uma justiça que não se confunde 
com uma harmonia, uma proporção, uma ordem”, o que remete a 
seu aspecto espectral. Para ele, a espectralidade “comanda não 
apenas a problemática do luto, mas a da técnica, das mídias, da 
realidade virtual e portanto da consideração, na reflexão 
psicanalítica e política, de uma lógica geral da espectralidade. Não 
se pode pretender arrazoar uma realidade política sem levar em 
conta essa virtualidade espectral”. Enfatiza seu respeito intacto 
pela “ideia” comunista, com a necessidade de “uma crítica 
desconstrutivista incansável da lógica capitalista”. 
Pretendo, com estas breves citações de passagens destas 
quatro entrevistas, ter evidenciado mais uma vez a essencialidade 
do pensamento freudiano na elaboração da filosofia da 
desconstrução. A interminabilidade do luto pelas ideias de Marx e 
pela “ideia” do comunismo nos leva a compreenderao mesmo 
tempo a interminabilidade do retorno fantasmático dos espectros 
de Marx. Na seção seguinte examinarei algumas das formas que 
assume no presente este retorno. 
 
Espectros de Marx no século XXI 
 
Na impossibilidade de tentativa de elencar um rol extenso 
dos espectros marxianos que nos assombram, elejo trazer um 
pequeno número deles que quero lembrar a fim de enfatizar a 
fertilidade de algumas ideias para o pensamento contemporâneo. 
Para tanto, é necessário melhor esclarecer alguns dos 
aspectos do pensamento de Derrida a respeito da relação entre 
RICARDO TIMM DE SOUZA; MARCO ANTONIO DE ABREU SCAPINI (ORGS.) | 19 
 
messianismo e espectralidade. Recordemos inicialmente que 
“Espectros de Marx” é, ao mesmo tempo, e bem ao estilo de 
Derrida, tanto uma crítica aos diversos marxismos quanto aos 
discursos anti-marxistas. E aqui já percebemos a virtude do 
espectral de não se deixar apreender em polos metafísicos. Os 
espectros de Marx sempre são mais de um, e por isso são menos 
que Um. Não são inteligíveis nem sensíveis, nem vivos nem 
mortos. São ao mesmo tempo marxistas e anti-marxistas, pois 
não se deixam aprisionar nestas categorias, aparecendo sempre 
fora delas, excedendo-as. A apresentação da dimensão da 
espectralidade é o recurso desconstrucionista de que Derrida 
lança mão para ao mesmo tempo denunciar e compreender as 
consequências político-sociais, em nível global, da falência dos 
organismos internacionais e das democracias parlamentares, em 
relação ao seu suposto papel de representação popular, em razão 
do seu atrelamento ao neoliberalismo e à soberania da smithiana 
“mão invisível” do mercado. Esta falência invoca e ressuscita 
permanentemente os espectros de Marx e do comunismo como 
Outro, como o “totalmente outro” (tout autre) do capitalismo. 
Cabe então indagar a respeito daquilo que habilita estes 
espectros a sempre retornarem neste lugar de falta, de falha, de 
desaparecimento na fumaça, de desesperança. Teria Marx 
inventado este lugar? 
Derrida irá observar que este lugar está desde sempre 
preenchido pelo messianismo, numa “confusão de origem” 
espectral. Estabelecerá, entretanto, uma distinção fundamental 
entre o messianismo e o messiânico, sendo este último a instância 
espectral que precede e possibilita o aparecimento do primeiro. 
Apresenta o messiânico como uma generalidade estrutural, um 
lugar/não lugar estrutural daquilo que, ainda não estando aqui, 
pode a qualquer momento aparecer como o que chega, embora 
nem o momento da sua chegada, nem propriamente o que chega, 
possam ser previstos. É este messiânico, como estrutura 
assincrônica da própria temporalidade, isto é, fora do tempo, que 
possibilita a apresentação do messianismo. Neste sentido, a 
promessa messiânica, como messiânico estrutural, precede todos 
20 | DERRIDA E O PENSAMENTO CONTEMPORÂNEO: ESTUDOS INTERDISCIPLINARES 
 
os messianismos históricos e lhes oferece o lugar estrutural do 
seu imprevisível acontecimento. 
Vistos por esta ótica, o acontecimento dos messianismos 
abrahâmicos advém pela via da ressignificação a posteriori 
(Nachträglichkeit) descrita por Freud: a atemporalidade messiânica 
conecta, na voz do profeta, a memória da herança de uma 
promessa à ideia de um futuro radicalmente novo. 
Como dissemos anteriormente, apesar das críticas de 
Marx à religião em geral, as promessas contidas em sua visão da 
história apresentam continuidade evidente com a escatologia 
messiânica dos profetas hebreus. Osborn enfatiza o caráter 
profundamente antirreligioso dos textos da bíblia judaica, e ilustra 
isto tomando como exemplo o profeta Amós. No seu tempo, 
Israel encontrava-se no zênite de sua prosperidade material e 
poderio militar. Apesar disso, Amós considerava repugnante aos 
olhos de Deus suas pródigas demonstrações de piedade ritual 
oficiada por sacerdotes sicofantas a serviço de monarcas 
corruptos. Repudiava as autoridades religiosas pela opressão dos 
pobres, pelas injustiças econômicas e pela dureza frente ao 
sofrimento humano. Declarava que Israel acabaria por colher o 
que semeara. Na economia moral da soberania da lei divina sobre 
a história, a ira divina estava reservada para os que “venderam 
por prata aqueles cuja causa era justa e os necessitados de um par 
de sandálias”, e que “pisoteiam a cabeça dos pobres na poeira do 
chão”. Condenava também as nações por crimes internacionais.17 
Osborn cita também Isaías. Em seu tempo Israel encontrava-se 
sitiada pelos exércitos dos seus vizinhos. Isso levou o Rei Ahaz a 
contrariar as súplicas de Isaías formando alianças militares 
estratégicas com os brutais impérios da Assíria e Egito. Jerusalém 
regozijava-se com a habilidade política e a capacidade de 
negociante de Ahaz: o Rei era astuto, os sacerdotes estavam 
orgulhosos e o mercado estava repleto. Em contraponto, Isaías 
saiu pela cidade vestido apenas como um escravo para dramatizar 
 
