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Arte Gótica Elevação da fé Por João Campos Vários processos históricos, reforçam as transformações sofridas nas estruturas sociais, econômicas e religiosas que aprofundaram aspectos da Baixa Idade Média (XI-XV) - quando a Arte Gótica (XIII-XV) foi desenvolvida – como a crise do Feudalismo; o início do renascimento urbano e mercantil; o surgimento ainda tímido de uma nova classe social, a dos burgueses; a sociedade ainda que continuasse bastante estamental, passou a permitir alguma mobilidade nas cidades; a consolidação dos primeiros Estados Nacionais Modernos; o apoio ao desenvolvimento e à adoção ampla nas sociedades europeias de línguas nacionais; etc. Introdução Lorenzetti, Ambroglio (1290-1348) pintor italiano (Reasncença-Trecento) - c.1328 - afresco - Alegoria do bom governo. FN A organização dos artesãos em guildas estabeleceu não apenas o controle de certos aspectos da produção manufaturada como também favoreceu o avanço técnico em função da troca mais intensa de experiências entre eles. As guildas controlavam preços e em certa medida o comércio. Em meio às Cruzadas que, em linhas gerais, objetivavam a retomada de Jerusalém do controle muçulmano pelos cristãos, a sociedade dos séculos XI e XIII modificou- se em função dos poucos e breves sucessos dessas empreitadas que enfraqueceram o poder da aristocracia feudal, o que deu espaço para o aumento do poder dos reis, que seria o prenúncio do Absolutismo e dos Estados Modernos. Outra consequência desses eventos foi a "orientalização" do comércio, o que fomentou seu aparelhamento e desenvolvimento. 4 Contexto interdisciplinar 5 A rq ui te tu ra g ót ic a - C at ed ra l G ót ic a de N ot re -D am e de P ar is – 11 63 -1 34 5 - P ar is , F ra nç a. FP Com a consolidação das condições socioeconômicas que configuraram a Baixa Idade Média, inicia-se um intenso processo de mudança nas formas de relação em sociedade com o início de uma economia sustentada pelo comércio e com uma vida social que se deslocava para centros urbanos, assim nascia a burguesia urbana. Tem início, portanto, a crise do Sistema Feudal. Nesse período de crise e transição, o poder da Igreja sobre a sociedade sofre um processo de supressão, ainda que lento e de ordem econômica e política mais intensamente. Esse contexto é também influenciado por eventos como a Guerra dos Cem Anos (1337-1453), a Peste Negra (auge 1347-1351), o enfraquecimento da nobreza feudal, a flexibilização das relações de servidão, a ascensão dos Estados Nacionais, o estabelecimento do Absolutismo, a consolidação da burguesia, as Grandes Navegações e o Mercantilismo. 6 Contexto interdisciplinar C at ed ra l G ót ic a de B ea uv ai s ou In ac ab ad a – 12 25 -1 57 3 - B ea uv ai s, F ra nç a. 7 FP A Arte Gótica desenvolve-se na Baixa Idade Média a partir do século XII em especial na França e é um reflexo do desenvolvimento das cidades e da ainda muito importante influência religiosa. Prolonga-se até o estabelecimento do Renascimento em Florença. Por isso, é vista como uma tradição artística beneficiada pelo desenvolvimento técnico e científico que se intensifica com a Crise do Feudalismo, por isso mais precisa e requintada na representação da figura humana e nas construções escultóricas e arquitetônicas, ao mesmo tempo é dedicada à espiritualização e à representação da harmonia divina. É também uma resposta refinada à austeridade, à horizontalidade e à robustez do Românico, já que os elementos que a definem são a verticalidade e a luminosidade. 8 Contexto estético O termo Gótico tem forte conotação pejorativa, já que remete aos Godos, povo bárbaro famoso por ser um dos mais selvagens e violentos em função dos saques e da destruição imposta a Roma no ano de 410 d.C. Foi cunhado no início da Renascença e reflete o desprezo que se tinha ao longo do século XVI a tudo que estava associado à Idade Média, chamada então de Era das Trevas. 