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Evandro André de Souza Jonas Felácio Júnior Não basta saber, é preciso saber fazer PROFESSOR TAFNER Não basta saber, é preciso saber fazer 2021 Florianópolis Evandro André de Souza e Jonas Felácio Júnior PROFESSOR TAFNER Não basta saber, é preciso saber fazer EDITORA INSULAR (48) 3232-9591 editora@insular.com.br twitter.com/EditoraInsular www.insular.com.br facebook.com/EditoraInsular INSULAR LIVROS Rua Antonio Carlos Ferreira, 537 Bairro Agronômica Florianópolis/SC – CEP 88025-210 (48) 3334-2729 insularlivros@gmail.com Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Tuxped Serviços Editoriais (São Paulo, SP) Souza, Evandro André de; Felácio Júnior, Jonas. Professor Tafner: Não basta saber, é preciso saber fazer / Evandro André de Souza e Jonas Felácio Júnior; Prefácio de João Vianney. – 1. ed. – Florianópolis, SC : Editora Insular, 2021. 368 p.; fotografias. E-Book: 13 Mb; PDF. ISBN 978-65-88401-64-4. 1. Educação. 2. Ensino Superior. 3. História de Vida. 4. José Tafner. I. Título. II. Assunto. III. Souza, Evandro André de. IV. Felácio Júnior, Jonas. CDD 923.7:378.81 21-30246069 CDU 929:378 S729p ÍNDICE PARA CATÁLOGO SISTEMÁTICO 1. Biografia, genealogia, heráldica: de educadores; Ensino superior no Brasil. 2. Biografia; Ensino superior. Ficha catalográfica elaborada pelo bibliotecário Pedro Anizio Gomes CRB-8 8846 REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA SOUZA, Evandro André de; FELÁCIO JÚNIOR, Jonas. Professor Tafner: Não basta saber, é preciso sa- ber fazer. 1. ed. Florianópolis, SC: Editora Insular, 2021. E-Book (PDF; 13 Mb). ISBN 978-65-88401-64-4. Copyright © Evandro André de Souza e Jonas Felácio Júnior, 2021 EDIÇÃO Nelson Rolim de Moura CONSELHO EDITORIAL Dilvo Ristoff, Eduardo Meditsch, Jali Meirinho, Jéferson Silveira Dantas, Nilson Cesar Fraga, Pablo Ornelas Rosa e Waldir José Rampinelli REVISÃO Sílvio Melatti PLANEJAMENTO GRÁFICO E CAPA Estúdio Insular FOTOS DE CAPA Aldo Pasqualini, Centro de Memória Universitária – CMU/Arquivos da Furb e Kako Waldrich FOTOS Acervo Centro de Memória Universitária – CMU/Arquivo da Furb Acervo José Tafner Acervo Malcon Tafner Acervo Rodolfo Leite Acervo Valquíria Luiza Tafner da Cunha/Ampesc Aldo Pasqualini Fábio Queiroz/Agência AL Kako Waldrich mailto:editora%40insular.com.br?subject= https://twitter.com/EditoraInsular http://www.insular.com.br https://www.facebook.com/EditoraInsular Esse livro é dedicado às pessoas que transformam sonhos em realidade. Dalla mente alle mani. Leonardo da Vinci SUMÁRIO Prefácio | João Vianney ......................................................................... 15 Apresentação | Malcon Tafner .............................................................. 17 Introdução ............................................................................................. 23 Capítulo 1 | Infância de José Tafner em Rio dos Cedros ...................... 31 O pioneiro Ângelo Marcello Tafner na Colônia Blumenau .....................31 Curiosidades sobre a família Tafner em Rio dos Cedros .........................35 Escola de aprendizes na propriedade da família Tafner ...........................39 Recordações sobre a infância de José Tafner .............................................39 Lembranças do tempo da “querida escola” ................................................46 Capítulo 2 | A busca precoce por novos conhecimentos ...................... 51 A ida para o Seminário de Ascurra .............................................................51 A rotina de atividades no Seminário ..........................................................52 A prática de atividades desportivas .............................................................53 Envolvimento com o teatro ..........................................................................54 A tradicional Festa de São João ...................................................................55 As aventuras no dia de folga escolar ...........................................................56 O desafio de ser um jovem seminarista ......................................................57 Capítulo 3 | A mudança de estado para ampliar conhecimentos ......... 59 É preciso pagar por uma espiga de milho? .................................................59 O Curso Científico do Colégio Salesiano de Lavrinhas ...........................60 O falecimento de Clara Tafner .....................................................................62 Noviciado em Pindamonhangaba ...............................................................62 O estudo superior na faculdade de Lorena ................................................63 A expulsão do seminário ..............................................................................66 Capítulo 4 | Educador no Mato Grosso e São Paulo ............................. 73 A oportunidade no momento de preocupação .........................................74 Experiência profissional no Colégio Dom Bosco......................................75 Trabalho humanitário para ajudar os índios Xavante ..............................77 Amizade com profissionais da FAB ............................................................79 Obtendo a carteirinha de professor do MEC .............................................81 Experiência como professor em São Paulo ................................................81 O drama de ser assaltado em São Paulo .....................................................83 Capítulo 5 | A trajetória educacional no Vale do Itajaí ........................ 85 Experiência com Educação a Distância nos anos 1960 ............................88 A excelência enquanto professor de Desenho ...........................................89 Casamento entre José Tafner e Verônica ....................................................90 O primeiro desafio da vida matrimonial ....................................................92 Batalhando um lugar ao sol ..........................................................................93 A possibilidade de ofertar licenciaturas .....................................................95 Cursando Pedagogia em São Paulo .............................................................96 Capítulo 6 | Os primeiros momentos da trajetória acadêmica de 25 anos na Furb ........................................................................ 99 Início das atividades de Ensino Superior em Blumenau ..........................99 Mestrado no Rio de Janeiro........................................................................101 Instituto de Planejamento da Furb ............................................................111 Eleito diretor da Faculdade de Ciências e Letras.....................................111 Capítulo 7 | O primeiro mandato como reitor da Furb ...................... 113 Transformações na Furb, na década de 1970 ...........................................113 Eficiência para enfrentar os desafios financeiros ....................................115 A ampliação da estrutura física da faculdade ..........................................116 O status de referência nacional à Furb .....................................................120 Mais vagas .....................................................................................................120 Apoio às atividades culturais .....................................................................123 Realização de convênios, projetos e parcerias .........................................124 Retornando à sala de aula ...........................................................................126 O reconhecimento da Furb como Universidade .....................................130 Capítulo 8 | O segundo mandato como reitor .................................... 133 Ampliação do número de vagas ................................................................138 Ampliação da estrutura física da universidade........................................140 Recuperando a saúde financeira da Furb .................................................143Ensino, Pesquisa e Extensão .......................................................................147 A batalha no Conselho Universitário da Furb .........................................152 O hábito de proporcionar oportunidades aos jovens .............................154 O último desafio antes da aposentadoria na Furb ...................................157 Do gabinete da reitoria para os bancos escolares ....................................158 Capítulo 9 | A contribuição do professor Tafner para a educação de Santa Catarina ........................................................................ 161 O legado de José Tafner como Secretário de Educação ..........................161 A dedicação ao ocupar um cargo público ................................................163 O sonho de criar uma Faculdade ..............................................................164 O desafio como diretor de Ensino Superior .............................................165 Uma parceria exitosa em prol da educação catarinense .........................170 A frustração no Conselho Estadual de Educação ...................................173 Capítulo 10 | Realizando o sonho de criação de uma Instituição de Ensino Superior ...................................................................... 175 Protocolando o projeto da Asselvi no MEC.............................................177 A parceria do prefeito com o projeto da Asselvi .....................................177 A escolha do espaço para funcionamento das atividades ......................179 Arregaçando as mangas e colocando a mão na massa ...........................181 Incentivando os servidores a cursar graduações .....................................185 O progresso em Indaial graças à Asselvi ..................................................186 Apoio às novas empresas e à qualificação dos colaboradores................187 A Asselvi poderia ter se instalado em Gaspar .........................................187 A contratação dos primeiros professores da Asselvi ...............................188 A ousadia em contratar professores jovens ..............................................190 A valorização do corpo docente da instituição .......................................191 As confraternizações marcantes da Asselvi ..............................................194 Capítulo 11 | Buscando apoio financeiro da classe empresarial ........ 197 A parceria com o empreendedor Valmor Pedrini ...................................197 Aventura nos sebos de São Paulo ..............................................................200 Capítulo 12 | As primeiras atividades educativas realizadas pela Asselvi .................................................................................. 203 A autorização para funcionamento da Asselvi ........................................205 Recebimento das primeiras comissões do MEC .....................................207 A divulgação dos cursos superiores da Asselvi .......................................210 O primeiro Exame de Seleção da Asselvi .................................................211 O emocionante primeiro dia de aula da graduação ................................215 Conforto e estrutura diferenciada para os alunos ...................................217 Os desafios nos primeiros semestres de atividades .................................218 A concepção educacional de Tafner na criação da Asselvi ....................219 A escolha do nome Leonardo da Vinci ....................................................220 Escolha do amarelo na identidade visual da Asselvi ...............................221 Capítulo 13 | A cultura como ferramenta educativa e de transformação da sociedade ................................................ 223 A criação da Asselvi como forma de protesto à manutenção do status quo na educação superior ...........................................................................223 Jornal Balestra ................................................................................ 226 Editora da Asselvi ........................................................................................227 Coleção Memórias do Vale.........................................................................229 Casa Amarela em Blumenau ......................................................................230 Casa Azul ......................................................................................................234 Desenvolvimento de ações culturais e comunitárias ..............................235 O resgate histórico-cultural da região ......................................................240 Casa Reinecke ..............................................................................................245 O olhar especial com as questões sociais ..................................................246 Capítulo 14 | Tudo ensina, tudo educa ............................................... 251 A filosofia educacional criada por Tafner ................................................253 A implementação dos princípios norteadores por meio do Centro de Aperfeiçoamento Docente da Asselvi .......................................................259 A contribuição dos valores seminaristas ..................................................266 Capítulo 15 | Inovações pedagógicas da Uniasselvi............................ 269 Disciplinas semipresenciais ........................................................................269 Professores autores e inovações tecnológicas ..........................................270 Avaliação interdisciplinar ...........................................................................272 Avaliação docente ........................................................................................275 Capítulo 16 | A transformação da Asselvi em Centro Universitário . 279 Crescimento de 100% a cada 18 meses .....................................................279 O envolvimento da Asselvi com a comunidade regional .......................281 Não basta saber, é preciso saber fazer .......................................................282 Marcos regulatórios institucionais ............................................................285 A preparação da equipe para receber as comissões ................................288 A importância do status de Centro Universitário ..................................291 Horário Diferenciado de Férias (HDF) ....................................................293 A fundação do Instituto Catarinense de Pós-graduação ........................293 Capítulo 17 | O início das atividades da EaD e a expansão da Uniasselvi ............................................................................... 299 Os desafios para estruturar o programa de EaD .....................................301 A criação da metodologia da EaD .............................................................301 Tutor em sala de aula ..................................................................................303 Plataforma da EaD e os materiais instrucionais ......................................304 Autorização para ofertar EAD ...................................................................304 A resistência diante da quebra de paradigmas ........................................305 A formação dos primeiros polos da EaD Uniasselvi ..............................306 O sucesso do primeiro vestibular na modalidade EaD ..........................307 O diferencial do modelo pedagógico ........................................................308 Núcleo de Ensino a Distância (Nead) .......................................................309 O papel da EaD da Uniasselvi para fortalecer outras ............................310 instituições catarinenses .............................................................................310 Capítulo 18 | A organização do Grupo Uniasselvi e a fase expansionista .................................................................. 313 José Tafner: o chanceler da Uniasselvi......................................................318 O legado da EaD para a educação brasileira ............................................320 A realização do sonho de milhares de brasileiros ...................................322 Capítulo 19 | Associação de Mantenedoras Particulares de Educação Superior de Santa Catarina (Ampesc) ........................................ 325 Missão e finalidades da Ampesc ................................................................326 O surgimento das faculdades particulares ...............................................326 A batalha para obter bolsas para os universitários..................................329 O esforço pela democratização do Ensino Superior ...............................334 Enfrentamento contra decisões da classe política ...................................335 A união de estudantes com a Ampesc ......................................................336 Galeria de presidentes da Ampesc ............................................................338 Capítulo 20 | A expansão do Ensino Superior no Pará ...................... 341 A construção da faculdade em Marabá ....................................................344 O início das atividades da Metropolitana de Marabá .............................346 O primeiro Exame de Seleção ....................................................................347 A contratação dos professores pioneiros ..................................................349 Inovações para oferecer um ambiente diferenciado ...............................349 Ampliação das instalações da Metropolitana ..........................................350 A participação de Fronza no recredenciamento .....................................351 Faculdades em Parauapebas e Paragominas ............................................352 Faculdade Metropolitana de Parauapebas................................................353 Faculdade Metropolitana de Paragominas ...............................................354 Referências bibliográficas ................................................................... 360 Entrevistas ....................................................................................................360 Outras fontes ................................................................................................361 Agradecimentos................................................................................... 362 Sobre os autores ................................................................................... 363 “A ideologia cega, só o conhecimento liberta.” José Tafner 15 PREFÁCIO João Vianney Convido você a ler este livro com a cabeça aberta para encarar uma trilha de aventuras. É uma história daquelas que a gente engata e não larga o livro até a última página. A vida do José Tafner é uma coleção de sucessivos desafios que pareciam impossíveis de superar. E com ameaças uma atrás da outra, a ponto de colocar tudo em risco e fazer tudo desabar numa fração de segundos. É assim este livro que o Evandro Souza e o Jonas Felácio escre- veram para contar a inusitada trajetória do José Tafner. Em pratica- mente todas as fases da vida dele o inesperado estava à espreita para lhe passar a perna, para lhe dar uma rasteira nos sonhos. Na infância, na adolescência, no seminário, nas cidades e pela vida afora, com a esposa e filhos a tiracolo, são incontáveis as vezes em que os sonhos estiveram à beira de se soterrar em meio a enxurradas de cobrir por tudo. Mas, o arfar de peito se manteve sempre até a volta do sol. Calçar as galochas e se botar pra limpar tudo, reconstruir, e seguir adiante – este é o Tafner que o livro mostra. De onde vem essa força? Nas grandes jornadas, tal como Evan- dro e Jonas colocaram no livro, as vitórias, para terem o sabor ver- dadeiro, nunca são apenas “do personagem”. Tem sempre uma força que lhe é protetora, e que nos momentos de maior perigo, quando tudo está por um fio, vem sempre aquela energia extra que o faz bus- car – de onde já não mais se imaginava que tinha, aquele sopro de vida que faz a diferença pra virar o jogo. Eu conheci o José Tafner já com sucessivas denominações es- petadas no peito: professor, diretor, mestre, reitor, secretário Esta- dual de Educação e outras tantas honrarias resumidas em “Professor Tafner”. Ele era uma eminência quando cruzei com ele pela primeira vez. Na época, ele era diretor de Ensino Superior na Secretaria da Educação de Santa Catarina, em 1996. 16 Mas, em meio às pompas e circunstâncias do cargo, percebi que naquele jeito macio de falar, nas anotações sempre presentes nos rabiscos de reunião, e no olhar ao horizonte em direção ao mar na Baía Sul, em Florianópolis, nos altos da sede da Secretaria da Educação, eu percebi que ali tinha um “José” debaixo da pele do “Professor Tafner”. Ele tinha um mote, um bordão, de que “a ideologia cega, só o conhecimento liberta”. Fazia eco de cinco séculos com os renascen- tistas, os enciclopedistas, os iluministas e os grandes pensadores que moldaram a sociedade contemporânea. Era o sonho da humanidade fora das amarras da realeza, do poder em nome de uma divindade, ou de uma supremacia de qualquer ordem que fosse. Maturava por aquele tempo a ideia — por obra e graça da te- nacidade — de uma faculdade que viria a ter em seu nome, em sua filosofia e em seus prédios a consagração do professor Tafner ao hu- manismo, representado por Leonardo da Vinci. Está tudo no livro, tim-tim por tim-tim, com as vitórias impossíveis uma atrás da outra. Na época cheguei mesmo a pensar que o “Professor Tafner” e todos os distintivos que ele trazia eram “uma consequência do co- nhecimento”, realizada pelo próprio ser, uma vez que ele os adquirira na penosa jornada educacional. Desde a infância, depois no seminá- rio, na faculdade pioneira, no mestrado com a família morando no aperto e, às vezes, comendo fortaia, que tinha mais leite do que ovo e queijo. Quanta garra, e tudo isso graças à força pessoal e ao conheci- mento. Era assim que eu via o professor Tafner. Mas foi só agora, lendo o livro “do pé à ponta”, como se diz no Vale do Itajaí, é que fui descobrir de onde vem a energia secreta do José Tafner para ter feito o que fez no mundo da educação em Santa Catarina e todo o Brasil. Se um Padawan se torna Jedi apenas quando a Força com ele se conecta, descobri no livro que a poção mágica que sempre deu a Força para o José Tafner vencer o imponderável tem nome e sobrenome: Verônica. Verônica Teresinha Machado Tafner, e os filhos que ela deu a ele. Se você quer ler uma biografia careta, não compre este livro. Não faça o download e nem veja a série depois. Agora, se você quer ler um livro de aventuras, com personagens mágicos, e que tem uma história de amor que sempre vence como pano de fundo, o livro é este mesmo que está em suas mãos. 17 APRESENTAÇÃO Malcon Tafner O projeto deste livro surgiu da ideia de registrar uma pequena parte da história do Ensino Superior catarinense que pode- mos considerar muito significativa, dadas as transformações ocor- ridas nas últimas quatro décadas graças à atuação do meu pai como educador e empreendedor da educação. Apesar de a história estar sempre em movimento, é fato que são poucas as vezes em que te- mos a oportunidade de presenciar tantas mudanças e revoluções, ainda mais quando muitas delas estão conectadas com uma pessoa próxima a nós. Em 2019, lembro-me do dia em que estava em Florianópolis, num final de tarde, tomando um café carioca com um amigo de mui- tos anos, Luciano Formighieri. Era para ser apenas uma prosa entre dois amigos. O Luciano é uma pessoa com o qual tive o prazer e a honra de dividir o front de lutas intensas pela Educação Superior catarinense, que foram travadas dentro da Assembleia Legislativa de Santa Catarina, e por isso se tornou um grande amigo. Lembramos de algumas das batalhas, como a luta por bolsas de estudo do Artigo 170 para que alunos das instituições privadas tam- bém pudessemser beneficiados, da legislação estadual defendendo os alunos de Educação a Distância do preconceito que sofriam na época, por bolsas de estudo do Artigo 171, que escrevemos e luta- mos juntos, e muitas outras trincheiras pouco conhecidas que pas- sam despercebidas da sociedade, mas que fortuitamente dão frutos a todos até hoje. No meio dessa conversa repleta de notas de nostalgia, surgiu a ideia de registrar em um livro parte das histórias para que não se perdessem no tempo e no espaço em um momento social com tantas novidades. Foram histórias que transformaram a sociedade do ponto de vista educacional, que fizeram a diferença na vida de muitas pes- soas e que poucos conhecem. E, conversando, fomos percebendo que 18 muitas delas perpassavam, invariavelmente, pela história do meu pai, Professor José Tafner. Era preciso escrever um livro sobre isso tudo e sobre o quanto ele tinha contribuído para a história da Educação Superior de Santa Catarina e também do Brasil. Desafio lançado, desafio aceito Procurei então o professor Evandro André de Souza, historia- dor, escritor reconhecido e ex-coordenador do curso a distância de História da Uniasselvi, onde havia trabalhado com meu pai desde o início da EaD e depois comigo no tempo em que eu havia desem- penhado também a função de reitor. Somos amigos desde então. Conversamos muito sobre como deveria ser a obra e qual seria a sua função editorial. É verdade que tínhamos em mente algo menor, como sendo um registro da participação do meu pai na história da Educação Superior catarinense. Logo, entre tantas conversas e listas de pontos marcantes, fomos descobrindo que não seria possível que fosse algo menor... Não havia como. A história do meu pai e de tudo o que tinha acontecido na edu- cação nos últimos anos falava por si, na verdade, gritava alto, mas era preciso registrar, escrever, imprimir para que pudéssemos mantê-la viva e devidamente documentada. Estava começando um verdadei- ro trabalho de registro histórico para a sociedade catarinense, para os nossos historiadores, professores, educadores, empreendedores e, sobretudo, para os nossos conterrâneos vindouros. Diante do volume de trabalho, Evandro trouxe o jornalista e amigo Jonas Felácio para dentro do projeto, e tão logo começaram a coletar os dados e a entrevistar as pessoas que participaram da histó- ria, percebeu-se que havia muito mais elementos conectados entre si do que imaginávamos, e que remetiam a um tempo anterior às mu- danças que visualizávamos, e que se não tivessem acontecido talvez as mudanças todas também não teriam ocorrido, certamente não da forma ou na velocidade como aconteceram. Se acreditamos que nada neste mundo é por acaso, estávamos diante de uma dessas histórias de destino e de propósito de vida, e diante disso víamos com clareza a necessidade do registro histórico e de vida desse personagem. O trabalho então começou... foram meses buscando peças jor- nalísticas, pessoas, documentos históricos, entrevistas, artigos, li- vros, fotografias e tudo o mais que um trabalho dessa envergadura exige dos profissionais. E foi durante a organização do livro que nos 19 convencemos da indissociabilidade da biografia do meu pai com as transformações ocorridas na educação catarinense, e também brasi- leira. Reuniões foram feitas sobre isso e no final aceitamos o inevitá- vel: a sua biografia se confundia com parte da história da educação catarinense, e por isso essa obra tem um viés biográfico no início que se funde com a evolução da educação de Santa Catarina e amplia para regiões remotas do Brasil, promovendo a verdadeira democra- tização da educação. Da mesma forma como uma andorinha só não faz verão, essa história também traz à luz a vida e a contribuição de muitas outras pessoas, lembradas e citadas dentro deste livro. Seria injustiça da nossa parte resguardar tal empenho de tantos, mas o foco desse do- cumento histórico ainda é o meu pai. Certa vez, ainda quando meu pai era reitor da Furb, em uma cerimônia de colação de grau da qual participei, eu o ouvi dizendo em seu discurso final uma frase que ele havia lido em um calendário, e que dizia que o exemplo não era a melhor lição, mas a única lição. Posso dizer que talvez essa tenha sido a lição que ele deixa como legado para todos nós, filhos, amigos e professores. A sua vida como exemplo de dedicação à educação e a sua luta pela expansão do co- nhecimento para todos. Desejo a você uma ótima leitura, e agradeço à família, aos ami- gos, e todos que participaram deste projeto de vida pelo empenho dispendido e por compartilhar dos mesmos valores educacionais. Obrigado a todos. “NÃO BASTA SABER, É PRECISO SABER FAZER.” 23 INTRODUÇÃO Escrever parte da história de José Tafner não foi tarefa fácil. Foi um trabalho árduo e repleto de descobertas, que a cada nova pá- gina mostrava-se mais apaixonante, revelando um ser humano que soube dar materialidade aos seus sonhos e ideias. Logo no início da empreitada, combinamos, eu e o Jonas, que iríamos montar a narrativa do livro a partir de entrevistas com pessoas que participaram da vida do protagonista: esposa, filhos, amigos, edu- cadores. Surgiu uma lista com diversos nomes, e boa parte consegui- mos entrevistar. Porém, em alguns casos, tivemos que declinar, ou por problema de agenda, ou por desencontro, ou falta de tempo. A primeira pessoa entrevistada foi o próprio José Tafner, pro- tagonista do livro. Ele nos recebeu em sua residência na cidade de Blumenau, no dia 24 de junho de 2019. Logo cedo nos encontramos e tivemos um dia dedicado às memórias e histórias contadas com entusiasmo por ele. A cada acontecimento lembrado seus olhos bri- lhavam, revelando uma pessoa apaixonada, que viveu e ainda vive os seus dias de maneira intensa e nem um pouco despropositada. Ao final daquela manhã, saímos a pé e almoçamos em um res- taurante próximo. Com seu estilo de vestir peculiar, nos pagou um almoço e fez questão de brindar, antes da refeição, com um bom gole de schnaps1. Após, retornamos e seguimos a entrevista até o entar- decer. No dia seguinte foi a vez de entrevistar a sua esposa, Verônica Tafner, que, apaixonada, nos relatou as histórias que entrelaçaram o casal em matrimônio, bem como os desafios e projetos de vida, tanto familiares como profissionais. Foi fantástico ter iniciado o trabalho com os relatos de José e Verônica, pois suas histórias abriram cami- nho para a montagem de um enredo que iria facilitar a organização da narrativa do livro. 1 A palavra de origem alemã é usada para se referir a qualquer tipo de aguardente. Popularmente os imigrantes alemães chamavam por schnaps, a bebida que hoje conhecemos por cachaça. 24 Após esses dois dias de entrevistas, reunimos um bom material e começamos a escrever os textos, dando forma aos capítulos que iriam construir a linha do tempo, reunindo passagens da sua infância em Rio dos Cedros, da “querida escola”, do seminário em Ascurra e de São Paulo, das aventuras no Mato Grosso, do retorno a Santa Ca- tarina e do início da sua vida profissional e posterior afirmação como professor e gestor educacional de sucesso. Depois das entrevistas com o casal e com os filhos Malcon e Marlon, montamos o enredo para dar continuidade aos trabalhos. Os familiares se envolveram com a pesquisa e compartilharam de- talhes interessantes2, que criaram a ambientação de uma história que poderia ser enriquecida com os depoimentos de outros per- sonagens. Essas pessoas passaram a contar suas lembranças sobre José Tafner, ampliando o texto e fornecendo à narrativa uma escrita espontânea e exclusiva. Nos meses seguintes realizamos diversas entrevistas com pes- soas que participaram de acontecimentos vividos por Tafner. Elas ti- veram a oportunidade de expressar a sua admiração, como também descrever um pouco do convívio e de como isso transformou as suas vidas. Foi possível constatar a curiosidade de Tafner pelos aspectos 2 O casal José e Verônica, atéesta data, não teve nenhuma perda humana nesta trajetória de 16 pessoas; iniciou recentemente uma nova etapa com a chegada de bisnetos. A primeira, já ensaiando os primeiros passos, é a menina Helena Tafner da Silva, nascida no dia 15 de março de 2021, em Indaial/SC. Acima: Heron Kauê Tafner, Malcon Anderson Tafner, Julianne Fischer, Marlen Cláudia Tafner, Marylin Ítala Tafner, Isabela Luiza Tafner, Marlon Jackson Tafner, Thaysa Andrea Tafner, Matheus Leonardo Tafner. Abaixo: Rafael Iraê Tafner da Silva, Patrícia Helena Fischer Tafner, José Tafner, Verônica Teresinha Machado Tafner, Gabriel Fischer Tafner e Nícolas Eduard Tafner. Acervo: José Tafner 25 diferenciados do cotidiano e a busca por novidades que sempre esti- veram presentes em sua infância. Com menos de 6 anos de idade, acompanhou os trabalhos de um senhor que esteve na propriedade para definir o local onde seria cavado um poço. O pequeno Tafner acompanhou esse homem, que andava pelo terreno com uma vareta de pessegueiro, buscando esco- lher a melhor localização. Tafner ficou admirado quando, ao térmi- no dos trabalhos, aquele homem puxou um balde cheio de água de dentro do poço. Nos momentos em que não estava na escola, auxiliava nos ser- viços da propriedade, cortava lenha, tratava os animais, entre outros afazeres. Quando concluía as atividades na roça, trabalhava então na sapataria do pai, Ermínio, batendo sola e fazendo outros pequenos serviços. O contato com o ofício desenvolvido pelos antepassados e com a escola de aprendizes que funcionava na propriedade da famí- lia Tafner possibilitou que pensasse em novas perspectivas de vida, que iam além dos trabalhos agrícolas. A dedicação ao trabalho é um dos principais marcos da trajetó- ria de vida de José Tafner. Os filhos dos colonos começavam a auxi- liar na lavoura ainda pequenos, precisavam se esforçar bastante para contribuir com o sustento da família. Com apenas 8 anos, Tafner prestava serviços para uma família produtora de milho e de araruta, em períodos de férias escolares. Ainda na infância começou a desenvolver o espírito empreen- dedor e inventivo, que era algo inerente a sua índole. Participava de brincadeiras diferentes e procurava fazer invenções de acordo com as possibilidades do cotidiano interiorano. Não é possível afirmar que significaram a origem de suas ações empreendedoras na fase adulta, mas, com certeza, influenciaram de alguma forma neste sentido. José Tafner é integrante de uma geração de educadores de Rio dos Cedros que vivenciou a formação religiosa e educacional no se- minário. Posteriormente esses profissionais se destacaram na área educacional catarinense e até mesmo em outros estados brasileiros. Após retornar do Mato Grosso e de São Paulo, José Tafner pas- sou a lecionar em unidades educacionais de Blumenau. Naquela épo- ca, vários educadores naturais de Rio dos Cedros, como Joaquim Flo- riani, Valdir Floriani, Leandro Longo, Almerindo Brancher, Lourival Busarello e Olivo Pedron, já trabalhavam em escolas blumenauenses. Na década de 1960, os professores mais benquistos e concei- tuados pela população eram quase todos de Rio dos Cedros. Esses educadores haviam vivenciado a experiência como seminaristas 26 no tempo da juventude. Devido à contribuição de vários educado- res rio-cedrenses para a área educacional catarinense e brasileira, o município de Rio dos Cedros recebeu o título simbólico de Celeiro Cultural do Vale do Itajaí. O nível cultural e intelectual dessa geração realmente foi dife- renciado. Os jovens que optaram por seguir a vida religiosa se des- tacaram nos municípios onde construíram suas trajetórias. Podemos mencionar o exemplo de Victor Vicenzi, pesquisador, escritor e au- tor de livros. Esse padre salesiano marcou seu nome na história da comunidade católica de Rio do Sul porque foi o vigário do período de construção da Catedral São João Batista. A igreja apresenta ca- racterísticas arquitetônicas diferenciadas, sendo uma das mais belas construções religiosas do sul do Brasil. Da mesma forma, houve vi- gários naturais de Rio dos Cedros que coordenaram obras de cons- trução de igrejas católicas, verdadeiros símbolos de religiosidade e identidade cultural das comunidades. Após cursar a formação salesiana e religiosa no seminário, Tafner trabalhou em colégios salesianos nos estados do Mato Grosso e de São Paulo. Desenvolveu um trabalho com a juventude e organizou compe- tições de futebol, com apoio da comunidade de Campo Grande. Chama atenção a sua capacidade de articulação para estabe- lecer novos contatos. Fez amizade com profissionais do Correio Aéreo Nacional e em períodos de férias sobrevoou grande parte do Estado do Mato Grosso, conhecendo rios, pontos geográficos e turísticos de destaque. Também nos períodos de recesso das aulas realizou trabalho voluntário para auxiliar comunidades indígenas. Vivenciou inten- samente este intercâmbio com os índios, presenciando rituais reli- giosos, costumes e tradições. Através das memórias compartilhadas por Tafner, é possível compreender a importância dessa experiência cultural em sua vida. Depois de trabalhar praticamente dois anos no Mato Gros- so, lecionou por um período em colégios salesianos de São Paulo. Tafner não recebia salário, apenas ganhava a alimentação e vesti- mentas. Com certeza esse período de dificuldades é um dos aspectos mais curiosos de sua trajetória profissional, dificilmente imaginado pelas pessoas que associam a imagem de Tafner ao case de sucesso da Uniasselvi e à sua importância no cenário educacional brasileiro. Mas nem tudo foram flores em sua caminhada. Por enfren- tar tantas intempéries longe de casa, optou por retornar para Santa Catarina. Permaneceu por poucos dias em Rio do Cedros, porque logo recebeu convite de professores rio-cedrenses que já lecionavam 27 em escolas de Blumenau. Desta forma iniciou sua trajetória como educador no Vale do Itajaí, na metade da década de 1960. Após trabalhar por alguns anos em colégios de Blumenau e região, ingressou como docente no Ensino Superior. Conforme é possível observar por meio dos depoimentos concedidos pelos en- trevistados para elaboração do conteúdo desse livro, constata-se a importância da trajetória de 25 anos que Tafner construiu na Univer- sidade Regional de Blumenau. Ainda na década de 1970 aventurou-se em busca do saber. Junto com os familiares vivenciou inúmeros desafios financeiros e logísticos para realizar o sonho de cursar o mestrado, em uma épo- ca em que existiam poucos educadores com esse nível de formação acadêmica. Após vencer todos esses sacrifícios retornou para Blu- menau, trazendo na bagagem novos saberes sobre gestão educacio- nal universitária. Posteriormente ocupou por duas oportunidades o cargo de reitor da Furb, entre outras funções administrativas e educacionais relevantes. Transformou a instituição para melhor, ampliando o nú- mero de graduações, sanando os problemas financeiros, evidencian- do a sua capacidade enquanto gestor administrativo e educacional eficiente. Durante as décadas em que atuou em sala de aula, Tafner estabeleceu vínculo com turmas de estudantes que até hoje recordam de sua ética profissional e dedicação como educador. Toda essa experiência de professor e gestor foi colocada à dis- posição da sociedade catarinense no momento que desempenhou a função de secretário estadual de Educação. Alguns anos depois colocou novamente seus conhecimentos em prol da educação ca- tarinense, quando trabalhou como diretor de Ensino Superior de Santa Catarina. Idealizou o Projeto Magister, que representou uma quebra de paradigmas em termos de formação superior para os professores ca- tarinenses. Através desse projeto inovador contribuiu efetivamente para elevar a qualidade do trabalho docente, contemplando assim milhares de estudantes por toda Santa Catarina. Além de se dedicar a projetos coletivos, Tafner não mediu esfor- ços para realizar o sonho de criar suaprópria instituição de ensino. A Associação Educacional Leonardo da Vinci foi concebida da mente para as mãos, inspirada nos ideais renascentistas, do iluminismo e na genialidade de Leonardo da Vinci. A partir dos conhecimentos adquiridos em décadas de estudo e de experiência profissional, idea- lizou princípios filosóficos para nortear a atuação educacional de sua instituição de ensino. 