17 OSBORN, Ronald E. Humanism and the death of God: searching for the good 
after Darwin, Marx and Nietzsche. Oxford: Oxford University Press, 2017. Kindle 
edition: location 2220. 
RICARDO TIMM DE SOUZA; MARCO ANTONIO DE ABREU SCAPINI (ORGS.) | 21 
 
aos concidadãos sua real condição moral, sua moralidade de 
escravo, que os destinava à escravidão. Condenava a política 
baseada no poder da espada, horrorizava-se frente às brutalidades 
e carnificinas trazidas pela guerra. Não podia suportar o regozijo 
das pessoas pelos seus crimes normais, como a exploração dos 
pobres e a adoração de ídolos. Marx não é original ao proclamar 
que a objetificação das relações humanas leva à alienação das 
pessoas em relação às outras e à natureza. A palavra bíblica para o 
que Marx chamou “fetiche da mercadoria” é “idolatria”. As vozes 
de inúmeros profetas somam-se às de Amós e Isaías – Jeremias, 
Ezequiel, Miquéias, Oséias – para falar contra a injustiça, a 
opressão e a exploração. A crítica de Marx ao capitalismo pode 
ser considerada essencialmente como a preocupação bíblica pelos 
órfãos e viúvas, para citar apenas um exemplo, retirada de sua 
fundamentação teológica e aplicada às condições da 
modernidade. No Novo Testamento, na sua confrontação com 
os fariseus, Cristo coloca-se na longa tradição dos profetas 
hebreus.18 
Com estes breves traços pretendemos apenas ter 
conseguido ilustrar a presença de uma continuidade entre o 
pensamento judaico milenar, mesmo em aspectos das suas 
apropriações cristãs, e a apresentação por Marx da ideia de um 
mundo por vir onde a justiça para todos finalmente reinará. 
Derrida demonstra, a partir de Freud, o caráter espectral desta 
herança, a herança de uma promessa milenar que retorna 
reiteradamente, em infindáveis atualizações e ressignificações, 
pelo trabalho de um luto interminável. 
Tendo até aqui apresentado um certo retorno espectral de 
Derrida, gostaria agora de referir brevemente outros filósofos que 
também trazem à contemporaneidade espectros de Marx. Inicio 
trazendo dois filósofos franceses que compartilharam com 
Derrida a riqueza incomparável do cenário intelectual parisiense 
da década de 60 do século passado: Deleuze e Badiou. 
O pensamento de Deleuze tem sido associado a uma 
expressão que ganhou destaque nos últimos anos na 
 
18 Idem. Kindle edition: location 2234 ss. 
22 | DERRIDA E O PENSAMENTO CONTEMPORÂNEO: ESTUDOS INTERDISCIPLINARES 
 
problematização do capitalismo na sua contemporaneidade: trata-
se da ideia do aceleracionismo. O termo apareceu primeiramente 
cunhado por Benjamin Noys em 2011 e foi retomado por Nick 
Snircek e Alex Williams em 2013, quando estes publicaram o 
Manifesto for an Acceleracionist Politics, sucedendo-se então uma 
discussão entre Noys e estes autores em livros subsequentes.19 
Queremos observarinicialmente que a ideia do 
aceleracionismo apresenta ampla polissemia, sendo apenas uma 
delas a sua concepção como uma derivação de uma estética 
deleuziana. O termo assume significação totalmente diferente, 
por exemplo, quando podemos usá-lo para referir-nos a uma 
concepção escatológica do capitalismo na qual este escapa à 
previsão do seu fim e se eterniza, ao contrário, em um grande e 
definitivo triunfo. Os fundadores do californiano Breakthrough 
Institute, T. Nordhaus e M. Shellenberger, observam a aurora de 
um capitalismo pós-industrial vibrante, capaz de conduzir a 
humanidade ao seu destino de abundância para todos. Para eles, a 
realidade deste destino de abundância produzida pelo capitalismo 
é simplesmente negada pelos cientistas que insistem na ideia da 
existência de limites biogeofísicos do planeta para abrigar a vida, 
pelos ecologistas que falam na necessidade da redução do 
consumo e pelos economistas que defendem um decrescimento 
da expansão de algumas atividades econômicas. Para eles, ao 
contrário, a solução para o aquecimento global reside na liberação 
e aceleração da atividade econômica e do desenvolvimento 
tecnológico, na aposta no aumento na produção, na inovação e 
no crescimento, levando por fim a prosperidade a todos. 
Propõem a aposta no progresso contínuo, na “modernização da 
modernização”, no aperfeiçoamento do dispositivo técnico do 
capitalismo para que ele possa tornar produtivas suas 
consequências negativas observadas até agora.20 
 
19 SHAVIRO, Steven. No speed limit: three essays on accelerationism. Minneapolis: 
University of Minnesota Press, 2015. Kindle Edition: Pos. 36. 
20 DANOWSKY, Déborah & VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo. Há mundo por 
vir? Ensaio sobre os medos e os fins. 2. Ed. Desterro (Florianópolis): Cultura e 
Barbárie Editora, 2014. pp. 70-73. 
RICARDO TIMM DE SOUZA; MARCO ANTONIO DE ABREU SCAPINI (ORGS.) | 23 
 
A fascinação pela aposta na aceleração do 
desenvolvimento capitaneado pela expansão do capitalismo, já 
vigorosa quando Marx escreve, encontra clara expressão estética a 
partir do lançamento do “Manifesto futurista” de Filippo Tomaso 
Marinetti, publicado inicialmente na Itália e poucas semanas 
depois em Paris no Le Figaro em 1909. Entre 1909 e 1916 mais de 
cinquenta manifestos relacionados foram publicados. Marinetti 
anunciara o nascimento de “uma nova beleza, (...) a beleza da 
velocidade”.21 
O movimento futurista italiano, que influenciou 
fortemente a estética da arte no período pré-guerra, apresenta ao 
mesmo tempo, em sua celebração da velocidade e em seu esforço 
para dominar e explorar sua expressão estética, a celebração da 
dominação da natureza pela tecnologia da aceleração, também 
expressa na exaltação da capacidade mortífera das novas e velozes 
armas para a guerra. Prenunciando nosso capitalismo 24/722, 
Gabriele D’Anunzzio anunciara em seu lema pessoal a 
importância de não dormir, o ideal de viver 24 horas por dia, 
numa exaltação do empenho em acelerar tecnologicamente a vida 
a ponto de superar mesmo as necessidades biológicas, 
prenunciando a guerra atual do capitalismo contra o sono, visto 
como uma das últimas atividades humanas não produtivas que 
impedem o indivíduo de produzir por 24 horas por sete dias por 
semana (24/7). O culto futurista à velocidade e à aceleração 
levará ao culto à guerra, à misoginia e à sua aliança com o 
fascismo.23 
O estágio atual dos problemas econômicos mundiais 
pode, portanto, ser pensado como prenunciando a chegada do 
fim do capitalismo previsto no ideário marxista, bem como pode 
ser pensado como o momento da necessidade da aposta na 
revigoração da aplicação dos fundamentos do liberalismo 
 