9 Contexto estético A rt e G ót ic a – X III - V itr al – C at ed ra l d e N ot re -D am e de C ha rt re s, F ra nç a. . 10 FP Arquitetonicamente, a Arte Românica predominava ainda no século XII, embora fosse perceptível uma série de mudanças significativas na forma de projetar edifícios. A primeira diferença que é notável entre a igreja gótica e a românica é a fachada. Enquanto, de modo geral, a igreja românica apresenta um único portal, a igreja gótica tem três portais que são acesso para três naves, que são espaços geralmente compridos e estreitos demarcados por colunas, que atravessam uma igreja do pórtico até o altar longitudinalmente. A arquitetura gótica é caracterizada por edificações altas e alongadas, rumo aos céus, tanto para expressar a grandiosidade da obra divina quanto a crença absoluta na existência de Deus. Portanto, os prédios góticos elevam-se ao alto com suas torres agudas como uma espécie de homenagem ao deus cristão ou mesmo uma tentativa de elevar-se em sua direção. As catedrais góticas mais conhecidas são a de Notre Dame de Paris e a de Notre Dame de Chartres. 11 Contexto estético A rt e G ót ic a – X III – re pr es en ta çõ es e sq ue m át ic as d as e st ru tu ra s ar qu ite tô ni ca s da C at ed ra l d e N ot re -D am e de C ha rt re s, F ra nç a. F on te : ht tp s: //w w w .c he na rc h. co m /L ec tu re -2 8- H 1. ht m l FP A rosácea ou roseta, abertura oval ou circular fechada por vitral de armações feitas de pedra ou de metal em forma de flor ou rosa, é um elemento arquitetônico típico do estilo gótico presente em quase todas as igrejas erguidas entre os séculos XII e XIV. Outros elementos característicos da arquitetura gótica são os arcos góticos ou ogivais e os vitrais coloridos que garantem luminosidade espetacular dentro dessas edificações. Vitrais e rosáceas comprovam o enorme desenvolvimento técnico do período gótico em função da complexidade de suas construções que exige um nível de sofisticação técnica que até a Contemporaneidade impressiona pela precisão, beleza e apuro. 13 Contexto estético A rt e G ót ic a – X III - R os ác ea – C at ed ra l d e N ot re -D am e de C ha rt re s, F ra nç a. 14 FP 15A rt e G ót ic a – X III – V itr ai s – C at ed ra l d e N ot re -D am e de C ha rt re s, F ra nç a. . A arquitetura gótica, enfim, é caracterizada pela verticalidade representada pela preocupação intensa com a altura dos edifícios; pelo espaço interno sem muitas divisões; pelas grandes janelas adornadas com vitrais repletos de detalhes; pelos arcos pontiagudos, ogivais ou de volta quebrada; pela abóbada com traves; pelo arcobotante ou contraforte; pelas rosáceas; pelo ambiente interno leve e iluminado; pelas paredes estreitas; pelas torres com telhado em forma de pirâmide e pelo ambiente externo ricamente decorado. Estruturalmente, os elementos que de fato permitiram a arquitetura gótica são a abóbada e o arcobotante que permitiram a construção de paredes finas e repletas de vitrais, já que funcionavam como pontos de apoio para uma estrutura que agora poderia ser elevada, requintada e fina ao mesmo tempo. Enfim, eram prova da ousadia estética e do requinte tecnológico de um período que injustamente chamado por muitos de Era das Trevas. 16 Contexto estético A rt e G ót ic a – re pr es en ta çõ es e sq ue m át ic as d e es tr ut ur as ar qu ite tô ni ca s gó tic as . FP FP A rq ui te tu ra g ót ic a - C at ed ra l G ót ic a de N ot re -D am e de P ar is – 11 63 -1 34 5 - P ar is , F ra nç a. FP A rq ui te tu ra g ót ic a - C at ed ra l G ót ic a de N ot re -D am e de P ar is – 11 63 -1 34 5 - P ar is , F ra nç a. 20 A rt e G ót ic a – re pr es en ta çõ es e sq ue m át ic as d e es tr ut ur as arqu ite tô ni ca s gó tic as . FP FP Nota: formatos de ogiva. 