28 Com o passar dos anos, a Asselvi se transformou na Uniassel- vi e o projeto de Tafner obteve reconhecimento nacional. Milhares de brasileiros vivenciaram a oportunidade de cursar uma faculdade através das inovações geradas pela instituição criada por José Tafner. Enquanto a grande maioria das pessoas utiliza a aposentado- ria para relaxar e descansar dos anos trabalhados anteriormente, Tafner continuou produzindo com exigência e determinação, lide- rando sua equipe, comprometido com a comunidade e com tudo que se propunha a fazer. Apesar de todo o conhecimento e experiência na área educacional, permitiu que mais pessoas compartilhassem desse sonho, idealizado “da mente para as mãos”, considerando sua realização de forma coletiva. Da mesma maneira que colocou a mão na massa e ajudou a cons- truir a sua faculdade, caminhando lado a lado com a equipe, anos de- pois dividiu com todos a oportunidade de saborear as vitórias conquis- tadas, mas sempre com humildade e com os pés no chão, sem soberba ou qualquer forma de arrogância, conforme poderá ser constatado nas memórias obtidas pelas entrevistas. O professor Francisco Fronza afir- ma que José Tafner é a personificação da razão prática: “Se Kant escre- veu a Crítica da Razão Pura, o professor Tafner é a personificação da razão prática, aquela ideia de que as coisas devem funcionar”.3 A filosofia salesiana aprendida no período do seminário esteve presente em diversos momentos de sua atuação enquanto docente e gestor educacional. Por não conseguir aceitar a situação de ver alunos interessados em adquirir conhecimentos, mas sem ter sala de aula para estudar, Tafner se envolveu com os problemas educacionais do Estado do Pará. Com ousadia e determinação, idealizou a Faculdade Metropolitana de Marabá. Com o passar dos anos essa instituição se transformou em outro case de sucesso e apresentou efetivamente a sua contribuição para elevar o nível de conhecimento dos estudantes. Após mais de 50 anos de dedicação profissional na área da edu- cação, Tafner fez amizades em diversos estados. Um dos principais legados do professor Tafner para a história da educação brasileira está relacionado a sua preocupação em levar o conhecimento para todos. Enquanto filósofo da educação e educador, dedicou sua vida profissional para oportunizar o acesso das pessoas ao ensino. Este pressuposto de José Tafner representava quase que um propósito de vida, porque acreditava que ao proporcionar a expansão do conhe- cimento do ser humano, este aspecto faria diferença e melhoraria a vida destas pessoas e das comunidades onde estavam inseridas. 3 FRONZA, Francisco. Entrevista concedida a Evandro André de Souza e Jonas Felácio Júnior, em 25 de julho de 2019. 29 Torna-se uma missão quase impossível descrever detalhadamente cada etapa da trajetória de mais de 50 anos que Tafner dedicou à educa- ção. Por essa razão optou-se por apresentar esses momentos importantes de forma sintetizada, dando vida a essa história através dos depoimentos concedidos por familiares e educadores que conviveram com Tafner. Vários fatores elucidam a dimensão quase indescritível do rele- vante trabalho desenvolvido por José Tafner para o Ensino Superior brasileiro. A determinação em realizar plenamente os seus projetos, a busca incansável pelo conhecimento, o amor pelo ato de educar, a coragem para superar inúmeros desafios e a capacidade em acreditar na realização de seus sonhos, são alguns aspectos que poderão ser conhecidos através da leitura dessa obra. José Tafner em solenidade de Outorga Nobre Acadêmico da Câmara Temática de Filosofia, da Academia Latino- Americana de Ciências Humanas, em 30 de abril de 2016, Brasilia/DF “Certo dia, talvez com 7 anos, fiz um anzol com alfinete. O alicate da sapataria do meu pai me possibilitou esse feito. Fui a uma lagoa do nosso vizinho que tirou muita terra para a sua olaria. Com um pedaço de minhoca nesse anzol, peguei uma traíra de 350 gramas, corri ao encontro do meu pai, que me elogiou diante do feito.” José Tafner 31 CAPÍTULO 1 Infância de José Tafner em Rio dos Cedros José Tafner nasceu no dia 21 de dezembro de 1940. Difícil imaginar que o menino nascido no pequeno município de Rio dos Cedros se transformaria em um dos principais personagens da história da educação catarinense e empreendedor reconhecido nacionalmente, por ser pioneiro em diversas atividades do Ensino Superior brasi- leiro. Naquela época, a maioria das famílias obtinha a sobrevivência por meio da agricultura e o lugar ainda era um distrito que pertencia ao município de Timbó. José Tafner é o primeiro filho homem do casal Ermínio Tafner e Clara Mattedi, possuindo descendência italiana paterna e materna. José Tafner teve onze irmãos: Elide (falecida), Realdino, Mário (fa- lecido), Jaime, Evanilde, Mauro, Valdir e Dimas. Uma irmã faleceu ainda na infância e outra no momento do parto. Teve como avós paternos Giovanni Tafner e Rosina Dalpiaz, e como avós maternos Paulo Mattedi e Teresinha Mattedi. O pioneiro Ângelo Marcello Tafner na Colônia Blumenau A família Tafner é originária da localidade de Mattarello, situa- da na Província de Trento. Após a vinda da Itália, Ângelo Marcello Tafner fez a escolha pelo sul do país, instalando-se no ano de 1876 na Colônia Blumenau, situada na região do Vale do Itajaí. Adquiriu o lote colonial número 59, na localidade de Santo Antônio, em Rio dos Cedros. A partir deste momento, tem início a trajetória da família Tafner em Santa Catarina, tendo como patriarca Ângelo Tafner, que é bisavô de José Tafner. A comunidade de Santo Antônio faz divisa com o município de Pomerode. Popularmente ficou conhecida por Matarel, em razão de seus moradores pioneiros serem provenientes da região italiana 32 de Mattarello. Portanto, o nome do lugar foi escolhido como forma de homenagem à terra natal. No caminho dos pomeranos, vindo da direção de Timbó, Santo Antônio é a primeira comunidade dos tiroleses do sul, imigrantes de fala italiana, que hoje são chamados de trentinos. Cabe contextualizar que, atualmente, esses pioneiros são considerados como imigrantes italianos. No entanto, o bisavô de José Tafner não nasceu na Itália, porque naquele período Trento pertencia à Áustria. Somente a partir do ano de 1919, através de uma convenção com participação da Itália, Áustria, Suíça e Fran- ça, as questões de fronteira foram apaziguadas e a região trentina deixou de pertencer ao Império Austríaco, passando a integrar o território italiano. Uma das dificuldades do período da colonização era a questão da comunicação. Não contavam ainda com o telefone e nem se ima- ginava que existiriam os modernos aparelhos tecnológicos da atua- lidade. Os irmãos Tafner procuravam trocar cartas para descobrir onde estavam morando os parentes. José Tafner explica que seu bisa- vô falava o dialeto trentino italiano. Também sabia se comunicar no dialeto mocheno, falado pelos antepassados no Val dei Mocheni, em Trento. Apesar de não ser exatamente o idioma alemão oficial, era um dialeto parecido, que possibilitava a comunicação com descen- dentes alemães.4 Cabe contextualizar que a Colônia Blumenau era constituída, principalmente, por imigrantes alemães, italianos, tiroleses do sul e cidadãos austríacos, que foram colonizando o território do Vale do Itajaí. Por saber falar os dois principais idiomas da colônia, Ân- gelo Tafner se tornou um intérprete do Dr. Hermann Bruno Otto Blumenau. Repassava as informações do diretor da Colônia Blu- menau para os colonos trentinos, que não sabiam se comunicarem alemão.5 É interessante mencionar que as famílias de imigrantes ita- lianos foram instaladas na Pommernstrasse. A Rua dos Pomeranos recebeu este nome em decorrência da colonização inicial realizada por alemães. Estes imigrantes eram provenientes da região de ori- gem germânica chamada por Pomerânia. Os imigrantes pioneiros que vieram da Alemanha para a Colônia Blumenau chegaram pra- ticamente 25 anos antes do início da imigração italiana para terras catarinenses. Com a chegada das famílias italianas, a região rece- beu o nome de Santo Antônio. 4 TAFNER, José. Entrevista concedida a Evandro André de Souza e Jonas Felácio Júnior, em 23 de julho de 2019. 5 Idem. 33 No passado a Pommernstrasse possibilitava a ligação entre Rio dos Cedros, Timbó e Pomerode. José Tafner comenta que devido ao fato de a comunidade de Santo Antônio estar situada geografi- camente na divisa entre Rio dos Cedros e Pomerode, pelo menos três gerações da família Tafner conseguiram manter o bilinguismo dos idiomas alemão e italiano. Esses familiares sabiam falar o dialeto trentino e o platt-deutsch, dialeto alemão falado até os dias atuais em Pomerode. Cabe destacar que este município é reconhecido nacio- nalmente pela continuidade das tradições germânicas, repassadas de geração para geração.6 Ângelo Marcello Tafner casou-se com Ângela Lúcia Perini, filha de Francesco Perini e de Lúcia Girardi, também imigrantes italianos de Mattarello. O casal teve cinco filhos: Guglielmo, Albina Maria Te- resa, Cattarina Melania, José Francisco (que faleceu com apenas sete anos de idade), além de Giovanni Ermínio, avô de José Tafner. Os descendentes de segunda geração da família Tafner foram morar em diferentes comunidades entre Rio dos Cedros e Timbó. O casal pioneiro vivenciou grandes desafios para conseguir criar os filhos. Havia a necessidade de derrubar a mata para organi- zar áreas de produção agrícola. A religiosidade e a fé em viver dias 6 Idem. O pioneiro da família Tafner em Santa Catarina, Ângelo Tafner, com familiares. Acervo José Tafner 34 melhores foram os principais alicerces para a família vencer as difi- culdades iniciais e obter boas condições de vida. Giovanni Tafner casou-se com Rosina Dalpiaz e desta união nasceram os filhos Eugênia, Celestina, Artur, Maria, Angelina e Ermínio, pai de José Tafner. Os avós paternos de Tafner herdaram a casa que pertencia ao casal pioneiro da família em Rio dos Cedros, Ângelo Marcello Tafner e Ângela Perini. Mas as enfermidades afeta- vam as famílias dos imigrantes e colonizadores. Duas irmãs de Ermí- nio morreram jovens, com menos de 30 anos de idade, em função da peste chamada na região por “tifo preto”. Mesmo diante de todos os desafios enfrentados, o esforço do pio- neiro Ângelo Tafner valeu a pena. Na atualidade residem no Vale do Itajaí os seus descendentes de terceira e quarta geração. Esses familia- res contribuíram em diversos segmentos da sociedade, garantindo a continuidade e a trajetória da família Tafner em Santa Catarina. Com o passar dos anos, Ermínio Tafner construiu uma casa na localidade de Encruzilhada. Esta comunidade possuía uma locali- zação estratégica: havia um encruzo que possibilitava a ligação com diversas comunidades interioranas. As pessoas vindas de Timbó pas- savam por esse local e depois conseguiam chegar nas comunidades de São Roque e Santo Antônio, que receberam as primeiras levas de imigrantes italianos. A localidade era ainda chamada de Caminho dos Pomeranos, mas as famílias italianas a nomearam popularmente como “Crosara”. A região de Encruzilhada era considerada a sede de toda a colo- nização. Inclusive, as famílias se uniram e foi construída a capela de Nossa Senhora das Dores, “L’Addolorata” para os italianos. A igreja foi edificada em um morro, conforme era padrão, para que se desta- casse na colônia. Seria um marco referencial, a partir do momento em que a localidade de “Crosara” se transformasse na sede do futuro município de Rio dos Cedros. No entanto, esse planejamento não ocorreu conforme o esperado.7 José Tafner recorda que uma das particularidades históricas mais interessantes de Rio dos Cedros relaciona-se a um litígio que ocorreu entre diferentes correntes migratórias. Os imigrantes que chegaram anos depois do início do processo de colonização do mu- nicípio contavam com maior poder econômico, em relação aos pio- neiros. Desta forma obtiveram influência política na execução de seus projetos coloniais. Lamentavelmente, não respeitaram o que foi construído na comunidade de Encruzilhada, com muito esforço 7 Idem. 35 pelas famílias pioneiras. Deslocaram a igreja e o antigo centro de Rio dos Cedros para outra região.8 Constituíram desta forma outra localidade, onde seria formado o novo centro do município e construída uma nova igreja matriz. Havia uma distância de seis quilômetros entre essas duas comunidades e a situação ficou crítica. O batalhão de Blumenau do Exército brasileiro precisou intervir, para apaziguar os ânimos.9 Nessa época o lugar ainda era conhecido como Distrito de Encruzilhada, pertencendo ao mu- nicípio de Timbó. A área hoje integra o território de Rio dos Cedros. Como tentativa de amenizar o conflito, o Exército fez um sor- teio para definir qual dos dois lugares seria a sede do município. Os colonos do segundo ciclo imigratório venceram e a localidade de En- cruzilhada deixou de ser o centro da colonização de Rio dos Cedros. Da mesma forma, a Igreja Nossa Senhora das Dores perdeu o status de igreja matriz do distrito. Considerável parcela dos imigrantes não acreditou na veracidade do resultado do sorteio. Achavam que havia ocorrido alguma interferência política ou econômica.10 Essa desavença interferiu diretamente no cotidiano dos descen- dentes de alemães que viviam nas proximidades do Caminho dos Pomeranos. A decisão também afetou os imigrantes austro-húnga- ros. Tafner recorda de algumas famílias de origem alemã que viviam na localidade, a exemplo dos Stinger, Stolf, Volk e Campregher. A integração cultural e étnica, que era um dos aspectos diferenciados do processo colonizatório, sofreu uma ruptura de grandes propor- ções. Alguns italianos, revoltados com o resultado final do embate, esconderam o tabernáculo “na mata”. O episódio foi tão marcante que as famílias Stinger e Mondini se mudaram de Rio dos Cedros para Jaraguá do Sul.11 Curiosidades sobre a família Tafner em Rio dos Cedros Após casar-se com Clara Mattedi, Ermínio Tafner construiu uma casa no mesmo terreno onde residiam seus pais. As casas fica- vam separadas por uma pequena distância de 20 metros. José Tafner vivenciou sua primeira infância nessa casa, até os 6 anos de idade. Aproveitou os momentos de convivência com os pais e constante- mente visitava a residência dos avós paternos. 8 Idem. 9 Idem. 10 Idem. 11 Idem, em 1o de maio de 2020. 36 No ano de 1946, a casa da família Tafner foi removida para a localidade de Encruzilhada. Ficou situada a cerca de 700 metros de distância da residência dos avós paternos de José Tafner. A nova morada também ficava próxima dos avós maternos, Paulo Mattedi e Teresinha Mattedi. O terreno comprado por Ermínio contava com aproximadamente quatro hectares.12 Um dos fatos curiosos que recorda relaciona-se ao momento em que um senhor esteve na propriedade para definir o local onde seria cavado um poço. O pequeno Tafner acompanhou este homem, que andava pelo terreno com uma vareta de pessegueiro, buscando 12 Idem. José Tafner com o pai Ermínio Tafner, em frente à casa que foi desmontada e transportada em carroça, de uma distância de 800 metros onde se encontrava inicialmente, por volta de 1945. Tafner acompanhou tanto o desmonte como a montagem da casa, que permaneceu intacta até 1995. Ali viviam 8 irmãos e 2 irmãs, além do seu tio surdo/ mudo e de uma sobrinha adotiva. Acervo José Tafner 37 a melhor localização. Após a definição sobre o lugar ideal, cavou- sea terra para construir um poço com 8 metros de profundidade e 1,3 metro de diâmetro. A finalidade do poço era trazer água para a superfície. É importante mencionar que no tempo da colônia não contavam ainda com rede de abastecimento e água encanada. Com menos de 6 anos de idade, Tafner ficou admirado quando ao término dos trabalhos aquele homem puxou um balde cheio de água de den- tro do poço. Logo após, um pedreiro fez a mureta externa de material e a estrutura de madeira necessária para a instalação do balde e da roldana para retirada da água.13 A família Tafner trabalhava na propriedade rural visando obter o sustento dos familiares. Ermínio realizava as tarefas diárias da co- lônia e contava com auxílio de seus ajudantes. Organizavam lavouras de subsistência e produziam fumo em folha para a empresa Souza Cruz. Após se esforçar na roça durante o dia, trabalhavam ainda no período noturno na sapataria. Este estabelecimento prestava tam- bém serviços de selaria, representando uma forma de obtenção de renda.14 Trabalhava na sapataria principalmente aos sábados à tarde, para pintar e lustrar sapatos. Nos momentos em que não estavam na escola, os filhos de Er- mínio auxiliavam nos serviços da propriedade. Entre as atividades realizadas, cortavam lenha e tratavam os animais. A pastagem da propriedade dos Tafner era pequena, por isso diariamente levavam as vacas para pastar, no começo da tarde, em uma propriedade alu- gada de algum parente ou vizinho. No entardecer traziam as criações de volta. Quando não havia o que fazer na roça, trabalhavam então na sapataria do pai, batendo sola e fazendo outros pequenos serviços. O período da noite era destinado aos deveres da escola. Iluminavam o ambiente com a luz de uma lamparina a óleo.15 O ofício de sapateiro foi uma tradição que a família Tafner trouxe da Europa e que teve continuidade no Brasil. Ângelo sabia consertar sapatos e ensinou essa profissão para seu filho Giovanni, que por sua vez repassou a atividade para Ermínio. Quando preci- sava comprar alicates, couro, sola, tachinhas de madeira, ferramen- tas, qualquer item para os trabalhos da sapataria, ou para o dia a dia da propriedade agrícola, Ermínio viajava até Blumenau. Utiliza- va a bicicleta para ir até Indaial, pedalando por um trajeto de mais de 20 quilômetros. Deixava a bicicleta na estação ferroviária e em- barcava no trem em direção ao centro de Blumenau. Após comprar 13 Idem. 14 Idem. 15 Idem. A mãe de José Tafner, Clara Mattedi Tafner. Acervo José Tafner 39 o que era necessário, retornava para Indaial com a “Maria Fumaça”. Pegava a bicicleta e fazia o percurso de volta para casa. Em diversas ocasiões foi acompanhado pelos aprendizes, que auxiliavam nessa tarefa desafiadora. José Tafner até hoje não consegue entender como o pai e seus ajudantes conseguiam transportar tantas mercadorias de Indaial até Rio dos Cedros usando a bicicleta.16 Escola de aprendizes na propriedade da família Tafner Uma das situações mais interessantes do cotidiano da proprie- dade rural da família Tafner era uma espécie de escola de formação de sapateiros. Esta atividade funcionava nos moldes de uma escola de aprendizes, de uma confraria de ofícios da Idade Média. Geral- mente moravam quatro ou cinco aprendizes do ofício de sapatei- ro com a família Tafner. No primeiro semestre de atividades, esses jovens não recebiam remuneração, mas ganhavam alimentação e moravam no sótão da residência dos Tafner. Após seis meses co- meçavam a realizar serviços mais caprichados, como bater sola, por exemplo. No terceiro semestre do aprendizado passavam a contar com um pequeno rendimento e já podiam usar esses valores para ir ao baile no final de semana.17 Depois de dois anos e meio como aprendiz, o jovem então re- cebia a “liberdade” para poder procurar outro local, para morar e trabalhar. Formalmente não recebia um diploma. No entanto, a ex- periência vivenciada e os conhecimentos adquiridos eram de gran- de importância para as fases seguintes da vida. Depois da saída dos jovens da propriedade da família Tafner, Ermínio acompanhava os aprendizes por determinado período. Em diversas oportunidades os auxiliou, ajudando a escolher um local onde fosse possível iniciar a propriedade agrícola e se dedicar ao ofício de sapateiro.18 Recordações sobre a infância de José Tafner José Tafner é detentor de uma memória privilegiada e tem inúmeras recordações sobre o tempo da primeira infância, até os 6 anos de idade. Comenta que aos domingos, às 9 horas, aguar- dava ansiosamente o seu avô Giovanni, que ao retornar da missa 16 Idem. 17 Idem. 18 Idem. 40 dominical sempre lhe trazia um pacote de 12 a 15 balas, ou uma bala chupeta.19 A partir dos 5 anos, Tafner começou a auxiliar nas atividades da propriedade agrícola. “Muito curioso, certo dia fui até o rancho para ver o corte de trato para as duas vacas que tínhamos. Coloquei o dedo da mão esquerda na engrenagem, ocasionando um ferimento. Logo chamaram o senhor Arduino Dalpiaz, vizinho em frente da nossa casa e meu padrinho de batismo, irmão da mi- nha avó. Fez um curativo com banha de porco, repetido por diver- sos dias e sempre com tiras de pano. Tempos depois fiquei curado e livre desse curativo”, recorda.20 19 Idem. 20 Idem. José Tafner com 8 anos de idade, no período que realizou a Primeira Comunhão. Acervo José Tafner 41 O menino Tafner acompanhou algumas particularidades cultu- rais, que estavam presentes no cotidiano das famílias italianas de Rio dos Cedros. Nas tardes de domingo, em uma casa próxima da pro- priedade do avô Giovanni, reuniam-se alguns casais vizinhos para jogar a víspora. “Eu aproveitava a presença do meu padrinho para pedir alguns centavos, que ele fazia questão de me dar.”21 Cabe expli- car que a víspora era um jogo italiano com cartões numerados, uma diversão que podemos comparar com o bingo da atualidade. Nem todas as recordações são sobre momentos felizes. Algu- mas rememoram episódios de tristeza. “Lembro da saída da casa da nona, o meu falecido avó paterno numa maca, carregado por quatro homens. Havia chovido e a estrada de barro tinha diversas poças de água. Eu andava com meu pai, preso em sua mão e ficava vendo mi- nha avó, debruçada na janela da casa, chorando e pedindo ao avô que retornasse à casa.”22 A avó materna de José Tafner, Teresinha Mattedi, era uma par- teira conhecida em Rio dos Cedros e região. Auxiliou diversas famí- lias italianas e realizou aproximadamente 200 partos. Por uma ironia do destino, não foi possível ajudar a filha Clara, que enfrentava pro- blemas de saúde em períodos de gravidez, especialmente no momen- to de nascimento das crianças. Ficava com a perna inchada e aver- melhada. Recorria aos curandeiros de Rio dos Cedros, como forma de amenizar esse desconforto. Havia duas pessoas que realizavam essa atividade, considerando-se que outras mulheres do município também enfrentavam o mesmo problema. O curandeiro então pe- gava uma navalha bem limpa e fazia pequenos cortes na perna, para que o sangue ruim pudesse escorrer e desta forma aliviar a dor. Os italianos chamavam popularmente essa enfermidade de “rosapila”.23 Em decorrência desse problema de saúde, Clara Tafner sempre precisou ir para o hospital, no momento de nascimento dos filhos. O esposo contava com alguma reserva financeira, obtida através da atividade de sapateiro, viabilizando a busca por recursos médicos. Os partos sempre foram difíceis e alguns anos depois, na ocasião do nascimento do décimo segundo filho, lamentavelmente Clara não re- sistiu e acabou morrendo. O bebê também faleceu, sendo essa uma memória de tristeza para as famílias Tafner e Mattedi.24 As lembranças sobre os elementos da natureza também são marcantes. Próximo à casa da nona Teresinha havia uma figueira 21 Idem. 22 Idem. 23 Idem, em 1o de maio de 2020. 24 Idem. O pai de José Tafner, Ermínio Tafner, em frente à casa da família em Encruzilhada. Acervo José Tafner 43 mateira, “onde nós,como crianças, lançávamos periquitos e derru- bávamos muitos pássaros com o estilingue”. Na propriedade existia uma pequena lagoa, junto a uma fonte de água límpida, debaixo de um bambuzal. “A avó gostava de peixe e lá ela sempre pegava uma traíra de 100 a 200 gramas, que ela chamava de truta.”25 Tafner menciona que o tio Vitório, irmão do seu pai, era surdo- mudo e um ótimo seleiro. “A frente da casa da avó estava sempre cheia de carroças e de cavalos. Esse meu tio tinha numa parte da frente da casa, no lado esquerdo, uma sala onde trabalhava à mão, to- dos os apetrechos para os cavalos, sem o uso de máquinas, ou outros instrumentos, exceto os barbantes com cera de abelha e os pequenos instrumentos fabricados por ele, ou por um ferreiro.”26 Por ser o filho homem mais velho, José foi incumbido da res- ponsabilidade de cuidar dos irmãos mais novos. Após retornar da es- cola, conciliava as tarefas escolares com as atividades da roça e ainda com a responsabilidade de zelar pelas crianças menores. Considera como sua segunda infância o período dos 6 aos 12 anos de idade, onde residiu na casa em Encruzilhada, antes da ida para o seminário. Várias das recordações da infância estão relacionadas com a natureza. O terreno da propriedade era cercado por um pequeno riacho e Tafner e seus familiares aproveitavam para tomar banho e brincar nas águas baixas e calmas. “A pescaria era contínua, usando material que fabricávamos. O jequi era feito de bambu e alguns ami- gos faziam de cipó. Usávamos também o sistema de labirinto, onde o peixe entrava e não conseguia sair. Esse mesmo sistema era usado para pegar pássaros.”27 Cabe explicar que o jequi seria uma espécie de armadilha, para que os peixes entrassem dentro de um cesto de pesca, afunilado e feito com taquaras flexíveis. “A ceva era muito usada nessa etapa da vida, tanto para a pesca como para a caça de aves e de pequenos animais.”28 É interessante men- cionar que a ceva servia como uma forma de isca, especialmente nas pescarias. Vários pescadores utilizam essa prática, porque entendem que a armadilha é uma das melhores maneiras para atrair os cardumes e ampliar o resultado da pescaria. As pescarias faziam parte do cotidiano da família e representavam ótima alternativa para alimentação saudável. Apesar de viver na colônia, a família Tafner comia mais peixe do que carne vermelha. Não contavam com criação de gado para abate, 25 TAFNER, José. Entrevista concedida a Evandro André de Souza e Jonas Felácio Júnior, em 23 de julho de 2019. 26 Idem. 27 Idem. 28 Idem. 44 nem mesmo com criações de suínos. Saboreavam carne uma vez por semana, aos domingos. Outro alimento preparado exclusivamente para o almoço dominical era o arroz, que acompanhava a carne de panela. Geralmente no sábado passava o carroceiro que vendia pe- daços de carne. Nos demais dias da semana comiam polenta acom- panhada de ovo e pão de milho. Criavam galinha para obtenção de ovos, e patos que eram abatidos em datas especiais. Algumas experiências vivenciadas pelo menino José ainda são recordadas com detalhes: “Certo dia, talvez com 7 anos, fiz um anzol com alfinete. O alicate da sapataria do meu pai me possibilitou esse feito. Fui a uma lagoa do nosso vizinho que tirou muita terra para a sua olaria. Com um pedaço de minhoca nesse anzol, peguei uma traíra de 350 gramas, corri ao encontro do meu pai, que me elogiou diante do feito”.29 Um dos desafios do passado relacionava-se ao controle de en- fermidades que afetavam a saúde das crianças. “Eu era muito per- seguido pelos furúnculos. Lembro-me que certo dia, à tarde, sentia muita febre, oriunda dos furúnculos. Estava na pastagem, próxima da casa, e resolvi deitar e descansar na relva. Fui acordado pelo meu pai, à noite, perto das 18 horas.”30 29 Idem. 30 Idem. Irmãos de José Tafner. Da esquerda para a direita na linha superior: Elide, José, Realdino, Mário e Jaime. Da direita para a esquerda na linha inferior: Mauro, Evanilde, Emir, Valdir e Dimas. Acervo José Tafner 45 Nos momentos em que estavam bem saudáveis, as crianças aprontavam inúmeras “artes”. Não havia a tecnologia que existe na atualidade e não tinham a oportunidade de utilizar aparelhos de rádio e televisão. Naquela época Rio dos Cedros não era aten- dida pelas redes de distribuição de energia elétrica. Também não havia acesso a jornais impressos e nem se imaginava a infinidade de divertimentos com recursos eletrônicos que existe hoje. Mesmo assim buscavam alternativas para se divertir, sendo uma das prin- cipais a descida do morro aos domingos. “Quando a grama não estivesse molhada, em função da chuva, tínhamos o trabalho de banhá-la carregando latas de água morro acima. Descíamos depois em cascas de cachos de coco do coqueiro indaiá, ou fabricávamos um carrinho simples com quatro rodinhas, as duas da frente com o eixo preso somente com um fixador ao centro, que servia como volante a ser movido com os pés”, rememora Tafner sobre as aven- turas da infância.31 A dedicação ao trabalho é um dos principais marcos da tra- jetória de vida de José Tafner. Os filhos dos colonos começavam a trabalhar ainda pequenos e precisavam se esforçar bastante para contribuir com o sustento da família – uma realidade totalmente di- ferenciada da sociedade atual, considerando-se as legislações exis- tentes. Com apenas 8 anos de idade, Tafner prestava serviços para uma família produtora de milho e de araruta, em período de férias. “Lembro-me com muita satisfação: saía às 6h30min da manhã e tra- balhava o dia inteiro na colheita da araruta, nas férias escolares, na casa da Frida. Aos poucos veio também o meu irmão Realdino. Eu ganhava 4 cruzeiros por dia e meu irmão Realdino, um ano e meio mais novo, iniciou com 3,5 cruzeiros, porque não tinha ainda 8 anos. Fiz uma reclamação à senhora Frida e fui atendido: o meu irmão passou a receber também os 4 cruzeiros por dia. Passávamos as férias escolares trabalhando.”32 Ainda na infância começou a desenvolver o espírito empreen- dedor e inventivo, que era algo inerente a sua índole. Em determi- nado dia estava pescando e começou a andar pelo riacho, nas ad- jacências do terreno da família, quando encontrou um ovo de pata mais comprido que o normal. Levou para casa e colocou debaixo de uma galinha que estava chocando outros ovos, no sótão do pequeno rancho que tinham atrás da residência. “Visitava todos os dias para ver o que nascia. Certo dia vi o patinho duplo. Fiquei tão surpreso 31 Idem. 32 Idem. 46 que minha primeira ação foi levá-lo a meu pai, para mostrar-lhe a novidade. Ele ficou feliz, me deu os parabéns e me pediu para levar logo ao ninho, para ver se sobrevivia. Fiquei magoado ao verificar no dia seguinte, que o meu patinho estava morto.” Houve alguma falha de formação genética e nasceram dois filhotes em um mesmo corpo, o que ocasionou a morte deles. Tafner se impressiona com a inicia- tiva que teve, com essa curiosidade em ver coisas diferentes, que foi despertada desde os primeiros anos de vida.33 As crianças da colônia não tinham acesso à infinidade de brin- quedos que existem hoje e precisavam usar a criatividade para en- contrar maneiras de se divertir. Sabiam fazer revólver para brincar de bangue-bangue na roça. Pegavam um pedaço de madeira e cortavam com facão, conforme o formato do revólver. Utilizavam carretéis grandes com linha grossa e ajeitavam ao redor. Por último, coloca- vam uma borrachinha de câmara de pneu de bicicleta. Outra invenção era uma arma para matar moscas. Utilizavam um cano de bambu e colocavam um arco em cima. Na frente bota- vam um pauzinho de borracha e quando apertavam saía um pedaço de bambu. Nesta brincadeira procuravam matar as moscas pousadas e o vencedor era quem conseguisse acertar o alvo com maior distân- cia.34 Esses divertimentos eram simples, mas faziam a infância ser diferente e alegre. A busca por inovações e atividades diferenciadas auxiliaram o menino Tafner a se distanciar das coisas comuns.Lembranças do tempo da “querida escola” Dois anos após seus pais realizarem a mudança para a locali- dade de Encruzilhada, José Tafner começou os estudos primários elementares até a 3a série. É importante destacar que na comunida- de de “Crosara” existia uma escola isolada. No entanto, o professor sofria com problemas de alcoolismo e por essa razão não possuía bom prestígio junto às famílias italianas. Devido a essa circunstância, Ermínio Tafner matriculou todos os seus filhos na Escolas Reunidas Irmã Maria Goeldner de Oliveira35, situada na sede do então Distrito de Arrozeira, que naquele período pertencia ao município de Timbó. Posteriormente o lugar obteve a emancipação político-administrati- va, passando a se chamar Arrozeira e depois Rio dos Cedros, a partir da década de 1960. 33 Idem. 34 Idem. 35 Idem, em 1o de maio de 2020. 