21 SPROCCATI, Sandro. A guide to art. New York: Harry N. Abrams, 1992. pp. 163-
164. 
22 CRARY, Jonathan. 24/7: late capitalism and the ends of sleep. London/New York: 
Verso, 2013. 
23 NOYS, Benjamin. Malign velocities: accelerationism and capitalism. Winchester 
(UK): Zero Books, 2014. pp. 13-14. 
24 | DERRIDA E O PENSAMENTO CONTEMPORÂNEO: ESTUDOS INTERDISCIPLINARES 
 
econômico de maneira mais perfeita e acelerada. 
Testemunhamos, portanto, a reiteração das visitas não só dos 
espectros de Marx como também dos espectros de Adam Smith. 
Para os presentes fins, retomamos aqui a ideia do 
aceleracionismo no que se refere à sua relação com o pensamento 
de Deleuze. Em contraponto à concepção de um aceleracionismo 
liberal apresentado nos últimos parágrafos, trata-se agora da 
concepção de um aceleracionismo pensado de acordo com a 
filosofia marxista da história, ou seja, pensado como estratégia 
para acelerar o capitalismo ao seu fim e à emergência do pós-
capitalismo. Este aceleracionismo seria a única via possível para 
atingir o “além do”, ou o “fora do” capitalismo. Por esta via, o 
ultrapassamento do capitalismo só é possível a partir de dentro 
dele, pela estratégia de “colocar a megamáquina capitalista em 
overdrive, acelerar a aceleração que a define, potencializar a 
destruição criativa que a move até que ela termine por se 
autodestruir e nos recrie (em) um mundo radicalmente novo”.24 
Noys traça as origens desta concepção do 
aceleracionismo, aliada aos ideais da esquerda, ao início dos anos 
70, com o lançamento de “O anti-Édipo: capitalismo e 
esquizofrenia 1”, de Deleuze & Guattari, em 197225, ao qual 
seguiram-se, na mesma direção, as considerações críticas de Jean-
François Lyotard (em “Economia libidinal”, 1974) e Jean 
Baudrillard (em “Troca simbólica e morte”, 1976). O 
desenvolvimento destas ideias levou à concepção de que o único 
caminho para fora do capitalismo é a ação de acelerar seu 
desenvolvimento em direção ao seu fim, “seguir suas linhas de 
fuga ou desterritorialização ao final absoluto, acelerar para além 
dos limites da produção e assim romper o limite do próprio 
capital”.26 
 
24 DANOWSKY, Déborah & VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo. Há mundo por 
vir? Ensaio sobre os medos e os fins. 2. Ed. Desterro (Florianópolis): Cultura e 
Barbárie Editora, 2017. pp. 74-77. 
25 DELEUZE, Gilles & GUATTARI, Félix. (1972/1973) O anti-Édipo: capitalismo e 
esquizofrenia 1. Tradução Luiz B. L. Orlandi. São Paulo: Ed. 34, 2010. 
26 NOYS, Benjamin. Malign velocities: accelerationism and capitalism. Winchester 
(UK): Zero Books, 2014. (Kindle edition: position 80-115; pp. 1-4) 
RICARDO TIMM DE SOUZA; MARCO ANTONIO DE ABREU SCAPINI (ORGS.) | 25 
 
Na crítica de Viveiros de Castro, na linha defendida por 
Derrida, o já citado “Manifesto aceleracionista”, de Snircek & 
Williams27, apresenta um pós-capitalismo que é mais uma versão 
da filosofia messiânica, a “bimilenar narrativa patriarcal, 
repressiva, transcendentalista, racista e falocrática que atravessa 
como um fio rubro a história do Ocidente, de São Paulo a Marx, 
Husserl, Heidegger e além”.28 Em outras palavras, a proposta da 
estratégia esquerdista de acelerar o capitalismo com suas próprias 
forças até o seu final, o seu pós-capitalismo, apenas encobre 
superficialmente a reiteração da milenar promessa bíblica: “Após 
o apocalipse, o Reino”.29 
Como temos visto, a ideia da necessidade de transição 
para o pós-capitalismo pode ser pensada tanto por um viés liberal 
quanto por um viés de inspiração marxista. Para seus respectivos 
inimigos, tanto o neoliberalismo quanto o marxismo devem ser 
superados na travessia para um pós-capitalismo. Este tem sido 
um assunto proeminente no trabalho filosófico do segundo 
filósofo francês que anunciamos pretender lembrar nesta secção. 
Alain Badiou tem trabalhado as implicações do que chama “a 
hipótese comunista”.30 A ideia do comunismo foi amplamente 
debatida, sob coordenação de Badiou e Zizek, em dois encontros 
internacionais que tiveramlugar em Londres (2009) e Berlim 
(2010).31 Na impossibilidade de iniciar neste espaço qualquer 
percorrido da abordagem de Badiou deste problema em inúmeras 
ocasiões, abordarei aqui apenas duas passagens ilustrativas do seu 
pensamento. 
 
27 SRNICEK, Nick & WILLIAMS, Alex. #Accelerate: manifesto for an acceleracionist 
politics. In: JOHNSON, Joshua. (Ed.) Dark trajectories: politics of the outside. Hong 
Kong: [NAME] Publications, 2013. 
28 DANOWSKY, Déborah & VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo. Há mundo por 
vir? Ensaio sobre os medos e os fins. 2. Ed. Desterro (Florianópolis): Cultura e 
Barbárie Editora, 2017. p. 81. 
29 Idem. p. 75. 
30 BADIOU, Alain. Circonstances 5. L’hypothèse communiste. Clamecy (FR): 
Nouvelles Éditions Lignes, 2009. 
31 BADIOU, Alain & ZIZEK, Slavoj. (Eds.) L’idée du comunisme. Clamecy (FR): 
Nouvelles Éditions Lignes, 2010 (Conférence de Londres/2009) e 2011 (Conférence de 
Berlin/2010). 
26 | DERRIDA E O PENSAMENTO CONTEMPORÂNEO: ESTUDOS INTERDISCIPLINARES 
 
Em uma entrevista com Peter Engelman, realizada em 
março de 2012, Badiou observa que o movimento comunista no 
século XXI não está condenado a repetir os erros cometidos nos 
séculos anteriores, devendo assumir novas formas que 
incorporem o aprendizado daquelas experiências. Ilustra isso, 
entre inúmeros exemplos, o reconhecimento da impossibilidade 
contemporânea de pretender um movimento comunista com um 
comando central unificado e seu decorrente caráter autoritário. 
Ao invés disso, o movimento comunista contemporâneo deve 
discutir a nível global a “Ideia” de comunismo, revisitando 
criticamente as ideias de Marx e os experimentos comunistas já 
realizados. Esta ação poderia estimular o desenvolvimento de 
discussões e experimentos locais, que encontrariam ressonância 
em um espaço global de troca de experiências de trabalho 
realizadas localmente a partir da “hipótese comunista”. Estas 
discussões permitiriam pensar uma nova ideia de política que não 
seja uma política de representação como a vigente.32 
Ao final de um longo debate travado com o filósofo 
Marcel Gauchet, pensador da democracia liberal e defensor do 
neoliberalismo, realizado em 2014, Badiou, após comentar sobre 
as consequências mundiais da queda do muro de Berlim e do fim 
da União Soviética nos anos 1990, surpreende Gauchet ao 
afirmar que o neoliberalismo, para avançar em sua reformulação, 
tem uma necessidade vital da vigência da hipótese comunista. 
Isso porque o exame da história mostra que aquilo que fez com 
que o liberalismo repensasse suas posições teóricas foi 
exatamente a presença efetiva de um outro universo, da “outra 
hipótese”, a dos comunistas. O fim do comunismo histórico 
ocorrido nos anos 90 do século passado fez com que as 
democracias liberais deixassem de ser desafiadas por seus 
adversários comunistas, resultando que, na ausência do perigoso 
Outro que as ameaçava, passaram a ser vassalas do capital e de 
seus detentores, que não se sentem mais constrangidos a aceitar 
os princípios da moderação e da redistribuição. A democracia tem 
 