22A rq ui te tu ra g ót ic a -A bó ba da s da A ba di a de B ev er le y, In gl at er ra . A s ab ób ad as gó tic as , a ss im c om o os a rc os , p os su em fo rm at o og iv al . FP 23 FP C at ed ra l G ót ic a de S ai nt -D en is – 11 45 -1 51 3 – S ai nt -D en is , F ra nç a. 24 FP C at ed ra l G ót ic a de S ai nt -D en is – 11 45 -1 51 3 – S ai nt -D en is , F ra nç a. Nesse tempo, cristaliza-se a absoluta e central importância das catedrais para as cidades como estrutura maior e símbolo máximo das aspirações coletivas, inclusive porque eram normalmente construídas com a ajuda de toda a comunidade. Como levavam décadas ou mesmo séculos para serem concluídas, é comum ver elementos de diferentes tradições estéticas usados ao longo do processo construtivo como é o caso da Catedral de Santiago de Compostela, que, sob uma planta românica, foram sendo acrescidos elementos góticos e renascentistas ou da Catedral de Colônia que demorou seis séculos para ser finalizada. 25 Contexto estético 26 A rq ui te tu ra g ót ic a - C at ed ra l G ót ic a de N ot re -D am e de P ar is – 11 63 -1 34 5 - P ar is , F ra nç a. FP C at ed ra l G ót ic a de C ha rt re s – 11 45 -1 51 3 - C ha rt re s, F ra nç a. FP 28 A rq ui te tu ra g ót ic a - C at ed ra l G ót ic a de B ea uv ai s ou In ac ab ad a – 12 25 -1 57 3 - B ea uv ai s, F ra nç a FP 29 A rq ui te tu ra g ót ic a - C at ed ra l g ót ic a de C ol ôn ia – 12 48 -1 88 0 -A le m an ha . A escultura gótica compartilha muitas das características estéticas da arquitetura do período como a verticalidade, por isso são intensamente alongadas em direção ao alto. Entretanto, ela não é apenas um complemento da arquitetura como foi fundamentalmente ao longo de todo o Românico, pois tinha mais funções além da pedagógica ou evangelizadora, pois nesse período abundam as esculturas de reis e nobres instaladas também dentro de espaços religiosos, pois muitas vezes eram os principais financiadores da construção dos espaços ou mesmo do trabalho dos artistas. Suas características são a humanização das posturas e gestos; os pés são representados em uma posição horizontal; a roupa e o volume corporal são esculpidos com evidente interesse de mostrar a força da gravidade; a maior atenção aos detalhes e a expressão realista e serena. 30 Contexto estético 31 FP E sc ul tu ra g ót ic a -A rt e gó tic a - c. 1 15 0 - es tá tu as d o po rt al o es te d a C at ed ra l d e C ha rt re s. E sc ul tu ra g ót ic a – A D – c. 1 23 0 -A Ig re ja e A S in ag og a, e st át ua s da fa ch ad a da C at ed ra l d e E st ra sb ur go – E st ra sb ur go , A le m an ha . FP 33 E sc ul tu ra g ót ic a – C at ed ra l d e B am be rg – c. 1 23 5 – C av al ei ro – B am be rg , A le m an ha . FP E sc ul tu ra g ót ic a - A D - E kk eh ar d II e U ta d e B al le ns te dt - in te rio r da C at ed ra l d e N au m bu rg (R om ân ic a- G ót ic a – 10 28 -1 04 4) , A le m an ha . FP P is an o, G io va nn i ( c. 12 50 -1 31 4) e sc ul to r ita lia no ( G ót ic o) – 13 05 -1 30 6 – m ár m or e – A v irg em e o m en in o – P ád ua , I tá lia . N o ta : u m a da s pr im ei ra s es cu ltu ra s is ol ad as d o G ót ic o se m q ua lq ue r re la çã o co m e st ru tu ra s ar qu ite tô ni ca s. FP FP P is an o, G io va nn i ( c. 12 50 -1 31 4) e sc ul to r ita lia no ( G ót ic o) – 13 05 -1 30 6 – es cu ltu ra - A nu nc ia çã o - C en a do p rim ei ro b an ho d o M en in o Je su s, de ta lh e do p úl pi to d e P is a. A im ag em d e M ar ia r ec lin ad a re m et e às fi gu ra s ja ce nt es d os s ar có fa go s et ru sc o- ro m an os e a tr ad iç õe s ic on og rá fic as bi za nt in as https://pt.wikipedia.org/wiki/Menino_Jesus