47 A criança precisava ter completado 7 anos para poder iniciar os estudos. Por completar essa idade no mês de dezembro, José Tafner só conseguiu se matricular no ano seguinte. Por essa razão, iniciou o Primário com 8 anos, em 1948. Naquele tempo o estudante cursava obrigatoriamente o 1o ano A e o 1o ano B. Portanto, frequentava dois anos de alfabetização, para aprender corretamente a ler e escrever. Dia- riamente precisava acordar bem cedo e caminhar quatro quilômetros, junto com os irmãos e irmãs, para chegar até a escola. As aulas ocor- riam de segunda a sábado, sempre no período matutino. A unidade de ensino era uma construção grande para os padrões daquela época, pois contava com dois andares. Funcionava no local onde hoje está situada a igreja católica Nossa Senhora Imaculada Conceição.36 As professoras eram irmãs catequistas provenientes da Con- gregação da Madre Paulina. Lecionavam em diversas escolas públi- cas das localidades de Rio dos Cedros e região. Era destinada uma casa para essas religiosas, e neste local também ocorriam atividades educativas. Os estudantes aprendiam a trabalhar na horta da pro- priedade. As religiosas viviam para o propósito de ensinar. Quan- do havia necessidade, eram transferidas para outras comunidades onde faltavam educadores. 36 Idem, em 23 de julho de 2019. Escola Primária onde José Tafner cursou os quatro primeiros anos de estudos até 1951. A escola era comandada pelas irmãs da Congregação criada pela Santa Paulina. Na foto se vislumbra também, no alto do morro, a Igreja Matriz de Rio dos Cedros, onde Tafner fez a Primeira Comunhão em 1948. Acervo José Tafner 48 Na colônia as crianças se comunicavam no dialeto italiano, mas na escola precisavam aprender o português. Os conteúdos eram repassados na língua portuguesa. Além de alunos de descendência italiana, havia também aqueles que eram de famílias alemãs. Nos primeiros momentos de estudos do Primário, alguns filhos de imi- grantes passavam dificuldades na questão da comunicação. Com nostalgia, Tafner tem uma recordação curiosa sobre esse tempo da escola. Recorda que a Irmã Ana Fachini chamou a atenção de um co- lega de turma, que não estava escrevendo. O menino alemão pegou o lápis e o levantou, gritando “capute, capute”. O lápis estava com a ponta quebrada e aquela criança não sabia como resolver o problema e estava com dificuldades para se comunicar em português e pedir ajuda. Este exemplo ilustra bem a dificuldade dos imigrantes e seus descendentes para se adaptarem a uma cultura totalmente diferente, em relação à pátria de origem.37 Tafner cursou até o terceiro ano Primário na Escolas Reunidas Irmã Maria Goeldner de Oliveira. Destaca que o ensino era forte e que as professoras exigiam bastante dos pequenos alunos. Chega- ram inclusive a realizar atividades que incentivavam o desenvol- vimento de habilidades artísticas. Certa vez a professora Ana pe- diu para os estudantes levarem um passarinho para a sala de aula. Tafner matou com o estilingue um gaturamo e levou para a escola. A educadora encaminhou um trabalho para a turma e começou a empalhar a ave. Retirou o coro do pássaro com uma gilete e em pouco tempo concluiu o empalhamento. Montou uma arvorezinha, colocando o gaturamo em cima de um galho. Solicitou em seguida que os alunos fizessem um desenho desse cenário. Tafner destaca que a atividade era atraente para os alunos, que se interessavam em realizar algo diferenciado.38 “Em relação à escola lembro do Pelotão de Saúde: meninos da vila, com uniformes brancos, eram escolhidos mensalmente para fiscalizar os demais companheiros. Olhavam as orelhas, o nariz, as unhas, as mãos, a sujeira no pescoço e nos pés. Quem não estivesse em ordem era mandado se lavar no riacho que corria ao lado da escola. Havia uma armação de madeira que levava até a água. Outro fato do qual me recordo é o caso do lanche. Levávamos para lanche, muitas vezes durante a semana, polenta com queijo, outros dias a mandio- ca com açúcar semiqueimada. Esses lanches serviam para o escam- bo com o pão francês, ou um pedaço de cuca, ou ainda um pacote 37 Idem. 38 Idem. 49 de balas de 10 unidades; eram balas de coco ou de chocolate – nada a ver nem com coco e nem com chocolate. Algumas vezes chegávamos na escola com tangerinas colhidas durante os 3,5 km que andávamos até a escola. Havia muitos moradores que as cultivavam.”39 Desde os primeiros anos de escola, José Tafner tinha facilidade para desenhar o mapa de Santa Catarina e montar cartolinas mais elaboradas. Gostava de fazer vários desenhos, pois se sentia estimu- lado pela questão artística. Recorda da exposição de desenhos pro- duzidos pelos alunos: “Os pais participavam e levavam o trabalho do filho para casa com a nota expressa no canto do desenho. Recebía- mos cartolina, lápis de cor, borracha e outros materiais necessários ao trabalho”.40 E continua: “Não posso deixar de mencionar os even- tos culturais. Fazíamos passeios e os pais pagavam o ônibus contra- tado. Fomos para Blumenau e também para Camboriú. Na época era um grande passeio para nós, da roça”.41 O terceiro ano Primário era o estudo máximo que existia na escola e para ir além disso era preciso estudar no Seminário em As- curra. As irmãs catequistas realizavam um trabalho religioso intenso, em localidades interioranas de Rio do Cedros, como Rio Usina, Rio Arda, Santo Antônio e São Roque. Periodicamente algum padre vi- sitava as unidades educacionais e fazia a pregação para que os jovens prosseguissem seus estudos no seminário. As professoras indicavam os alunos com melhores notas e perfil de seriedade.42 Quando concluiu a terceira série participou da cerimônia de formatura e ganhou o prêmio de melhor aluno da escola. Recebeu uma caneta-tinteiro como reconhecimento ao seu esforço e dedi- cação enquanto estudante. Antes de ir para o seminário, o jovem Tafner fez a comunhão junto com a irmã Elide. Apesar de ser um ano e meio mais novo do que a irmã e ainda não ter cursado a quarta série, foi permitido que participasse da celebração religiosa católica. Cabe mencionar que na época da escola também acompa- nhava as aulas de Religião. Aos sábados também frequentava um curso, onde recebia as instruções religiosas preparatórias para fazer a Primeira Comunhão. A doutrina era administrada no oratório Dom Bosco. Em razão do carinho que tem ao se lembrar deste tem- po, cita a Escolas Reunidas Irmã Maria Goeldner de Oliveira como a “querida escola”. 39 Idem, em 1o de maio de 2020. 40 Idem. 41 Idem. 42 Idem. 50 Recordações pitorescas da época da escola Além das lembranças sobre os conhecimentos obtidos no tem- po da escola, que possibilitaram a sua ida para o seminário, Tafner também tem recordações sobre aspectos pitorescos, de várias “artes” aprontadas pelos jovens daquela época. “No porão do bar da esquina, que era também pousada, os jo- vens da região central montaram uma área para jogos: lançamento de dardo ao disco, um pequeno palco para o teatro feito pelo filho do João, que quando fazia alguma desordem ficava preso debaixo do barril de cachaça. Lembro de algunsnomes proeminentes do pessoal do Vila: Valdemar Claudino, Alceu Longo, os Cluk, eram conside- rados ricos e de pouca conversa com a gente, todavia nos aceitavam para esses jogos depois das aulas.”43 Outra recordação inusitada refere-se ao jogo de futebol: “Lem- bro do caso do Tibério Bagátoli que, certo dia, pintou uma bocha de madeira que ficou idêntica à bola de borracha, muito comum naque- la época. A bola de couro não era acessível a nós jovens. O Tibério, entrando no campo, chamou o companheiro que estava cerca de 20 metros dele e jogou a bola (de madeira pintada) para o Waldemar. Criou-se aquela confusão e as irmãs tiveram que levar o Waldemar para o hospital, que voltou com a perna e o pé enfaixado. No dia seguinte, a família do Tibério estava na escola dando explicações e pedindo desculpas a todos os jovens”.44 “No sábado de manhã tínhamos o hasteamento da bandeira, o canto do Hino Nacional, a declamação de poesia – sendo a cada sá- bado um jovem ou menina diferente –, a leitura de textos livres e ao final jogos coletivos de atenção. Fazíamos uma roda e iniciava o jogo, um escolhido saía correndo ao redor do círculo e colocava o lenço atrás de um companheiro e corria em volta. O premiado com o lenço devia levantar e correr atrás do colocador e colocava o lenço atrás de outro e assim passávamos horas nessa brincadeira.”45 43 Idem. 44 Idem. 45 Idem. 51 CAPÍTULO 2 A busca precoce por novos conhecimentos Em fevereiro de 1953, com 12 anos de idade, José Tafner ingres-sou no Colégio Salesiano São Paulo, seminário localizado no município de Ascurra. Caso permanecesse residindo com seus fa- miliares, provavelmente trabalharia o resto da vida na agricultura, ou na sapataria do pai. Através dessa mudança quebrou paradig- mas, pois abraçou a oportunidade de estudar em uma época de muitas dificuldades. Um dos aspectos singulares que vivenciou em sua infância foi a atividade na sapataria, que representou uma ruptura com o trabalho agrícola tradicional. Outros jovens que trabalhavam integralmente na agricultura não tiveram a mesma oportunidade. Seria impossível imaginar, naquele instante, que o menino do interior se tornaria um professor universitário respeitado. No entanto, somente o fato de vi- venciar a oportunidade de ser padre já era algo extraordinário para as famílias interioranas, considerando-se a fervorosa religiosidade dos imigrantes italianos. A ida para o Seminário de Ascurra Em uma madrugada do mês de fevereiro de 1953, 39 jovens de diversas localidades da região embarcaram em Rio dos Cedros em um caminhão de transporte. Os meninos estavam com faixa de idade entre 10 e 12 anos. O destino da viagem era o Seminário de Ascurra, onde passariam os próximos quatro anos como seminaristas. Acom- panhariam os ensinamentos dos padres salesianos para obter conhe- cimentos religiosos, pedagógicos, cívicos, musicais, teatrais, morais, históricos e linguísticos. José Tafner recorda que foram sentados em um banco de madeira improvisado, para abrigar a todos. Cada ga- roto levava consigo dois sacos com pertences. Improvisou um saco 52 de linhagem para colocar roupas de cama, lençóis, fronhas, além de acolchoados para os períodos de baixa temperatura.46 Também levou outro saco de algodão com as roupas que usaria no dia a dia, além de material de higiene pessoal. Uma curiosidade daquela viagem refere-se ao fato de que nenhum menino contava com mala para transportar seus pertences pessoais e vestimentas. “É inte- ressante salientar que destes 39, nove chegaram ao sacerdócio e a cele- bração como sacerdotes salesianos foi realizada na Paróquia de Rio dos Cedros, município de onde partiram. A maioria deles hoje não está na missão sacerdotal, porque buscou o caminho do matrimônio.”47 Dois dias após a chegada no seminário precisou enfrentar o pri- meiro desafio dessa etapa de estudos: realizou o exame de admissão para o primeiro ano ginasial. Tafner havia estudado até a terceira série primária em Rio dos Cedros. “Eu não havia feito o quarto ano Primá- rio. Todavia, diante do meu boletim da escola primária, me deixaram tentar o exame de admissão para iniciar o ginasial, caso conseguisse a aprovação.”48 Respondeu alguns questionamentos feitos pelos padres salesianos, fez contas e cálculos de tabuada, obteve a aprovação e desta forma passou a ser um aluno salesiano do curso ginasial. “Fui aprova- do com nota 6,5 e iniciei o primeiro ano do Ginásio.”49 Os alunos enfrentavam um nível de exigência intenso. Tafner conseguiu obter boas notas em disciplinas como Geografia, História, Português e Matemática. Os maiores desafios estiveram relacionados ao aprendizado de “línguas mortas”. Precisou se empenhar bastan- te para ter bom aproveitamento nos conteúdos de Grego e Latim. “Nesse seminário fiz o primeiro período do Ensino Fundamental, na época era chamado Ginásio.”50 A rotina de atividades no Seminário Os jovens precisavam levantar bem cedo, às 5h30min da manhã. Deveriam tomar banho e se arrumar até às 6 horas. Tomavam café e às 6h30min já participavam do momento de orações. A partir das 7 ho- ras se dedicavam ao estudo religioso, com 30 minutos de duração. Em seguida, iniciavam as aulas das disciplinas da grade escolar salesiana. 46 TAFNER, José. Entrevista concedida a Evandro André de Souza e Jonas Felácio Júnior, em 23 de julho de 2019. 47 Idem. 48 Idem. 49 Idem. 50 Idem, em 1o de maio de 2020. 53 Estudavam em um salão grande com capacidade para 350 seminaristas. Cada aluno tinha a sua carteira, onde guardava os materiais escolares. “As aulas eram ministradas todos os dias no período da manhã. Entre as disciplinas comuns também estudamos francês, inglês, grego, além das normais dessa fase, Matemática, Português, História, Geogra- fia, Religião e Música para quem tinha dotes para instrumentos: piano, sanfona, clarineta, harmônio, diversos instrumentos de banda; na verdade havia campo para todos os que quisessem aprender algum instrumento.”51 Em relação à alimentação, no café da manhã cada seminarista rece- bia uma xícara grande de café, além de pão caseiro de fubá puro, bem no estilo italiano, acompanhado por um potinho de mousse (chimia). O al- moço apresentava uma organização diferente e cada mesa contava com um chefe. Por exemplo, se estavam sentados dez alunos naquela mesa, receberiam dez pedaços de carne, um para cada interno. O molho tam- bém era controlado e cada seminarista poderia pegar duas colheres. Os demais alimentos, como arroz e aipim, eram disponibilizados à vontade. As refeições eram preparadas pelas freiras, que ficavam respon- sáveis pela cozinha. Apesar desse controle, Tafner menciona que nin- guém passou fome por causa disso. No café da tarde era oferecida a fruta de cada época. Quando era tempo de colheita da banana, então se disponibilizava quatro ou cinco cachos desta fruta para alimenta- ção dos jovens. À noite, se alimentavam com sopa e pão.52 “Eu era bom, modéstia à parte, nos trabalhos mais pesados e es- pecíficos. Nesses 4 anos passei como responsável pelo refeitório-mor, refeitório dos 300 estudantes e refeitório dos padres; sacristão-mor, res- ponsável pela sacristia, vinho, hóstias, limpeza geral da capela; dirigi a fabricação de cabos de enxada; fui responsável pela produção de rapadu- ras de amendoim e do cozimento do pinhão para a festa popular de São João. Isto era vendido nas barracas para o povo participante da festa.”53 A prática de atividades desportivas Após o almoço, os seminaristas participavam de jogos ame- ricanos, com bastante corrida e movimentação. Tafner explica que ninguém podia ficar parado, sendo obrigatória a participação nas atividades desportivas. O futebol era praticado em alguns momen- tos da semana e também jogavam vôlei. Uma das brincadeiras era o jogo de mata-mata, onde cada time ficava localizado em uma metade 51 Idem. 52 Idem. 53 Idem, em 1o de maio de 2020. 54 do campo, sem poder cruzar a divisa. Os jogadores precisavam atirar a bola e acertaros adversários que então eram eliminados do jogo. “O mais importante eram os jogos gerais. Todos eram obrigados a participar, tipo jogos militares. Aconteciam logo após o almoço. Os jogos mais comuns eram o futebol, o espirobol, o vôlei, o pingue- pongue e os jogos de mesa: dama, trilha e tantos outros.”54 No período de recesso escolar, os seminaristas passavam 15 dias de férias no município de Rio do Sul. A área de descanso era uma fazenda de amigos dos padres que lecionavam no Colégio Dom Bosco, de Rio do Sul. Tafner recorda que uma das frutas existentes no lugar era a pera, uma fruta que não conseguiam plantar e colher em Rio dos Cedros. Sa- borear as peras era algo diferente, uma nova sensação experimentada.55 Envolvimento com o teatro Apesar de ter talento e um carinho especial pela arte de desenhar, José Tafner se envolveu culturalmente com o teatro. Um dos padres do Seminário de Ascurra era o salesiano Azevedo, que era filho de um radialista e deputado do Estado de São Paulo. Esse religioso era teatró- logo e muito dinâmico. A cada mês acontecia uma atividade de teatro, envolvendo os jovens seminaristas. Tafner foi convidado a participar e decorava alguns contos, de uma página ou uma página e meia, que eram declamados entre os intervalos das cenas teatrais. Precisava estu- dar aquele conto e se preparar para o momento do espetáculo teatral.56 Teve algumas participações como ator e ainda aprendeu a fazer efeitos especiais interessantes com o padre Azevedo. Para demonstrar à plateia que estava escurecendo na cena, utilizavam duas manilhas co- locadas em um recipiente com sal e conforme iam levantando os fios, a claridade diminuía, proporcionando o efeito. Quando queriam repre- sentar o barulho de trovões, utilizavam um cone de madeira grande, com mais de um metro de altura. Empurravam o cone contra um tabla- do grande, ocasionando um barulhão que representava os raios e tro- vões. Para obter o som semelhante à chuva, colocavam arroz dentro de um recipiente e faziam o pau de chuva.“Todos os meses havia uma peça teatral apresentada pelos estudantes. A banda, o grupo de canto juvenil e as declamações de poesias e de contos eram momentos importantes que aconteciam nos intervalos das peças teatrais.”57 54 Idem. 55 Idem, em 23 de julho de 2019. 56 Idem. 57 Idem, em 1o de maio de 2020. 55 Tafner também frequentou as atividades de fanfarra, mas seu hobby era realmente a pintura. Dedicou seu talento artístico no seminá- rio para desenhar os cenários e paisagens que ficavam ao fundo do local onde eram apresentadas as peças teatrais. A forma como obtinha o ma- terial para fazer o desenho representa uma curiosidade. Naquele tempo o saco de cimento continha três cartuchos, então pegavam o saco usado e vazio, e abriam totalmente. Faziam quadrados e iam colando um pano em cima. Em seguida, era feito o desenho sobre esse pano. Portanto, a improvisação e a criatividade eram marcos das atividades teatrais. No momento da folga escolar dos seminaristas, desenhava rama- lhetes e capas de trabalhos para colegas e superiores.58 “Eu era bom em Matemática e Desenho. Ajudava com aulas extras alguns companhei- ros. Fazia muitos trabalhos em desenho para assistentes e companhei- ros, cobrava com santinhos ou cartões postais de cidades. Havia tam- bém um colega produtor de palitos de bambu que me fornecia pacotes de 50 palitos pelo desenho.”59 A tradicional Festa de São João Um dos momentos mais aguardados pela população de Ascurra era a realização da tradicional Festa de São João. O evento religioso acontecia uma vez por ano, sendo bastante popular. Por serem muito respeitados na sociedade, os padres salesianos contavam com influên- cia na comunidade local e até mesmo em âmbito estadual e nacional. Existiam várias paróquias e colégios salesianos no Estado de São Paulo nesse período e obtinham considerável apoio para realização da tradi- cional Festa de São João. Através da proximidade com a Congregação do Sagrado Coração de Jesus e em virtude desses contatos, conseguiam trazer inúmeras atividades culturais de destaque para a festividade.60 As atrações se tornavam um diferencial em comparação com ou- tras festas religiosas regionais. Por este motivo, além de contar com a presença dos moradores de Ascurra, o concorrido evento recebia visi- tantes de vários municípios da região do Vale do Itajaí, como Apiúna, Rio do Sul, Rio dos Cedros e Indaial. Tafner tem lembrança da apresen- tação da peça de teatro Os Saltimbancos, inspirada no conto Os Músicos de Bremen, dos irmãos Grimm. Também ocorreram apresentações de trapezistas, malabaristas, cantores e ginastas, atividades realmente di- ferenciadas para a população de Ascurra apreciar na década de 1950. 58 Idem, em 23 de julho de 2019. 59 Idem, em 1o de maio de 2020. 60 Idem, em 23 de julho de 2019. 56 Por compreender a importância da Festa de São João para o seminário e para a comunidade da região, Tafner, enquanto seminarista, auxiliava no que fosse solicitado. Em algumas ocasiões, auxiliou preparando o amen- doim para fazer a rapadura e cuidou do cozimento do pinhão.61 Havia uma disputa curiosa para saber quem acenderia a famosa fo- gueira de São João. O vencedor dessa brincadeira era quem arrematasse o maior valor. A pessoa então recebia o direito de acender a fogueira, uti- lizando o revólver para dar um tiro em uma lata de querosene, colocada estrategicamente no topo para possibilitar o acendimento após o disparo.62 As aventuras no dia de folga escolar José Tafner sempre foi um defensor das inovações nas práticas de ensino. Em razão de sua filosofia de vida e concepções educacionais, pre- cisou ser criativo para sair da mesmice, no ambiente extremamente orga- nizado e metódico do seminário. Procurou se envolver ao máximo com as atividades nas quintas-feiras, que significavam o momento de folga es- colar. Nesse dia da semana os jovens precisavam desenvolver atividades agrícolas e demais serviços de limpeza que fossem solicitados. “Fazia com perfeição o que me solicitavam, queria conquistar a confiança pelo traba- lho bem feito”, explica. Roçava o campo de futebol com o zenzo63 e chegou a fabricar cabos de enxada junto com dois colegas de Benedito Novo.64 Por estar acostumado desde pequeno com a lida da roça, não en- frentou dificuldades para realizar essas tarefas. O dia sem aula não ficava restrito à realização do trabalho braçal na lavoura. Após concluir as ati- vidades ordenadas, podiam jogar futebol e pescar. As aventuras foram se sucedendo para fugir da monotonia e foi nessa época que Tafner apren- deu a nadar. “Passamos diversas quintas-feiras limpando uma grande la- goa, totalmente coberta de capim. Cortávamos em tiras, laçávamos e um pequeno trator postado na margem puxava para fora da lagoa. Todas as vezes terminava esse serviço com um banho na lagoa.”65 “Muitas vezes me responsabilizei também pela limpeza dos está- bulos do gado leiteiro, do galinheiro, da limpeza das lagoas e da limpe- za dos pastos. Foi na limpeza das lagoas de peixe que aprendi a nadar. Os trabalhos se mesclavam com as horas de aula, as horas de estudo 61 Idem. 62 Idem, em 1o de maio de 2020. 63 É uma foice comprida e de cabo longo. Além de ceifar, servia também como instrumento para o corte da grama e do jardim. Manuseá-lo é uma tarefa que exige muita habilidade e um ótimo fio de corte. 64 Idem, em 23 de julho de 2019. 65 Idem. 57 e as horas de esporte. Era comum o serviço de transportar lenha ser- rada em metro, roçar o pasto, capinar, tratar as vacas de leite, bater os tapetes da igreja.”66 Uma quinta-feira do mês era dedicada ao passeio geral dos se- minaristas. A propriedade onde estava instalado o seminário apre- sentava considerável extensão territorial e contava com bastante na- tureza. Foi também nessa época que o jovem Tafner começou a caçar cobras, uma atividade totalmente diferenciada e que exigia coragem. As cobras capturadas eram enviadas para o Instituto Butantã de São Paulo. “Uma simplescartinha eu enviei ao Butantã, me mandaram o laço e duas caixas para colocar a cobra e enviá-la pelo correio. Sem- pre que recebiam, me enviavam outra caixa.”67 “Uma vez por mês trocávamos de ambiente, saíamos para um passeio geral. Íamos numa pequena fazenda, que na região se chamava de colônia, ou seja, uma área de aproximadamente 250.000 m² de terra que os colonizadores receberam ao se instalar na região. Nessa época a terra era bem cultivada e arrumada para a moradia da família com gado, aves, lagoas de peixe, ranchos e equipamentos de trabalho na terra, pastagens e a mata preservada e com trilhas para passeio. Nessa colônia cada um inventava o que fazer: pescaria, trilha, salto com vara, procurar e laçar cobras venenosas, tomar garapa, jogar bola. O almoço era feito por equipes e traziam os ingredientes do colégio.”68 O desafio de ser um jovem seminarista Os conhecimentos obtidos no seminário foram de grande im- portância para etapas posteriores da trajetória de José Tafner, espe- cialmente a partir do momento em que passou a atuar efetivamente na área educacional. Contudo, no tempo em que era seminarista, passou por algumas dificuldades. “Fui um seminarista muito revol- tado, afinal estava na adolescência, era um jovem revoltado. Não me agrada o direcionamento em todas as áreas. Na área religiosa, era evidente, estava num seminário. Todavia, isto também acontecia nos demais setores, nas leituras, nos currículos, nas orientações, na deli- mitação de fazer as atividades. Tudo era pré-determinado, tudo era pré-definido. Às vezes as coisas me pareciam irracionais, e era isso que me revoltava. Como tenho um caráter um pouco racionalista e emotivo, sofri muito, não só no seminário, mas em toda a minha 66 Idem, em 1o de maio de 2020. 67 Idem, em 23 de julho de 2019. 68 Idem, em 1o de maio de 2020. 58 vida. Eu sempre quis ter a liberdade de dizer aquilo que eu penso e ser aquilo que eu sou”, relata Tafner.69 Natural do município de Benedito Novo, Lorival Beckhauser nasceu no dia 24 de outubro de 1943. Estava com 10 anos de idade, em 1954, quando ingressou no Seminário de Ascurra. Foi colega de divisão de José Tafner durante determinado período. Destaca que desde a juventude Taf- ner era um contestador da rotina diária e não aceitava as coisas de antemão. Lorival era favorável a essa postura, pois da mesma forma se considerava um seminarista questionador. Precisavam seguir uma rotina programa- da pelos padres e ficavam incomodados com essas circunstâncias, porque não aceitavam certas imposições que aconteciam no cotidiano de ativida- des do seminário. Lorival comenta que Tafner contava com habilidade nas práticas desportivas. Por ser canhoto, se destacava no futebol. Também escrevia com as duas mãos, sendo habilidoso para desenhar.70 Quando entrou no seminário, o menino Tafner estava com so- mente 12 anos de idade. Permaneceu até os 17 anos no sistema de internato, sem poder retornar para casa, conforme as normas que existiam e precisavam ser respeitadas. Mesmo diante dessas regras rígidas, era permitida a visita de familiares dos seminaristas. O casal Ermínio e Clara conseguiu uma carroça emprestada com familiares para se deslocar de Rio dos Cedros até Ascurra. Visitaram o filho na ocasião da Festa de São João. Em outras ocasiões, o pai veio de bicicleta para visitá-lo. “A mãe, em geral, vinha na Festa de São João e perto do Natal. Nunca se esqueceu de me trazer um bolo.”71 Apesar de ter saído muito novo de casa, Tafner comenta que não foi difícil ficar longe do pai e da mãe e que se acostumou facilmente com essa nova condição de vida. Mesmo diante do desafio de abrir mão de anos da juventude para desde cedo aprimorar o aspecto intelectual, José Tafner reconhece a importância desse período para sua trajetória profis- sional: “Tem um aspecto positivo que quero destacar: o desenvolvimen- to de algumas atitudes e habilidades importantes para a vida, a vontade de fazer, a dedicação ao trabalho e ao estudo, o amor àquilo que se faz e a disciplina”.72 Tafner permaneceu no Seminário de Ascurra até dezembro de 1956, quando concluiu os estudos do Ginásio. 69 Entrevista concedida por José Tafner ao Projeto Universidade Regional de Blumenau e sua História, em 15 de abril de 2000, para os entrevistadores Balbino Simor Rocha, Luís Vendelino Colombi, Andréia Ferreti e Clarice Ehmke. 70 BECKHAUSER, Lorival. Entrevista concedida a Evandro André de Souza e Jonas Felácio Júnior, em 5 de setembro de 2019. 71 TAFNER, José. Entrevista concedida a Evandro André de Souza e Jonas Felácio Júnior, em 23 de julho de 2019. 72 Entrevista concedida por José Tafner ao Projeto Universidade Regional de Blumenau e sua História, em 15 de abril de 2000, para os entrevistadores Balbino Simor Rocha, Luís Vendelino Colombi, Andréia Ferreti e Clarice Ehmke. 59 CAPÍTULO 3 A mudança de estado para ampliar conhecimentos Após ter concluído o Ginásio no Seminário de Ascurra, José Tafner retornou para a casa dos pais em Rio dos Cedros. Permaneceu por algumas semanas na terra natal, para rever familiares e amigos. Ainda no primeiro semestre de 1957, deu continuidade à busca por novos conhecimentos. Partiu em direção ao Estado de São Paulo, para poder iniciar os estudos no Científico. A primeira parte da viagem co- meçou de madrugada e foi realizada em uma VW Kombi. Quando chegaram à estação ferroviária de Jaraguá do Sul, embarcaram no trem que subiu a Serra da Lapa e chegou no Paraná. Posteriormente segui- ram viagem para terras paulistas. “Passamos alguns dias em casa para se despedir da família, no final de 1956, e numa madrugada de janeiro partimos de Kombi de Ascurra para Jaraguá, em uma estrada de barro e muito pó. Em Jaraguá tomamos o trem para São Paulo.”73 É preciso pagar por uma espiga de milho? A viagem para a nova etapa de estudos possibilitou alguns mo- mentos diferenciados e curiosos. Em uma das paradas nas estações ferroviárias, Tafner e outros jovens do interior avistaram um homem com espigas de milho cozido. Na colônia, geralmente, preparavam o milho na brasa, diferentemente da forma como foi preparada por aquela pessoa. Automaticamente, Tafner e os demais garotos pegaram o milho e seguiram adiante. Logo após, o vendedor veio correndo atrás deles e chamou a atenção para que pagassem pelo milho. De forma humorada, recorda que aquela situação foi um cho- que para ele, porque foi a primeira vez na vida que viu um indiví- duo pagar por uma espiga de milho. Os jovens ficaram abismados, 73 TAFNER, José. Entrevista concedida a Evandro André de Souza e Jonas Felácio Júnior, em 23 de julho de 2019. 60 porque no interior podiam comer milho a hora que bem entendes- sem, sem pagar nada por esse alimento.74 “Depois de muitas peripécias, como descer do trem para apa- nhar goiabas na subida de Rio Vermelho, tivemos uma parada na Lapa onde o milho verde cozido foi a novidade porque aceitamos e comemos, todavia, não sabíamos que isto era pago. Não passava pelos nossos costumes que o milho verde cozido na água devia ser pago. Acertamos tudo.”75 “Depois paramos em Ponta Grossa para dormir num grande gal- pão. Depois veio Itararé e finalmente São Paulo. Descemos na Estação Central, perto do Liceu Coração de Jesus, colégio orientado para o tra- balho onde passamos alguns dias. A cidade grande que ninguém co- nhecia foi uma peripécia, onde o companheiro Vandal entrou em uma tabacaria para comprar lanche – a gozação foi grande –, e onde todos queriam bater uma foto na praça para mandar para casa. Eu fui nessa e achei muito cara. Fiz a foto que guardo como recordação.”76 Pouco conhecia de Blumenau, mas naquele momento estava em São Paulo, algo realmente extraordinário para um jovem do interior de Rio dos Cedros. Os jovens seguiram viagem para a cidade de La- vrinhas, situada no Vale do Paraíba, praticamente na divisa dos esta- dos de São Paulo e do Rio de Janeiro. O Curso Científico do Colégio Salesiano de Lavrinhas Tafner estava com 17 anosquando ingressou no Curso Científi- co do Colégio Salesiano São Manuel de Lavrinhas, em 1957. Estudou durante dois anos em Lavrinhas e por mais um ano em Pindamo- nhangaba, em instituições pertencentes à Congregação Salesiana, para concluir o Curso Científico. O colégio contava com 17 estudan- tes de Santa Catarina e existia uma rivalidade dos jovens paulistas com os catarinenses. Em decorrência dessa animosidade aconteciam muitas brigas, principalmente na escadaria do colégio. “Nos aloja- mos e começamos a vida normal de seminaristas do Ensino Médio. Aprendemos o que é manga e a brigar depois do futebol. Perdíamos muito porque os paulistas eram bons de bola. Depois de umas par- tidas, os nossos bons começaram a perder o medo e passamos a ser vencedores. A piscina em concreto era alimentada por água natural, era contínua e vinha de uma nascente muito forte.” 74 Idem. 75 Idem, em 1o de maio de 2020. 76 Idem. 61 Os seminaristas provenientes de Rio dos Cedros e municípios da região do Alto Vale do Itajaí se destacavam, em comparação com os demais colegas. Era notório o desempenho dos catarinenses e raramente um aluno de outro estado ficava entre os 17 melhores, em termos de desempenho escolar.77 “O destaque maior, porém, eram as nossas notas. Éramos 17 catarinas e em média, em todas as disciplinas éramos classificados entre os 17 primeiros. Muito ra- ramente, em alguma disciplina, um dos paulistas conseguia furar a fila dos catarinas. Lembro que os professores eram muito compe- tentes e exigentes.”78 No período em que cursou o Científico, Tafner conseguiu uti- lizar várias das habilidades aprendidas no Seminário de Ascurra, especialmente na questão do teatro e na parte artística. “Em Lavri- nhas havia também, todos os meses, apresentações de teatro; os ato- res éramos nós, os estudantes. Os catarinas eram bem vistos porque não se negavam a nada, estudos, teatro, trabalhos caseiros, incluindo cozinha e qualquer atividade em que eram chamados. Era o nosso destaque, desde a limpeza diária dos banheiros até a preparação do refeitório e das quatro refeições: café, almoço, café da tarde e jantar. Foi nesse colégio que aprendi a fazer a maionese com ovo natural. Batíamos a gema o dia inteiro até ficar maionese para colocar na ba- tatinha. Isto acontecia sempre que havia alguma celebração ou festa. Aprendi a fazer o doce de leite: passava cerca de 20 horas, entrando noite a dentro, na caldeira de leite, colocando fogo constantemente e mexendo o leite até ficar leite condensado. O doce de leite era tam- bém parte da preparação de festas, para a sobremesa.”79 É relevante mencionar o esforço de Tafner na busca por novos conhecimentos. Vivenciou experiências em um local desconhecido, a centenas de quilômetros da propriedade de sua família, no inte- rior de Rio dos Cedros. Um dos principais fatores que contribuíram para sua formação cultural e intelectual foi o contato com ótimos professores, profissionais bem instruídos e fontes de conhecimento. A maioria dos docentes havia publicado livros relacionados às dis- ciplinas que lecionavam, eram reconhecidos no meio educacional e utilizavam o livro de sua autoria para ministrar as aulas.80 Ainda no período do Científico, o jovem rio-cedrense começou a ler as primeiras obras escritas em italiano. Recorda com nostal- gia que inicialmente leu os livros Le Mie Prigione, de Sílvio Pellico, 77 Idem. 78 Idem. 79 Idem. 80 Idem. 62 e I Promessi Sposi, de Alessandro F.T. Manzoni. Outra recordação diz respeito às aulas práticas de física realizadas em laboratório. Tafner se surpreende ao lembrar das atividades relevantes que eram desen- volvidas. Vale destacar que naquela época havia menos recursos tec- nológicos em comparação com a era digital da contemporaneidade.81 O falecimento de Clara Tafner No período que José Tafner estava estudando em Lavrinhas, ocorreu o falecimento de sua mãe, Clara Tafner (Mattedi). A ques- tão de comunicações era totalmente diferente dos dias atuais, porque existiam limitações neste sentido. No município de Rio dos Cedros havia somente um telefone, que ficava localizado na agência dos Correios. Clara faleceu no sábado, dia 11 de agosto de 1958, sen- do enterrada no dia seguinte. Apenas na segunda-feira os familiares conseguiram avisar o filho sobre a morte da mãe.82 No seminário existia um telefone de parede e quando a família conseguiu realizar a ligação, os padres chamaram o seminarista, que ficou sabendo da triste notícia. Por causa das regras vigentes naquele período, não existia a possibilidade de sair do seminário para visi- tar os familiares. Somente conseguiu retornar para Rio dos Cedros e prestar as homenagens no túmulo da falecida mãe quatro anos de- pois, já na época da faculdade em Lorena. Noviciado em Pindamonhangaba “Depois de terminar os estudos do Ensino Médio, em Lavri- nhas, em 1959 fui deslocado para Pindamonhangaba para fazer o noviciado, termo usado para a formação espiritual e salesiana para ter acesso à faculdade. Foi nessa Instituição que aprendi muito a jo- gar futebol, tinha uns amigos de São Paulo que jogavam bem. Todos os dias, após o almoço, no espaço destinado ao descanso, jogávamos futebol e aprendi a controlar a bola. Não houve nenhuma disputa, apenas ensaios de ficar com a bola nos pés.”83 “Como tinha algumas noções de sapataria aprendidas em casa, me coloquei à disposição para fazer pequenos consertos e fazer a limpeza de calçados. Tive um excelente companheiro paraense que 81 Idem, em 23 de julho de 2019. 