32 BADIOU, Alain. Quel communisme? Entretien avec Peter Engelmann. Montrouge 
Cedex (FR): Bayard, 2015. pp. 94-105. 
RICARDO TIMM DE SOUZA; MARCO ANTONIO DE ABREU SCAPINI (ORGS.) | 27 
 
necessidade lógica de ser trabalhada por sua alteridade, seu 
Outro, quer lhe seja interno ou externo. O comunismo, ou a 
hipótese comunista, é o Outro do capitalismo que o torna 
possível.33 Assim como o grande Outro da democracia 
representativa é o capital, ao qual ela está submetida e que é quem 
a perpetua.34 
A propósito destas ideias de Deleuze e de Badiou, é 
interessante aproximá-las, por exemplo, de uma passagem da já 
citada entrevista a Betty Milan em que Derrida, ao comentar sua 
referência a uma Nova Internacional em “Espectros de Marx”, 
pontua que sua brincadeira com esta expressão aponta, ao 
contrário do aparentemente anunciado, para uma ação solidária 
internacional que se dá fora dos partidos, fora dos sindicatos, fora 
de um Estado, reunindo homens e mulheres que não são sujeitos 
políticos no sentido tradicional da palavra “político”. Esta forma 
de solidariedade representa a aspiração de uma força 
internacional que já existe de forma obscura por ainda não ter 
encontrado sua linguagem. Embora ainda sem forma 
organizacional, ela perturba as instituições ligadas ao Estado e 
exige uma transformação da democracia e do direito 
internacional, operado por instituições internacionais regidas por 
categorias europeias criticáveis e dependentes dos Estados 
Unidos.35 
Encerraremos agora esta secção fazendo apenas uma 
breve referência a outros autores que devem ser lembrados 
necessariamente para pensarmos a contemporaneidade dos 
espectros de Marx. Ainda nos referindo aos franceses, há 
trabalhos recentes bastante interessantes aproximando Lacan com 
as ideias de Marx.36 Entre os brasileiros, não podemos deixar de 
 
33 BADIOU, Alain & GAUCHET, Marcel Que faire? Dialogue sur le communisme, le 
capitalisme et l’avenir de la démocratie. Animé par Martin Duru et Martin Legros. Paris: 
Philo Éditions, 2014. pp. 153-155. 
34 Idem. pp. 79-80. 
35 MILAN, Betty. A força da palavra: entrevistas. Rio de Janeiro: Record, 2012. p. 52-
3. 
36 Algumas sugestões de leitura para a aproximação dos pensamentos de Lacan e Marx: 
BRUNO, Pierre. Lacan, passeur de Marx. L’invention du symptôme. Toulouse: 
28 | DERRIDA E O PENSAMENTO CONTEMPORÂNEO: ESTUDOS INTERDISCIPLINARES 
 
registrar os retornos de Marx nas obras de Paulo Freire37 e 
Augusto Boal38. No nosso meio, Edson Luiz André de Sousa tem 
trabalhado consistentemente sobre a necessidade da utopia.39 
Registramos aqui também o importante trabalho de crítica ao 
neoliberalismo desenvolvido na Argentina por Hugo Biagini40. 
 
Éditions Érès, 2010.; TOMSIC, Samo. The capitalist unconscious: Marx and Lacan. 
London/NewYork: Verso, 2015.; TOMSIC, Samo & ZEVNIK, Andreja. Jacques 
Lacan: between psychoanalysis and politics. London/NewYork: Routledge, 2016. 
37 A elaboração teórica da “pedagogia do oprimido” de Paulo Freire, desenvolvida por 
ele a partir dos anos 60 do século passado, encontra cada vez maior reconhecimento a 
nível internacional. Uma abordagem recente da importância do seu pensamento para o 
século XXI pode ser encontrada em ROBERTS, Peter. Paulo Freire in the 21st 
century: education, dialogue and transformation. London/NewYork: Routledge, 2016. 
Na mesma linha, ver RODRÍGUEZ, Héctor Manuel Núñez. Pedagogía de la 
liberación de Paulo Freire en la etapa global del capitalismo. 2ed. México: 
Editorial Venera, 2013. Uma introdução recente ao seu pensamento pode ser 
encontrada em SMIDT, Sandra. Introducing Freire: a guide for students, teachers and 
practitioners. London/NewYork: Routledge, 2014. Sua obra também é valorizada em 
TAROZZI, Massimiliano & TORRES, Carlos Alberto. Global citizenship education 
and the crises of multiculturalism: comparative perspectives. London: Bloomsbury, 
2016. Uma abordagem histórica das concepções de Marx em relação à educação pode 
ser encontrada em SMALL, Robin. Marx and education. London/NewYork: 
Routledge, 2016. 
38 Augusto Boal, em um pensamento muito próximo ao de Paulo Freire e desenvolvido 
na mesma época, tornou-se internacionalmente reconhecido pela teorização e prática 
do “teatro do oprimido”. Revisitas recentes à sua obra se encontram em LAWRENCE, 
Luis Chesney & DINNEEN, Mark. Augusto Boal revisitado: ensayos em inglés, 
portugués y español. 2ed. Charleston (USA): On-Demand Publishing (ODP), 2014.; 
FRITZ, Birgit. Inexactart – the autopoietic theatre of Augusto Boal:a handbook of 
theatre of the opressed practice. Translated by Lana Sendzimir and Ralph Yarrow. 
Stuttgart: ibidem Press, 2012.; COHEN-CRUZ, Jan & SCHUTZMAN, Mady. (Eds.) A 
Boal companion: dialogues on theatre and cultural politics. London/NewYork: 
Routledge, 2006. 
39 SOUSA, Edson Luiz André de & WILLIGES, F. R. Utopias e a parcialidade da 
imagem. Polêmica. v. 16, p. 14-21, 2016.; SOUSA, Edson Luiz André de. I Margens 
utópicas: contrafluxos do futuro. Revista Mesa. v. 4, p. 1-6, 2015. SOUSA, Edson 
Luiz André de & SANTELLANO DE FREITAS, A. Dobras de uma origem: clinica, 
criação e utopia. Barbarói (UNISC. Online), v. 43, p. 104-118, 2015.; SOUSA, Edson 
Luiz André de. Uma invenção da utopia. São Paulo: Lumme Editor, 2007. 
40 BIAGINI, Hugo E & ROIG, Arturo A. El pensamiento alternativo en la 
Argentina del siglo XX. Tomos I y II. Buenos Aires: Editorial Biblos, 2004 (Tomo I) 
y 2006 (Tomo II). BIAGINI, Hugo E. La contracultura juvenil: de la Emancipacón a 
los Indignados. Buenos Aires: Editorial Capital Intelectual, 2012; BIAGINI, Hugo E & 
PEYCHAUX, Diego F. Neuroliberalismo: a ética do mais forte. Tradução Antonio 
Sidekum. Nova Petrópolis (RS): Editora Nova Harmonia, 2016. 
RICARDO TIMM DE SOUZA; MARCO ANTONIO DE ABREU SCAPINI (ORGS.) | 29 
 