https://pt.wikipedia.org/wiki/Etrusco https://pt.wikipedia.org/wiki/Roma_Antiga Sobre as gárgulas, há mais dúvidas do que certezas, sobre a razão de figuras monstruosas ou demoníacas tão fantasiosas, grotescas e exóticas, ou mesmo eróticas, estarem instaladas no exterior da maioria das catedrais góticas. Sobre a sua função, é notório que eram usados como uma forma de escoamento da água das chuvas que acumulavam-se nas calhas das igrejas. Contudo, do ponto de vista simbólico, há muitas dúvidas, pois, ainda que estudiosos afirmem ser um método usado desde a Antiguidade Clássica para afastar maus espíritos e forças malignas, pairam ainda muitas dúvidas sobre a razão da existência de gárgulas, já que há fontes que entendem seu uso, por exemplo, como um modo de lembrar os fieis sobre o que os espera caso não respeitem os desígnios da Igreja. Predominam as criaturas fantásticas, os demônios e as figuras zoomorfizadas. 37 Contexto estético E sc ul tu ra g ót ic a – G ár gu la s de d iv er sa s ca te dr ai s gó tic as e ur op ei as . Contexto estético FP 39 Arte gótica Da fé a razão Por João Campos A pintura plenamente gótica desenvolve-se apenas a partir do início do século XIII e segue até o início do Renascimento. O apogeu da pintura gótica ocorre na primeira metade do século XIV. Era uma linguagem artística dedicada de forma quase absoluta ao sacro. As pinturas eram fundamentadas na representação realística de figuras religiosas, sempre com muita roupa; com olhar resignado e servil em direção ao céu; sem grande atenção à profundidade; num sistema de proporções simbólico e em posição estática. A técnica mais usada era a têmpera sobre madeira. 40 Contexto estético FP O s ep ul ta m en to d e C ris to . D e um S al té rio m an us cr ito d e B on m on t. A pintura gótica é fundamental para se entender muito do que viria a definir as características estéticas do Renascimento. Giotto foi o pintor visto como o mais destacado responsável por essa transição entre a arte medieval e a renascentista. Giotto desenvolveu a humanização da figura dos santos, pois eles eram representados imageticamente muito assemelhados ao homem comum, mas mesmo assim tinham destaque central na pintura. Daí, o entendimento de que a pintura de Giotto mostrava uma visão humanista da arte, de certa forma antecipando a Renascença. Também é perceptível o interesse tanto pela perspectiva quanto na representação do volume dos corpos, embora sejam esforços incipientes. Entre suas obras de maior destaque estão os afrescos da Igreja de São Francisco de Assis (Itália) e do Retiro de São Joaquim entre os Pastores. 42 Contexto estético João Campos Pintura Giovanni Gualteri – Cimabue (c. 1240-1302) pintor florentino e criador de mosaicos • Representante da transição: arte medieval – arte gótica. • Nítida preocupação com o realismo das figuras. • Utilização do “drapeamento” de roupas. FP C im ab ue (c . 1 24 0- 13 02 ) pi nt or fl or en tin o e cr ia do r de m os ai co s (T ra di çã o bi za nt in a- G ót ic o) - M ad on a co m a nj os e p ro fe ta s. João Campos Pintura Giotto di Bondone – Giotto (1267-1337) pintor e arquiteto italiano (elo entre o medieval e o renascentista) • Representante da transição: arte medieval – arte renascentista. • Rompeu com conservadorismo bizantino. • Tentou traduzir para a pintura o aspecto realista da escultura. • Redescobriu a arte de criar a ilusão de profundidade em uma superfície plana. • Preferiu visualizar mentalmente as passagens bíblicas. 46 FPG io tto di B on done (1 26 7- 13 37 ) pi nt or e a rq ui te to it al ia no ( el o en tr e o m ed ie va l e o r en as ce nt is ta ) - 13 04 -0 6 - af re sc o - N at iv id ad e, na sc im en to d e Je su s - C ap el a da A re na , P ád ua , I tá lia . 