82 Idem. 83 Idem, em 1o de maio de 2020. 63 entendia mais do que eu de sapataria. Começamos inclusive a fabri- car calçados novos. Foi uma grande experiência.”84 “Foi aqui também que aprendi a gostar muito de manga e dis- tinguir os diversos tipos de manga. O colégio tinha um bom man- guezal. Aprendi também a usar material adequado para exterminar ninhos enormes de saúva. No campo havia uma praga desconheci- da para mim, era o carrapato ‘micuim’; entrava via pernas ou cal- ças e ocupava todo o corpo, produzia uma coceira perturbadora. O Dorcílio Bona, colega de Rio dos Cedros, proveniente do povoado de Rio Rosinha, trouxe um irmão para trabalhar de jardineiro no colégio; não se adequou e retornou logo a Santa Catarina.”85 O estudo superior na faculdade de Lorena José Tafner concluiu os estudos do Científico no Colégio Sale- siano São Manuel de Lavrinhas em 1960, com 20 anos. Em seguida, ingressou no Instituto Salesiano de Filosofia, Ciências e Letras de Lorena, que ofertava as faculdades de Pedagogia, Letras e Filosofia. “Fiz o vestibular e optei pelo curso de Pedagogia.”86 Ingressou no curso de Filosofia, que era etapa obrigatória para posteriormente cursar Pedagogia e Letras. A instituição ofertava for- mação de Ensino Superior e seguia os valores salesianos. Os cursos superiores contavam com a presença de alunos de vários lugares do país, diferentemente do curso Científico, que reunia uma quantidade maior de estudantes catarinenses e paulistas. Naquele período fica- va caro para os estados organizarem as suas universidades e em ra- zão dessa particularidade muitos jovens iam estudar em Lorena.87 A instituição de ensino no passado era denominada como Instituto de Pedagogia de Lorena. Na atualidade passou a ter a denominação de Centro Universitário Salesiano de São Paulo (Unisal). No período da faculdade, José Tafner conheceu José Paulino da Silva. A amizade iniciada na década de 1960 permanece até os dias atuais. “Sou originário do Agreste Setentrional de Pernambuco, nasci- do na localidade Cachoeira do Taepe, no município de Surubim. Até os 13 anos de idade vivi minha infância em uma família de 11 irmãos no meio rural, em perfeita harmonia com o mundo que me cercava. Completados os 13 anos fui estudar num internato que era o seminário 84 Idem. 85 Idem. 86 Idem. 87 Idem, em 23 de julho de 2019. 64 menor dos padres salesianos de Dom Bosco, na cidade do Recife. De- pois fui estudar na cidade de Carpina paraconcluir o curso Científico. Em 1962 fui encaminhado pelos padres da citada congregação para fazer meus estudos de Filosofia e de Pedagogia na Faculdade de Lore- na. Ali estudavam também jovens clérigos vindos de outros estados do Sul e do Centro-Oeste. Aqueles provenientes de Santa Catarina foram também estudar em Lorena, razão porque me encontrei com José Taf- ner, que já se encontrava cursando o terceiro ano.”88 “Ali estávamos na condição de religiosos daquela congregação, continuando nossa formação acadêmica superior. A faculdade ofe- recia, além de Filosofia, os cursos de Pedagogia, História e Geogra- fia, Letras. Embora todos fôssemos adultos, vivíamos num regime de internato, sem liberdade de ir e vir para além daquele ambiente, sem a devida autorização de nossos superiores. Ainda no ambiente da Faculdade de Lorena, o Tafner se destacava como artista plásti- co. Quando necessário, pintava os cenários para as representações das peças de teatro que faziam parte de nossas atividades culturais”, recorda José Paulino da Silva.89 Quando Tafner estava no terceiro ano de faculdade, o padre Mário Bonatti, que era seu primo-irmão, passou a trabalhar como professor em Lorena. Esse religioso salesiano havia realizado o es- tudo superior e inclusive feito doutorado na Itália. Foi através desse familiar que Tafner obteve autorização no ano de 1962 para retornar para casa, visitar os familiares e o túmulo de sua mãe. No momen- to em que chegou na localidade de Santo Antônio, foi recepcionado pela tia Clara Lenzi, que o levou de carroça até a casa da família.90 Ao recordar desta passagem de sua juventude, Tafner ainda se surpreende com a percepção e os sentimentos das pessoas daquela geração. Sua tia foi buscá-lo com o intuito de conversar e contar que havia uma novidade em casa. A irmã havia gerado uma filha que já estava com 4 anos. Por isso, a conversa foi uma preparação para que não se espantasse quando chegasse em casa e visse a menina. Após prestar as homenagens para a mãe in memoriam e rever os familiares, retornou para São Paulo.91 “Por influência do padre Mário, tive a oportunidade de visitar a família em 1962. Já sabia das dificuldades e vi o trabalho da Elide 88 SILVA, José Paulino da. Entrevista concedida a Evandro André de Souza, em 10 de julho de 2020 (via e-mail). 89 Idem. 90 TAFNER, José. Entrevista concedida a Evandro André de Souza e Jonas Felácio Júnior, em 23 de julho de 2019. 91 Idem. 65 e da Evanilde para dar conta de tudo, inclusive do tio Vitório. Vi o tra- balho do Realdino e do Mário que sempre socorriam o pai, na sapata- ria e nos serviços da roça. Os outros sete irmãos eram ainda pequenos e estudavam, dois eram falecidos: o Lourival, nascido em 27 de julho 1946, faleceu em 25 de maio de 1947, com menos de 1 ano, e o outro foi natimorto em 11 de agosto de 1958, juntamente com a mãe. Sei que eles ajudavam da mesma forma que eu ajudei antes de ir ao seminário. A família era grande e vivia basicamente dos produtos da roça. Muitos serviços eram feitos pelos irmãos mais novos. O pai continuava com a sapataria, auxiliado por dois a quatro aprendizes que viviam na nossa casa, incluindo a pousada e a alimentação. Minha intenção era ficar em casa, já nessa época, porém o pai me recomendou que continuasse minha vida no seminário. Eu voltei para São Paulo, para o Instituto Salesiano de Filosofia, que hoje é a Universidade Salesiana. Creio que ele imaginava que iria ser padre em breve, todavia faltavam ainda oito a nove anos para chegar a este objetivo.”92 As atividades esportivas José Paulino da Silva destaca que Tafner era habilidoso no fute- bol: “A vida ali dentro, além dos estudos acadêmicos, era preenchida com atividades religiosas, culturais e desportivas. Entre as práticas esportivas, o futebol de campo era a preferida pela maioria. José Tafner era um dos melhores atletas do futebol, jogava como centroa- vante da nossa seleção”.93 Tafner relata: “Jogava bem o futebol, na posição de center-half esquerdo. Jogava basquete e tinha como colegas dois mexicanos que eram feras nesse esporte. Jogava também vôlei e algumas vezes tênis. Convivia bem com todos os estudantes da faculdade. Era sempre es- colhido para as disputas internas nesses esportes e, especialmente, quando vinham clubes externos que, aliás, eram frequentes. Joguei contra o Bangu, do Rio de Janeiro, no ano em que ele foi vice-cam- peão da Copa Rio. Ganhamos de 2 a 0. Fui chamado também para jogar contra o Pelé numa disputa da seleção do Exército, da região do Vale do Paraíba, contra o time da cidade de Lorena. Fiquei com medo e envergonhado e não aceitei. Numa ida à cidade de Itapeva, onde os padres tinham uma fazenda, eu e mais três colegas que jogavam 92 TAFNER, José. Entrevista concedida a Evandro André de Souza e Jonas Felácio Júnior, em 1o de maio de 2020. 93 SILVA, José Paulino da. Entrevista concedida a Evandro André de Souza, em 10 de julho de 2020 (via e-mail). 66 muita bola – eram seminaristas de São Paulo – integramos um time local e fomos jogar contra o Ituano. Vencemos por 2 a 0 também. Foi a única vez que, ao final do jogo, senti câimbra nas duas pernas e fui substituído. Não estava acostumado com campo grande oficial. Era moço de 20 a 21 anos de idade, pouco pensava na carreira do sacerdócio. Era rebelde e contrário a muitas normas estabelecidas”.94 A expulsão do seminário Tafner foi expulso do seminário por ter agido em desacordo com padrões culturais e de comportamentos vigentes naquela época. As informações foram se espalhando e grande parcela dos estudan- tes ficou sabendo desses fatos. O diretor do Instituto de Pedagogia de Lorena disse que não seria mais possível que Tafner continuasse os estudos. Apresentamos a seguir algumas das aventuras realizadas na época de estudante universitário, que resultaram na expulsão do jovem de Rio dos Cedros da faculdade salesiana. “É evidente que a vida reclusa em que vivíamos no ambiente da faculdade nem sempre era totalmente aceita por todos os que ali viviam. José Tafner era um deles. De quando em vez, junto com al- guns colegas, sem a devida autorização dos superiores, saía à noite para assistir filmes nos cinemas da cidade ou assistir algum jogo de futebol”, comenta José Paulino da Silva.95 Jogando futebol sem batina No final da década de 1950, os seminaristas precisavam jogar futebol de batina. Esta situação incomodava Tafner. Quem não usas- se esta vestimenta era proibido de entrar em campo. Com o passar do tempo ocorreu uma pequena modificação e os jovens podiam então utilizar uma espécie de capotinho um pouco mais leve até o joelho. Mesmo com essa novidade, José Tafner queria poder se movimentar melhor durante o jogo, com mais liberdade. Em determinada opor- tunidade entrou em campo apenas de calça, sem usar o capote.96 94 TAFNER, José. Entrevista concedida a Evandro André de Souza e Jonas Felácio Júnior, em 1o de maio de 2020. 95 SILVA, José Paulino da. Entrevista concedida a Evandro André de Souza, em 10 de julho de 2020 (via e-mail). 96 TAFNER, José. Entrevista concedida a Evandro André de Souza e Jonas Felácio Júnior, em 23 de julho de 2019. 67 A atitude gerou polêmica e o diretor do Instituto foi chama- do para averiguar a situação. O padre Carlos Leôncio da Silva pediu para que Tafner saísse do jogo. A ordem foi acatada, mas a atitude ficou marcada como uma forma de questionar uma norma daquele momento que dificultava a prática da atividade desportiva. É inte- ressante mencionar que ocorriam periodicamente campeonatos in- ternos, que envolviam os estudantes de diferentes turmas e anos da faculdade. Desta forma, o futebol era uma diversão que fazia parte da vida dos seminaristas.97 Monumento para a panelinha É algo comum nas unidades educacionais a aproximação de alunos com mais afinidade, o que acaba gerando a famosa panelinha. José Tafner, Luís Costa e Genésio Ronchi formavam uma panelinha de catarinenses que estudavam no Instituto dePedagogia de Lorena. Os três jovens eram provenientes do interior e sabiam realizar alguns afazeres que os jovens urbanos não conseguiam. No período de fé- rias escolares, os estudantes do seminário iam de Lorena para São Paulo. O trio de catarinenses sempre era enviado antes, para efetuar serviços de roçada, de plantio e para capinar a área da fazenda. A propriedade pertencia à congregação religiosa dos padres que admi- nistravam o instituto.98 Posteriormente vinham os demais estudantes para esse lugar, onde todos ficavam hospedados. Como já tinham deixado tudo em ordem, os amigos se separavam do restante do grupo e iam jogar futebol no campo da fazenda. Uma das aventuras da juventude de Tafner foi a construção de um monumento dedicado para a pane- linha que formou no seminário. Os colegas de faculdade roubaram uma panela velha e fizeram um monumento para homenagear a ami- zade do trio, próximo do campo de futebol. O local foi escolhido de forma estratégica, porque a prática desse esporte possibilitou várias oportunidades de lazer. Por jogarem bem, foram convidados em di- versos momentos para disputar partidas pelo time do Ituano, do mu- nicípio de Itu, nos finais de semana. Eles representaram as cores do Ituano e enfrentaram equipes de cidades vizinhas.99 97 TAFNER, José. Entrevista concedida a Evandro André de Souza e Jonas Felácio Júnior, em 23 de julho de 2019. 98 Idem. 99 Idem. 68 O rapel sem cordas José Paulino da Silva compartilha detalhes sobre uma das aven- turas vivenciadas por Tafner no tempo da faculdade: “Certa feita fomos todos dar um passeio na Serra da Mantiqueira, mais preci- samente onde se localizam os famosos picos no município de Ita- tiaia/SP. Após passarmos o dia usufruindo as belezas daquela natu- reza exuberante, repleta de pequenos riachos e quedas d’água com muitas piscinas naturais, eis que chegou a hora da volta. Conforme o combinado, às 17 horas todos deveriam se dirigir ao ônibus que nos traria de volta. Entretanto faltavam chegar três colegas, dos quais um era José Tafner. Teriam fugido? Teriam se perdido? O tempo ia passando, a noite chegando, e eles nada de aparecer. Até que nossos superiores resolveram dividir todos em grupos de dez e nos espalhar pela mata chamando por eles, com a orientação de voltar ao ônibus depois de passados trinta minutos. Lá pelas tantas, um dos grupos os encontrou. Dois daqueles colegas estavam no sopé de uma cachoeira, tentando orientar o Tafner, que havia escalado as pedras pontiagudas e se encontrava aproximadamente à altura de uns quatro metros da lâmina d’água tentando descer sem conseguir. Até que ele resolveu pular de costas para a piscina. Foi um alívio ao vê-lo nadar são e salvo até as margens. Em seguida fomos todos para o ônibus que nos levou para Lorena”.100 O Carnaval proibido No tempo em que cursava a faculdade, os seminaristas eram proibidos de acompanhar o Carnaval. Não podiam ver mulheres e por esta razão somente homens estudavam no Instituto de Pedagogia de Lorena. Tafner organizou um esquema para romper com esse pa- drão moral e religioso. Por ser do interior, contava com algumas ha- bilidades agrícolas que os jovens de outros lugares não possuíam. Era o único que sabia afiar e manusear adequadamente o zenzo. Por isso ficou responsável em fazer a roçada do campo de futebol. Também auxiliava como sacristão-mor e na organização do café da manhã e do almoço. A realização desses trabalhos possibilitou algumas condições diferenciadas. Conseguia arrumar chaves e formas para entrar e sair do seminário. Foi desta maneira que planejou uma aventura, 100 SILVA, José Paulino da. Entrevista concedida a Evandro André de Souza, em 10 de julho de 2020 (via e-mail). 69 para poder então acompanhar o Carnaval proibido. Comunicou-se com colegas mais próximos e no dia da festa pulou o muro e cami- nhou em direção à cidade. Acompanhou os desfiles e a movimenta- ção do Carnaval, retornando depois para o seminário. Uma situação que naquela época era algo proibido, um grave pecado.101 Campanha da vassoura contra a espadinha Um dos atos mais marcantes de Tafner no período da facul- dade foi quando buscou manifestar sua liberdade de expressão, em um ambiente que não possibilitava uma atitude tão revolucionária assim para a época. Naquele período estava ocorrendo a campanha presidencial entre Jânio da Silva Quadros e Henrique Batista Duffles Teixeira Lott. A disputa apresentava uma particularidade simbólica, pois Jânio Quadros usava uma vassoura para divulgar sua campanha, enquanto o Marechal Lott utilizava uma espadinha. Os padres recebiam os jornais na portaria do seminário e recor- tavam as propagandas do Marechal Lott. Como forma de divulgar o candidato que apoiavam, colocavam os recortes nas paredes dos cor- redores. Certo dia, Tafner inventou de acordar ainda mais cedo que os religiosos, às 4 horas da madrugada. Roubou o jornal e recortou as propagandas de Jânio Quadros. Em seguida, retirou as propagandas do Marechal Lott, substituindo-as pelas divulgações de Jânio Qua- dros. Foi dessa forma que fez oposição, com muita ousadia, traba- lhando para a campanha de Jânio Quadros. Obviamente, todos os 300 jovens estudantes acompanharam o movimento de questiona- mento idealizado por Tafner.102 Além de ter trabalhado na campanha presidencial, se envol- veu ainda com campanhas no Diretório Central dos Estudantes, porque havia disputa entre os internos e os semi-internos. Tafner diz que não se arrepende destas aventuras porque as atitudes fa- ziam parte do seu temperamento, estavam relacionadas com a sua maneira de ser. Também foram expulsos outros dois jovens com espírito aventureiro.103 Apesar das consequências causadas de forma imediata pela ex- pulsão do seminário, José Tafner considera que este é um dos títulos 101 TAFNER, José. Entrevista concedida a Evandro André de Souza e Jonas Felácio Júnior, em 23 de julho de 2019. 102 TAFNER, José. Entrevista concedida a Evandro André de Souza e Jonas Felácio Júnior, em 23 de julho de 2019. 103 Idem. Quando José Tafner saiu do Instituto Salesiano de Lorena/SP, em 1962, com destino à casa de seus pais, parou em São Paulo, no Liceu Coração de Jesus que era uma Escola de Ofícios dos Padres Salesianos. Foi ali que um padre alemão, responsável da Inspetoria Salesiana do Centro-Oeste do Brasil, convidou José Tafner para ministrar aulas no Colégio Dom Bosco Campo Grande. Acervo José Tafner 71 mais significativos que tem em seu currículo. Mesmo diante de tantas regras conservadoras, viveu de acordo com sua essência. Valorizou a liberdade de expressão e se contrapôs às normas que não concorda- va. Com certeza, uma postura diferenciada e de maturidade para um jovem com apenas 22 anos de idade. “Como manifestei abertamente a minha insatisfação com o caminho que estava trilhando, fui convidado a me retirar da Insti- tuição, ou seja, eu e mais dois colegas fomos mandados para o con- sulado, colocados à disposição do diretor regional para os últimos conselhos antes de mandar para casa dos pais.”104 “Como eu era uma pessoa sempre pronta para qualquer tare- fa, era suportado, porém, com esse comportamento incomodava a direção e acabei, depois de muitas ações contrárias às normas, sen- do afastado da faculdade, juntamente com colegas que tinham com- portamento semelhante: Luís Costa e Genésio Ronchi. Sem dinheiro e sem roupas normais (tínhamos a batina), fomos de ônibus para São Paulo, para o Liceu Coração de Jesus, dos salesianos. Os meus companheiros desceram para Santa Catarina, para as casas de seus familiares.”105 104 Idem, em 1o de maio de 2020. 105 Idem. “De São Paulo, com 24 anos, deixei o trabalho junto aos salesianos, depois de trabalhos e andanças, como professor, em diversas cidades de Mato Grosso do Sul e Noroeste de São Paulo retornei à Santa Catarina. Sem dinheiro, sempre trabalhei sem salário, trabalhava e vivia como membro da Congregação Salesiana, vim para minha terra, Rio dos Cedros.”José Tafner 73 Por ter sido expulso do seminário antes de completar os es-tudos em Filosofia, José Tafner recebeu somente o diploma de bacharelado em Pedagogia. Havia cursado três anos da facul- dade, quando ocorreu essa situação. Além de não ter recebido o diploma de licenciado em Filosofia, somente com a formação de bacharel não seria possível lecionar. Estava preocupado com qual rumo seguir. Não queria retornar para Rio dos Cedros nesta con- dição adversa. “Eu fiquei com medo de chegar em Rio dos Cedros e ser julgado pela população. Os italianos costumavam menospre- zar os jovens que saíam do seminário e os apelidavam de ‘padres falsos’, de excomungados. ‘Padre falso’ tinha um significado bem pesado.”106 Tafner estava procurando alguma saída para não precisar vol- tar para casa sem diploma. Seria desgastante explicar a situação ocorrida para a família, considerando-se que estava usando batina no momento em que retornou para visitar o túmulo da mãe. Os vizinhos e praticamente toda a comunidade rio-cedrense sabiam que estava estudando fora do município, por essa razão sofreria um bullyng muito forte. “Eu não quis dar esse desgosto ao meu pai, de chegar em casa sem dinheiro e sem o sacerdócio. Fiquei uns dias no Liceu. Como o Liceu ficava no centro da cidade de São Paulo, muitas pessoas da Congregação dos Salesianos paravam nele. Pensei que ali encontra- ria a possibilidade de arrumar um dinheiro para viajar ao Sul.”107 106 Entrevista concedida por José Tafner ao Projeto Universidade Regional de Blumenau e sua História, em 15 de abril de 2000, para os entrevistadores Balbino Simor Rocha, Luís Vendelino Colombi, Andréia Ferreti e Clarice Ehmke. 107 TAFNER, José. Entrevista concedida a Evandro André de Souza e Jonas Felácio Júnior, em 1o de maio de 2020. CAPÍTULO 4 Educador no Mato Grosso e São Paulo 74 A oportunidade no momento de preocupação O complexo da Congregação do Sagrado Coração de Jesus era um local estratégico para os salesianos paulistas. Apresen- tava uma considerável estrutura, que ocupava praticamente um quarteirão. A escola oferecia diversos cursos técnicos e entre as construções havia um campo de futebol. Enquanto decidia o seu futuro, jogou algumas partidas de futebol. Sem perspectivas, es- tava pensando na possibilidade de retornar para o Sul, mesmo sem ter completado a formação superior. Houve um momento de reviravolta da situação e recebeu um convite inesperado de um religioso de descendência alemã. Além de ser um ex-combatente da Segunda Guerra Mundial, o padre João Greiner era o respon- sável pela Inspetoria dos Salesianos na região Centro-Oeste do Brasil, com sede em Campo Grande.108 Tafner foi convidado para trabalhar no Colégio Dom Bosco de Campo Grande. Não receberia rendimento financeiro, mas ganharia alimentação, vestuário e roupa lavada. Aceitou a proposta por cau- sa do momento de dificuldade que enfrentava. “A gente se apega a qualquer coisa que lhe der um amparo, que permita a sobrevivência”, comenta, referindo-se ao período adverso que vivenciou.109 Antes de fazer a mudança para Mato Grosso, esteve em Rio dos Cedros e visitou os familiares durante duas semanas. Comen- tou com a família que existia a necessidade de realizar três anos de práticas educativas. Explicou que essa atividade era necessária para então conseguir completar os estudos religiosos no seminá- rio. Omitiu qualquer informação referente à expulsão, para evitar situações desgastantes.110 “O padre Greiner era o responsável da Congregação Salesiana na região Centro-Oeste do Brasil, com sede em Campo Grande, uma cidade de 40 mil habitantes na época. Recebi o convite para lecionar no Colégio Dom Bosco e cuidar dos estudantes internos. Estava sem dinheiro para vir a Santa Catarina e não tive outra alternativa. Aceitei o desafio e recebi o dinheiro para viajar para Campo Grande. Além disso, como me viu sem relógio, o padre me presenteou com o reló- gio que usou como capelão na Segunda Guerra Mundial.”111 108 TAFNER, José. Entrevista concedida a Evandro André de Souza e Jonas Felácio Júnior, em 23 de julho de 2019. 109 Idem. 110 Idem. 111 Idem, em 1o de maio de 2020. 75 Experiência profissional no Colégio Dom Bosco José Tafner trabalhou durante dois anos no Colégio Salesiano Dom Bosco de Campo Grande, de 1962 a 1964. Naquele tempo a cidade pertencia ao Estado do Mato Grosso. Hoje é a capital do Mato Grosso do Sul. Vários padres descendentes de italianos e alemães, que eram ex-combatentes da Segunda Guerra Mundial, trabalhavam nessa unidade educacional. Quase todos apresentavam sequelas e problemas de saúde, físicos e psicológicos, em decorrência das situa- ções enfrentadas na guerra. “Ao chegar em Campo Grande estava um pouco assustado, por- que um salesiano mexicano chamado Raul Hernandes me orientou sobre os perigos da cidade. O fato é que nos primeiros dias, da ja- nela do quarto, presenciei um bangue-bangue na rua e um assassi- nato num posto de gasolina, existente do outro lado da pista. Mas aos poucos fui acalmando, e ao chegar os alunos internos comecei a recebê-los e a vida melhorou.”112 “Não havia professores formados e os religiosos eram quase todos de origem alemã ou italiana, que viveram a Segunda Guerra Mundial. Diante dessa situação assumi muitas disciplinas da Edu- cação Fundamental e do Ensino Médio que eram ministradas no período da manhã.”113 Mesmo sem receber remuneração financeira, existia a responsabilidade de lecionar e paralelamente cuidar do in- ternato. A maioria dos alunos era filho de fazendeiros da região. O colégio contava com aproximadamente 350 educandos, consideran- do-se nessa soma os internos e os semi-internos. Existia uma organi- zação de dormitório dos internos, que eram divididos em pequenos, médios e maiores, conforme o nível de escolaridade que possuíam. Tafner ficou responsável pelo internato dos alunos médios, que con- tava com jovens na faixa de 12 a 15 anos.114 “Fiquei responsável pela turma dos médios, cerca de 60 jovens es- tudantes. A turma dos maiores era comandada pelo mexicano, teatró- logo, muito divertido e amigo. Até hoje nos comunicamos via e-mail. A turma dos pequenos era o grupo maior de todos. Vivíamos com eles as 24 horas do dia, no dormitório único de um andar do prédio do colégio. Nós, como responsáveis, tínhamos uma cela fechada ao re- dor com pano branco. Os estudantes eram divididos por divisórias de madeira, de acordo com a sua divisão, maiores, médios e menores.”115 112 Idem. 113 Idem. 114 Idem, em 23 de julho de 2019. 115 Idem, em 1o de maio de 2020. 76 No período matutino lecionava várias disciplinas, como Mate- mática, Português, Geografia, História, Biologia, Desenho Descritivo e Técnico. Na parte da tarde os estudantes participavam de práticas desportivas. O período noturno era dedicado à realização das tarefas escolares. “O atendimento aos alunos médios me ocupava desde às 6h30min da manhã até a hora de dormir, às 21 horas. Acompanhava esses jovens durante todo o dia, no estudo, nas aulas, no dormitório comum a todos, no refeitório e na hora dos esportes.”116 Apesar de não ser uma instituição com finalidade religiosa, a organização apresentava semelhança com a estrutura de um seminá- rio. Os professores que estavam na direção dos trabalhos contavam com formação salesiana. Tafner exerceu grande liderança junto aos internos do Co- légio Dom Bosco de Campo Grande. Organizou várias saídas de campo e levava os alunos para passear em cidades vizinhas. Ge- ralmente os jovens jogavam futebol nestas ocasiões. Em razão do envolvimento da juventude com a prática do esporte, Tafner criou um torneio de futebol. A competição envolvia rapazes de 12 a 15 anos de idade. O campeonato era disputado por 16 times e movi- mentava o cenário esportivo de Campo Grande. Obteve apoio do comércio local e de incentivadores que doavam o uniforme para as equipes participantes.117 “Apesar de todo esse trabalho, vivia feliz e animado, coordenan- do um campeonatode futebol de jovens, com idade e altura controla- da. Coordenava em média de 16 a 18 clubes participantes da cidade. Os treinos eram no sábado à tarde e os jogos no domingo, a partir das 9 horas até às 17h30min. Às vezes, eu era convidado para jogar no clube profissional Dom Bosco. Joguei diversas vezes aos domin- gos à tarde.”118 “Em todo esse trabalho diário os encarregados pela divisão respectiva eram responsáveis pela ordem, pela organização e pela condução tranquila das atividades do dia. Um trabalho cansativo, porém, divertido e gostoso de realizar, principalmente pela com- preensão dos estudantes. Eles estavam ali para estudar, a mando dos pais. Aos sábados eram liberados e, em geral, os pais vinham buscá-los. Algumas famílias pediam a nossa presença em suas casas no final de semana. Alguns finais de semana eram reservados para passeio com o grupo, até para jogar futebol com times de cidades vizinhas. Muito se aproveitava dos finais de semana para conhecer 116 Idem. 117 Idem, em 23 de julho de 2019. 118 Idem, em 1o de maio de 2020. 77 locais especiais da cidade e de cidades próximas: jardins, praças, fazendas vizinhas, cachoeiras, hospitais diferentes – dos leprosos, do fogo selvagem.”119 “Em 31 de março de 1964, dia de eclosão da Revolução, eu vivia em Campo Grande. Na madrugada desse dia a cidade ficou toma- da pelos militares armados, principalmente nas marquises das ca- sas comerciais, nas esquinas, nas sedes de organizações sociais, nos hospitais. Soube depois, em conversas com pessoas da cidade, que o hospital público foi tomado e estava com os ambientes cheios de armas dos revolucionários. Não sei se ainda existem, mas lembro que em Campo Grande havia hospitais bem montados: hospital dos le- prosos, hospital do fogo, um grande hospital público e muitos des- tacamentos militares; a cidade era considerada área de fronteira e de segurança nacional.”120 Trabalho humanitário para ajudar os índios Xavante O Colégio Dom Bosco era particular, contava com ótima estru- tura e considerável espaço físico. No período em que trabalhou nes- sa instituição de ensino, Tafner conheceu pesquisadores envolvidos com a Igreja Católica. Os profissionais estavam realizando uma pes- quisa importante sobre os indígenas brasileiros. Já haviam publicado uma enciclopédia apresentando informações sobre os tupi-guarani e trabalhavam na organização de mais uma publicação. Apesar de não ter concluído a formação sacerdotal e desem- penhado oficialmente a função de padre, José Tafner aprendeu no seminário valores morais e humanísticos que levou consigo duran- te toda a vida. Um dos principais aprendizados refere-se a ajudar o próximo. No período em que trabalhou como professor, através dos pesquisadores indígenas que conheceu, fez contato com os índios Xavante. Fazia apenas um ano que este povo indígena “havia sido descoberto pelo homem branco” (não indígena). Portanto, o contato entre as diferentes culturas era muito recente. Tafner foi um dos pri- meiros a conhecer de perto essa etnia.121 Realizou diversas ações voluntárias no período de férias es- colares. Dedicou seu talento artístico e cultural para oferecer lazer para os indígenas. Com auxílio de dois paulistanos e de um mexi- cano, foram apresentadas peças de teatro para os Xavante. Utilizou 119 Idem. 120 Idem. 121 Idem, em 23 de julho de 2019. 78 o aprendizado obtido no tempo de seminário para preparar o cenário das apresentações teatrais. Além do aspecto cultural, também leva- vam ajuda humanitária. Demoravam uma semana para ir de Campo Grande até a aldeia dos Xavante. O grupo de voluntários se deslocava com três caminhões. O primeiro estava carregado com toras de madeira de espécies fortes, como a canela. A madeira era utilizada para possibilitar o desloca- mento, pois durante o trajeto existia a necessidade de fazer pontes improvisadas para garantir a travessia dos veículos em determinadas áreas. O segundo caminhão transportava materiais de construção e canos, com o intuito de ajudar as tribos indígenas. A questão de abastecimento de água era algo muito deficiente, um grande pro- blema enfrentado pelos índios. O terceiro veículo seguia abastecido com alimentos que seriam doados para as tribos. Tafner destaca que o índio Xavante era muito forte e trabalhador. Os voluntários leva- vam sementes e ensinavam os indígenas a fazer o plantio. O intuito era nobre, mas os desafios do trajeto também eram grandiosos. Em diversas ocasiões os caminhões atolavam, porque precisavam passar por dentro de estradas de fazendas.122 Caso o motorista não soubesse dirigir na região de Cerrado, en- frentava muitas dificuldades para passar pelos trechos de areia solta. Para resolver os problemas de atolamento, precisavam cortar madei- ra da mata, utilizando-a como macaco improvisado, para ir erguen- do aos poucos os pneus atolados. Levavam mantimentos e dormiam no caminhão, uma verdadeira aventura na selva.123 Na ocasião em que desenvolveu esse trabalho humanitário em prol dos índios Xa- vante, Tafner estava com 22 anos de idade. “Durante as férias escolares de dezembro até março os padres tinham duas missões religiosas: uma com os índios Bororo e outra com os índios Xavante. Eu e mais dois professores que faziam Filo- sofia no Instituto de Campo Grande, um mexicano e outro paulista, ex-seminaristas, passávamos grande parte desse período com as tri- bos. Íamos com três caminhões em viagens de seis a sete dias até às margens do Rio das Mortes, nas missões dos salesianos junto às tri- bos dos Bororo e Xavante. Sempre que íamos, levávamos alimentos, material de construção – canos plásticos, arame, ferro, cimento –, material de cozinha, sementes, e uma carga grande de pran- chões para refazer pontilhões destruídos pelas águas. O caminho era pelas fazendas, principalmente de Rondonópolis em diante. 122 Idem. 123 Idem. 79 Abrir porteiras, parar os três caminhões para desatolá-los dos arei- ões ou para montar uma miniponte de travessia sobre pequenos ribeirões era coisa constante. Aproveitavam-se essas paradas para esquentar a comida, pescar algum pacu ou dourado e, algumas ve- zes, passar a noite numa tenda ao lado do caminhão. Viajando com caminhões tive também a oportunidade de conhecer por períodos maiores, mais a fundo, os índios Bororo e os índios Xavante – esses tinham contato com os brancos apenas há um ano. Preparávamos até apresentações do tipo esquete para os índios.”124 “Um colega alemão chamado Rudolph Lumkeibaim, muito amigo, veio ao Brasil como missionário e estava se preparando no seminário salesiano de Campo Grande, depois passou a dirigir a Missão dos Xavante. Numa noite, tentando defender os plantios dos índios Xavante que eram trabalhadores e produziam muito milho e aipim para o seu sustento, foi flechado e morto pelos índios de um grupo que estava furtando aipim.”125 Amizade com profissionais da FAB Através do trabalho humanitário realizado para proporcionar melhores condições de vida para os indígenas, José Tafner acabou fazendo novas amizades. Conheceu profissionais que trabalhavam na Força Aérea Brasileira (FAB). Esse contato possibilitou que vi- venciasse novas experiências no período de férias. Naquela época o recesso escolar iniciava na metade de dezembro e prosseguia até o final de fevereiro. No tempo de descanso aproveitou a oportunidade para viajar junto com a equipe da FAB, que desenvolvia o trabalho do Correio Aéreo Nacional. Os aviões pousavam em todas as cidades do Mato Grosso, le- vando revistas, correspondências, entre outras cargas e materiais. Inclusive, havia um ponto de pouso dentro da aldeia indígena. Os trabalhos iniciavam pela manhã: a saída de Campo Grande aconte- cia às 9 horas. Após percorrer várias cidades, o avião retornava para Campo Grande por voltas das 17 horas. A aeronave DC3 era gran- de para a época, contava com bancos de madeira e capacidade para 20 lugares.126 Esse aspecto da vida de Tafner é relevante porque de- monstra suacapacidade de articulação e a inteligência para fazer no- vos contatos. Curiosamente, as novas amizades foram feitas através 124 Idem, em 1o de maio de 2020. 125 Idem. 126 Idem, em 23 de julho de 2019. 80 da realização de um trabalho humanitário. Também chama atenção o fato de um jovem do interior possuir tal desenvoltura e estabelecer contato com profissionais da Força Aérea Brasileira. Sobrevoou praticamente toda a extensão territorial do Estado do Mato Grosso. Conheceu enormes planícies, amplos planaltos, além de trechos dos rios Xingu, Araguaia e Paraguai. Por meio dessa aventura, viu de perto as belezas naturais da Amazônia. Ao relatar a experiência, marcante em sua vida, comenta que naquela oportuni- dade conheceu mais o Mato Grosso do que conhecia Rio dos Cedros e o próprio Estado de Santa Catarina.127 “Nesse período de três anos, nas férias escolares, de 15 de dezembro a 30 de fevereiro, viajava gra- tuitamente com o avião da FAB. Tive a oportunidade de conhecer grande parte do então Mato Grosso, alguma coisa de Rondônia e Pará, porque esses aviões faziam o Correio Aéreo Nacional e aterris- savam em muitos aldeamentos indígenas entregando correspondên- cias e propagandas. Conheci também o Sul de Mato Grosso indo a serviço para Dourados e dali para Ponta Porã e, no Paraguai, para a cidade de Pedro Juan Caballero.”128 Tafner tem algumas lembranças curiosas sobre este período de aventuras. Em locais onde existiam condições, as pessoas limpavam a área com foices e machados, com o objetivo de fazer uma pista improvisada para o pouso do avião. Naquele período já existiam grandes fazendas, no entanto praticamente não havia estradas. Em determinada ocasião, encontraram um fazendeiro natural de Santa Catarina. O homem apresentou as belezas naturais de sua proprie- dade. A vegetação era típica de Cerrado e parte das terras contavam com águas termais. O local ainda não era explorado turisticamente, mas o grupo utilizou enxadas para abrir buracos na terra e desfrutar da água quente proporcionada pela natureza.129 “Em Dourados, o Colégio Dom Bosco de Campo Grande, dos salesianos, tinha uma pequena fazenda onde produziam milho, soja, trigo e mamona. Em Ponta Porã havia uma escola de americanos que viviam numa casa grande, bem construída, e nos serviram bebidas alcoólicas sofisticadas e a possibilidade de vermos uma TV transmi- tindo normalmente os programas, inclusive americanos. Na época e naquela região, para nós foi surpreendente.”130 127 Idem. 128 Idem, em 1o de maio de 2020. 