Espectros do por vir 
 
Encerramos esta breve reflexão com uma tentativa de 
marcar, levando em conta o apresentado ao longo do texto, uma 
distinção pertinente entre apropriações do pensamento de Marx 
no século XX e aquelas autorizadas por uma reflexão a posteriori a 
partir da filosofia e da cena da escritura das décadas iniciais do 
século XXI. Recepções históricas do marxismo que procuraram 
sustentar a possibilidade de levar ao fim a espectralidade 
messiânica através da busca da realização histórica positiva do fim 
da luta e da sociedade de classes, do fim do capitalismo e seus 
fundamentos, como a propriedade privada e o predomínio do 
interesse individual sobre o coletivo, mesmo que pelo uso da 
violência totalitarista e pela apropriação dos meios de produção 
pelo Estado totalitário, parecem atualmente apenas ecoar a 
impossibilidade de discriminar entre o messiânico espectral, 
marca da presença de um oriente como utopia revitalizadora, e a 
possibilidade de uma positivação última capaz de pôr fim à 
necessidade da utopia. Derrida, apoiado no conhecimento 
psicanalítico elaborado por Freud, entende a utopia como 
compondo o messiânico estrutural, promessa que marca a 
presença de um trabalho de luto interminável, permanentemente 
sujeito à reiterabilidade. 
Devemos então responder à questão referente às 
alternativas que se colocam para cuidar da sobrevivência da 
espectralidade utópica como condição de possibilidade da 
presença de um por vir como esperança. Queremos deixar com o 
leitor duas ideias a nosso ver importantes para compor esta 
resposta. A primeira é a ideia da necessidade da desconstrução 
crítica do discurso que sustenta a articulação duradoura entre a 
democracia parlamentar e o capitalismo tardio na sua versão 
neoliberal contemporânea, criativamente renomeada por Biagini 
& Peychaux como “neuroliberalismo”41. Só esta crítica poderá 
 
41 BIAGINI, Hugo E & PEYCHAUX, Diego F. Neuroliberalismo: a ética do mais 
forte. Tradução Antonio Sidekum. Nova Petrópolis (RS): Editora Nova Harmonia, 
2016. 
30 | DERRIDA E O PENSAMENTO CONTEMPORÂNEO: ESTUDOS INTERDISCIPLINARES 
 
abrir a possibilidade de pensar a democracia por vir para além do 
seu atrelamento histórico aos interesses do capital vadio, que tem 
na sua reprodução ilimitada o seu fim último e soberano, sempre 
para além da possibilidade do reconhecimento de qualquer 
Outro. 
Se esta ideia implica abrir campo para novos estamentos 
legais que dela resultam, a nível nacional e internacional, esta 
dimensão ao mesmo tempo é incapaz de sustentar-se fora da 
ideia de um sujeito que permanece capaz de dialogar “com” e “na 
presença” dos fantasmas, como nos diz Derrida42. Fantasmas que 
acompanham os sonhos e a arte dos humanos como condição da 
sua existência. A fruição estética desta presença espectral é o ar 
que este sujeito respira e que o mantém vivo. Neste cenário, cabe 
ao trabalho dos artistas, filósofos e psicanalistas o papel de 
manter as condições atmosféricas de respirabilidade de que este 
sujeito depende para estar. 
 
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 
 
BADIOU, Alain. Circonstances 5. L’hypothèse communiste. 
Clamecy (FR): Nouvelles Éditions Lignes, 2009. 
 
BADIOU, Alain. Quel communisme? Entretien avec Peter 
Engelmann. Montrouge Cedex (FR): Bayard, 2015. 
 
BADIOU, Alain & GAUCHET, Marcel Que faire? Dialogue sur le 
communisme, le capitalisme et l’avenir de la démocratie. Animé 
par Martin Duru et Martin Legros. Paris: Philo Éditions, 2014. 
 
BADIOU, Alain & ZIZEK, Slavoj. (Eds.) L’idée du comunisme. 
Clamecy (FR): Nouvelles Éditions Lignes, 2010 (Conférence de 
Londres/2009) e 2011 (Conférence de Berlin/2010). 
 
BIAGINI, Hugo E. La contracultura juvenil: de la Emancipacón a 
los Indignados. Buenos Aires: Editorial Capital Intelectual, 2012. 
 
42 DERRIDA, Jacques. (1993) Espectros de Marx: o estado da dívida, o trabalho do 
luto e a nova Internacional. Tradução Anamaria Skinner. Rio de Janeiro: Relume-
Dumará, 1994. p. 11. 
RICARDO TIMM DE SOUZA; MARCO ANTONIO DE ABREU SCAPINI (ORGS.) | 31 
 
 
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CRIMINOLOGIA COMO DESCONSTRUÇÃO – 
TALVEZ... 
Augusto Jobim do Amaral 
 
Refletir sobre o desenvolvimento dos movimentos e 
tendências críticas em criminologia, desde sempre, deve passar 
longe do encerramento metodológico ou das categorizações 
planificadas ideologicamente.1 Do contrário, a traição a qualquer 
postura radical, de fato, já estaria anunciada e desde sempre ex-
posta, não menos que pelo alijamento do esforço em construir, 
atualizar e profanar conceitos capazes de captar as lutas sociais e 
políticas que propriamente lhe dariam sentido. 
Em tempos sombrios de naturalização da violência, 
sobretudo dos dispositivos de punição, em que o 
embrutecimento do pensamento toma protagonismo, orientado 
por uma “nova razão do mundo”2 ditada pelos auspícios 
neoliberais, a urgência radical de certa inteligência que enfrente a 
burrice do fanatismo mobilizado pelos fascismos como modo de 
vida atrofiado pelo medo se impõe. Um vazio reflexivo ganha 
eco, matraqueado pelo senso comum que, em matéria penal, 
concretamente, não apenas franquia a morte em escala industrial 
operada pelo sistema penal, mas forja uma expansiva e 
permanente tecnologia de governo hábil à eliminação da 
diferença. Pôr em questão, ainda que de maneira esparsa, o 
compromisso de não negociar com este injustificável estado de 
coisas, é mais que mera questão de engajamento, atualmente 
trata-se de ponto nevrálgico de decisão.3 
 