47 FPG io tto di B on do ne (1 26 7- 13 37 ) pi nt or e a rq ui te to it al ia no ( el o en tr e o m ed ie va l e o r en as ce nt is ta ) - 13 04 -0 6 - af re sc o - O b ei jo d e Ju da s - C ap el a da A re na , P ád ua , I tá lia .. 48 FPG io tto di B on do ne (1 26 7- 13 37 ) pi nt or e a rq ui te to it al ia no ( el o en tr e o m ed ie va l e o r en as ce nt is ta ) - 13 04 -0 6 - af re sc o - C ru ci fic aç ão - C ap el a da A re na , P ád ua , I tá lia . 49 FP G io tto d iB on do ne (1 26 7- 13 37 ) pi nt or e a rq ui te to it al ia no ( el o en tr e o m ed ie va l e o r en as ce nt is ta ) - 13 04 -0 6 - af re sc o - La m en ta çã o - C ap el a da A re na , P ád ua , I tá lia . 50 FP G rü ne w al d, M at th ia s G ot ha rt (1 47 0- 15 28 ) pi nt or a le m ão (G ót ic o ta rd io -R en as ce nç a) - 15 12 -1 6 – tê m pe ra e ó le o so br e tá bu a - R et áb ul o de Is se nh ei n. N o ta : a e sc ul tu ra s no re tá bu lo p ol íp tic o fe ch ad o sã o da a ut or ia d o es cu lto r fr an cê s N ic ol as d e H ag ue na u (1 44 5- 15 38 ). 51 FP G rü ne w al d, M at th ia s G ot ha rt (1 47 0- 15 28 ) pi nt or a le m ão (G ót ic o ta rd io -R en as ce nç a) - 15 12 -1 6 – tê m pe ra e ó le o so br e tá bu a - R et áb ul o de Is se nh ei n. N o ta : a e sc ul tu ra s no re tá bu lo p ol íp tic o fe ch ad o sã o da a ut or ia d o es cu lto r fr an cê s N ic ol as d e H ag ue na u (1 44 5- 15 38 ). 52 FP G rü ne w al d, M at th ia s G ot ha rt (1 47 0- 15 28 ) pi nt or a le m ão ( G ót ic o ta rd io -R en as ce nç a) - 15 12 -1 6 – tê m pe ra e ó le o so br e tá bu a - R et áb ul o de Is se nh ei n. A iluminura ou miniatura é um tipo de ilustração de páginas, de títulos ou de letras maiúsculas em códices de pergaminhos manuscritos medievais. Era produto de um ofício refinado e exigente, por isso era mais comumente produzida por monges copistas em conventos e abadias durante toda a Idade Média em livros e códices que serviriam quase que exclusivamente aos próprios religiosos. Mais tarde os livros passam a também ser acessíveis para burgueses e aristocratas, por isso, entre os séculos XII e XV, essa arte passou a ser encontrada também em manuscritos laicos. Contexto estético 54 FP` P in tu ra g ót ic a -A D – X V - Ilu m in ur a -A N at iv id ad e, a a do ra çã o de C ris to m en in o po r M ar ia e S . J os é, d o ch am ad o “L iv ro d e H or as d e B es an ço n” . 55 FPP in tu ra g ót ic a - – A D – X III - Ilu m in ur a - O im pe ra do r F re de ric o B ar ba R ox a (1 12 2+ 11 90 ), e s eu s fil ho s H en riq ue V I( 11 65 + 11 97 ), R ei d a A le m an ha e R ei d a S ic íli a, e F re de ric o V I( 11 67 + 11 91 ), D uq ue d a S uá bi a, n um a ilu m in ur a da C rô ni ca d os G ue lfo s. 56 Arte medieval Na Idade Média, a produção musical era fortemente atrelada a temas sacros. Ainda que houvesse um enorme número de músicos profanos como menestréis ou trovadores, é o canto coral católico que dará início à longa e rica história da Música Erudita ou Clássica, ainda que este nome só fará pleno sentido e será amplamente usado a partir do Classicismo. Os primeiros cânticos associados à tradição cristã foram claramente influenciados por salmos bíblicos. Eram orações musicadas em que solo e coro, ou coros alternados, cantavam em uníssono, o que iria ser chamado mais tarde de monofonia. Música Lentamente, surgiram músicos profissionais ao longo da Idade Média que aperfeiçoaram as peças e mesmo o canto desses grupos. Os grandes centros da Igreja nesse tempo também eram os grandes centros de produção musical, a saber: Bizâncio, Roma, Antioquia e Jerusalém. Ao longo da Idade Média, vários cristãos em especial Santo Ambrósio, Santo Hilário e Santo Isidoro conceberiam formas de canto coral diversos, ainda que o mais conhecido cantochão do período, Cantus planus, pela melodia linear, plana e sem sobressaltos que os caracterizava, era o canto gregoriano, por força das ideias e da posição do Papa Gregório Magno, fundador da Schola Cantorum. Era um canto monódico, em que todos cantavam em uníssono, o que favorecia a espiritualização dos ouvintes e mesmo a capacidade de concentrar-se intensamente na liturgia religiosa durante as cerimônias. 