129 Idem. 130 Idem. 81 Obtendo a carteirinha de professor do MEC No período em que Tafner estava trabalhando como professor no Mato Grosso, o Ministério da Educação propiciou várias possibi- lidades de capacitação aos educadores, especialmente em momentos de recesso escolar. Através do Decreto no 34.638, de 17 de novembro de 1953, assinado pelo presidente Getúlio Vargas, o governo federal instituiu a Campanha de Aperfeiçoamento e Difusão do Ensino Se- cundário. A Cades foi uma ação do MEC para qualificar os chamados professores leigos, que não tinham formação. O intuito desta iniciativa era promover, por todos os meios a seu alcance, as medidas necessárias à elevação do nível e à difusão do ensino secundário no país. Tafner aproveitou as oportunidades geradas por esse programa do MEC. Na época das férias, viajava para Presidente Prudente, no Estado de São Paulo, para realizar os estudos. A pessoa interessada em obter a carteirinha de professor precisava estudar por alguns meses e depois prestar exame de aprovação. Utilizava a época de recesso esco- lar do início e do meio do ano para conseguir alcançar a carga horária exigida e ter o direito de fazer a prova. O exame apresentava um nível de dificuldade extrema, sendo realizado na Universidade de São Paulo (USP). Graças à dedicação aos estudos, Tafner conseguiu ser aprova- do. Obteve a carteirinha de professor do MEC para as disciplinas de Desenho, Matemática e Português. A carteirinha não significava que havia obtido a condição de licenciatura. Entretanto, representava uma autorização para lecionar disciplinas em regiões brasileiras onde não houvesse profissional licenciado para essas áreas.131 Experiência como professor em São Paulo Depois de trabalhar durante dois anos na região Centro-Oeste, José Tafner retornou para o Sudeste brasileiro em maio de 1964. No início, auxiliou em uma escola salesiana da cidade de Três Lagoas, situada na divisa entre São Paulo e Mato Grosso. Acompanhou as au- las de recuperação de alunos que haviam reprovado em Matemática. As atividades ocorriam diariamente, inclusive nos finais de semana. “Na saída de Campo Grande e indo para Tupã, passei pela ci- dade de Três Lagoas. Os salesianos tinham uma paróquia e uma escola nessa cidade. Quando cheguei na rodoviária já havia o di- retor da escola me aguardando. Faltavam professores de Português 131 Idem, em 23 de julho de 2019. 82 e de Matemática para as aulas de recuperação. Atendi ao seu pedido e ali fiquei durante 15 dias ministrando aulas de manhã e à tarde.”132 Após cumprir essa missão inicial foi enviado para Tupã, que era o seu destino. É importante contextualizar que quando ainda esta- va em Campo Grande foi informado sobre essa mudança. O clérigo responsável em cuidar dos alunos maiores do Colégio Salesiano de Tupã havia enfrentado algumas dificuldades e deixou de desempe- nhar a função.133 Tafner lecionou durante um ano no Colégio Dom Bosco de Tupã, sendo a maioria dos estudantes filhos de fazendeiros da região. Paralelamente, atuava como assistente na organização do internato. No período das férias escolares trabalhava no colégio salesiano de Araçatuba, na recuperação de alunos que haviam reprovado. “Em Tupã também fui bem recebido. Era um colégio parti- cular dos salesianos, funcionava em regime de internato, como o Colégio de Campo Grande, mas tinha também estudantes em regime normal, no período da manhã. Eu fui colocado como res- ponsável pela turma dos maiores. No início foi um pouco difícil, depois que perceberam a minha paixão pelo esporte e viram que era um bom esportista e muito podia ajudar a turma dos maiores, ficou tudo muito fácil. Ministrei muitas aulas de Matemática e de Desenho. Ministrava aulas no período da manhã. A programação do dia era idêntica à programação do Colégio de Campo Grande. Nos finais de semana estava mais livre porque o grupo era menor e o deslocamento para as regiões vizinhas para esportes ou banhos de rio eram mais fáceis. Nesse período fiz duas disputas de futebol, defendendo o colégio.”134 Somando o período que foi professor nos estados do Mato Grosso e de São Paulo, trabalhou durante quatro anos em institui- ções de ensino salesianas. Obteve considerável experiência docen- te. No entanto, não recebia rendimentos financeiros, apenas a ali- mentação e hospedagem para garantir a subsistência. Cansado desta situação, resolveu voltar para casa, mesmo sem contar com diploma para comprovar aos familiares que havia concluído a etapa de estu- dos religiosos e de formação. “De São Paulo, com 24 anos, deixei o trabalho junto aos sale- sianos, depois de trabalhos e andanças, como professor, em diver- sas cidades de Mato Grosso do Sul e Noroeste de São Paulo retor- nei à Santa Catarina. Sem dinheiro, sempre trabalhei sem salário, 132 Idem, em 1o de maio de 2020. 133 Idem. 134 Idem. 83 trabalhava e vivia como membro da Congregação Salesiana, vim para minha terra, Rio dos Cedros.” O drama de ser assaltado em São Paulo Tafner precisou solicitar ajuda do pai Ermínio para conseguir dinheiro e então retornar a Rio dos Cedros. Afirma que sofreu bas- tante após trabalhar nos colégios salesianos, porque saiu literalmente sem nada, apenas com algumas mudas de roupa. Não estava pre- parado para enfrentar a vida sozinho, observando-se que trabalha- va sem receber ordenado. Durante a viagem de Tupã para Rio dos Cedros fez uma parada em Marília. Encaminhou a possibilidadede trabalhar em colégios daquele município e sentiu-se aliviado com a perspectiva de obter emprego remunerado. “De Tupã, no final de 1964, saí para Blumenau. A convite de um colégio de Marília, parei na cidade. A oferta de trabalho era muito boa e o salário era atraente. Acharam que o diploma de bacharel era suficiente para o contrato como professor do Ensino Fundamental e Médio. Eu, porém, queria chegar em casa. Em São Paulo, por indica- ção de um professor de Marília que me dizia que estavam com vaga para pintor de cenários, fui até a TV, senão me engano era a Record, onde precisavam de um desenhista. A oferta era boa, porém não me vi apto a enfrentar o que precisavam, não tinha tamanha capacidade. Estava com o tempo escasso, porque o diretor do Colégio Salesiano de Tupã havia comprado a passagem para que eu viajasse até Blume- nau. Fui até a rodoviária. Havia recebido em Tupã, alguns cruzeiros, uma camisa banlon, um terno azul claro e nada mais.”135 Quando chegou na rodoviária de São Paulo, sentou em um banco para descansar. Em poucos minutos, a sensação de alegria se transformou em angústia. Enquanto descansava, sua pasta foi rou- bada. O ladrão levou todos os documentos que Tafner havia con- seguido reunir. A documentação representava a possibilidade de comprovar os estudos no seminário e a atuação como professor nos colégios salesianos. “Me deparei com a situação de estar sem ne- nhum documento.”136 “Sentei num banco perto da saída do ônibus para Blumenau, era meia noite; coloquei a pasta ao meu lado com todos os documentos 135 Idem. 136 Entrevista concedida por José Tafner ao Projeto Universidade Regional de Blumenau e sua História, em 15 de abril de 2000, para os entrevistadores Balbino Simor Rocha, Luís Vendelino Colombi, Andréia Ferreti e Clarice Ehmke. 84 e a mala de roupa aos meus pés. Cansado como estava, dormi. Acor- dei e não vi a pasta com o diploma de bacharel em Pedagogia e outros documentos, o ônibus já tinha partido. Por sorte, ainda era cedo e consegui, no guichê da empresa, trocar a passagem para o dia 26, num horário da manhã, às 9 horas.” Estas situações de furto não aconteciam em Rio dos Cedros e por estar muito tempo morando em instituições religiosas e de en- sino, não sabia como proceder naquele momento de caos. Demorou algum tempo até conseguir informações sobre como registrar a quei- xa. Permaneceu durante três dias na capital paulista. Lamentavel- mente, não obteve nenhuma informação em relação ao paradeiro de seus documentos. Após vivenciar esta situação dramática retornou para a terra natal sem nenhuma documentação. “Se não me engano, perto das 5 horas da tarde desse dia 26, che- guei em casa, num táxi particular da localidade de Santo Antônio, do senhor Uber. Como não tinha mais dinheiro algum, pedi ao meu pai para pagar o táxi. Sem dúvida, passei por um grande sacrifício, mas também uma grande felicidade para mim, chegar em casa e abraçar toda a família, menos a querida mãe.”137 137 TAFNER, José. Entrevista concedida a Evandro André de Souza e Jonas Felácio Júnior, em 1o de maio de 2020. 85 O ano de 1965 foi marcado pelo retorno para Rio dos Cedros. Apesar de não ter voltado com reservas financeiras, José Tafner vivenciou experiências incríveis para um jovem com 25 anos. Não existia alguém com sua faixa de idade na terra natal que havia en- frentado tantos desafios e conhecido vários lugares do Brasil. Mesmo sem contar com a certificação dos estudos, não houve tempo para re- tornar definitivamente às atividades agrícolas da propriedade. Logo após sua vinda para o Vale do Itajaí, recebeu convite para trabalhar na área da educação. Naquela época vários educadores naturais de Rio dos Cedros lecio- navam em Blumenau. Joaquim Floriani, Valdir Floriani, Leandro Longo, Almerindo Brancher, Lourival Busarello e Olivo Pedron já trabalhavam com atividades educacionais em escolas blumenauenses. Após saberem do retorno de José Tafner, intermediaram para que começasse a lecionar em Blumenau. Em sua primeira experiência como educador em Santa Catarina, agiu com sinceridade no momento que foi contratado. Expli- cou que não contava com documentação em decorrência do roubo de sua pasta em São Paulo. Acreditaram em sua palavra e desta forma ini- ciou a trajetória educacional na região do Vale do Itajaí.138 “Iniciei minha vida professoral, como profissional remunerado, em 1965. O motivo do retorno à família foi a busca de trabalho remunerado para ajudar a famí- lia e principalmente meu pai, que desde 1958, sem a nossa mãe, susten- tava a família com honradez e muita dedicação.”139 “Com a orientação de professores que atuavam em Blumenau, logo fui convidado para trabalhar no Colégio Santo Antônio e no 138 Entrevista concedida por José Tafner ao Projeto Universidade Regional de Blumenau e sua História, em 15 de abril de 2000, para os entrevistadores Balbino Simor Rocha, Luís Vendelino Colombi, Andréia Ferreti e Clarice Ehmke. 139 TAFNER, José. Entrevista concedida a Evandro André de Souza e Jonas Felácio Júnior, em 1o de maio de 2020. CAPÍTULO 5 A trajetória educacional no Vale do Itajaí 86 Pedro II. Lembro dos professores Onésio Girardi, Gelíndio Busa- rello, Valdir Floriani, Leandro Longo, Almerindo Brancher e outros que me iniciaram no trabalho como professor em Blumenau. A par- tir dali trabalhei em diversos colégios particulares de Blumenau, de Brusque e de Itajaí.”140 “A partir do dia 27 de janeiro de 1965 comecei a peregrinação pelos colégios de Blumenau e logo, com o apoio de colegas que atuavam nesses colégios, fui chamado e contratado para ministrar aulas nas disciplinas que tinha autorização para lecionar. No Colé- gio Santo Antônio a partir do dia 27 fui contratado para trabalhar todos os dias no período da manhã; no Colégio Pedro II passei a lecionar no período da tarde e da noite. Com o passar do tempo, também fui convidado para lecionar no Colégio Sagrada Família, no Colégio São Luís, de Brusque; no Colégio Dom Bosco, de Ita- jaí; e no Colégio das Irmãs, de Rio do Sul. Aceitei tudo e depois, de acordo com o tempo disponível e das vantagens advindas, fui assumindo paulatinamente e de acordo com a disponibilidade de tempo essas ofertas.”141 Em seguida, Tafner tratou de resolver a sua pendência com a Junta Militar. Na época do seminário os jovens não foram informa- dos sobre a obrigação de servir o Exército Brasileiro. Não sabiam da existência desse compromisso com a pátria. “Me apresentei ao 23o Batalhão de Infantaria de Blumenau para obter a dispensa da incor- poração. Já era professor no Pedro II e com apoio do colégio con- segui a dispensa. Sei de muitos colegas que saíram do seminário e precisaram servir o Exército, depois dos 25 anos de idade.”142 Inicialmente lecionou as disciplinas Desenho, Matemática e Português. Conforme o tempo foi passando, seu trabalho como pro- fessor ganhou notoriedade. Em razão das experiências profissionais anteriores nos colégios salesianos, estava desempenhando as ativida- des docentes com excelência. Por esta razão também foi contratado pelo Colégio Santo Antônio, de Blumenau, onde lecionou durante vários anos. Logo passou a receber inúmeros convites de escolas de municípios vizinhos. Tornou-se professor de disciplinas como Geo- grafia, História e Organização Social e Política do Brasil.143 140 Idem. 141 TAFNER, José. Entrevista concedida a Evandro André de Souza e Jonas Felácio Júnior, em 1o de maio de 2020. 142 Entrevista concedida por José Tafner ao Projeto Universidade Regional de Blumenau e sua História, em 15 de abril de 2000, para os entrevistadores Balbino Simor Rocha, Luís Vendelino Colombi, Andréia Ferreti e Clarice Ehmke. 143 TAFNER, José. Entrevista concedida a Evandro André de Souza e Jonas Felácio Júnior, em 1o de maio de 2020. 87 “Em março ou abril de 1965 comecei a trabalhar em Blume- nau, como professor. Ajudei muito o pai na compra de máquinas para a sapataria, colocação de alguns equipamentos para melhorara casa, energia elétrica, motor de água, caixa d’água, pintura externa da casa, chuveiro, canalização do esgoto – águas da lavação, das tor- neiras até o ribeirão –, tudo muito simples, mas dentro das minhas possibilidades.”144 Em decorrência da intensa formação educacional realizada no período do seminário, recebeu diversas oportunidades. Conforme ocorresse a falta de docente nas áreas sociais e humanas, assumia então novos desafios educacionais. Tafner destaca que os professores mais benquistos e conceituados pela população eram quase todos de Rio dos Cedros. Esses educadores haviam vivenciado a experiência como seminaristas no tempo da juventude. Mas apesar da existência desse quadro profissional competente, o Colégio Pedro II contratou muitos professores de São Paulo, principalmente de Química e Fí- sica. A região do Vale do Itajaí não contava com profissionais com formação adequada e conhecimento aprofundado nestas áreas.145 No ano de 1966, Tafner recebeu proposta para trabalhar no Co- légio Dom Bosco, de Rio do Sul. Permaneceu apenas uma semana nessa instituição salesiana. Fazia o trajeto de ida e volta todos os dias, chegando em Blumenau por volta das 2 horas da madrugada. Na- quele tempo a estrada era de barro, não existindo ainda a BR-470. Em determinada ocasião, quase se acidentou na serra de Ibirama e então desistiu de lecionar em Rio do Sul.146 Com o decorrer dos me- ses passou a receber novas propostas para ser professor em escolas de Segundo Grau dos municípios de Itajaí e Brusque. Apesar de contarem com diferença de idade, após a breve con- vivência no seminário, Lorival Beckhauser e José Tafner voltaram a se encontrar alguns anos depois no Colégio Pedro II, em Blumenau. Após cursar a faculdade em Porto Alegre, Beckhauser retornou com a condição de ser o primeiro professor com formação na área de Edu- cação Física de Blumenau. Passou a dar aulas de Educação Física no Colégio Pedro II. Neste ínterim conheceu melhor o lado educador de José Tafner. Recorda que o professor Tafner dava aulas de Dese- nho e que era ambidestro, sabia fazer o círculo com as duas mãos.147 De acordo com Beckhauser, Tafner sempre foi um pesquisador. 144 Idem. 145 Idem. 146 Idem, em 23 de julho de 2019. 147 BECKHAUSER, Lorival. Entrevista concedida a Evandro André de Souza e Jonas Felácio Júnior, em 5 de setembro de 2019. 88 Naquela época o diretor do Colégio Pedro II era Joaquim Floriani, educador natural de Rio dos Cedros.148 Aloir Arno Spengler conheceu José Tafner em 1966, quando trabalhava como professor no Colégio Santo Antônio. Menciona que na atualidade essa instituição tem o nome de Colégio Bom Je- sus. Continua sendo mantida pelos padres franciscanos, conforme ocorria na época. Spengler lecionava a disciplina de Ciências e pos- teriormente Biologia, enquanto o professor Tafner dava aulas de Geometria e Estatística.149 Os professores Aloir e Tafner foram construindo uma relação profissional e vínculo de amizade. Conversavam nos períodos de recreio, quando iam tomar um cafezinho na sala dos professores e também nas reuniões pedagógicas. Spengler passou a ter uma óti- ma impressão sobre o profissionalismo de José Tafner. “Muito me impressionava no Colégio Santo Antônio a facilidade com que ele traçava os desenhos geométricos, sem usar qualquer régua, transfe- ridor ou outro instrumento. Simplesmente traçava aquelas curvas, com todos os ângulos corretos e linhas retas.”150 Experiência com Educação a Distância nos anos 1960 A primeira experiência com Educação a Distância na vida de José Tafner ocorreu na década de 1960. Naquela oportunidade co- meçou a cursar Arquitetura pelo Instituto Universal Brasileiro, com duração de seis meses. O aluno recebia pelos Correios a revista ela- borada pelo instituto. Conforme o estudante pagava as prestações, era enviado mensalmente por correspondência o material de estudo e o formulário com atividades que precisavam ser realizadas. A partir do momento em que concluía os deveres, era necessário enviar pelo Correios. Posteriormente receberia o conteúdo seguinte e a correção das questões da apostila anterior. Ao término das atividades, Tafner obteve o certificado do curso de Arquitetura.151 Uma curiosidade dessa etapa de estudos está relacionada à vi- sita na sede do Instituto Universal Brasileiro, em São Paulo, no ano de 1966. Conheceu o prédio de dois andares, a biblioteca e conferiu 148 Idem. 149 SPENGLER, Aloir Arno. Entrevista concedida a Evandro André de Souza e Jonas Felácio Júnior, em 6 de setembro de 2019. 150 Idem. 151 TAFNER, José. Entrevista concedida a Evandro André de Souza e Jonas Felácio Júnior, em 23 de julho de 2019. 89 de perto toda a organização existente. O intuito desta visitação foi saber se realmente era algo sério e isso ficou comprovado. A obten- ção do certificado auxiliou a complementar a renda familiar. Passou a ter autorização para assinar plantas com até 80 metros quadrados. Durante a semana lecionava para turmas do Segundo Grau, no sába- do e domingo atendia pessoas de Blumenau e municípios vizinhos. Utilizava sua habilidade com desenhos para fazer plantas de casas. Desenhava no papel-manteiga usando a caneta nanquim e depois carimbava. Como seus trabalhos eram sempre aprovados pela Pre- feitura, aumentou o número de interessados que procuravam pelo serviço. Cobrava 50 cruzeiros novos por cada planta desenhada.152 É importante mencionar que José Tafner não foi apenas pio- neiro na oferta de Educação a Distância, como gestor universitário à frente da Uniasselvi. Como aluno, participou de um curso total- mente a distância, no início da década de 1960, vivência essa que lhe permitiu aumentar os seus rendimentos financeiros e garantir uma vida mais confortável. Anos depois, essa experiência discente na EaD seria decisiva na tomada de decisão sobre a implantação e opera- cionalização de um programa consistente e inovador de Educação a Distância no Ensino Superior brasileiro. A excelência enquanto professor de Desenho É válido contextualizar que somente no ano de 1960 ocorreu a cria- ção da Universidade Federal de Santa Catarina. Nas décadas anteriores os jovens podiam cursar a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, que funcionava no Colégio Catarinense e formava professores para o Ensino Secundário. Outra alternativa era morar em São Paulo, Curitiba ou Por- to Alegre para conseguir cursar uma faculdade. Em decorrência daquela realidade, existiam poucos professores em Santa Catarina. Tafner era um professor de Desenho com trabalho reconhecido na região de Blumenau. No antigo Segundo Grau os alunos esco- lhiam algumas disciplinas que queriam cursar, conforme a pretensão acadêmica que almejavam. Os estudantes que buscavam se tornar engenheiros optavam por matérias como Matemática, Química, Fí- sica e Desenho. Concentravam seus esforços na área de exatas. Saber desenhar bem representava praticamente a aprovação dos candida- tos nos vestibulares para o curso de Engenharia. O desenho valia 6 pontos, em um total de 10. É importante contextualizar que não 152 Idem. 90 contavam na década de 1960 com computadores pessoais e com as ferramentas do software Auto Cad, por isso havia a necessidade de desenhar tudo a mão.153 O professor Tafner ensinava seus alunos a desenhar no papel-man- teiga, com a caneta nanquim. Explicava em suas aulas a importância de os estudantes desenvolverem a visão espacial. Desta forma, no mo- mento em que fossem desenhar a planta de uma casa, já conseguiriam visualizar mentalmente como ficaria após ser construída. A cobrança apresentava bons resultados e praticamente todos os seus alunos eram aprovados para a faculdade de Engenharia de Porto Alegre. Quando ingressavam no Ensino Superior, estes jovens vinham agradecê-lo. Nos dois primeiros anos de faculdade cursavam as dis- ciplinas fundamentais, com atividades que envolviam bastante a prá- tica do desenho. Enquanto vários universitários sofriam para passar nessas matérias,os ex-alunos de Tafner eram aprovados com tran- quilidade, em virtude dos conhecimentos de desenho que aprendiam no tempo do Curso Científico. Para alcançar esse nível de excelência, Tafner procurava se atualizar no assunto, sempre aprimorando os co- nhecimentos que obteve na formação inicial. Convidava engenheiros para irem até a sala de aula. Através dessa atividade diferenciada, analisavam as questões de vestibulares dos anos anteriores. Todo esse esforço resultava em um aprendizado maior dos seus alunos.154 Casamento entre José Tafner e Verônica José Tafner passou a frequentar os bailes de final de semana no in- terior de Rio dos Cedros, Timbó, Pomerode e Indaial. Junto com os ir- mãos e amigos formaram um animado grupo. Utilizavam um carro ve- lho para se deslocar até as festas e pintaram no veículo os dizeres “Brega Turismo”. As domingueiras iniciavam as 2 horas da tarde e prosseguiam até 8 da noite. Representavam uma ótima oportunidade de diversão. O casal José e Verônica se conheceu em uma tarde dançante no município de Indaial. Os jovens trocaram olhares, conversaram, dançaram e começaram a namorar em março de 1968. Noivaram em outubro e em dezembro daquele ano foi realizado o casamento na Igreja Matriz Santa Inês, de Indaial. O namoro aconteceu de for- ma rápida, mas o compromisso foi duradouro: o casal completou 50 anos de união matrimonial em 21 de dezembro de 2018. 153 Idem. 154 Idem. José Tafner e Verônica a caminho da Igreja Matriz de Indaial/SC, acompanhados pela avó materna Ignês Machado. Acervo José Tafner Casamento de José Tafner e Verônica Tafner. Acervo José Tafner 92 Verônica Teresinha Machado, que passou a adotar o sobreno- me Tafner após o casamento, é natural do município de Indaial. É a quarta filha de uma descendência de oito mulheres, sendo prove- niente de uma família humilde. Filha de Ambrósio Machado e Ignês Machado, nasceu no dia 2 de abril de 1948. Antes do casamento com Tafner, Verônica era funcionária em uma malharia. Naquela época praticamente todas as moças indaialenses trabalhavam em malharias e não se cogitava buscar outra atividade profissional.155 Geralmente o emprego passava de irmã para irmã, por isso algumas famílias maiores tiveram várias filhas empregadas nesses estabelecimentos. Quando a irmã com mais idade saía da firma para casar e se dedicar à família, a vaga de trabalho era então re- passada para a irmã mais nova. Nas escolas de Indaial existia ape- nas a possibilidade de os jovens cursarem o Primário, não sendo oferecidas oportunidades para continuar estudando ao término da formação inicial. Depois de completar o quarto ano, Verônica começou a traba- lhar em uma indústria têxtil, com 13 anos de idade. Naquela época os homens trabalhavam nas atividades administrativas das empresas, enquanto as mulheres realizavam os serviços de tecelagem. Tempos depois passou a ser empregada da Malharia Indaial, onde permane- ceu até o momento do casamento. O jovem casal foi residir em uma casa alugada, no bairro Garcia, em Blumenau.156 O primeiro desafio da vida matrimonial O espírito de vida comunitária e a vontade em ajudar o pró- ximo eram valores presentes no cotidiano dos imigrantes italianos do Vale do Itajaí. Além desses valores familiares e culturais, José Tafner recebeu a formação salesiana no seminário. Em suas ações cotidianas, sempre visava o ato de educar e procurava incentivar o acesso ao conhecimento. Quando casou e se mudou para o mu- nicípio de Blumenau, Tafner viabilizou que quatro irmãos fossem morar na mesma casa, para que tivessem a oportunidade de conti- nuar os estudos. O detalhe é que o casamento havia acontecido em dezembro e no mês seguinte os jovens já estavam morando junto com o casal. Diante dessa situação, o início da vida matrimonial foi bastante complicado. 155 TAFNER, Verônica Teresinha. Entrevista concedida a Evandro André de Souza e Jonas Felácio Júnior, em 24 de julho de 2019. 156 Idem. 93 Verônica comenta que era uma moça recém-casada e precisa- va conviver com vários homens da família. Havia a necessidade de manter a casa arrumada, fazer comida, lavar roupa, entre outros afa- zeres domésticos. Em certa ocasião, uma vizinha contou que havia 21 calças masculinas penduradas no varal. Outro desafio era obter o sustento da casa, pois era preciso auxiliar os jovens estudantes da família. Apesar da situação desgastante, Verônica entendia que pre- cisavam fazer esse esforço para oportunizar que os familiares conse- guissem concluir a etapa de estudos.157 “No dia 26 de dezembro de 1968, eu e a Verônica já tínhamos uma casa alugada localizada na Rua Engenheiro Odebrecht. Os ir- mãos Jaime, Mauro, Emir, já conviviam comigo nos anos de 67 e 68 numa casa na Pastor Osvaldo Hesse. A partir de 27 de dezembro de 1968, todos os meus irmãos vieram junto conosco. Mais tarde vieram também o meu primo Paulo Mattedi e a Dorlaci Macha- do, irmã da Verônica; todos passaram a viver conosco. Em 1970 construímos a nossa casa e no início de 1971 passamos a morar na casa nova, localizada na Rua Antônio Cândido de Figueiredo, na Vila Nova. Nessa oportunidade trouxemos os meus irmãos para essa casa, Jaime, Mauro, Emir e com eles veio também mais tarde o Dimas e o Valdir, para que pudessem estudar e trabalhar. Houve alguns dissabores, é bem verdade. Alguns resolveram encontrar um lugar próprio para morar e outros permaneceram ainda por muito tempo conosco. O pai me dizia sempre que o fato de o ajudar para que os irmãos fossem estudar, era o maior presente que eu trouxe para ele do seminário.”158 Batalhando um lugar ao sol Quando se escuta atualmente alguém falar sobre a biografia, trajetória acadêmica ou empreendedora de José Tafner, facilmente se associa seu nome ao case da Uniasselvi e a uma história vito- riosa e de sucesso. Porém, para conseguir um lugar ao sol e uma vida com mais oportunidades, foi necessário muito esforço e suor. Nos primeiros anos de atividades na área da educação em Blu- menau, Tafner trabalhava incansavelmente. Verônica recorda que o marido lecionava pela manhã em uma escola, à tarde em outra unidade educacional, e à noite em mais uma instituição de ensino. 157 Idem. 158 TAFNER, José. Entrevista concedida a Evandro André de Souza e Jonas Felácio Júnior, em 1o de maio de 2020. 94 Portanto, se dedicava às ações educativas nos três turnos, em três escolas diferentes. Além das atividades de preparação de aulas, cor- reção de provas, de aperfeiçoamento intelectual e busca por novos conhecimentos, lecionava no sábado em uma instituição de Itajaí e no domingo dava aulas particulares.159 Tafner aproveitava a época de férias para preparar apostilas de desenho para seus alunos. Não contava ainda com computador e re- cursos tecnológicos da atualidade, por isso precisava desenhar as ma- trizes. A esposa ajudava a passar álcool no mimeógrafo, onde eram feitas as cópias a partir dessa matriz, para poder reunir os conteúdos e formar a apostila. Algo que hoje é feito em poucos minutos com a impressora, naquele tempo demandava a dedicação de várias horas. As apostilas do professor Tafner eram muito requisitadas e a venda desses materiais significava mais uma possibilidade de renda extra. O material não chegou a ser publicado em forma de livro, mas foi reconhecido por educadores e alunos pelo conteúdo relevante que auxiliava efetivamente nos estudos.160 Em decorrência da dedicação intensa, usava o período de férias para trabalhar e complementar a renda da família. Fazer passeios e descansar era algo que não tinha relação com o período de recesso escolar do casal. Isso demonstra o caminho desafiador que Tafner precisou percorrer para alcançar o reconhecimento profissional e se tornar um dos principais nomes da educação catarinense. Verônica vendia produtos de beleza da Avon de casa em casa, batendo de porta em porta. Saía pela manhã e retornava ao meio-dia para fazer almoço e lavar roupa. Depois prosseguia com a atividade como vendedora.Conforme foi criando sua clientela, conseguiu ob- ter um bom rendimento. Na época de solteira Verônica havia feito um curso de costura. Começou a utilizar esse conhecimento prático e dar aula de costura em casa. Também ministrou vários cursos em firmas de Blumenau, como a Cremer.161 Todo esse esforço valeu a pena. No ano de 1970 o casal Tafner saiu do aluguel para morar na casa própria. Construíram uma re- sidência no bairro Vila Nova. Conforme compravam as madeiras, eram então construídos os cômodos da casa. Fizeram o muro e, en- quanto Tafner estava lecionando, a esposa ajudou a pintar a casa. O ano em que ocorreu a mudança para a nova residência foi também 159 TAFNER, Verônica Teresinha. Entrevista concedida a Evandro André de Souza e Jonas Felácio Júnior, em 24 de julho de 2019. 160 TAFNER, Verônica Teresinha. Entrevista concedida a Evandro André de Souza e Jonas Felácio Júnior, em 24 de julho de 2019. 161 Idem. 95 marcado pelo nascimento do primeiro filho, Malcon Tafner, no dia 26 de dezembro de 1970.162 O exemplo de determinação do casal lembra a saga dos imi- grantes alemães e italianos que vieram morar na região do Vale do Itajaí, enfrentando as mais diversas intempéries e adversidades. Com muita garra e coragem foram vencendo cada um dos desafios que o cotidiano apresentava. Após muita dedicação, o esforço era compen- sado e então vivenciavam melhores condições de vida. “Não se pode negar o esforço feito nessa caminhada até chegar na Rua Pastor Osvaldo Hesse e depois na Rua Engenheiro Odebre- cht e, finalmente, na casa da Vila Nova. Depois de termos sido sur- preendidos três vezes por invasores que nos furtaram muitos bens, passamos a morar no Edifício Alameda Residence, 900, 7o andar, onde permanecemos até hoje e, neste momento, apenas com a filha Marylin em casa. O Malcon, o Marlon e a Marlen constituíram suas famílias e nos deram sete netos.”163 A possibilidade de ofertar licenciaturas As novas questões regulatórias do Ensino Superior brasileiro representaram um marco na história da educação do Brasil, ocasio- nando inúmeras transformações significativas. Cabe mencionar que ocorreu a liberação do Ministério da Educação para que algumas instituições ofertassem cursos de licenciatura, como Filosofia, Ma- temática, Português, entre outras opções de estudo. “O MEC havia autorizado as universidades e faculdades, através de uma portaria, a oferecer em períodos de férias e finais de semana a complementação de estudos para os que tivessem somente o bacharelado. O objeti- vo era qualificar professores para que pudessem lecionar nas escolas onde não houvesse professores licenciados. O que trouxe do seminá- rio foi o bacharelado em Pedagogia. A licenciatura de Pedagogia e de Filosofia fui obrigado a buscá-las depois, a partir de 1969 e 1970, em períodos de férias.”164 Uma das principais características da trajetória de José Tafner foi a busca constante por qualificação profissional e aperfeiçoa- mento. Aproveitou a nova oportunidade viabilizada pelo governo e inscreveu-se para cursar a licenciatura em Filosofia na Faculdade 162 Idem. 163 TAFNER, José. Entrevista concedida a Evandro André de Souza e Jonas Felácio Júnior, em 1o de maio de 2020. 164 Idem. 96 Unijuí, de Ijuí, no Rio Grande do Sul. A instituição de ensino rea- lizou as aulas de graduação no período de férias das escolas. Mes- mo em regime especial, contemplava a carga horária exigida pelo Ministério da Educação para que o diploma fosse válido. Depois de ter cursado três anos do bacharelado em Filosofia e obtido o conhecimento para se tornar um filósofo, Tafner cursou um ano de disciplinas pedagógicas, habilitando-se para receber a certificação como licenciado.165 “A Faculdade de IJU/RS, hoje Unijuí, lançou a sua campanha e foi para lá que me candidatei, com todas as despesas para isto por conta própria.”166 Era necessário fazer o deslocamento de carro, porque não existiam linhas de ônibus que atendiam o trajeto. Uti- lizavam um veículo DKV durante a aventura de fazer uma viagem interestadual, em uma época de péssimas estradas. Eram compa- nheiros de viagem do casal José e Verônica os professores Gervásio Luz e Geraldo Luz, do Colégio Pedro II, dois educadores reconhe- cidos em Blumenau.167 Cursando Pedagogia em São Paulo Em termos de busca por conhecimento, formação intelectual e acadêmica, o professor Tafner foi incansável e persistente. Não mediu esforços para se deslocar até outros estados e frequentar as aulas, em horários diferenciados, em uma época de dificuldades de locomoção. “Com o diploma de bacharel e licenciado em Filosofia, me inscrevi para fazer a licenciatura em Pedagogia na faculdade que oferecia esse curso. Com a licenciatura poderia lecionar tam- bém Matemática.”168 Em horário especial, cursou a licenciatura em Pedagogia na Faculdade Anhanguera, nos anos de 1969 e 1970, na cidade de São Paulo. Essa instituição de ensino passou a funcionar no espaço onde anteriormente existia um Colégio Jesuíta. Tafner recorda com en- tusiasmo que teve aula com professores de primeira linha, como o padre e parapsicólogo espanhol Óscar González-Quevedo Bruzón, o popular Padre Quevedo. Em razão das formações acadêmicas 165 Idem, em 23 de julho de 2019. 166 Idem, em 1o de maio de 2020. 167 TAFNER, Verônica Teresinha. Entrevista concedida a Evandro André de Souza e Jonas Felácio Júnior, em 24 de julho de 2019. 168 TAFNER, José. Entrevista concedida a Evandro André de Souza e Jonas Felácio Júnior, em 1o de maio de 2020. 97 anteriores, existiu a possibilidade de convalidar algumas disciplinas e então se formar em um período menor.169 A esposa Verônica sempre apoiou a busca constante de conhe- cimentos por parte do marido, inclusive ia junto até Curitiba, onde ficava hospedada na casa de uma irmã. No retorno de São Paulo, Tafner reencontrava a esposa e voltavam para Blumenau. O casal ain- da não tinha filhos, o que possibilitava aventuras em busca do saber. Além de atividades em finais de semana e datas pré-estabelecidas, havia a necessidade de dedicar o mês das férias escolares para cursar essas disciplinas. Tafner conseguiu hospedagem na casa de um pri- mo. Como forma de economizar, preparava sempre no almoço arroz, feijão e ovo frito. Com menos de cinco anos de atividades como professor de es- colas públicas de Blumenau e municípios da região, Tafner recebeu convite para ser professor universitário. Antes de trabalhar na Furb, lecionou na Faculdade de Pedagogia da Fepevi (atual Universidade do Vale do Itajaí), de Itajaí, em 1968. 