 Professor do Programa de Pós-Graduação em Ciências Criminais da PUCRS. 
1 Cf. SCAPINI, Marco Antonio de Abreu. Criminologia & desconstrução: um ensaio. Rio 
de Janeiro: Lumen Juris, 2012; PANDOLFO, Alexandre Costi. A Criminologia 
Traumatizada: um ensaio sobre violência e Representação dos Discursos Criminológicos 
Hegemônicos do Século XX. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. LAITANO, Grégori 
Elias. Por uma Criminologia do Encontro: um ensaio. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2012. 
2 Cf. DARDOT, Pierre; LAVAL, Christian. A Nova Razão do Mundo: ensaio sobre a 
sociedade neoliberal. Tradução de Mariana Echalar. São Paulo: Boitempo, 2016. 
3 Cf. SOUZA, Ricardo Timm de. Existência em Decisão: uma introdução ao pensamento 
de Franz Rosenzweig. São Paulo: Perspectiva, 1999. 
36 | DERRIDA E O PENSAMENTO CONTEMPORÂNEO: ESTUDOS INTERDISCIPLINARES 
 
Não obstante, a condição de normalização da exceção 
tem nesta regra a força de supressão de todo instante de decisão e 
sumamente de responsabilidade sobre aquilo que cabe em cada 
instante de crise.4 Agonisticamente, noutros termos, o que se 
suprime é o próprio tempo.5 Nada restará, portanto, senão o 
abortamento do porvir – futuro inderrogável que passa a ser 
assumido como fatalidade, o que, em matéria de pensamento 
político-criminológico, consolida esquemas legitimantes de 
técnicas permanentes de governo pautadas pelo medo.6 A crise 
coincidida com a normalidade é tornada ferramenta do poder 
punitivo. Eis sua estética que não precisa se justificar senão por 
sua própria ostentação. O horror desnudado desta regra depõe o 
julgamento (local do critério) e sua evidência basta para se 
encerrar futuros (im)possíveis nas lógicas das repetidas narrativas 
da exclusão e da morte operadas pelas rotinas penais banalizadas. 
Ao estado totalizante do poder punitivo cabe a cada um o desafio 
de saber o que dizer.7 
Portanto, possível e necessário arriscar – afinal a 
radicalidade não nos é dada. Exatamente, para estarmos à altura 
de tempos urgentes de violências totalizantes múltiplas, é que a 
criminologia pode fundar seu limiar filosoficamente. Para que tal 
condição porvir possa se dar, sem antecipação, o peso imprevisível 
do acontecimento é a inspiração singular.8 Afinal, mais diretamente, 
 
4 Cf. SOUZA, Ricardo Timm de. Sobre a Construção do Sentido: o pensar e o agir entre a 
ética e a filosofia. São Paulo: Perspectiva, 2003. 
5 Cf. SOUZA, Ricardo Timm de. O Tempo e a Máquina do Tempo: Estudos de Filosofia e 
Pós-Modernidade. Porto Alegre: Edipucrs, 1998. 
6 Cf. SOUZA, Ricardo Timm de. Ainda Além do Medo: Filosofia e Antropologia do 
Preconceito. 2ª Ed.. Porto Alegre: Editora fi, 2015. 
7 SOUZA, Ricardo Timm de. Kafka: a Justiça, o Veredicto e a Colônia Penal – um ensaio. São 
Paulo: Perspectiva, 2011, pp. 17-30. 
8 Acontecimento não é apreensão, que está lá para ser prevenido ou para ser percebido 
antecipadamente: “Um acontecimento é o que vem; a vinda do outro como acontecimento só é um 
acontecimento digno deste nome, isto é, umacontecimento disruptivo, inaugural, singular, na medida em 
que precisamente não o vemos vir. Um acontecimento que antecipamos, que vemos vir, que pré-vemos, 
não é um acontecimento: em todo caso, é um acontecimento cuja acontecimentalidade é neutralizada, 
precisamente, amortecida, detida pela antecipação.” (DERRIDA, Jacques. “Pensar em não ver”. 
In: Pensar em não ver: escritos sobre as artes do visível. MASÓ, Joana; MICHAUD, Ginette; 
BASSAS, Javier (Orgs.). Trad. Marcelo Jacques de Moraes. Florianópolis: Ed. da UFSC, 
RICARDO TIMM DE SOUZA; MARCO ANTONIO DE ABREU SCAPINI (ORGS.) | 37 
 
o que haveria de decisivamente contemporâneo e radical, entre 
uma criminologia e uma filosofia, senão o profundamente 
impossível e necessário traço de convocação ética9 que alguma 
criminologia possa ambicionar? Na fragilidade densa da 
resistência contra os blocos maciços de sentidos e racionalidades 
criminológicas bem pensantes, frente às tendências justificantes 
de todos os matizes na imposição violenta de supostos fins 
“justos”, talvez (como experiência do possível como impossível10) 
ainda reste deixar pulsar instantes outros que excedam toda a 
presença de um tempo ensimesmado. 
Fazer criminologia como se11 memória política fosse, 
fantasmagoria criminológica dos sistemas penais, como desajuste radical 
 
2012, p. 70). De saída, é imprevisível, não podendo ser predito, pois não podemos vê-lo 
vir e, portanto, não possui horizonte – ele é vertical. Digno deste nome, apenas pode vir 
do outro, e não haverá responsabilidade nem decisão com o peso necessários sob esta 
experiência se não houver de se pensar como dizer deste im-possibilidade indizível. Im-
possível que não é somente impossível, o contrário do possível, mas que é também 
condição ou chance do possível, ou seja, que é a sua própria experiência – e uma decisão 
que arrisque dizê-lo supõe, pela indispensabilidade responsabilidade pelo outro, que 
esgarce a trama do possível. (DERRIDA, Jacques. “Uma certa possibilidade impossível 
de dizer o acontecimento” (tradução de Piero Eyben). In: Revista Cerrados (Revista do 
Programa de Pós-Graduação em Literatura da UnB). Brasília: Vol. 21, nº 33 (2012), p. 
244-5). 
9 Cf. SOUZA, Ricardo Timm de. Ética como Fundamento II – Pequeno tratado de ética 
radical. Caxias do Sul: Educs, 2016. 
10 A ênfase está no “talvez” como experiência do possível como impossível: “ora, a 
experiência do ´talvez´ seria, de uma só vez, a do possível e a do impossível, do possível como 
impossível. Se apenas acontece [arrive] o que já é possível, portanto antecipável e esperado isso não faz 
um acontecimento. O acontecimento só é possível se vindo do impossível. Ele acontece como a vinda do 
impossível, ali onde um ´talvez´ nos priva de toda segurança e deixa o porvir ao porvir. O ´talvez´ se 
alia necessariamente a um ´sim´: sim, sim a(o) que vem. O ´sim´ seria comum à afirmação e à 
resposta, viria antes mesmo de toda a questão. Um ´talvez´ como ´perhaps´ (it may happen, como 
se diria), de preferência à ligeireza do ´vielleicht´, de preferência ao chamado do ser ou à insinuação 
ontológica, o to be or not to be, de um ´maybe´, eis talvez o que, exposto como o ´sim´ ao 
acontecimento, ou seja, à experiência do que acontece (happens) e de quem então chega (arrives) 
longe de irromper a questão, dá-lhe sua respiração.” DERRIDA, Jacques. “Como se fosse 
possível, “within such limits”...”. In: Papel-máquina. Trad. Evandro Nascimento. São 
Paulo: Estação Liberdade, 2004, pp. 258- 259. 
11 O “als ob”, venerado pela tradição filosófica (cf., por todos, o papel enigmático e 
decisivo desempenhado pelo als ob em todo o pensamento de Kant, em especial com 
relação à ideia reguladora: KANT, Immanuel. Crítica da Razão Pura, pp. 545-585), é 
posto, em contrapartida, em nome da própria razão, como escreve Derrida, para 
salvaguardar a sua própria honra. Como se fosse possível dar conta de uma 
38 | DERRIDA E O PENSAMENTO CONTEMPORÂNEO: ESTUDOS INTERDISCIPLINARES 
 