59 Música A partir do século XIII, o canto gregoriano começa a receber influências da criação musical erudita que começava a mobilizar a música executada nos castelos da nobreza e mesmo das canções populares, o que era reprovado pela comunidade eclesiástica, pois essas influencias foram tornando os cantos religiosos corais de forma gradual cada vez menos monódicos ou monofônicos. Esse foi o primeiro lampejo no sentido da polifonia que a música religiosa recebeu, graças às várias melodias reunidas em um mesmo canto profano. 60 Música Dos poucos compositores de que se tem notícia na Idade Média, pode-se destacar Mestre Leoninus e seu discípulo Perotinus que eram os responsáveis pela música sacra na catedral de Notre-Dame em Paris. Isso se deve às precárias formas de notação musical do período além da opressiva interferência da Igreja na produção artística medieval o que acabou, no caso da música com mais ênfase, sendo um desestímulo para a busca e mesmo o reconhecimento da autoria na Idade Média. A esse período final da Idade Média, que corresponde a Arte Gótica, deu-se o nome Ars Antiqua, embora fosse, em função dos experimentos com a polifonia, uma arte nova e muito requintada se comparada com o que foi produzido na Europa Ocidental durante a maior parte do Medievo. 61 Música A primeira forma de notação musical da Europa surgiu entre os séculos VIII e X da Idade Média e era baseada no alfabeto: as sete primeiras letras representavam os sete sons da escala natural, a qual era iniciada pela nota lá. Para informar mais sobre como as músicas deveriam ser executadas introduziu-se os neumas, que eram informações adicionais representadas por sinais gráficos utilizados na escrita como o acento grave, agudo e circunflexo, entre outros. A notação neumática como era chamada tinha limitações sérias como não indicar a altura e a duração dos sons. Mais tarde, o monge Guido de Arezzo (995-1050) adotou uma pauta de quatro linhas, tetragrama, para registrar as notas e claves para indicar a altura dos sons, além disso as notas musicais ganharam os nomes e a ordem que usamos até hoje basicamente. Tais nomes e ordem foram retirados de um hino a São João Batista: 62 Música Música Por João Campos O epitáfio de Sícilo é um exemplo da notação musical praticada durante a Grécia Antiga. Transcrição de tablatura para órgão, século XVI. Abaixo, o equivalente em notação moderna Os primeiros neumas, apenas como marcas junto das palavras. Fragmento de Laon, Metz, meados do século X UT queant laxis Para que possam REsonare fibris ressoar as maravilhas MIra gestorum de teus feitos FAmuli tuorum com largos cantos SOLve polluti apaga os erros LAbii reatum dos lábios manchados Sancte Ioannes. Ó São João. Obs.: o UT mais tarde passou a ser chamado de dó e assim como o estabelecimento do nome da nota si, ignora-se a autoria deseu(s) criador(es). 64 Música O Mensuralismo, mais tarde, no século XII, criado na Alemanha por Walter Odding e Franco de Colônia, ajudou a estabelecer a duração dos tempos sonoros, assim notas passaram a ter uma duração específica e regular e serem nomeadas com os termos breve, semibreve, mínima, etc. A partir dessas contribuições técnicas e do amadurecimento dos experimentos com a polifonia, surge na França a Ars Nova, que consistia na produção de determinadas realizações sonoras do choque de um som contra outro, o que foi denominado de punctus contra punctus, ou seja, contraponto. Isso ajudou a criar novas formas vocais como o Conducto e o Rondó. Essa nova concepção musical foi amplamente estudada por vários intelectuais, entre eles destaca-se o Bispo Filipe de Vitry, que sistematizaram a música matematicamente, o que permitia não só o registro, mas o melhor entendimento de combinações musicais. 