169 Idem, em 23 de julho de 2019. “O colegiado da época só permitiu que assumisse 4 horas semanais, para lecionar a disciplina História da Educação. Foi desta forma que iniciou sua trajetória na Furb, em agosto de 1970.” Os autores 99 José Tafner prestou concurso público para as disciplinas de His-tória da Educação, Introdução à Estatística e Testes Psicométri- cos no Curso de Pedagogia da Fundação Universidade Regional de Blumenau, em 4 de agosto de 1970. Após realizar a prova escrita, foi avaliado por uma qualificada e exigente banca examinadora, constituída por dois professores que vieram de Curitiba, além da professora Hella Altenburg, de Blumenau, que havia cursado mes- trado na Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Apesar de ob- ter a aprovação nas três cadeiras, o colegiado da época só permitiu que assumisse 4 horas semanais, para lecionar a disciplina História da Educação. Foi desta forma que iniciou sua trajetória na Furb, em agosto de 1970. Paralelamente, continuou lecionando nos colégios Pedro II e Santo Antônio, de Blumenau.170 Início das atividades de Ensino Superior em Blumenau Na década de 1950 surgiram as primeiras manifestações públi- cas pela implantação do ensino universitário em Blumenau. O pri- meiro marco foi o requerimento do vereador Bernardo Wolfgang Werner à Câmara Municipal, no dia 16 de outubro de 1956, para que fosse requisitado junto ao Governo do Estadode Santa Catarina a doação de uma área para a instalação do Ensino Superior na cida- de.171 Também foram publicados artigos de estudantes defendendo a implantação de uma universidade, considerando-se que somente os descendentes das famílias com maior poder econômico poderiam 170 TAFNER, José. Entrevista concedida a Evandro André de Souza e Jonas Felácio Júnior, em 23 de julho de 2019. 171 SCHMIT, Darlan Jeaver (Org.)..., et al. Em qualquer época, uma universidade se faz com pes- soas. Blumenau: Edifurb, 2016. CAPÍTULO 6 Os primeiros momentos da trajetória acadêmica de 25 anos na Furb 100 pensar na possibilidade de estudar em centros maiores, como Floria- nópolis ou Curitiba. Com o passar dos anos começou a ser ofertado de forma pública o curso Secundário no Colégio Pedro II. No dia 8 de novembro de 1956 iniciaram oficialmente os cursos Científico e Ginasial, em horário notur- no.172 Esse contexto de popularização do Ensino Médio em Blumenau contribuiu para o fortalecimento das reivindicações.173 No ano de 1962, a União Blumenauense de Estudantes iniciou a campanha “Blumenau precisa de uma Faculdade”, com apoio da Associação de Imprensa e Rádio do Vale do Itajaí.174 Como resultado desse histórico movimento, que uniu lideranças políticas e comunidade, através da Lei Municipal no 1.233, de 5 de março de 1964, o município de Blumenau criou a Facul- dade de Ciências Econômicas de Blumenau, primeira unidade de Ensi- no Superior a ser implantada no interior de Santa Catarina.175 O primeiro exame de admissão realizado no ano de 1964 ofere- ceu 35 vagas para o curso de Ciências Econômicas. O processo seletivo contou com 79 candidatos inscritos. A aula inaugural foi realizada no histórico dia 2 de maio de 1964, sendo posteriormente considerada esta data como a fundação oficial da Furb.176 O professor Lorival Be- ckhauser ressalta que os alunos das primeiras turmas eram provenien- tes do Curso Técnico em Contabilidade do Colégio Santo Antônio.177 No dia 24 de dezembro de 1968, através da Lei Municipal no 1.557, o prefeito Carlos Curt Zadrozny instituiu a Fundação Uni- versidade Regional de Blumenau178 Nos momentos iniciais as aulas aconteciam em unidades escolares. Com apoio da comunidade foi organizado o movimento para construção da sede própria. A inicia- tiva logrou êxito e no dia 2 de agosto de 1969 foram inaugurados os blocos A, B e C do campus I da Furb, na Rua Antônio da Veiga, onde atualmente funciona a maioria dos cursos superiores.179 Após trabalharem juntos no Colégio Pedro II, José Tafner e Lo- rival Beckhauser continuaram sendo colegas de trabalho e partici- param da façanha educacional de implantação da Furb, lecionando 172 SOARES, Luiz Antônio. PETRY, Sueli. Uma Contribuição para a História da Furb. Blumenau: Editora da Furb, 1992. 173 SCHMIT, op. cit., p. 9. 174 SOARES, op. cit., p. 17. 175 SCHMIT, op. cit., p. 11. 176 SOARES, op. cit., p. 25. 177 BECKHAUSER, Lorival. Entrevista concedida a Evandro André de Souza e Jonas Felácio Júnior, no dia 05 de setembro de 2019. 178 SCHMIT, op. cit., p. 13. 179 SCHMIT, op. cit., p. 12. 101 logo nos primeiros anos de atividades.180 A instituição ofertava sete cursos superiores: Economia, Direito, Letras com habilitações e li- cenciatura em Língua Portuguesa e Língua Inglesa; Pedagogia e Ma- temática (licenciatura e bacharelado); Química (bacharelado); e His- tória Natural (licenciatura e bacharelado).181 No momento histórico da fundação da universidade existiam poucos profissionais com formação acadêmica e que haviam cursado licenciaturas. O professor Lorival Beckhauser dedicou-se ao desafio de implantação da Faculdade de Educação Física, enquanto o pro- fessor Tafner estava envolvido com os cursos superiores nas áreas de Filosofia, Ciências e Letras, e iniciou o ensino especial de Estatística. Beckhauser complementa que José Tafner contribuiu nessa fase de implantação da Furb junto com os professores Rivadávia Wollstein, Buzarello, Fronza, Rufino, Arlindo e Milton Pompeu da Costa Ribei- ro, cada um colaborando na sua área de formação e conhecimento.182 Mestrado no Rio de Janeiro Uma das principais razões que motivaram José Tafner a viven- ciar um novo desafio em termos de capacitação acadêmica foram as transformações intensas que ocorreram na área educacional na década de 1970. “Com a implantação do vestibular unificado em todo o Ensino Superior brasileiro, foi excluída dos exames a disciplina de Desenho e os alunos passaram a deixá-la de lado. Anteriormente o vestibu- lar era ponderado de acordo com o curso superior que pretendiam, ou seja, para os que queriam ser engenheiros, arquitetos ou mesmo matemáticos, a nota de desenho tinha o valor ponderado de 6 pon- tos. Se os estudantes tirassem nota 6 no desenho, complementavam outros 4 pontos com as demais disciplinas. Quem era bom em dese- nho, praticamente já estava aprovado até nas melhores universidades brasileiras. Nessa época, além de lecionar diversas disciplinas, Tafner era professor de Desenho no Ensino Médio de alguns colégios parti- culares e públicos da região: Colégio Santo Antônio e Colégio Pedro II, em Blumenau; Colégio São Luís, em Brusque; e Colégio Salesiano Dom Bosco, de Itajaí. Com a queda dessa disciplina no vestibular, 180 BECKHAUSER, Lorival. Entrevista concedida a Evandro André de Souza e Jonas Felácio Júnior, em 5 de setembro de 2019. 181 SCHMIT, op. cit., p. 12. 182 BECKHAUSER, Lorival. Entrevista concedida a Evandro André de Souza e Jonas Felácio Júnior, em 5 de setembro de 2019. 102 os estudantes também perderam o estímulo de cursá-la, razão pela qual foi extinta. Depois de verificar o desestímulo dos estudantes do Ensino Fundamental e Médio, pedi demissão dos colégios particu- lares e exoneração dos públicos. Me candidatei para o mestrado da Fundação Getúlio Vargas na área da Educação, em Administração de Sistemas Educacionais. Fui fazer o exame de seleção em novembro de 1973 e fui aprovado com nota 9,5.”183 O professor Tafner sempre procurou vivenciar desafios profis- sionais e intelectuais. Dificilmente permanecia seguindo a mesma rotina por muito tempo. A busca incansável por novos rumos e pers- pectivas proporcionou uma mudança radical em sua vida. No ano de 1974, abriu mão do momento de estabilidade em que se encontrava, deixando de lecionar nos colégios de Blumenau e na faculdade, para realizar o projeto de cursar o mestrado no Rio de Janeiro. Naquela época era raro encontrar um profissional com mestrado na região do Vale do Itajaí, porque existiam poucas oportunidades para se alcan- çar esse nível de formação acadêmica.184 O Mestrado em Administração de Sistemas Educacionais do Instituto de Estudos Avançados em Educação da Fundação Getú- lio Vargas (Iesae/FGV) reunia pessoas de várias regiões brasileiras. Tafner foi o único inscrito de Santa Catarina que conseguiu ser apro- vado para ingressar no mestrado da FGV. A turma contemplou qua- se todas as regiões brasileiras, contando com alunos dos estados do Paraná, Rio Grande do Sul, São Paulo, Rio de Janeiro, Goiás, Minas Gerais, Pernambuco, Paraíba, Sergipe e Ceará. Grande parte dos mestrandos era composta por professores de instituições de ensino federal, por isso conseguiam liberação para es- tudar, mas continuavam recebendo a remuneração salarial. Naquela época a Furb não contava com uma política de liberação remunerada para capacitação de seus professores. José Tafner precisou pedir exo- neração e ficar sem renda.185 O objetivo de cursar o mestrado estava relacionado ao interesse específico na área da gestão educacional. Um dos aspectos marcantes dessa época relaciona-se ao encon- tro de José Tafner com José Paulino da Silva, muitos anos após cursa- rem os estudos em Lorena. Paulino destaca que os laços de amizade foram fortalecidos: “Em Lorena nossa convivência era mais próxi- ma entre os colegas da mesma turma. Sendo Tafner de uma turma dois anos adiantados, eu não tinha com ele e os demais de sua turma183 TAFNER, José. Entrevista concedida a Evandro André de Souza e Jonas Felácio Júnior, em 1o de maio de 2020. 184 Idem, em 23 de julho de 2019. 185 Idem. 103 o mesmo grau de aproximação que mantinha com os da minha. O que foi diferente quando de nossa convivência durante o curso de Mestrado em Educação que realizamos juntos na Fundação Getúlio Vargas, no Rio de Janeiro, de 1974 a 76”.186 José Paulino recorda detalhes de sua ida para o Rio: “Em 1974, eu era professor concursado da Universidade Federal de Sergipe e fui liberado para fazer meu curso de pós-graduação ‘stricto sensu’. Optei por fazer o curso na FGV, que oferecia o Mestrado em Educação em duas áreas de concentração: Administração e Filosofia e História da Educação. Após processo de seleção, recebi a comunicação que havia sido aprovado e que as aulas começariam em março. Tive os meses de janeiro e fevereiro para providenciar minha mudança de Aracaju para o Rio de Janeiro, o que não foi tão complicado, uma vez que eu era solteiro. Na quinzena que antecedia o início das aulas, cheguei no Rio e me hospedei num hotel no bairro da Lapa Antiga, cuja diá- ria era compatível com minha condição de estudante, que dispunha apenas de meu salário de professor Auxiliar de Ensino. No primeiro dia de aula lá estava eu em frente ao imponente prédio da FGV na enseada do Botafogo. Nosso curso era num casarão anexo ao prédio onde funcionavam os demais cursos daquela instituição”.187 O terror do professor de Metodologia Científica José Paulino da Silva relembra de um fato inusitado ocorrido durante a primeira aula de Metodologia Científica, oferecida aos alu- nos das duas turmas do mestrado: “O professor era um jovem de aproximadamente 25 anos, frente a todos nós que já passávamos dos 40. Não bastasse este impacto que a idade dele me causou, muito também me impressionou seu tipo físico. Bem magro e esbelto, com uma vasta cabeleira, tipo black power, óculos de aros finos e redondos à la Mahatma Gandhi, calças tipo boca de sino, e ao redor do pescoço, um cachecol de lã colorido, o que para mim, nordestino, era uma verdadeira novidade. Ao ini- ciar sua aula foi logo dizendo que aquela disciplina era eliminatória. Ou seja, quem ficasse reprovado nela, não poderia continuar o cur- so. Colocou no birô dois grossos livros e disse que naquele semestre íamos estudar o estruturalismo. E começou a falar com a rapidez de 186 SILVA, José Paulino da. Entrevista concedida a Evandro André de Souza, em 10 de julho de 2020 (via e-mail). 187 SILVA, José Paulino da. Entrevista concedida a Evandro André de Souza, em 10 de julho de 2020 (via e-mail). 104 quem manuseava uma metralhadora. Citou vários autores franceses que iríamos estudar. Falava um ‘carioquês’ com um timbre de voz que me lembrava o personagem Fedegoso, da música Felomena, de Jackson do Pandeiro. Os colegas sentados em semicírculo estavam todos de olhos vidrados no jovem professor falante, com a exceção de um, que parecia olhar perdido além do horizonte em direção de uma janela que dava para a rua. Olhei bem seu perfil, o que me deu a impressão de que o conhecia de algum lugar. Mas tentei prestar aten- ção no que o professor falava. Já se passavam trinta minutos de aula, e eu sem entender bulhufas. Pensei comigo mesmo: se as demais au- las forem iguais a esta, estou lascado! Comecei a imaginar uma su- cessão de fracassos. Já me sentia reprovado e, o pior, sem condições de voltar para o Nordeste. Como justificar aos colegas da universida- de que ficara reprovado na primeira disciplina do curso? Ai, meu pai eterno, onde foi que eu errei para merecer tamanho castigo? Nesse instante, termina a aula. Parecia que eu estava acordando de um pe- sadelo. Vi que a maioria dos colegas saíram cabisbaixos pelo corre- dor daquele velho prédio em direção a uma cantina que ficava anexa ao prédio vizinho. O clima era de pânico para não dizer de velório. Foi quando, ao chegar na cantina, me aproximei daquele colega que parecia ter conhecido em algum lugar e perguntei: como é teu nome? Respondeu-me: José Tafner. Quando me identifiquei, ele me deu um forte abraço. E, a partir daquele momento reiniciamos uma amizade mais estreita do que aquela que vivíamos em Lorena 12 anos atrás.”188 Sobre o tempo compartilhado com o amigo Tafner durante o mestrado, José Paulino da Silva traz algumas recordações: “Posso as- segurar que para mim não foi fácil enfrentar os desafios que a vida numa cidade cosmopolita me impunha. E, muito mais difícil foi para o Tafner, que de início deixara em Blumenau a esposa e dois filhos pequenos. Asseguro também que foi o grau de nossa amizade sadia que nos ajudou a vencer com êxito as dificuldades que o cotidiano da cidade grande nos apresentava e mais a tensão que a dinâmica do próprio curso nos impunha. Vencemos com êxito o pavor que foi criado, quando do estudo da disciplina Metodologia Científica e outras, formando grupos de estudo com outros colegas”.189 José Paulino destaca algumas lembranças sobre a turma do mestrado: “Um dado positivo que de certo modo também nos aju- dou a vencer as vicissitudes da vida no Rio de Janeiro foi a união que aos poucos nossa turma foi estabelecendo. Éramos dois gaúchos, 188 Idem. 189 Idem. 105 Gaudêncio Frigotto e Antônio Fagundes; uma goiana, Darcy; um pa- raibano, Ivanildo Coelho de Holanda; uma mineira, Olinda Noronha; uma pernambucana, Ivoneide Anacleto Porto; um maranhense, Ma- noel de Jesus; uma paranaense, Ana Neotti; e uma carioca, Filomena. Comigo e Tafner, perfazia 11. Entre esses colegas nossa aproximação maior foi com os dois gaúchos e com o paraibano. Mas todos con- tribuíram, cada um a seu modo, para amenizar nosso convívio não apenas no curso, como também os dias transcorridos naquela cidade sempre agitada, de paisagens belas, muitas das quais só apreciávamos à distância, como a famosa praia de Copacabana, o morro do Pão de Açúcar com seus bondinhos, a Barra da Tijuca. Com a exceção do Cristo Redentor, que fomos uma vez, num domingo de tarde”.190 Os desafios econômicos que precisavam ser superados José Tafner e José Paulino da Silva passaram a compartilhar um quarto, como forma de possibilitar uma economia dos recursos. “Desde o primeiro momento de nosso encontro na cantina, combi- namos dividir o aluguel de um quarto ou quitinete, pois o aluguel de um apartamento fugia às nossas condições financeiras. Depois de vasculhar os classificados dos jornais, encontramos vaga em um quarto de apartamento na Enseada do Botafogo. Era uma senhora paraense que alugava um apartamento e sublocava os três quartos, com três camas, cada um. Fomos até o local e fechamos negócio. Ela só oferecia no café da manhã um pão com manteiga e uma xícara de café puro. Na mesma noite já estávamos lá. Uma das vagas de nosso quarto já estava alugada a um vendedor de remédios, que ficava o dia todo na rua e só vinha à noite”, recorda Paulino.191 Além dos desafios no âmbito acadêmico, Tafner precisou enfren- tar os problemas financeiros. Para garantir a sobrevivência nas primei- ras semanas de mestrado, utilizou a reserva que obteve com a venda de um terreno. Porém, os custos eram elevados, precisava se manter no Rio de Janeiro e ainda sustentar os familiares que ficaram em Blume- nau. Mesmo diante do sonho de se tornar mestre, decidiu que desisti- ria dessa etapa de estudos caso não encontrasse alguma possibilidade de renda.192 Umas das alternativas foi solicitar uma bolsa da Capes. Esteve pessoalmente no prédio da Coordenação de Aperfeiçoamento 190 Idem. 191 Idem. 192 TAFNER, José. Entrevista concedida a Evandro André de Souza e Jonas Felácio Júnior, em 23 de julho de 2019. 106 de Pessoal de Nível Superior, que na época funcionava na cidade do Rio de Janeiro. Tafner literalmente implorou por uma bolsa de pesqui- sa, pois caso não conseguisse o auxílio teria que desistir do mestrado. Recebeu ótimo atendimento e os profissionais pediram que aguardas- se alguns dias para que tentassemencontrar uma solução. Verônica Tafner recorda que havia a preocupação para encon- trar uma maneira de se manter economicamente. Ao mesmo tempo que seu marido deveria fazer o mestrado, porque o colegiado da Furb era exigente, a família estava ficando sem renda. Tafner precisava se manter no Rio de Janeiro e os familiares também necessitavam de suporte em Blumenau. Em determinada ocasião, teve a intuição de pedir ajuda para o deputado Aldo Pereira de Andrade, que atendia a população em um escritório na Rua 7 de Setembro, em Blumenau. Foi atendida e relatou ao parlamentar a situação de dificuldade que sua família estava vivenciando. Verônica explicou que a única forma de seu marido prosseguir o mestrado era a obtenção de uma bolsa de estudos, pois precisou abrir mão de seu trabalho como professor para poder realizar essa etapa de formação acadêmica. O deputado Aldo foi atencioso e se comprometeu em tentar auxiliar para que o professor Tafner fosse contemplado com uma bolsa de estudos. Inclusive, aconselhou Ve- rônica a ir para o Rio de Janeiro com os filhos, para apoiar o marido durante o mestrado.193 Pouco tempo após as solicitações de apoio, José Tafner foi então contemplado com a bolsa da Capes. Abraçou a todos quando soube da notícia positiva. O benefício estudantil per- mitiu a continuidade do mestrado e, paralelamente, a mudança de seus familiares para o Rio de Janeiro, no segundo semestre de 1974. Após a confirmação de que receberia a bolsa de estudos, a famí- lia comemorou a boa notícia e desfrutou da sensação de alívio. Para receber os familiares, Tafner alugou um pequeno apartamento, uma espécie de quitinete, no bairro Botafogo. José Paulino comenta que depois de um mês residindo no quarto alugado foi possível então a mudança para outro imóvel: “Conseguimos alugar uma quitinete também na Enseada do Botafogo. Era no 10o andar de um edifício que ficava em cima da livraria Entre Livros e de um bar movimenta- díssimo. Mas a quitinete ficava na parte central do prédio, não dava para ouvir o menor ruído da rua. Era um pequeno quarto, que só dispunha de um fogãozinho de duas bocas, um pequeno banheiro com um vaso sanitário, um chuveiro e uma piazinha que mal cabiam as palmas das mãos. Com o aluguel da quitinete garantido por três 193 TAFNER, Verônica Teresinha. Entrevista concedida a Evandro André de Souza e Jonas Felácio Júnior, em 24 de julho de 2019. 107 meses, Tafner resolveu buscar a família em Blumenau. Antes, porém, fomos comprar um sofá bicama, um colchão de casal, um armário de casal e uma mesinha de quatro lugares dobrável, com respectivas cadeiras também dobráveis. Era toda nossa mobília. Fizemos uma divisória na quitinete usando o guarda-roupa. De um lado, a bicama e do outro lado, o colchão de casal. Na bicama eu dormia na parte de cima, e uma das crianças, o Malcon, na parte de baixo”.194 Verônica se mudou então para o Rio de Janeiro com os filhos. Malcon estava com 3 anos e meio e Marlon com apenas 1 ano e meio.195 O apartamento situava-se bem próximo da Fundação Ge- túlio Vargas. Dessa forma Tafner podia fazer o trajeto caminhando e assim economizava no transporte. A passagem da família no Rio de Janeiro apresenta uma série de particularidades, sendo a principal delas a ajuda que receberam de pessoas que antes eram desconheci- das. Da mesma forma que foram solidários com os irmãos de Tafner, que estudaram em Blumenau, alguns anos depois receberam auxílio das mais diversas maneiras no período do mestrado. Em razão da mudança para o Rio de Janeiro, faltava de tudo um pouco, porque os móveis e utensílios domésticos haviam ficado na residência de Blu- menau. A solidariedade dos professores da FGV foi algo especial e que até hoje é lembrado com carinho pela família Tafner. Apesar da simplicidade em que se encontravam, nunca pensou em reclamar dos desafios que estava enfrentando e seguiu em frente. “Quando a família chegou de Blumenau, fiquei pensando o quanto iria ser difícil para aquelas crianças em idade de se movimentar, viver naquele aperto. E para a mãe, Verônica, que deixara em Blumenau o conforto de uma casa grande com jardim, como ela iria aguentar? Que sacrifício, meu Deus! Para nós que vivíamos grande parte do tempo na FGV, o sacrifício da vida confinada na quitinete era bem menor”, pondera Paulino.196 As crianças brincavam dentro do pequeno apartamento e, em uma dessas travessuras, Malcon caiu da cama sobre o seu braço, oca- sionando muitas dores. Como os dias passaram e a situação não me- lhorava, foram procurar por auxílio médico em Ipanema. Tafner re- corda que o médico tirou raios-X de várias posições e constatou que não havia ocorrido nenhuma fratura, ou mesmo fissuras nos ossos. 194 SILVA, José Paulino da. Entrevista concedida a Evandro André de Souza, em 10 de julho de 2020 (via e-mail). 195 TAFNER, José. Entrevista concedida a Evandro André de Souza e Jonas Felácio Júnior, em 23 de julho de 2019. 196 SILVA, José Paulino da. Entrevista concedida a Evandro André de Souza, em 10 de julho de 2020 (via e-mail). 108 O doutor não receitou remédios e indicou que os familiares fizessem uma compressa com água quente e toalha, que deveria ser trocada e assim sucessivamente. O resultado foi surpreendente e a lembrança sobre esse acontecimento permanece na memória da família Tafner até os dias atuais. No dia seguinte ao acontecimento, contou o fato para os colegas de mestrado e para os professores. Uma professora também quis ajudar e deu uma pomada para que fosse aplicada no braço de Malcon. Cabe mencionar que de vez em quando as crianças iam com o pai na FGV e eram conhecidas por todos.197 O companheiro da família Tafner, José Paulino, periodicamente fazia algum passeio, ou saía de noite. No retorno sempre trazia algo para casa, fosse uma colher, um garfo, uma faca, ou pratos descar- táveis. De forma descontraída, Verônica lembra que em Blumenau não conheciam os pratos descartáveis, sendo uma novidade para a família, enquanto que no Rio de Janeiro já era algo comum. Ape- sar da bolsa de estudos, era preciso saber usar bem os recursos e ter bastante criatividade. Chegavam a lavar os pratos descartáveis, para reaproveitá-los em outras refeições.198 Essas informações são relevantes porque demonstram todo o es- forço do professor José Tafner em obter novos conhecimentos e pros- seguir em sua carreira acadêmica. Quem o conheceu na época de gló- rias, de recebimento de homenagens e títulos, muitos anos depois, não faz ideia da dedicação hercúlea para superar essa etapa de estudos, um dos momentos mais desafiadores da história da família Tafner. Os sacrifícios daquele período, que resultaram em momentos desgastantes e de angústia, hoje são recordados com nostalgia, por- que fazem parte de uma etapa que foi vencida. José Paulino recorda do dia em que foi necessário empenhar a máquina de datilografia: “Nossos salários algumas vezes atrasavam. Foi o que aconteceu no mês em que faltava pagar a última prestação do sofá-cama. A loja não quis conversa. Mandou um funcionário recolher o sofá. Por sorte tí- nhamos uma pequena máquina de datilografia, também comprada a prestação, e a entregamos como garantia na loja em que compramos o sofá, até conseguir pagar. O que foi feito dois dias depois”.199 Em relação às acomodações na quitinete, Paulino relata algu- mas particularidades: “Para dormir, as crianças eram acomodadas 197 TAFNER, José. Entrevista concedida a Evandro André de Souza e Jonas Felácio Júnior, em 23 de julho de 2019. 198 TAFNER, Verônica Teresinha. Entrevista concedida a Evandro André de Souza e Jonas Felácio Júnior, em 24 de julho de 2019. 199 SILVA, José Paulino da. Entrevista concedida a Evandro André de Souza, em 10 de julho de 2020 (via e-mail). 109 assim: o mais novo, Marlon, dormia com os pais, e o mais velho, Malcon, dormia na parte de baixo do sofá-cama. De vez em quando ele fazia xixi, molhando seus lençóis, e de imediato subia para vir dormir comigo. E,quando acontecia de fazer xixi no meu lado, o jeito era eu pegar umas toalhas de banho enxutas e forrar nosso leito até o dia amanhecer. Numa dessas vezes, ao ver meu sofá molhado, ele me perguntou bem baixinho: ‘Paulino, foi você que fez xixi na cama?’ Eu disse: ‘Foi, mas não conta pra ninguém não!’. Ele, bem sério, balançou a cabeça garantindo que não contaria”.200 Posteriormente passaram a residir em um subsolo, onde ante- riormente estava morando um mestrando do Rio Grande do Sul que havia concluído sua formação. “Depois de certo tempo conseguimos informação de que havia para alugar um apartamento num subsolo de uma casa situada na rua que iniciava ao lado do famoso Hotel Glória, na subida da ladeira do outeiro da igreja da Glória, uma das mais antigas do Rio. E lá fomos, ladeira acima, verificar. Apesar de ser um subsolo, era bem melhor que a quitinete. Tinha um quarto, uma sala e uma pequena área por onde se via o azul do céu e as an- tenas da Rádio Globo. Como a proprietária da casa morava no andar superior, fechamos negócio e no dia seguinte tratamos da mudan- ça. Ali nos instalamos até o fim do curso. Três anos de convivência na cidade maravilhosa, sem condições de usufruir das maravilhas daquela capital das mais importantes do país, cantadas em prosa e verso. Salvo uma vez que fomos de ônibus ao estádio do Maracanã, assistir uma partida final de campeonato entre Flamengo e Flumi- nense. Uma verdadeira aventura.”201 Um fato pitoresco dessa época diz respeito ao sono dos peixinhos. “Num sábado pela manhã passamos por uma loja que vendia aquários pequenos e peixinhos coloridos. Compramos dois peixinhos e uma caixinha de vidro. Levamos para as crianças. Imagine a festa que fize- ram! Dois dias depois, ao chegarmos para o almoço, fomos recebidos pelo Malcon pedindo que não fizéssemos barulho. Nos pegou pelas mãos e nos levou até a pequena área de serviço, onde ele e o irmão fizeram uma caminha com trapos de pano e onde haviam colocado os peixinhos para ‘dormir’ E lá estavam os dois peixinhos já duros, mas bem cobertos, num profundo sono”, conta Paulino.202 José Paulino da Silva criou um forte vínculo com a família Tafner: “Foram três anos que enriqueceram nosso currículo com as aprendizagens significativas que até hoje perduram. A mais preciosa 200 Idem. 201 Idem. 202 Idem. 110 delas foi a consolidação de uma amizade construída no dia a dia com mútuo respeito e compreensão. Em todo nosso cotidiano, nun- ca tivemos o menor desentendimento em nada. Pelo contrário, a boa vontade e a paciência eram forças que nos uniam de segunda a segunda”.203 Alguns anos depois, no momento do nascimento da primeira filha do casal José e Verônica, José Paulino foi convidado para ser o padrinho do batizado de Marlen, realizado em Blumenau. Aperfeiçoamento enquanto acadêmico e educador Concomitantemente aos estudos acadêmicos, José Tafner passou a realizar um projeto para analisar os cursos de mestrado em Educa- ção ofertados no país. Na década de 1970 existiam 12 cursos de mes- trado nessa área de formação, enquanto atualmente existem centenas. Para desenvolver o trabalho de pesquisa, visitou pessoalmente todas as instituições que ofertavam essa modalidade de mestrado. Conversou com professores, esteve nas bibliotecas e conheceu de perto a estrutu- ra oferecida por cada curso de pós-graduação.204 Após desenvolver o projeto por alguns meses, apresentou um relatório para o Ministério da Educação, com suas constatações e análise de dados sobre as uni- versidades que ofertavam mestrado em Educação. Depois de quase desistir do mestrado e ter vivenciado muitos sacrifícios, a situação ficou bem melhor. Além da bolsa da Capes, Tafner recebeu convite para auxiliar a equipe de pesquisas da Fun- dação Getúlio Vargas na área de estatística. A nova proposta ajudou consideravelmente no sustento da família e significou uma motiva- ção a mais, por considerar estatística como uma paixão em sua vida profissional e por causa da relação desse tipo de conhecimento com a área de medidas educacionais.205 Tafner lecionou a disciplina de Estatística Educacional na Uni- versidade Gama Filho do Rio de Janeiro, no segundo semestre de 1974 e também no primeiro semestre de 1975. Considera que foi uma experiência proveitosa. Em parceria com um colega de estudos na Fundação Getúlio Var- gas, Tafner desenvolveu outro projeto de relevância na época do mes- trado. Precisou acompanhar atividades de formação de professores 203 Idem. 204 TAFNER, José. Entrevista concedida a Evandro André de Souza e Jonas Felácio Júnior, em 23 de julho de 2019. 205 TAFNER, José. Entrevista concedida a Evandro André de Souza e Jonas Felácio Júnior, em 23 de julho de 2019. 111 e desenvolver capacitações sobre administração do ensino e discipli- nas relacionadas. O público-alvo desse treinamento era o de admi- nistradores educacionais de vários estados do Brasil. Na região Sul as ações foram desenvolvidas em Porto Alegre e em Florianópolis. Os mestrandos da FGV realizavam toda a etapa preparatória e de plane- jamento, prestando a assessoria que fosse necessária para professores e técnicos das secretarias de Educação do país. Instituto de Planejamento da Furb Ao retornar do Rio de Janeiro em 1976, Tafner recebeu convite para integrar a equipe do Instituto de Planejamento da Furb. O Iplan era coordenado pela professora Hella Altenburg e também fazia par- te dessa estrutura a professora Gertrudes Kniess Medeiros. O trio de pesquisadores educacionais trabalhou em projetos relevantes. Um dos principais foi o desenvolvimento do Plano de Organização do Ensino Fundamental do Estado de Santa Catarina. O projeto-piloto foi aplicado em cinco regiões de Santa Catarina. Através de pesquisa buscou-se analisar como a população estava recebendo as mudanças realizadas pelo governo estadual na questão do ensino primário. Outro projeto importante desenvolvido pelo instituto na déca- da de 1970 relaciona-se a aplicação de pesquisa sobre a possibilidade de colocação de um segundo professor nas primeiras séries do Ensi- no Fundamental em Santa Catarina. Desta forma os professores titu- lares das classes de alfabetização receberiam auxílio, especialmente em relação aos estudantes com maior dificuldade de aprendizagem. Com caráter experimental, a iniciativa foi aplicada em cinco escolas estaduais. Tafner trabalhava 40 horas na Furb, conciliando projetos e pesquisas no Iplan com as atividades docentes, sendo que lecionava as disciplinas de Desenho e Matemática.206 Eleito diretor da Faculdade de Ciências e Letras O ano de 1977 ficou marcado na vida do professor José Tafner como um momento de desafios e resolução de problemas. A Furb era uma instituição de Ensino Superior que não havia conquista- do ainda a condição e o status de universidade. Um dos principais desafios enfrentados naquele período estava relacionado à questão 206 TAFNER, José. Entrevista concedida a Evandro André de Souza e Jonas Felácio Júnior, em 23 de julho de 2019. 112 dos currículos. Os novos professores mudavam os conteúdos pro- gramáticos das disciplinas, até mesmo de um semestre para outro. As diferentes matrizes existentes impediam que ocorresse uma pa- dronização.207 Um grupo de professores começou a divulgar que acreditava no potencial de José Tafner para assumir a direção da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras e resolver a confusão generalizada. Tafner aceitou o desafio e se candidatou, sendo vitorioso no processo eleito- ral realizado no primeiro semestre de 1977. Foi eleito praticamente por unanimidade, para desempenhar essa função nos anos de 1977 e 1978. O grande marco de Tafner enquanto diretor da faculdade foi a organização de um currículo único, que beneficiou os acadêmicos e impactou positivamente o cotidiano de atividades da instituição. Tafner considera que a realização desse trabalho administrativo ga- rantiu o respaldo para disputar a eleição como reitor.208 207 Idem. 208 Idem. 113O trabalho desenvolvido como diretor da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Furb habilitou José Tafner para concorrer ao cargo de reitor. O processo eletivo representa um dos aspectos mais interessantes de sua trajetória na instituição. Poucos meses depois de ter vencido uma eleição, já estava participando de outra, tamanha foi a repercussão da organização das matrizes curricula- res da graduação.209 A eleição para reitor em 1978 apresentava algumas particulari- dades. Os alunos não tinham direito a voto, somente poderiam votar os servidores e professores. Tafner obteve êxito na disputa e foi o mais votado.210 A eleição para reitor significou um feito de grandes proporções para a trajetória profissional de José Tafner. Com apenas três anos de atividades após o retorno do mestrado, logrou êxito para ocupar o principal cargo da instituição. Transformações na Furb, na década de 1970 José Tafner foi nomeado reitor no dia 16 de março de 1978, ten- do como vice-reitor Mário Wisintainer, um dos profissionais pionei- ros da história da faculdade. Tafner sucedeu na reitoria o professor Ignácio Ricken, que exerceu esta função de 1974 a 1978. Anterior- mente, os reitores foram o padre Orlando Maria Murphy, de 1970 a 1974 e Martinho Cardoso da Veiga, de 31 de dezembro de 1968, até 18 de março de 1970. Tafner foi o quarto educador a ocupar a prin- cipal função administrativa universitária. 209 TAFNER, José. Entrevista concedida a Evandro André de Souza e Jonas Felácio Júnior, em 23 de julho de 2019. 210 Idem. CAPÍTULO 7 O primeiro mandato como reitor da Furb 114 Assumiu a gestão no final de uma década marcada por uma sé- rie de acontecimentos importantes para a instituição. O Ministério da Educação reconheceu os cursos superiores pioneiros no ano de 1972. Em maio de 1974 foi instituída a Faculdade de Educação Físi- ca e Desportos, e posteriormente a Faculdade de Engenharia. A Lei Municipal no 2.016, de 22 de julho de 1974, alterou a denominação de Fundação Universidade Regional de Blumenau, para Fundação Educacional da Região de Blumenau. Em 1976 aconteceu a criação da Divisão de Assistência aos Estudantes e no mesmo ano teve início as atividades do Diretório Central dos Estudantes.211 O professor Lorival Beckhauser foi nomeado chefe da Divisão de Assistência aos Estudantes e auxiliou na implantação e organiza- ção das moradias estudantis. Recebeu bastante apoio de Tafner, que possuía sensibilidade comunitária, em atender o aluno que vinha de fora de Blumenau para estudar na Furb, mas não contava com um local para ficar alojado.212 Outra ação que ocorreu nesse período foi a fundação da Associação de Professores da Furb. Sobre a atuação de José Tafner enquanto reitor da Furb, Beckhauser cita o entusiasmo nas atividades da reitoria: “O Tafner não andava, corria por tudo, quem quisesse acompanhá-lo tinha que sair correndo atrás dele”.213 211 SCHMIT, Darlan Jeaver (organizador)... {et al.