diante dos fantasmas dos já mortos, dos que ainda não nasceram, 
vítimas ou não das guerras, dos extermínios e das violências do 
poder punitivo. A bom rigor, a radicalidade filosófica de qualquer 
criminologia parece não poder distar da interrogação sempre 
candente sobre aquilo que pode assumir o sentido de humano – e 
para além dele – engolido pelas engrenagens criminais/criminosas 
bem pensadas e objetificantes de um estado de coisas que não se 
suporta mais, senão ao preço das suas maiores perversões, ser 
conciliado e sustentado como normal. 
O que mais deverá ser recorrente e inesgotável num 
discurso criminológico radical senão a incisividade no convite à 
monumental evocação sobre os restos transparentes da história 
esquecidos pela máquina penalizante? Espectros de palavras que 
reverberam propriamente sobre aquilo que por elas não é 
alcançado: o testemunho sobre a dor do outro, limite absoluto da 
minha representação, que teoria nenhuma será capaz de lhe fazer 
justiça.12 Uma estirpe criminológica tocada por uma ética da vida, 
do qual todo o mais é derivado, será campo assombrado que 
haverá de aprender a viver, finalmente,13 com fantasmas14 – aventura 
estranha e desconfortável que não substitui o que se viveu e 
morreu pela memória do acontecido, nem está centrada na ideia 
do que se passará (pois não a temos), contudo que urge pela 
representação não solitária e indeterminável do outro que habita 
clandestinamente toda a lógica (criminológica) exaurida. Pro-
vocação inaudita de uma responsabilidade radical que algum 
discurso criminológico não poderá olvidar. Questão de justiça, 
pois. Algo que talvez uma im-possível criminologia – e não falamos 
 
incondicionalidade que permanece incalculável, para que, entre outras questões, evite 
com que a razão perca seu desejo de razão, sua dignidade mesma, autoimunizando-se e 
convertendo-se num mero, porém ameaçador poder. DERRIDA, Jacques. Vadios. 
Tradução Fernanda Bernard. Coimbra: Palimage, 2009, pp. 219 e 239. 
12 Cf. ADORNO, Theodor W.. Dialética Negativa. Tradução Marco Antonio Casanova. 
Rio de Janeiro: Zahar, 2009, p. 173. 
13 Cf. DERRIDA, Jacques. Apprendre à vivre enfin. Entretien avec Jean Birnbaum. Paris: 
Éditions Galilée/Le Monde, 2005. 
14 Estamos às voltas, notadamente, do precioso “Exórdio” de DERRIDA, Jacques. 
Espectros de Marx: o estado da dívida, o trabalho do luto e a nova Internacional. 
Tradução de Anamaria Skinner. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1994, pp. 09-13. 
RICARDO TIMM DE SOUZA; MARCO ANTONIO DE ABREU SCAPINI (ORGS.) | 39 
 
aqui do direito ou da sua ciência correlata e subordinada 
diretamente – possa recorrer como herança ética de um desajuste, 
da dia-cronia irredutível da alteridade.15 Expressa assim tal desejo 
Derrida, frutífero agora também para uma sintonia radical 
criminológica sem vacilações: 
 
“Justiça alguma – não digamos lei alguma, e mais uma vez 
lembro que não falamos aqui do direito – parece possível 
ou pensável sem o princípio de alguma responsabilidade, 
para além de todo presente vivo, nisto que desajusta o 
presente vivo, diante dos fantasmas daqueles que já estão 
mortos ou ainda não nasceram, vítimas ou não das 
guerras, das violências políticas ou outras, dos extermínios 
nacionalistas, racistas, colonialistas, sexistas ou outros, das 
opressões do imperialismo capitalista ou de todas as 
formas do totalitarismo. Sem essa não- 
contemporaneidade a si do presente vivo, sem isto que 
secretamente o desajusta, sem essa responsabilidade e 
respeito pela justiça com relação a esses que não estão 
presentes, que não estão mais ou ainda não estão 
presentes e vivos, que sentido teria formular-sea pergunta 
‘onde?’, ‘onde amanhã?’ (´whither?´).”16 
 
Para além e aquém das formas e suas ordenações 
racionais, onde, enfim, amanhã, uma criminologia radical? Se fosse 
possível dizê-la, o polo atrator haveria de tocar alguma criminologia 
como desconstrução17 – “justiça como núcleo indesconstruível de 
 
15 Cf. LÉVINAS, Emmanuel. Autrement qu´être ou au-dela de l´essence. Martinus Nijhoff: 
The Hague, 1978. 
16 DERRIDA, Jacques. Espectros de Marx, p.11-12. 
17 Histórias de “mais de uma” Criminologia – Criminologias Plurais, portanto. “Mais de 
um/a” [plus d´une/e] é uma das várias aproximações de Derrida à desconstrução (da 
origem, do fundamento ou da identidade em geral): “Si j'avais à risquer, Dieu m'en garde, 
une seule définition de la déconstruction, brève, elliptique, économique comme un mot d'ordre, je dirais 
sans phrase : plus d'une langue. Cela ne fait pas une phrase, en effet” DERRIDA, Jacques. 
Mémories – pour Paul de Man. Paris: Galilée, 1988, p. 38. Vale ainda uma digressão 
menos sucinta: “A desconstrução, evidentemente, podemos considerar que consiste justamente em 
colocar os ladrilhos do avesso, enfim, perturbar uma ordem. Mas consiste também em interrogar-se sobre 
o que não funciona na ordem, sobre o que na ordem é uma desordem, o que a ordem oculta como 
desordem. A desconstrução não consiste apenas em recolocar uma ordem, mas se interessa pela 
40 | DERRIDA E O PENSAMENTO CONTEMPORÂNEO: ESTUDOS INTERDISCIPLINARES 
 