65 Música Com as inovações e a liberdade criativa do canto profano, o cantochão (ambrosiano, gregoriano, gótico, etc.) perde drasticamente espaço para uma nova expressão litúrgica musical, a Missa, que são peças para acompanhar o ato litúrgico católico de mesmo nome. Nesse contexto, ganham destaque organistas e outros músicos em função da importância da música instrumental como organizadora, mobilizadora e inspiradora de atos litúrgicos católicos como a missa, o batismo, etc. Pouco antes da eclosão do Renascimento, a Ars Nova revela-se como a grande contribuição para a música oriunda da Idade Média em função do amálgama que ela representa entre a música popular e profana e a música religiosa. Entre o fim da Idade Média e o início do Renascimento, destacam-se diversos compositores como Johannes Ciconia, Jean de Garlande, Giovanni de Cascia, Jacopo de Bologna, entre outros. 66 Música A dança sofreu ao longo da Idade Média uma importante restrição quando formas sagradas e requintadas de dança pagã foram coibidas pela tradição católica que entendia como profano e pecaminoso movimentar-se como praticamente qualquer dança exige, em especial quando havia um simbolismo religioso envolvido nela. Isso criou uma divisão na história da dança, pois paradoxalmente é na Idade Média que ela é libertada do jugo religioso que a definiu e a conduziu com quase exclusividade desde as suas origens. Reforça esse marco o fato de a dança nunca ter sido formalmente incorporada à liturgia católica tradicional. As danças populares e folclóricas são um marco importante na história dessa arte na Idade Média, pois foi certamente a partir de variantes rudimentares e antigas das manifestações dessa arte em meio a tradições populares, repassadas pelo exemplo e pela oralidade por milhares de anos, que a dança desenvolveu-se como forma artística e como técnica corporal. 67 Dança Dança Por João Campos Pré-histrória 2,5 milhões – 1.200 a.C. Egito antigo 3200 a.C. – 2100 a.C. Antiguidade Clássica Séc.VIII a.C. – V d.C. Dança como manifestação religiosa Dança como manifestação livre Idade Média 476 d.C. a 1453 Essa repressão é bem ilustrada por documentos papais como é o caso do Papa Zacarias em 774 que se opôs publicamente à dança, porque era “...contra os movimentos indecentes da dança...”. Nesse tempo, inicia-se o longo processo de desenvolvimento da dança primeiro como manifestação recreativa e popular, para depois se transformar também em uma expressão conscientemente artística, o que precisou da sua popularização entre as camadas mais abastadas da sociedade da época para ocorrer plenamente. 69 Dança B ru eg el , P ie te r, o ve lh o (1 52 5- 15 69 ) pi nt or fl am en go - 15 66 - ól eo so br e pa in el - A d an ça d e ca sa m en to . Dança FN Dança Por João Campos Idade MédiaDança recreativa Dança popular - Carola Dança erudita - Momo Nesse contexto, nas camadas populares, a dança desenvolveu-se em ocasiões não religiosas em que se dançava de forma livre e grupal em círculos (Carola) ou em fileiras - com o acompanhamento de tambores e tamborins - como forma de reforçar sentimentos de comunhão e união entre os dançarinos. Mais tarde, será incorporada por grupos mambembes de teatro e circo e se tornará evento tradicional em festas camponesas. Dessa maneira, era uma atividade artística grupal, com pouco ou nenhum espaço para a valorização de manifestações individuais na dança. 