}. Em qualquer época, uma universidade se faz com pessoas. Blumenau: Edifurb, 2016. 212 BECKHAUSER, Lorival. Entrevista concedida a Evandro André de Souza e Jonas Felácio Júnior, em 5 de setembro de 2019. 213 Idem. José Tafner iniciou a carreira na Furb como docente e posteriormente ocupou a função de reitor desta instituição. Acervo Centro de Memória Universitária – CMU/Arquivo da Furb 115 Eficiência para enfrentar os desafios financeiros Passado o momento de euforia e felicidade da posse na reitoria, houve a necessidade de colocar a casa em ordem, considerando-se o cenário de endividamento da faculdade. Tafner começou a desenvol- ver seu ritmo de trabalho, sempre com o pensamento na instituição, mesmo que fosse necessário adotar medidas impopulares. Existia um grupo de professores provenientes de Porto Alegre que semanalmen- te se deslocava para lecionar em Blumenau. Os educadores ficavam hospedados em hotel, davam aula no sábado de manhã e então retor- navam para suas respectivas cidades de origem. A faculdade investia um valor elevado para custear as passagens aéreas, deslocamentos, hospedagem e alimentação. Da mesma forma havia educadores que vinham todas as semanas de Curitiba.214 214 Entrevista concedida por José Tafner ao Projeto Universidade Regional de Blumenau e sua História, em 15 de abril de 2000, para os entrevistadores Balbino Simor Rocha, Luís Vendelino Colombi, Andréia Ferreti e Clarice Ehmke. Reitor José Tafner prestigiando a posse da Gestão 1981/82 do DCE da Furb. Acervo Centro de Memória Universitária – CMU/Arquivo da Furb 116 Tafner negociou a demissão desses profissionais e realizou os acordos trabalhistas. Naquela época os funcionários eram contrata- dos sob o regime da CLT. Existiu uma repercussão contrária a essa decisão, no entanto, fez o que era melhor para a instituição e auxiliou efetivamente para equilibrar as finanças. Tafner menciona que no final da década de 1970, a região de Blumenau já contava com pro- fessores qualificados que poderiam lecionar as disciplinas, não ha- vendo a necessidade de trazer docentes de outras regiões.215 Segundo o chefe de gabinete da reitoria da Furb daquele período, Aloir Arno Spengler, “o professor Tafner agia com um senso de administração muito justo”. Mesmo que existisse a necessidade de demitir alguém, de enxugar a máquina e fazer os ajustes administrativos e financeiros necessários, sempre pautava suas ações no objetivo comum, visando o bem-estar de todos.216 A ampliação da estrutura física da faculdade Quando assumiu a reitoria em 1978, Tafner conheceu o projeto que previa a construção de um novo campus da Furb, na localidade de Passo Manso. A proposta elaborada por arquitetos de uma em- presa de Campinas projetava uma área física para atender até 20 mil alunos, mas a instituição não contava com recursos para executá-la. Caso o projeto fosse realmente implantado, haveria a necessidade de aquisição de terrenos de quase 20 famílias, o que exigiria uma nego- ciação de grandes proporções.217 Diante da necessidade de crescimento, foram encontradas alter- nativas de acordo com a realidade econômica da instituição. José Ta- fner participou de audiência com o governador Jorge Bornhausen no dia 30 de maio de 1979. Na oportunidade foram apresentadas várias reivindicações, de fundamental importância para a Furb. Um dos principais pedidos esteve relacionado ao aumento da área do campus universitário, considerando-se a saturação que estava ocorrendo. So- licitou-se dotação orçamentária visando à viabilização desse projeto. Tafner expôs ainda para Bornhausen a necessidade de construção de um anfiteatro, que possibilitaria a realização de cursos, conferências 215 Idem. 216 SPENGLER, Aloir Arno. Entrevista concedida a Evandro André de Souza e Jonas Felácio Júnior, em 6 de setembro de 2019. 217 Entrevista concedida por José Tafner ao Projeto Universidade Regional de Blumenau e sua História, em 15 de abril de 2000, para os entrevistadores Balbino Simor Rocha, Luís Vendelino Colombi, Andréia Ferreti e Clarice Ehmke. 117 Inauguração do Complexo Esportivo. Destaque: Sala de ginástica e musculação. Local: Campus I da Furb – Blumenau. Data: 11/06/1982. Acervo Centro de Memória Universitária – CMU/ Arquivo da Furb Inauguração do Complexo Esportivo. Destaque: quadra poliesportiva. Local: Campus I da Furb – Blumenau. Data: 11/06/1982. Acervo Centro de Memória Universitária – CMU/Arquivo da Furb Construção do Bloco G. Data: 1981. Fotógrafo: Rogério Neri. Acervo Centro de Memória Universitária – CMU/Arquivo da Furb 118 Vista aérea do Campus I da Furb. Destaque: construção do Bloco G. Data: 1981. Acervo Centro de Memória Universitária – CMU/Arquivo da Furb Vista parcial do Campus I da Furb. Data: 1981. Acervo Centro de Memória Universitária – CMU/Arquivo da Furb 119 Vista parcial do campus I da Furb. Destaque: construção do Bloco G. Acervo Centro de Memória Universitária – CMU/Arquivo da Furbe debates. Da mesma forma abordou-se a demanda de se construir mais salas de aula.218 O planejamento estratégico apresentou resultados expressivos. No ano de 1981 foi entregue à comunidade acadêmica o novo prédio da Furb, localizado defronte à Faculdade de Engenharia. A nova es- trutura, com capacidade para atender aproximadamente 600 alunos, apresentava área de 1.384 metros quadrados e três pavimentos. O espaço contava com salas de aula e laboratórios, com a obra sendo orçada em 17 milhões de cruzeiros. Parte desse montante foi subven- cionada pelos governos estadual e federal.219 Vale ressaltar que a ins- tituição obteve considerável incentivo da comunidade, que apoiou a campanha comunitária pró-ampliação do espaço físico da Furb. Através da participação da sociedade blumenauense e regional, foi possível angariar cerca de 7 milhões de cruzeiros, o que contribuiu efetivamente para viabilizar a construção.220 Em termos de infraes- trutura e melhorias, destaque também para a ampliação dos blocos B e C, construção do bloco G em 1981, além da construção do com- plexo esportivo, em 1982.221 218 Informações extraídas do Boletim Universitário da Fundação Educacional da Região de Blu- menau. Blumenau, 1o a 15 de maio de 1979, no 11. 219 Informações extraídas do Informativo da Reitoria. Blumenau, abril de 1981, no 17. 220 Idem. 221 SCHMIT, op. cit., p. 16. 120 O status de referência nacional à Furb Enquanto reitor, José Tafner fazia questão de trazer para Blume- nau alguns dos principais profissionais da equipe de trabalho do Mi- nistério da Educação. As autoridades ficavam impressionadas com a organização que presenciavam. Esse diferencial projetou a institui- ção nacionalmente. Além da questão da limpeza impecável, existia o cuidado com os jardins floridos, que embelezavam o ambiente uni- versitário. Os técnicos do MEC se deparavam constantemente com realidades totalmente diferentes Brasil afora. Era bastante comum se depararem com paredes sujas, ambientes pichados e muita sujeira. O diferencial de organização e ordem foram fatores essenciais para que a equipe de gestão de Tafner conseguisse a liberação de recursos. O aporte financeiro foi fundamental para viabilizar projetos e ações da Furb.222 Na edição de 15 de julho de 1978, a revista Manchete publi- cou um suplemento especial intitulado “Universidade 78”. No con- teúdo desse volumoso material, constava a reportagem “Furb – uma Universidade Modelo”. Mais vagas Uma das principais contribuições de José Tafner para o cresci- mento da Furb, em sua primeira gestão como reitor, relaciona-se à ampliação do número de vagas ofertadas anualmente. Ele encami- nhou pedido formal ao Conselho Federal de Educação, solicitando o aumento das vagas nos cursos. Obteve resposta positiva e a partir de 1979 a instituição começou a realizar dois vestibulares durante o ano letivo, com a entrada de novos acadêmicos ocorrendo em janei- ro e agosto. Portanto, a cada semestre poderiam entrar 50 alunos, em cada curso de graduação, totalizando cem por ano, o dobro do que era ofertado anteriormente. Além de propiciar condições para o fortalecimento da faculdade, a ação foi de grande importância para a democratização do acesso ao Ensino Superior, beneficiando a co- munidade regional.223 Tafner se posicionou no âmbito acadêmico em prol do aluno, no sentido de proporcionar o estudo para o maior número possível de pessoas. Sempre defendeu a possibilidade de mais indivíduos 222 Entrevista concedida por José Tafner ao Projeto Universidade Regional de Blumenau e sua História, em 15 de abril de 2000, para os entrevistadores Balbino Simor Rocha, Luís Vendelino Colombi, Andréia Ferreti e Clarice Ehmke. 223 Idem. 121 obterem a formação intelectual e universitária. Durante a década de 1970 a Furb iniciou as atividades dos cursos de Ciências Con- tábeis, Administração, Engenharia Civil, Engenharia Química, Educação Artística e Educação Física.224 Posteriormente ocorreu o reconhecimento da habilitação Orientação Educacional do curso de Pedagogia. Esta foi a quarta habilitação obtida pela graduação, considerando-se que já contava com Magistério, Administração Escolar para o Exercício na Escolas de 1o grau e Administração Es- colar para o Exercício na Escolas de 1o e 2o graus.225 Naquela opor- tunidade o diretor da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras era o professor João Joaquim Fronza. Entre 1978 e 1981 foram implantados cursos de pós-graduação em nível de especialização nas áreas de negócios, Economia, Admi- nistração e Ciências Contábeis. A Furb passou a ofertar os seguintes cursos de pós-graduação lato sensu: Educação Física, Letras, Peda- gogia e Engenharia Civil. Com o início das atividades da pós, a ins- tituição contribuiu efetivamente no processo de especialização dos profissionais de Blumenau e região.226 A parceria com instituições de ensino do Vale do Itajaí foi outro aspecto importante de sua primeira gestão. Os projetos protocolados junto ao Conselho Federal de Educação foram aprovados, oportu- nizando desta forma a implantação de novos cursos. A Fundação Educacional do Alto Vale do Itajaí (Fedavi), situada em Rio do Sul, passou a oferecer as graduações de Letras, Pedagogia, Direito e Quí- mica, através de convênio com a Furb. Tafner esteve em diversas oca- siões no município de Rio do Sul. Recebia convites para realizar as solenidades de formatura. Na época os eventos aconteciam no Cine Teatro Dom Bosco. Inclusive, seu irmão Emir se formou em uma das primeiras turmas de Administração da Fedavi. Considera que o município de Rio do Sul ganhou muito com a condição de ser um polo da Furb.227 Desde o início de suas atividades a Fundação Universidade Re- gional de Blumenau contribuiu com a formação de estruturas do Ensino Superior em municípios do Vale do Itajaí. A Furb organi- zou duas divisões universitárias. O padre Orlando Murphy assumiu a função de diretor da Divisão Educacional de Brusque, enquanto 224 SCHMIT, op. cit., p. 14. 225 Informações extraídas do Boletim Universitário da Fundação Educacional da Região de Blu- menau. Blumenau, maio de 1978, no 06. 226 SCHMIT, op. cit., p. 29. 227 TAFNER, José. Entrevista concedida a Evandro André de Souza e Jonas Felácio Júnior, em 23 de julho de 2019. José Tafner participando da formatura da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, no ano de 1980. Acervo do Centro de Memória Universitária – CMU/Arquivo da Furb 123 a direção da Divisão Educacional de Rio do Sul era desempenhada pelo professor Viegand Eger.228 Além das ações que contemplaram o Ensino Superior, foi de- dicada atenção para auxiliar a resolver o problema do êxodo rural e da falta de mão de obra especializada na área agrícola e pecuária do Vale do Itajaí. Com esse objetivo foi criada a Escola Técnica de Agro- pecuária do Vale do Itajaí. No dia 3 de março de 1980 iniciaram as atividades do Curso Técnico de Agropecuária em nível de 2o Grau.229 Através dessa iniciativa foram desenvolvidos diversos projetos nas áreas de suinocultura, avicultura e hortaliças no campus de Gas- par. Em 1981 houve mudança na nomenclatura da instituição: pas- sou a ser chamada Escola Técnica Vale do Itajaí (Etevi). Outra ação relevante diz respeito à criação dos cursos de Técnico em Processa- mento de Dados, Técnico em Estatística e Técnico em Desportos.230 Posteriormente foram criados os cursos técnicos em Eletrônica Di- gital e o Colegial, equivalente ao Ensino Médio. Apoio às atividades culturais A realização de atividades especiais para comemorar o ani- versário de fundação da instituição representou um marco da pri- meira gestão de Tafner. Com apoio de estruturas universitárias, o Setor de Divulgação e Cultura organizou solenidades para home- nagear fundadores, professores pioneiros e demais pessoas que contribuíram ao longo da história da Furb. As festividades eram planejadas com esmero e contemplavam vários segmentos da área cultural e artística. Destaque para os eventos de lançamentode livros e conversas com os respectivos autores, palestras literárias, apresentações de co- rais, exposições artísticas e fotográficas e espetáculos musicais. Outro diferencial relaciona-se às peças teatrais e às palestras com temáticas culturais. Portanto, ocorria com frequência na instituição a presença de poetas, contistas, jornalistas, artistas plásticos, escultores, entre outros artistas e personalidades com destaque estadual e alguns até mesmo com renome internacional. Uma das principais ações dessa época foi a criação do Coral da Furb, no ano de 1979. Cabe mencio- nar o papel desempenhado por José Tafner, um verdadeiro entusiasta pelas questões culturais. No decorrer de seu primeiro mandato como 228 SCHMIT, op. cit. 229 Informações extraídas do Informativo da Reitoria. Blumenau, Março de 1980, no 14. 230 SCHMIT, op. cit. 124 reitor, foram realizadas dezenas de atividades de relevância na área da cultura, oportunizando experiências de lazer e intelectuais para a comunidade acadêmica. Realização de convênios, projetos e parcerias Durante os quatro anos da gestão de Tafner foram celebrados convênios e organizadas parcerias relevantes, que contemplaram inúmeros aspectos da instituição. Os professores contratados em tempo integral para o Departamento de Química elaboraram car- tas-consulta destinadas aos órgãos financiadores de pesquisa. O objetivo estava relacionado à realização de pesquisas que contem- plassem necessidades tecnológicas regionais, além da qualificação no ensino. Naquela época encontrava-se em fase bem adiantada o projeto para criação da infraestrutura necessária ao desenvolvi- mento da pesquisa na instituição.231 Deve-se ressaltar a assinatura de um convênio entre a Furb e a Fundação do Meio Ambiente de Santa Catarina (Fatma) com objetivo de desenvolver estudos e análises dos poluentes comumente encontrados na região, visan- do à implantação da rede básica de controle de qualidade da água no rio Itajaí-açu.232 231 Informações extraídas Boletim Universitário da Fundação Educacional da Região de Blume- nau. Blumenau, Maio de 1978, no 06. 232 Idem, 1 a 15 de junho de 1979, no 12. José Tafner durante reunião do IPT, em 1981. Acervo Centro de Memória Universitária – CMU/Arquivo da Furb 125 Através de projeto aprovado em 1979 junto à Capes/MEC foi possível obter recursos e firmar uma parceria com a Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Por meio desse convênio estabelecido com a UFRGS foi realizado o curso de pós-graduação lato sensu na área de Administração e Ciências Contábeis, oferecido aos professo- res do sistema Acafe. Essa formação acadêmica atendeu inicialmente 150 professores de instituições de ensino de Santa Catarina. A Furb conseguiu a aprovação de outro projeto educacional no ano de 1979. Com apoio do Ministério da Educação, foi oferta- do o curso de pós-graduação lato sensu (especialização) em Meto- dologia Científica. Paralelamente à realização de parcerias de âmbito regional e estadual, a equipe de Tafner também recebeu visitas de comitivas internacionais de reitores latino-americanos de instituições de en- sino do México e da Colômbia, além de ministros da Educação de países da América do Sul, entre outras autoridades que vieram co- nhecer as dependências e estrutura física e acadêmica da Furb. Vale destacar que Tafner também participou de encontros de abrangên- cia nacional sobre temas de relevância para o Ensino Superior bra- sileiro e que discutiram os problemas financeiros das instituições. Esteve presente em eventos que ocorreram na capital federal e em vários estados brasileiros, estabelecendo contato com reitores de outras faculdades, que resultaram na realização de intercâmbios científicos e culturais. Em termos de parcerias internacionais, em 1980 a Furb recebeu a doação de equipamentos provenientes da República Democrática Alemã. Esse aparato tecnológico contemplou os cursos de Biologia e Química, com destaque para a doação de equipamentos de micros- copia.233 Outro projeto desenvolvido com recursos internacionais foi o Radiociência, que teve início no campus de Gaspar, com o objeti- vo de estudar a anomalia geomagnética do Atlântico Sul, fenômeno este com profundas implicações nos sistemas de telecomunicações. O projeto foi desenvolvido por meio de convênio da Furb com o Mi- nistério da Aeronáutica, através do Centro Técnico Aeroespacial e do Ministério das Telecomunicações.234 Além de promover ações que contemplaram a comunidade aca- dêmica, a primeira gestão de Tafner na reitoria da Furb proporcionou uma série de atividades que beneficiaram a sociedade blumenauense e regional. Foram organizadas palestras sobre temas interessantes, 233 Idem, 30 de janeiro de 1980, no 12. 234 SCHMIT, op. cit. 126 além de ações de formação educacional. Destaque para a realização do Projeto Freinet e para o curso Aperfeiçoamento para Professores Alfabetizadores, realizado através de convênio com a Secretaria de Estado da Educação. A capacitação foi ministrada para professores da 1a série do 1o Grau, com carga horária de 150 horas-aula, sendo realizado em três etapas durante o ano letivo. Outra capacitação re- levante foi o curso Aperfeiçoamento para Diretores do Ensino do 2o Grau. Ambas as capacitações foram organizadas pela Assessoria Técnica de Ensino da Furb.235 Retornando à sala de aula O mandato como reitor foi concluído em março de 1982. Na- quela ocasião não existia legalmente a possibilidade de disputar a re- eleição. No período seguinte esteve atuando somente como docente e também começou a cursar Direito. Estudou até o sétimo semestre dessa graduação. Além de obter novos conhecimentos acadêmicos, acompanhou de perto a rotina dos universitários. Observou quais eram as situações que precisavam ser aperfeiçoadas na instituição, no sentido de sempre almejar a excelência nas ações educativas.236 235 Informações extraídas do Boletim Informativo da Reitoria. Fevereiro/março de 1981, no 16. 236 TAFNER, José. Entrevista concedida a Evandro André de Souza e Jonas Felácio Júnior, em 23 de julho de 2019. O reitor José Tafner participando da inauguração do Centro Técnico Aeroespacial da Furb, no município de Gaspar, em novembro de 1978 Reitor José Tafner durante a entrega dos carros aos ganhadores da rifa da Furb, em 1981. Acervo Centro de Memória Universitária – CMU/ Arquivo da Furb O professor José Tafner ministrando aula na Furb, na década de 1980 129 Conciliou as atividades de professor e acadêmico, criando forte vín- culo com os alunos. Tafner trabalhou entre 1982 e 1986 como asses- sor de projetos e convênios da Furb. No período de 1982 a 1984, Tafner também desenvolveu ativida- des paralelas como assessor do Ministério da Educação, trabalhando com a equipe de reitores para a legislação das anuidades escolares e como assessor pedagógico e administrativo junto a instituições com problemas com o MEC. Julianne Fischer teve seu primeiro contato com José Tafner em 1982, quando estava cursando Pedagogia na Furb. Tafner lecionava a disciplina de Estatística para essa graduação. Julianne ficou admira- da e encantada com a postura do professor em sala de aula. Na época era uma jovem com 18 anos de idade e sua mãe também cursava a faculdade. Como as duas estavam obtendo ótimas notas, algumas pessoas diziam que a filha estava passando cola e beneficiando a mãe, que conciliava a atividade de estudante com a rotina de trabalho e os afazeres familiares.237 Julianne comenta que além de ser um docente qualificado, Tafner era divertido. Como forma de averiguar se havia alguma interferência, separou mãe e filha durante uma avaliação e ambas obtiveram a nota dez. A partir desse momento, o professor Tafner começou a defendê-las em reuniões de colegiado, diante de outros professores que argumentavam que a mãe estava se beneficiando com as colas repassadas pela filha. Em razão dessa postura justa e correta, Julianne passou a respeitar aindamais José Tafner.238 No ano de 1985 ocorreu a formatura dessa turma e Tafner foi indicado para ser o paraninfo. Julianne mandou fazer uma bandeja de prata e presenteou Tafner no momento da colação de grau. Alguns anos depois Julianne se casou com Malcon Tafner. Por uma coincidência da vida, em um almoço familiar realizado há poucos anos na residência do casal José e Verônica, foi servi- do um alimento nessa bandeja de prata e então se recordou da homenagem feita no ano de 1985. O fato demonstra o envolvi- mento de Tafner com a área da educação e a relação fraterna que construiu com seus alunos. Três décadas depois ainda guardava em sua residência o presente recebido pela turma de Pedagogia da Furb de 1985.239 237 FISCHER, Julianne. Entrevista concedida a Evandro André de Souza e Jonas Felácio Júnior, em 17 de abril de 2020. 238 Idem. 239 Idem. 130 O reconhecimento da Furb como Universidade Aloir Arno Spengler trabalhou por mais de 20 anos na função de chefe de gabinete na Furb. Informa que foram elaborados e enca- minhados três projetos para o Ministério da Educação, solicitando a transformação da Furb em Universidade. O reitor Ignácio Ricken protocolou um projeto no MEC, que não obteve a aprovação neces- sária. Conforme explica Aloir, o MEC frequentemente mudava as normas de avaliação, o que dificultava lograr êxito nesses encami- nhamentos.240 Em 1974 tem início o longo caminho que levaria a Furb ao reconhecimento como Universidade. O reitor Ignácio Ri- cken produziu um volumoso processo entregue ao Conselho Federal de Educação, sem alcançar êxito.241 O segundo projeto foi protocolado durante o primeiro mandato de José Tafner. Infelizmente, também não foi aprovado. Por ter par- ticipado da elaboração desses projetos enquanto chefe de gabinete, Aloir explica que já havia ocorrido mudanças significativas entre os mandatos dos professores Ricken e Tafner, mas o crescimento ocor- rido ainda não era suficiente para almejar o status de Universidade. 240 SPENGLER, Aloir Arno. Entrevista concedida a Evandro André de Souza e Jonas Felácio Júnior, em 6 de setembro de 2019. 241 SCHMIT, op. cit. Vista aérea do Campus I da Furb. Data: 1982. Acervo Centro de Memória Universitária – CMU/Arquivo da Furb 131 O Ministério da Educação exigia um número de mestres e doutores atuando em tempo integral na instituição.242 Na metade da década de 1980, o reitor Arlindo Bernart pro- tocolou uma terceira tentativa no MEC. Desta vez o projeto obteve resultado positivo no Conselho Federal de Educação. A Furb rece- beu autorização para ser transformada em Universidade. No ano de 1982, a Câmara Municipal de Blumenau decretou e sancionou a Lei no 2.876, que consolidou a legislação referente à Fundação Educa- cional da Região de Blumenau, criando o Regimento Unificado das Faculdades que integravam a fundação e efetivamente dando início ao processo para transformação da Furb em Universidade.243 No mês de setembro de 1985, uma comissão do Ministério da Educação verificou as condições da instituição. No dia 6 de novem- bro de 1985, o Conselho Federal de Educação reconheceu a Furb como Universidade. Após várias visitas a Brasília, envios de rela- tórios e vistorias técnicas do MEC, a Furb acaba tendo seu proces- so de reconhecimento aceito. A instituição passou a denominar-se novamente Fundação Universidade Regional de Blumenau. A ceri- mônia de instalação oficial da Universidade aconteceu no dia 6 de fevereiro de 1986, com a presença do ministro da Educação, Mar- cos Antônio de Oliveira Maciel. Durante os festejos também foi realizada a inauguração das novas instalações da Biblioteca Univer- sitária Professor Martinho Cardoso da Veiga.244 242 SPENGLER, Aloir Arno. Entrevista concedida a Evandro André de Souza e Jonas Felácio Júnior, em 6 de setembro de 2019. 243 SCHMIT, op. cit., p. 16. 244 CARESIA, Roberto Marcelo; SASSE, Liane Kirsten. Memórias da Furb: (1964-2004). Blume- nau: Edifurb, 2005. “Já fui reitor durante dois períodos de 4 anos não consecutivos na Universidade de Blumenau e o tratamento de ‘magnífico reitor’ nunca me preocupou. Hoje esse tratamento me preocupa e eu diria até que me agride.” José Tafner 133 Após não participar da eleição para reitor de 1982, José Tafner retornou na disputa eleitoral de 1986, que foi a primeira da Furb na condição de universidade. O pleito de 1986 foi mais democrático que os anteriores, porque havia a possibilidade de os alunos de Blu- menau e demais campus votarem nos candidatos, além dos técnicos administrativos e professores da instituição. A campanha envolveu quatro candidaturas e contou com disputa acirrada. Tafner venceu com vantagem significativa, em todos os segmentos. O resultado po- sitivo proporcionou a oportunidade para exercer o segundo manda- to como reitor. O ano de 1986 foi marcado por alguns acontecimentos impor- tantes, com destaque para o reconhecimento da Furb como universi- dade e para a inauguração do novo prédio da Biblioteca Central. Em abril ocorreu a primeira eleição direta para reitor e vice-reitor, sendo eleitos os professores José Tafner e João Joaquim Fronza.245 Apesar da vitória legítima nas urnas, ocorreram manobras de pessoas que queriam impedir a posse da chapa vitoriosa na reitoria. “Muitos diziam que eu nunca iria assumir. Tafner, você ganhou, mas não vai levar.”246 José Tafner precisou participar de uma segun- da votação, em um colegiado interno da Furb, onde obteve 75% dos votos. Os adversários usaram de novas artimanhas para impedir que fosse empossado para o principal cargo de gestão da institui- ção. Houve a necessidade de entrar com um mandado de segurança na Justiça Federal, levando-se em consideração o direito adquirido 245 CARESIA, Roberto Marcelo; SASSE, Liane Kirsten. Memórias da Furb: (1964-2004). Blume- nau: EdiFurb, 2005, p. 76. 246 Entrevista concedida por José Tafner ao Projeto Universidade Regional de Blumenau e sua História, em 15 de abril de 2000, para os entrevistadores Balbino Simor Rocha, Luís Vendelino Colombi, Andréia Ferreti e Clarice Ehmke. CAPÍTULO 8 O segundo mandato como reitor Prefeito Dalton dos Reis nomeia José Tafner como reitor da Furb e como vice João Joaquim Fronza, em ato realizado na Prefeitura de Blumenau. Acervo Centro de Memória Universitária – CMU/ Arquivo da Furb 135 legitimamente para desempenhar a função de reitor.247 Depois de semanas de encaminhamentos de âmbito jurídico, ocorreu o agen- damento de um terceiro processo eleitoral, que seria disputado em um colegiado interno da instituição, com os nomes dos candidatos sendo submetidos a uma lista sêxtupla. Tafner venceu novamente e as pessoas que não aceitaram o resultado democrático das urnas acabaram vivenciando uma situação vexatória, perdendo três elei- ções no mesmo ano. É fundamental analisar as consequências ocasionadas por esse imbróglio e que prejudicaram o cotidiano de atividades da instituição. A posse não se concretiza no prazo estipulado (em maio) por incom- patibilidade entre o antigo e o novo regimento interno da instituição, fazendo com que novas eleições, indiretas e com lista sêxtupla, legiti- massem a candidatura Tafner/Fronza. Tal processo, no entanto, tam- bém é demorado e arrastado, fazendo com que os estudantes promo- vessem uma greve geral, em agosto de 1986, trancando as portas da universidade com cadeados e exigindo a posse imediata do reitor elei- to. Importante observar que anteriormente a esse impasse sem prece- dentes na história da universidade, as posses dos reitores eleitos ocor- riam sempre em maio, coincidindo com o mês em que começaram as aulas da Faceb, em 1964. Em razão da posse de 1986 ter acontecido somente em outubro, desde então todas as posses de reitor ocorrem nesse mês, para fechar os quatro anos de gestão.248 “Em 1986, diante das alterações estatutárias aprovadas, me candidatei para o cargo de reitor. Tive inicialmente a vitória nos quatro grupos de eleitores: professores, funcionários,estudantes e líderes comunitários (vereadores, prefeito, pastores, vigários de pa- róquias, presidentes de sindicatos). Não foi aceito o resultado pela reitoria existente e incluiu-se no estatuto uma nova eleição, através de um colegiado composto de 75 membros. Recebi desse colegia- do a expressiva votação de 75% dos votantes. O resultado também não foi aceito e a discussão passou para a esfera judicial e nada se decidiu. Em agosto, os conselhos da Furb reunidos decidiram por uma nova votação em 24 de outubro de 1986, com o retorno às listas sêxtuplas, elaboradas na imitação dos estatutos federais. Fui vitorioso nas quatro eleições realizadas na lista sêxtupla. Foi desta forma que em 24 de outubro de 1986 assumi a Reitoria da Furb para o período de quatro anos.”249 247 Idem. 248 CARESIA; SASSE, op. cit., p. 79. 249 TAFNER, José. Entrevista concedida a Evandro André de Souza e Jonas Felácio Júnior, em 1o de maio de 2020. O reitor pró-tempori Gentil Telles transfere o cargo de reitor a José Tafner e ao vice João Joaquim Fronza. Acervo do Centro de Memória Universitária – CMU/Arquivo da Furb A solenidade de posse foi realizada em outubro de 1986, nas dependências da Biblioteca da Furb. Acervo do Centro de Memória Universitária – CMU/Arquivo da Furb Cerimônia de posse do reitor José Tafner (à direita) e do vice-reitor João Joaquim Fronza, no dia 24 de outubro de 1986. Fotógrafo: Raimundo Pereira dos Santos. Acervo Centro de Memória Universitária – CMU/Arquivo da Furb José Tafner quando assumiu a reitoria pela segunda oportunidade, no ano de 1986. Acervo Centro de Memória Universitária – CMU/Arquivo da Furb 138 Ampliação do número de vagas A vitória de José Tafner nas eleições representou um capítulo importante para a história da Furb, considerando-se os avanços que ocorreram na sua gestão. A posse estava agendada para o dia 24 de outubro de 1986. No dia 20 de outubro daquele ano várias esferas co- meçaram a ventilar a informação de que o governo federal publicaria até o final de 1986 um decreto proibindo a criação de novos cursos superiores. Em razão dessa mudança, a instituição precisaria agilizar os processos internos para efetuar a solicitação de novas graduações. Com apenas quatro dias do segundo mandato, José Tafner con- vocou uma grande reunião com a presença de todos os colegiados e estruturas internas da instituição, que aprovaram integralmente a tabela de cursos apresentada por Tafner e inclusive acrescentaram novas graduações. A ação de Tafner foi ousada. Após obter o status de universidade em fevereiro de 1986, em outubro a instituição criou 17 novos cursos. Cabe contextualizar que a legislação educacional brasileira permite que uma universidade tenha autonomia para criar novos cursos superiores.250 A política de expansão da Furb apresentada por José Tafner pre- via a criação de 17 novos cursos superiores para a instituição. Con- forme as possibilidades, seriam implantadas graduações em todas as áreas do conhecimento, com destaque para a área da saúde e das engenharias.251 Os cursos previstos dependeriam de levantamento das condições financeiras e acadêmicas para serem definitivamente implantados.252 A tentativa de fazer algo diferente sempre incomoda os conser- vadores, e a Furb recebeu críticas por essas decisões. Contudo, deve- se considerar que grande parcela dos cursos em atividade hoje foram implantados a partir daquela listagem.253 Francisco Fronza lembra deste episódio que gerou enorme repercussão institucional. O espa- ço da sala dos professores era compartilhado pelos jovens docentes, mas também por nomes de expressão da Furb. Grande parcela des- ses educadores reclamava da medida administrativa argumentando 250 Entrevista concedida por José Tafner ao Projeto Universidade Regional de Blumenau e sua História, em 15 de abril de 2000, para os entrevistadores Balbino Simor Rocha, Luís Vendelino Colombi, Andréia Ferreti e Clarice Ehmke. 251 Informações extraídas do Boletim da Universidade Regional de Blumenau. Blumenau, novem- bro de 1986, no 63, Ano 9. 252 Idem. 253 Entrevista concedida por José Tafner ao Projeto Universidade Regional de Blumenau e sua História, em 15 de abril de 2000, para os entrevistadores Balbino Simor Rocha, Luís Vendelino Colombi, Andréia Ferreti e Clarice Ehmke. 139 que universidade é local de pesquisa, que a Furb se transformaria em um “colegião” com essa quantidade de cursos. Enquanto alguns faziam suas reclamações de forma enérgica, outros estavam espanta- dos com tamanha ousadia de Tafner.254 O professor Aloir Spengler acompanhou diversas etapas das ati- vidades da Furb e considera a importância desse momento. Afirma que a oportunidade de criação de graduações contemplou um núme- ro maior de universitários.255 Com as obras de ampliação e a criação de novas faculdades, estudantes de outras regiões catarinenses e até mesmo de outros estados passaram a estudar na Furb. “Houve um crescimento do número de estudantes bem significativo.”256 A criação da Faculdade de Medicina Logo nas primeiras semanas de atuação à frente da reitoria, Tafner recebeu um documento com aproximadamente 50 assinatu- ras da classe médica de Blumenau, que solicitava a criação do curso de Medicina, diante da necessidade de aprimorar os conhecimentos médicos na região. Cabe contextualizar que naquela época o municí- pio de Blumenau contava com uma população de aproximadamente 200 mil habitantes, sendo o centro de influência de uma região com cerca de 800 mil habitantes. Através de portaria institucional, José Tafner formalizou a Comissão Especial para estudar a implantação da faculdade de Medicina. Após os levantamentos e estudos necessários, ocorreu efetiva- mente a implantação do curso de Medicina e no ano de 1990 foi rea- lizado o primeiro vestibular. O início das aulas do curso de Medicina, no mês de março de 1990, proporcionou a expansão dos serviços oferecidos pela universidade na área da saúde.257 Portanto, faz três décadas que esta graduação apresenta sua contribuição para o Vale do Itajaí. Da mesma forma foram sendo implantados outros cursos importantes para promover o desenvolvimento regional. Beckhauser analisa que foi providencial o empenho do professor Tafner no mo- mento da implantação de carreiras nobres. 254 FRONZA, Francisco. Entrevista concedida a Evandro André de Souza e Jonas Felácio Júnior, em 25 de julho de 2019. 255 SPENGLER, Aloir Arno. Entrevista concedida a Evandro André de Souza e Jonas Felácio Júnior, em 6 de setembro de 2019. 256 Idem. 257 SCHMIT, Darlan Jeaver (organizador)... {et al.} Em qualquer época, uma universidade se faz com pessoas. Blumenau: EdiFurb, 2016, p. 16. 