toda a desconstrução”18 –, que apenas muito cinicamente poderia 
dizer-se programável, exatamente quando seu próprio discurso já 
tivesse flertado com o mero dito – encadeamento lógico de 
enunciados – e não procedesse literalmente de um tempo porvir. 
Se a desconstrução deve enxergar a partição no coração dos 
conceitos, desde sempre carregará o criminólogo, tal como o 
filósofo, o coração partido como sua marca genética diante do 
limiar entre a filosofia e a criminologia. Interditados à totalidade, o 
filósofo aqui encontra o criminólogo em seu amor pelo mundo, 
devendo suportar estar diante do trauma que é a desconstrução do 
próprio mundo, da precariedade de sentidos e da espectralidade 
do real, e estar sempre disposto a denunciar toda e qualquer 
postura autoritária que tente apresentar o mundo em sua 
plenitude – o real em sua violenta totalização – espantando assim 
o assombro originário que é o que inaugura a própria filosofia. 
Conectivo “e” que impinge ao insubstituível “mais de um” e 
denuncia o umbral como solidez fundadora, limite entre o dentro 
e o fora da própria inclusão e exclusão – reclamando-nos uma 
perene vigilância a respeito das absolutizações, do solo único de 
uma linha indivisível. Criminologia e Filosofia tornam-se, nesta 
decisão, convite de desconstrução para além da alternativa entre 
continuidades e cisuras, o que, mais do que um plano firme, 
possa permitir lançarmo-nos para um único plural além de si. 
Axioma pronto, por assim dizer, a desestabilizar 
(inclusive) os esquemas conceituais (críticos) e destotalizar 
totalidades auto-referentes. A desconstrução, se é que isto possa se 
 
desordem. Daí o interesse que tive, interesse doloroso, fascinado etc., por aquele ladrilho mal colocado, e 
o interesse de estilo desconstrutor pelas coisas que são mal agenciadas, ali onde elas estão solidificadas. 
(...) Ora, a desconstrução se interessa por essas coisas que não funcionam e que se encontram 
chanceladas na ordem. Como o senhor sabe, não são apenas questões de política, de direito, etc., são 
questões de inconsciente, desordens que estão chanceladas. Os ladrilhos não são pedras, não estão na 
natureza. São pedreiros a quem se deram ladrilhos geometricamente desenhados e que um dia, no que 
foi uma história, colocaram mal aquele ladrilho. É uma história”. DERRIDA, Jacques. “Rastro e 
arquivo, imagem e arte. Diálogo”. In: Pensar em não ver: escritos sobre as artes do visível. MASÓ, 
Joana; MICHAUD, Ginette; BASSAS, Javier (Orgs.). Trad. Marcelo Jacques de Moraes. 
Florianópolis: Ed. da UFSC, 2012, p. 138. 
18 DERRIDA, Jacques. “Force de Loi: “Fondement Mystique de l´Autorité”. In: 
Cardozo Law Review. Translated by Mary Quaintance. New York. Vol. 11 (July/Aug. 
1990), Numbers 5-6 , pp. 919-1045 (cit. p. 944). 
RICARDO TIMM DE SOUZA; MARCO ANTONIO DE ABREU SCAPINI (ORGS.) | 41 
 
dar, busca traços a partir destes ecos singulares que as 
racionalidades tão bem sabem governar.19 Haveria uma 
criminologia filosoficamente não domesticada, neste enfoque, 
naquilo que estivesse preocupada com as intempestividades que 
ocupam o nosso presente, o que significa em termos dos aparatos 
maquínicos do poder penal, colocá-lo face a si mesmo, decompor 
a estrutura e entender como havia sido construído seu conjunto, 
não meramente como denúncia, mas como trauma assimétrico a 
qualquer forma de adaptação. O interesse está, para além de 
qualquer método, por aquilo que, historicamente se institui como 
ordem, como poder punitivo, na qual uma desordem violenta foi 
chancelada e fixada como normalidade. 
Compromisso com o que virá, precedido e ancorado 
naquilo que não é ainda, com o que vem sem ser visto, 
estratagema afeto, não obstante, a um aqui agora sem reenvio 
infinito, uma injunção democrática porvir a rigor que não se pode 
deixar idealizar, pois é na vida com todo o seu peso e concretude 
vinda de cima, inegavelmente real e sensível, que um im-possível 
porvir confia.20 
Jamais se imiscuindo no deplorável espetáculo hipócrita 
do compromisso democrático falsamente despolitizado, urge 
(re)pensar uma criminologia neste viés desde uma democracia agora 
por vir. Convite paradoxal, nunca cego ao apelo sedutor de algum 
regime político estreito, contudo que arrisca, para além da 
contingência de alterar as coordenadas do que parece possível e 
poder dar condições a algo novo, sobretudo a resguardar como se 
possível fosse a radicalidade da abertura de um talvez im-possível.21 
 
19 “Porque a desconstrução, se algo de tal existisse, permaneceria a meus olhos, antes de mais, um 
racionalismo incondicional que não renuncia nunca, precisamente em nomes das Luzes por vir, no 
espaço por abrir de uma democracia por vir, a suspender de forma argumentada, discutida, racional, 
todas as condições e pressuposições, a criticar incondicionalmente todas as condicionalidades, incluindo 
as que ainda fundam a ideia de crítica, a saber, a do krinein, da krisis, da decisão e do juízo binário 
ou dialético.” DERRIDA, Jacques. Vadios, p. 251 (sobre os equívocos na sua acepção a 
parte da Destruktion heideggeriana, consultar p. 263, nota 4). 
20 DERRIDA, Jacques. Vadios: Dois Ensaios Sobre a Razão. Coordenação, Tradução e 
Notas de Fernanda Bernardo. Coimbra: Palimage, 2003, pp. 155-178. 
21 O que se apõe é uma experiência aporética do impossível. Novamente afirmando, um 
pensamento radical de desconstrução em democracia, se é que isto pode-se dar, estaria longe 
42 | DERRIDA E O PENSAMENTO CONTEMPORÂNEO: ESTUDOS INTERDISCIPLINARES 
 
De certo modo, estamos já pulsando sob o espaço que 
pode vir. Tudo aquilo que trazemos gira em torno, a rigor, em 
termos democráticos, de uma invocação por vir [à venir] da 
democracia – cada vez de novo, à-vez [tour à tour], e de uma vez por 
todas [une fois pour toutes]22 – num cenário urgente que não ignora 
o motivo que isto implica: não se pode querer ver vir o que 
permanece insistentemente por vir. Algo quiçá nada latente 
quando se afirmam comummente os argumentos sobre os 
horizontes democráticos não realizados, mas a serem alcançados 
como metas a serem perfectibilizadas teleologicamente. Falseiam 
as boas intenções, pois ainda estaremos sobre

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