72 Dança Entre as camadas privilegiadas da Idade Média, a dança desenvolve-se de forma mais rica e complexa, como uma forma talvez de as pessoas dessas classes diferenciarem-se dos demais. Ela requinta-se em função de ser conduzida por uma métrica musical menos repetitiva e de ter movimentos desenvolvidos com o objetivo de serem belos e graciosos. Essa ampliação das possibilidades da dança coincide com o declínio do Feudalismo, com o início do renascimento urbano e com movimentos intelectuais e culturais em claro processo de mobilização contra o Teocentrismo e a favor da secularização da sociedade e da arte. 73 Dança No fim da Idade Média, no período marcado pela Guerra dos Cem Anos (1337- 1453), pelas piores colheitas da Era Medieval, pela devastadora Peste Negra (1347- 1351) e pelo crescimento de sentimentos nacionalistas, a dança nas camadas mais abastadas seguiu sendo refinada e diversificada, mas num sentido simbolicamente mais funesto e, por vezes, macabro. Prova disso é a variação dos ritmos com a alternação de tempos lentos e rápidos, frequentemente com predomínio dos primeiros, o que se explica pelo clima tenso e severo pelo qual passava mesmo as classes mais privilegiadas. A Carola, que era uma dança alegre e festiva, ganha variantes mais sombrias e associadas à morte, o que faz com que essa expressão artística volte a ter aspectos religiosos e ritualísticos. 74 Dança Nesse tempo, entre nobres, tem início o desenvolvimento do Momo, gênero de dança basilar para o surgimento mais tarde do Balé, que se derivou daquele em função do processo de requintamento e espetacularização pelo qual passou o Momo, sendo uma atração esperada entre os pratos servidos em um banquete. No final do século XV, o Momo era uma tradição sólida nas cortes europeias e antecipava muitas das características constituintes do futuro Balé de corte – antecessor do Balé de repertório – como grupos musicais de número crescente, efeitos cenográficos, cantores e, claro, dançarinos. 75 Dança Durante a Idade Média, sob o controle rígido da Igreja Católica, por certo período houve encenações em missas de passagens da Bíblia, entretanto pelo temor de autoridades católicas de que o caráter sagrado da missa fosse perdido, as encenações foram proibidas. Já na rua, o teatro desenvolveu-se por meio das comédias bufas voltadas para temas políticos, comportamentais e sociais, além da farsa que estereotipava tipos sociais e mesmo figuras públicas para ironizar e criticar acontecimentos do cotidiano das pessoas. 76 Teatro Para a maioria das representações teatrais do período medieval, o palco era a rua, mesmo porque as companhias que as encenavam eram mambembes, ou seja, itinerantes. Isso impunha que a atuação dos atores fosse exagerada para que pudessem competir com o ruído da rua, assim como a maquiagem e a cenografia que necessitavam ser bastante chamativas como forma de atrair atenção da massa para o espetáculo. Um exemplo atual de companhia inspirada nessa tradição teatral medieval, por exemplo, é o Grupo Galpão. 77 Teatro BENNETT, R. Uma breve história da música. Tradução de Maria Teresa Resende Costa. 3. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1986. BERTHOLD, Margot. História Mundial do Teatro. São Paulo, Ed. Perspectiva, 2000. BOURCIER, Paul. História da dança no ocidente. Rio de Janeiro: Martins Fontes, 1987. DICIONÁRIO OXFORD DE ARTE. Editado por Ian Chilvers; tradução Marcelo Brandão Cipolla; revisão técnica Jorge Lúcio de Campos. -3ª. Ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007. GOMBRICH, ErnstHans. A história da arte. 16. ed. Rio de Janeiro: LTC, 1999. JANSON, H. W. História da Arte. Trad. Jefferson Luiz Camargo. São Paulo: Martins Fontes, 2º. Edição, 1996. 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