140 Ampliação da estrutura física da universidade A abertura de novos cursos superiores foi um fator prepon- derante para o crescimento da Furb. No entanto, com a entrada de centenas de alunos a cada semestre, faltavam salas de aula para atender plenamente os acadêmicos. Diante do cenário de aumen- to expressivo do número de universitários, tornava-se urgente a expansão física da Furb. José Tafner participou de audiências em Brasília e em Florianópolis, buscando encontrar alternativas para resolver o problema.258 Com recursos provenientes do Ministério da Educação, reali- zou-se a reforma do Instituto de Pesquisas Tecnológicas, no cam- pus II da Furb. Após a recuperação das instalações do IPT, 16 novas 258 Informações extraídas do Boletim Furb. Informativo da Universidade Regional de Blumenau. Blumenau, Março de 1987, no 65. Ano 10. Vista aérea do Campus I da Furb. Data: 1984. Acervo Centro de Memória Universitária – CMU/Arquivo da Furb 141 salas de aula passaram a funcionar nesse espaço, oportunizando a entrada de mais 800 alunos na instituição.259 Posteriormente, a uni- versidade buscou recursos externos, a fundo perdido, para come- çar a construção do bloco R. A Furb também procurou encontrar maneiras de viabilizar a edificação do blocoT. A construção des- ses dois novos blocos representou a perspectiva de atender aproxi- madamente mais 1.500 alunos e contemplar plenamente as novas graduações ofertadas.260 Ao término dessas obras estratégicas, o bloco R apresenta- va cerca de 2 mil m2, com novas salas de aula, enquanto o bloco T contava com mais de 5 mil m2, com mais laboratórios, núcleos de pesquisa e extensão e também salas de aula.261 Paralelamente, ocorreu a construção do bloco L, com 560m2, destinado ao Ser- viço Judiciário e ao estágio da Faculdade de Direito. Também foi realizada a construção de acessos aos blocos R e T, área esportiva, escadas e calçamento. A instituição construiu ainda um bloco des- tinado à Estação Transformadora. Em pouco mais de dois anos, a área construída da universidade foi duplicada. A ampliação da estrutura física resolveu praticamente todos os problemas de falta de espaço para salas de aula e laboratórios.262 Também foram cria- das áreas de convivência, estacionamentos e locais de atendimento aos estudantes. A construção de novos prédios e a realização de obras físicas para expandir a instituição demonstram na prática o empenho da gestão de Tafner em transformar a Furb numa universidade de fato. As benfeitorias somente foram concretizadas graças ao apoio da pre- feitura de Blumenau, do governo de Santa Catarina e do governo federal. Vale destacar o apoio fundamental do ministro da Educação, Jorge Bornhausen, que foi um parceiro incansável na viabilização de recursos que transformaram a universidade em um verdadeiro can- teiro de obras.263 As benfeitorias foram executadas com recursos provenientes de repasses governamentais, sem gerar dívidas para a Furb. Em relação ao período de expansão, Aloir Spengler explica que a instituição en- frentava dificuldades para crescer por causa das limitações físicas. 259 Idem, no 67. Junho de 1987. Ano 10. 260 Idem. 261 Informações extraídas do Boletim da Furb. Edição Especial Tafner/Fronza 2 anos. Ano 1988. 262 Idem. 263 Entrevista concedida por José Tafner ao Projeto Universidade Regional de Blumenau e sua História, em 15 de abril de 2000, para os entrevistadores Balbino Simor Rocha, Luís Vendelino Colombi, Andréia Ferreti e Clarice Ehmke. 142 Aloir ressalta o empenho de Tafner para reverter essa situação adversa: “ele conseguiu construir blocos novos para expandir, teve uma participação decisiva”. Malcon Tafner destaca que ouviu vários relatos de professo- res que trabalharam na Furb no período da segunda gestão de José Tafner como reitor. Os profissionais comentavam sobre a importân- cia das gestões do professor Tafner, considerando-se que a institui- ção praticamente triplicou de tamanho. O aumento extraordinário em termos de estrutura consequentemente oportunizou que mais estudantes cursassem as graduações ofertadas. Essa ação de expan- sionismo do campus e de ampliação de cursos superiores demonstra na prática a capacidade empreendedora que Tafner desempenhou na área educacional do Vale do Itajaí.264 264 TAFNER, José. Entrevista concedida a Evandro André de Souza e Jonas Felácio Júnior, em 23 de julho de 2019. Vista aérea do Campus I da Furb. Data: 1988. Acervo Centro de Memória Universitária – CMU/Arquivo da Furb 143 Recuperando a saúde financeira da Furb Quando José Tafner assumiu a reitoria da Furb, a cada 20 dias vencia uma nota promissória. O endividamento era tão grave que o valor das pendências equivalia ao orçamento de um ano inteiro da universidade. Francisco Fronza analisa que se a Furb fosse apenas uma empresa poderia-se dizer que estava no caminho da falência. Por se tratar de uma instituição de ensino, que desenvolve um papel relevante para a sociedade, essa condição especial proporcionou que fossem oportunizadas muitas negociações.265 A organização de uma assessoria econômica para a reitoria da Furb foi essencial no processo de recuperação das finanças. Eram realizadas reuniões semanais com a participação de representantes 265 FRONZA, Francisco. Entrevista concedida a Evandro André de Souza e Jonas Felácio Júnior, em 25 de julho de 2019. Campus I da Furb – vista aérea. Data: 1991. Acervo Centro de Memória Universitária – CMU/Arquivo da Furb 144 da Associação Comercial e Industrial de Blumenau e de grandes em- presas como Artex, Cremer, Eletro Aço Altona, Hering, Karsten, Sul Fabril e Teka. A assessoria desenvolvida por esse qualificado grupo de gestores administrativos apresentou resultados expressivos, prin- cipalmente na negociação das dívidas com instituições bancárias. A redução dos juros e a renegociação dos valores pendentes em 36 me- ses representou uma economia significativa de Cr$ 5 milhões266 para a universidade.267 Malcon Tafner ressalta a capacidade administrativa que seu pai desempenhou para conseguir tirar a Furb da situação fi- nanceira adversa que estava enfrentando. Apesar de não existir concorrência competitiva na região, a instituição sofria com as consequências de falhas na gestão. A quantidade de alunos inte- ressados em cursar graduação era sempre superior ao número de vagas ofertadas, e mesmo assim a Furb passava por problemas de ordem econômica.268 Outra ação proposta para dar continuidade ao processo de re- cuperação econômica da Furb relaciona-se à constituição da Comis- são de Arrecadação de Recursos, que posteriormente foi dividida em duas subcomissões. A Subcomissão Governamental buscou obter apoio da classe política regional, enquanto a Subcomissão Comuni- tária solicitou apoio da comunidade de Blumenau e região.269 O elevado grau de endividamento e o desequilíbrio entre re- ceitas e despesas exigiram medidas criativas para tornar a Furb viá- vel financeiramente. Uma das principais ações realizadas refere-se à Campanha de Venda Antecipada de Créditos. As negociações com pessoas físicas e empresas ocorreram com certa facilidade, porque proporcionavam um desconto considerável para quem comprasse os créditos educativos de forma antecipada. A proposta idealizada por Tafner prontamente recebeu apoio da classe empresarial blume- nauense e da comunidade acadêmica. A equipe administrativa comercializou créditos que corres- pondiam a no máximo 20% do valor do orçamento da universi- dade, como precaução para não inviabilizar a estrutura financeira. 266 Nota do editor. Em novembro de 2020, R$ 3,8 milhões, valor corrigido pelo IPCA (IBGE), economista Juliano Giassi Goularti. 267 Entrevista concedida por José Tafner ao Projeto Universidade Regional de Blumenau e sua História, em 15 de abril de 2000, para os entrevistadores Balbino Simor Rocha, Luís Vendelino Colombi, Andréia Ferreti e Clarice Ehmke. 268 TAFNER, José. Entrevista concedida a Evandro André de Souza e Jonas Felácio Júnior, em 23 de julho de 2019. 269 Informações extraídas do Informativo da Universidade Regional de Blumenau, no 67, junho de 1987, ano 10. 145 Com o apoio de um economista que lecionava na Furb, foi organi- zada uma planilha para acompanhamento da utilização dos créditos, conforme o andamento dos semestres letivos. Assim conseguiam atualizar o sistema, gerar os relatórios e administrar as atividades desse projeto inédito no âmbito universitário catarinense. Através da medida obteve-se um valor expressivo, que correspondeu a quase metade da dívida existente.270 Outra ação relevante desenvolvida pela Comissão de Arreca- dação de Recursos foi a organização de uma “tombola” de cinco au- tomóveis. Os valores angariados por meio dessa campanha foram destinados para auxiliar na construção do bloco R. O sucesso dessas iniciativas que ajudaram a instituição a minimizar os problemas fi- nanceiros somente foi possível em razão do envolvimento do em- presariado de Blumenau, participação das lideranças comunitárias e educacionais, sociedade blumenauense e regional, além da comuni- dade acadêmica da Furb. De acordo com Malcon Tafner, no momento em que um em- preendimento se encontra em crise, José Tafner tem a capacidade de exercerliderança e desenvolver boa capacidade de gestão. Foi desta forma que recuperou a saúde financeira da Fundação Regional de Blumenau. Foram resolvidos os problemas de salários atrasados e de endividamentos que comprometiam as perspectivas de crescimento da instituição.271 Quando José Tafner e João Joaquim Fronza assumiram a reito- ria, o valor das mensalidades representava 95% da receita orçamen- tária da instituição. Através dos esforços empreendidos pela gestão, em termos de elaboração de projetos e realização de convênios, a arrecadação com a cobrança das mensalidades passou a represen- tar 57% do orçamento. Também foram desenvolvidas medidas de contenção de gastos, que possibilitaram uma redução de 30% nas despesas operacionais e contribuíram para viabilizar o equilíbrio financeiro. Em quase 30 meses de administração, Tafner e Fronza sanearam integralmente as finanças da universidade. Pagaram uma dívida equivalente ao orçamento anual da instituição e o número de alunos praticamente dobrou, considerando-se que a universidade passou a contar com mais de 7 mil alunos.272 270 Entrevista concedida por José Tafner ao Projeto Universidade Regional de Blumenau e sua História, em 15 de abril de 2000, para os entrevistadores Balbino Simor Rocha, Luís Vendelino Colombi, Andréia Ferreti e Clarice Ehmke. 271 TAFNER, José. Entrevista concedida a Evandro André de Souza e Jonas Felácio Júnior, em 23 de julho de 2019. 272 Informações extraídas do Boletim da Furb. Edição Especial Tafner/Fronza 2 anos. Ano 1988. 146 “Encontrei a Furb numa situação financeira péssima. Conse- gui atravessar essa situação mediante o projeto de venda anteci- pada de créditos, aprovação pelos colegiados superiores da Furb e pela assessoria econômico-financeira que criei, composta pe- los diretores financeiros das sete maiores empresas de Blumenau (Hering, Teka, Artex, Sul Fabril, Cremer, Eletro Aço Altona e Kart- sen) e um representante da Furb, Baungarten e Acib. O resultado de 24 milhões de cruzeiros do projeto foi entregue à assessoria que, inicialmente, renegociou a dívida com o banco Bradesco e a redu- ziu a 24 milhões de cruzeiros – a dívida era superior a 30 milhões, lembro que estávamos na época de juros mensais com dois dígitos, muito altos, chegavam a 60% ao mês – e fechou o contrato com o pagamento de 18 milhões, deixando no caixa da Furb o valor de 6 milhões de cruzeiros para fazer frente às despesas gerais dos próxi- mos meses. Esse valor deveria ser pago até o final do mandato, ou seja, no ano 1990. Assim aconteceu. Em 26 de outubro de 1990 foi entregue o cargo, sem dívidas.”273 273 TAFNER, José. Entrevista concedida a Evandro André de Souza e Jonas Felácio Júnior, em 1o de maio de 2020. Alunos do curso de Educação Física na sala de ginástica e musculação do Complexo Esportivo. Local: Campus I da Furb – Blumenau. Data: 01/08/1991. Fotógrafo: Roberto Luiz Zen. Acervo Centro de Memória Universitária – CMU/Arquivo da Furb 147 Ensino, Pesquisa e Extensão Ensino No campo do ensino teve continuidade o convênio com as fun- dações educacionais dos municípios de Rio do Sul e Brusque, que beneficiaram centenas de alunos, com a implantação dos cursos su- periores de Administração e Pedagogia. O professor Francisco Fron- za lecionava na Fedavi e tem lembranças desse período. A expansão das atividades da universidade contemplou consideravelmente Rio do Sul e região. Fronza explica que a parceria era relevante e que sua importância poderia ser confirmada a partir do número de acadêmi- cos matriculados nas graduações de Pedagogia, Letras e Direito, que eram ofertadas através desse convênio. Havia o dobro do número de alunos inscritos nos cursos ofertados pela Furb, em comparação com as graduações oferecidas pela Fedavi.274 Em decorrência da autorização para a Furb atuar como univer- sidade, ocorreu uma série de modificações, como a organização do Estatuto do Magistério e a criação do Programa de Incentivo à Pes- quisa para os estudantes. Outra grande mudança realizada foi a im- plementação do Plano de Carreira e de concursos para docentes. Da década de 1970 até o ano de 1986, os professores eram contratados por meio de processos seletivos, ou seleção por currículo. A partir do reconhecimento da Furb como universidade, as contratações passa- ram a ocorrer através de concurso público.275 A assessoria de pós-graduação da instituição foi criada em mar- ço de 1988. A finalidade dessa nova repartição era organizar as pós- graduações da universidade, que já contavam nesse período com 943 pós-graduandos.276 No final da década de 1980 foram elaborados os projetos para implantação de cursos de mestrado, ainda no final da gestão de Tafner. Lorival Beckhauser menciona a dedicação de Taf- ner e dos demais docentes da Furb, que vestiram a camisa e ajudaram a transformar a instituição em uma universidade renomada e respei- tada no Estado. Com grande incentivo de José Tafner, sua equipe de trabalho desenvolveu atividades relevantes no âmbito cultural, a exemplo do que ocorreu na sua primeira gestão. 274 FRONZA, Francisco. Entrevista concedida a Evandro André de Souza e Jonas Felácio Júnior, em 25 de julho de 2019. 275 SCHMIT, op. cit., p. 29. 276 Informações extraídas do Boletim da Furb. Edição Especial Tafner/Fronza 2 anos. Ano 1988. Reunião do Conselho Gráfico da Editora Universitária da Furb. Na foto: Arlindo Bernart, Bráulio Maria Schloegel, Sálvio Alexandre Müller e Olivo Pedron. Fotógrafo: Raimundo Pereira dos Santos. Acervo Centro de Memória Universitária – CMU/Arquivo da Furb Reunião do primeiro Conselho Editorial da recém-fundada Editora Universitária da Furb, em agosto de 1986. Na foto: Oldemar Olsen Jr., Anamaria Kovacs, Aloir Arno Spengler, Arlindo Bernart, Bráulio Maria Schloegel, Sálvio Alexandre Müller e Olivo Pedron 149 Festival de Atletismo. Local: Complexo Esportivo – Campus I da Furb. Data: 03/11/1988. Fotógrafa: Marcia Ehmke. Acervo Centro de Memória Universitária – CMU/Arquivo da Furb Projetos culturais e educacionais Uma das ações primordiais refere-se à criação da Editora Uni- versitária da Furb, que oportunizou naquela época a edição de 15 obras de autores regionais. Destaque também para a criação do Festival Universitário de Teatro de Blumenau, que teve a sua pri- meira edição realizada no ano de 1987. Este evento foi considera- do um dos mais importantes e tradicionais festivais de teatro do país.277 Outro momento marcante diz respeito à gravação do primei- ro LP do Coral da Furb, que ocorreu no ano de 1985, na Alemanha. O trabalho foi intitulado “Memória Musical I”. O coral fundado no ano de 1979, durante a primeira gestão de Tafner, consolidou-se com o passar dos anos, tornando-se uma referência cultural em Blumenau e região.278 Pesquisa Os investimentos da gestão de Tafner não ficaram restritos à questão estrutural. Também foram investidas quantias conside- ráveis no aprimoramento de espaços educativos, que contempla- vam as áreas de ensino e pesquisa. Durante a sua primeira gestão, 277 Informações extraídas do Boletim Furb. Informativo da Universidade Regional de Blumenau. Blumenau, dezembro de 1986, no 64. Ano 9. 278 Idem. O casal Verônica Tafner e José Tafner participando do lançamento da revista Etevi – 25 anos, no restaurante Castelo Suíço, em junho de 2005. Fotógrafo: Rogério Pires. Acervo Centro de Memória Universitária – CMU/Arquivo da Furb José Tafner, enquanto ex-reitor, prestigiando o lançamento da revista da Etevi e conversando com o reitor Egon José Schramm 151 José Tafner organizou o primeiro laboratório de informática da Furb, com o último lançamento em termos de computação no Brasil da- quela época, o Cobra 530. Tafner se empenhou para aperfeiçoar o laboratório no decor- rer do segundo mandato. Através de parceria com o Ministério da Educação, a universidade foi contemplada com a quantia de Cr$ 1,5 milhões. O recurso foi destinado para a comprade equipamentos atualizados, modelo mainframe, da empresa francesa ABC-Bull. A Furb organizou um laboratório de informática com 120 terminais implantados, contando com tecnologia de ponta, um diferencial para seus alunos. Outro fator marcante da segunda gestão de Tafner relaciona- se aos inúmeros convênios de colaboração científica e tecnológica que a Furb firmou com centros de pesquisa, com instituições de ensino catarinenses, empresas e governo do Estado de Santa Cata- rina. Da mesma forma foram estabelecidas algumas parcerias edu- cacionais em âmbito internacional, através de convênios de coope- ração cultural e científica entre a Furb e a Universidade Nacional de Asunción, do Paraguai, e também com a Universidade de Açores, de Portugal. Extensão A construção de um laboratório de eletricidade contribuiu sig- nificativamente para que fossem ampliadas as atividades desenvolvi- das no Instituto de Pesquisas Tecnológicas. Conforme o projeto da obra, havia a necessidade de investir 53 milhões de cruzeiros para contemplar a construção da estrutura e instalação dos equipamen- tos necessários para pleno funcionamento deste espaço de ensino e pesquisa. Obteve-se parte do valor através de convênio com o Minis- tério da Educação e o restante foi custeado pela Financiadora de Es- tudos e Projetos, órgão do Ministério da Ciência e Tecnologia. Além de ser utilizado para as práticas acadêmicas, a estrutura contemplou a sociedade regional, diante da possibilidade de emissão de certifica- do de qualidade e de laudos. Anteriormente as indústrias da região precisavam realizar as análises de amostragens em outros estados brasileiros.279 Em 1988, o IPT realizou 33.390 testes e emitiu 3.320 laudos técnicos para cerca de 500 empresas. 279 Informações extraídas do Boletim da Universidade Regional de Blumenau. Blumenau, novem- bro de 1986, no 63, ano 9. 152 A prestação de serviços foi se consolidando e sendo expandi- da, com destaque para o Projeto Crise, biblioteca, serviço judiciá- rio, entre outras iniciativas sediadas nos departamentos, núcleos e órgãos suplementares da universidade, com financiamento de agências de fomento280 Foram mais de 50 projetos de pesquisa ou extensão financiados por órgãos externos à Furb, além dos traba- lhos que estavam sendo realizados por professores que atuavam em tempo integral.281 No âmbito de envolvimento com a comunidade, uma das principais ações foi o Projeto Salas de Leitura. Esta iniciativa con- templou 184 escolas de nove municípios do Vale do Itajaí, com a doação de 20 mil livros para as unidades educacionais, através do Departamento de Letras da Universidade Regional de Blume- nau.282 O projeto ajudou na organização de ambientes de leitura nessas escolas.283 Tafner também dedicou atenção especial para que fosse via- bilizada a construção de uma estação de piscicultura. Através de parceria firmada com o município de Timbó, foi criada a Fundação de Piscicultura Integrada do Vale do Itajaí. A Funpivi conta hoje com aproximadamente 2 mil m2 de área construída e 80 mil m2 de espelho d’água, beneficiando a comunidade acadêmica regional desde aquele período. A batalha no Conselho Universitário da Furb Aloir Spengler lembra que estava em sua residência em Gas- par quando recebeu uma ligação telefônica por volta das 10 horas da noite. Tafner solicitou que na manhã seguinte sua primeira atividade fosse ir até o gabinete da reitoria. Precisava conversar a respeito do convite que havia recebido para assumir a função de secretário de Estado da Educação, no governo de Pedro Ivo Campos. Na manhã seguinte conversaram sobre esse assunto e, enquanto amigo e com- panheiro de jornada educacional de muitos anos, Aloir aconselhou o professor Tafner no sentido de assumir a missão. O desenvolvi- mento da função poderia ser favorável ao Sistema Acafe e contem- plar o fortalecimento das universidades do interior. Após a conversa, 280 Informações extraídas do Boletim da Furb. Edição Especial Tafner/Fronza 2 anos. Ano 1988. 281 Idem. 282 Informações extraídas do Boletim Furb. Informativo da Universidade Regional de Blumenau. Blumenau, dezembro de 1986, no 64. Ano 9. 283 Idem. 153 José Tafner ligou para o chefe da Casa Civil, Saulo Vieira, informan- do que aceitaria o convite feito pelo governador.284 No momento seguinte à decisão, existiu a necessidade de en- caminhar o assunto para o Conselho Universitário da Furb. Aloir Spengler secretariou essa longa e dura reunião, que se transformou em uma intensa batalha. Os antagonistas de Tafner queriam que ele renunciasse ao cargo de reitor para poder assumir a função de se- cretário de Estado da Educação.285 Mesmo diante de integrantes da oposição interna à sua gestão, Tafner manteve a posição de assumir a atividade como secretário sem renunciar, existindo a possibilidade de reassumir a reitoria, no momento que retornasse da Secretaria de Estado da Educação. Ao término da longa reunião, José Tafner saiu vitorioso do embate. De acordo com Aloir, mesmo nos momentos de adversidade, Tafner se empenhava para evitar derrotas, especialmen- te no período que precisava enfrentar seus antagonistas na Furb. “Ele era obstinado, empreendedor, determinado, não se deixa derrotar, quando quer um objetivo, ele vai e alcança.” Outra curiosidade desse período refere-se ao fato de o professor João Joaquim Fronza, que era o vice-reitor de José Tafner, somen- te aceitar a condição de assumir a reitoria caso o chefe de gabinete, Aloir Spengler, permanecesse exercendo a função. Tafner se licen- ciou da Furb no dia 30 de março de 1989 para desempenhar a função de secretário de Estado da Educação. Retornou para a universidade em 6 de abril de 1990, permanecendo no cargo até o término da ges- tão, em 24 de outubro de 1990. No momento que encerrou o segundo mandato como reitor, entregou a instituição com as dívidas quitadas e as finanças em or- dem, com uma ampliação de espaço sem precedentes na história da universidade. Uma das recordações que guarda com carinho foi o fato de ter sido muito aplaudido por sua equipe de trabalho, ao con- cluir esse período de intensa dedicação profissional.286 “Já fui reitor durante dois períodos de 4 anos não consecutivos na Universidade de Blumenau e o tratamento de ‘magnífico reitor’ nunca me preocupou. Hoje esse tratamento me preocupa e eu diria até que me agride. Fui ao dicionário buscar o seu significado e lá encontrei signifi- cações que não se adequam a uma pessoa que veio lá de Rio dos Cedros, 284 SPENGLER, Aloir Arno. Entrevista concedida a Evandro André de Souza e Jonas Felácio Júnior, em 6 de setembro de 2019. 285 Idem. 286 Entrevista concedida por José Tafner ao Projeto Universidade Regional de Blumenau e sua História, em 15 de abril de 2000, para os entrevistadores Balbino Simor Rocha, Luís Vendelino Colombi, Andréia Ferreti e Clarice Ehmke. 154 na localidade de Nossa Senhora das Dores, chamada carinhosamente pelo povo da região ‘Dolorata’ e, anteriormente, Encruzilhada, e Crojara no dialeto trentino local. Uma família de 12 irmãos, dez vivos e mais os agregados de sangue, ou seja, um tio surdo-mudo e uma sobrinha, além dos quatro ou cinco agregados aprendizes do ofício de sapateiro. A sapa- taria, o cultivo de subsistência, os afazeres domésticos e a escola, sempre obrigatória, sempre à luz de candeeiros de querosene, era o nosso dia a dia. Os candeeiros foram substituídos pela luz elétrica no Natal de 1966. Eu já ultrapassava os cinco lustros de vida.”287 O hábito de proporcionar oportunidades aos jovens Desde o ano de 1982, Julianne Fischer lecionava na Escola Barão do Rio Branco, em Blumenau. Quando se formou na Faculdade de Pedagogia da Furb, em 1985, foi para São Paulo e passou a lecionar nos colégios Rio Branco e Objetivo Júnior. Retornou para Blumenau no final de 1989. Em 1990 voltou a ser professora na Escola Barão do Rio Branco e iniciou o trabalho no curso de Pedagogia da Furb. En- controu uma universidade totalmente transformadaem relação ao momento em que havia concluído sua graduação. Observou as obras de expansão que ocasionaram a ampliação considerável do espaço universitário e a abertura de novos cursos, que foi de fundamental importância para a comunidade de Blumenau.288 Pondera que várias pessoas achavam complicado conseguir abrir a faculdade de Medicina, mas Tafner teve coragem para alcançar este feito. Relata que no exercício da docência Tafner agia com seriedade e alegria em sala de aula. Estes elementos continuaram presentes na sua segunda gestão como reitor, com a vontade de fazer as coisas darem cer- to, com a ousadia para realizar a expansão e não deixar que os pequenos obstáculos atrapalhassem o que precisava ser feito. Enquanto moradora de Blumenau e pedagoga, enfatiza a importância da abertura das novas graduações, com destaque para o grande avanço na área da saúde.289 Quando Julianne Fischer ingressou como professora universitá- ria na Furb, José Tafner coordenava a Pós-graduação em Alfabetiza- ção. Naquele período, Tafner foi o criador e executor do Programa de Alfabetização e Cidadania, viabilizado através de recursos do Inep/ 287 TAFNER, José. Entrevista concedida a Evandro André de Souza e Jonas Felácio Júnior, em 1o de maio de 2020. 288 FISCHER, Julianne. Entrevista concedida a Evandro André de Souza e Jonas Felácio Júnior, em 17 de abril de 2020. 289 Idem. 155 MEC. A iniciativa educacional foi realizada entre os anos de 1991 e 1994, contemplando 523 professores treinados nos ensinamentos de Emília Ferreira e 75 professores especialistas em alfabetização. Em decorrência de outras atividades institucionais que preci- saria desenvolver, Tafner deixaria de exercer a coordenação. Antes de realizar a mudança em sua rotina de trabalho, indicou o nome de Julianne para desempenhar a função. A indicação gerou polêmica na época, porque Julianne era uma jovem educadora e ainda não havia feito o concurso para ser professora. Sua contratação ocorreu por in- termédio da saudosa professora Gertrudes Kniess de Medeiros e na- quela ocasião estava lecionando disciplinas no curso de Pedagogia.290 290 Idem. O professor José Tafner dedicou 25 anos de sua trajetória profissional em atividades na Furb. Acervo Centro de Memória Universitária – CMU/Arquivo da Furb 157 Este episódio aconteceu no início da década de 1990 e Tafner batalhou para que o nome de Julianne fosse aceito. Cabe ressaltar que esse tipo de atitude esteve presente em diversos momentos da trajetória educacional e profissional de José Tafner. Sempre buscou encontrar maneiras de oportunizar desafios aos jovens, com intui- to de possibilitar o desenvolvimento e o progresso das pessoas em suas respectivas áreas de atuação. Julianne comenta que Tafner ge- rou perspectivas de crescimento para diversos profissionais e sempre incentivava para que seguissem adiante. As suas gestões como reitor da Furb comprovam essa postura inclusiva. A expansão física possi- bilitou a abertura de mais cursos superiores e a entrada de milhares de estudantes na instituição. Consequentemente, foi realizada a con- tratação de novos docentes, oportunizando para esses indivíduos o horizonte de construir uma carreira acadêmica.291 É importante esclarecer que nesta ocasião, Julianne ainda não fazia parte da família Tafner. Somente algum tempo depois conheceu Malcon Tafner, namoraram e posteriormente casaram. Quando as- sumiu a coordenação da Pós-graduação em Alfabetização, Julianne Fischer não imaginava que seu futuro profissional seria nessa área. Conforme foi desenvolvendo as atividades docentes, direcionou suas pesquisas acadêmicas para esse campo do conhecimento. No ano de 1993 começou a trabalhar alfabetização com Marilyn, filha de José Tafner e Verônica. Através dessa experiência aprendeu novos cami- nhos para alfabetizar. Desenvolveu um método neuropedagógico durante o doutorado e em sua tese apresentou atividades de alfabe- tização. Menciona que atualmente várias pessoas estão citando em livros e dissertações o método que foi elaborado no período do seu doutoramento.292 O último desafio antes da aposentadoria na Furb Tafner trabalhou na Furb até o final do primeiro semestre de 1995, quando se aposentou, após mais de duas décadas de ativida- des e dedicação para a universidade. Entre os anos de 1992 e 1993 trabalhou como coordenador do Curso de Pedagogia. Antes da apo- sentadoria ainda desempenhou um último desafio na instituição. Candidatou-se para a eleição de diretor do Centro de Educação da uni- versidade, tendo como vice-diretor o professor Lorival Beckhauser. 291 Idem. 292 Idem. José Tafner lecionando na Furb, em abril de 1986 158 Obteve 92% dos votos através da dobradinha com Lorival e conse- guiu apresentar sua contribuição à frente dessa estrutura universitá- ria entre os anos de 1994 e 1995.293 Durante esse período foram realizados grandes projetos com recursos obtidos através do MEC. Um dos principais projetos foi o “Minha Casa”. Por meio dessa iniciativa, disponibilizou-se apoio lo- gístico e de materiais para todas as escolas isoladas do Vale do Itajaí, beneficiando professores e alunos. “Outra ação de destaque foi a oferta de dois cursos consecu- tivos de pós-graduação lato sensu: especialização em alfabetização. Essa formação acadêmica foi oferecida somente para professores que estavam atuando em atividades de alfabetização nas séries iniciais das escolas do Vale do Itajaí. As especializações foram oferecidas em regime integral e de forma gratuita para os educadores participantes, que receberam inclusive alimentação e estadia no hotel do Sesc.”294 Julianne Fischer trabalhava como docente em disciplinas da área pedagógica quando José Tafner exerceu a função de diretor do Centro de Educação. Relembra que Tafner dedicou atenção especial para a questão de formação acadêmica e educacional dos estudantes das licenciaturas, especialmente da Pedagogia.295 De acordo com Be- ckhauser, mesmo após exercer os mandatos como reitor, José Tafner manteve o modo simples e humilde que lhe era peculiar. Do gabinete da reitoria para os bancos escolares Em paralelo às atividades de docência e administrativas, Tafner continuou buscando aperfeiçoamento intelectual. No ano de 1994 a Furb abriu mestrado com o intuito principal de capacitar os seus professores. Julianne Fischer cursou esse mestrado e informa que a capacitação acadêmica contou com a participação de vários do- centes de carreira da instituição. Os educadores com mais idade e experiência não contavam ainda com esse nível de formação. Além de obterem novos conhecimentos e a titulação de mestre, contri- buíam para que a instituição aumentasse a quantidade de docen- tes com mestrado, considerando-se que era necessário contemplar 293 Entrevista concedida por José Tafner ao Projeto Universidade Regional de Blumenau e sua História, em 15 de abril de 2000, para os entrevistadores Balbino Simor Rocha, Luís Vendelino Colombi, Andréia Ferreti e Clarice Ehmke. 294 TAFNER, José. Entrevista concedida a Evandro André de Souza e Jonas Felácio Júnior, em 1o de maio de 2020. 295 FISCHER, Julianne. Entrevista concedida a Evandro André de Souza e Jonas Felácio Júnior, em 17 de abril de 2020. 159 as exigências do Ministério da Educação, devido ao status de uni- versidade. Ao mesmo tempo as atividades formativas eram essen- ciais para os jovens professores, que com o transcorrer dos anos estariam substituindo os docentes da velha guarda, conforme ocor- ressem as aposentadorias.296 Um dos mestrandos foi José Tafner, que retornou aos bancos escolares para ampliar seus conhecimentos. Conforme recordações de Julianne Fischer, é fundamental ressaltar a postura de Tafner em sala de aula. Mesmo após ter desempenhado dois mandatos como reitor da Furb, tratava os colegas com humildade, conviveu bem com sua turma e nunca exigiu um tratamento hierárquico dife- renciado. Sua postura questionadora evitava que as aulas caíssem namesmice e essa troca de conhecimentos foi interessante para os mestrandos. As ideias de Tafner qualificavam o debate e instigavam novas discussões acadêmicas. Nos encontros festivos da turma do mestrado, tratava os demais colegas com gentileza. No entanto, en- frentava dificuldades para aceitar as normas e regras do mestrado, sendo essa uma característica peculiar de sua personalidade. Sem- pre que possível, ia contra as regras.297 Pouco tempo antes de se aposentar no ano de 1995, obteve o título de mestre em Ensino Superior pela Furb, após defender dis- sertação na área de Avaliação Educacional. Após o momento da aposentadoria, continuou mantendo proximidade com a instituição, participando de eventos, recebendo homenagens, mas sem vínculo trabalhista. José Tafner era contrário à possibilidade de uma pes- soa continuar trabalhando na Furb, mesmo depois de aposentada. Defendia a ideia de que era preciso deixar espaço para os mais jo- vens também terem a oportunidade de construírem suas histórias de atuação na universidade. 296 Idem. 297 Idem. “Impediu-se a votação do projeto que proporcionaria inovação para a educação catarinense. José Tafner não se abalou e poucos anos depois aprimorou a proposta, que contemplou milhares de estudantes de Santa Catarina e posteriormente de outras regiões. Com sua visão futurista e revolucionária, já previa as inovações que aconteceriam na área educacional brasileira, fato este não compreendido pelas mentes conservadoras.” Os autores 161 No final da década de 1980, José Tafner estava trabalhando há quase trinta anos na área da educação. Seu trabalho enquanto educador já era reconhecido em Santa Catarina e ficou ainda mais em evidência através dos mandatos como reitor da Furb. No primei- ro trimestre do ano de 1989, foi convidado pelo governador de Santa Catarina, Pedro Ivo Campos, para assumir a função de Secretário de Estado da Educação. Caso aceitasse a missão, a posse já ocorreria na semana seguinte na capital catarinense. O professor Tafner aceitou o desafio e se colocou à disposição do governo estadual, se licenciando de suas atividades na Furb.298 O legado de José Tafner como Secretário de Educação Tafner deixou um grande legado durante o período em que atuou como Secretário de Estado da Educação. Um dos principais di- ferenciais da sua gestão relaciona-se à forma como organizou a equi- pe de trabalho. Optou por utilizar os servidores, ao invés de efetuar a contratação de cargos comissionados. Portanto, as funções foram delegadas para os funcionários de carreira. Paralelamente, organi- zou-se o trabalho de campo, com intuito de visitação às prefeituras e regiões catarinenses. Desta forma seria possível verificar quais eram as demandas educacionais, que necessitavam de atenção e encami- nhamentos urgentes.299 No período em que esteve à frente da Secretaria Estadual da Educação, José Tafner enfrentou inúmeros desafios relacio- nados a aspectos burocráticos. Precisava seguir os cronogramas 298 TAFNER, José. Entrevista concedida a Evandro André de Souza e Jonas Felácio Júnior, em 23 de julho de 2019. 299 Idem, em 1o de maio de 2020. CAPÍTULO 9 A contribuição do professor Tafner para a educação de Santa Catarina 162 de prestação de contas das obras que estavam sendo realizadas, como forma de possibilitar a transparência e comprovar a utiliza- ção dos recursos públicos nessas benfeitorias. No entanto, existia uma dificuldade enorme em repassar os dados para a União. Em inúmeras ocasiões, as escolas demoravam muito para encaminhar as informações para a Secretaria. Em decorrência desse atraso, o governo do estado perdia os prazos para prestar contas ao governo federal, o que gerava multas como penalidade. A situação adversa não se restringia apenas às obras em andamento: também ocor- riam atrasos no envio de dados em relação ao desenvolvimento de projetos educacionais. Lamentavelmente, havia falta de zelo de vários gestores educacionais e esse fator dificultava as atividades da Secretaria de Educação no momento de comprovar que o di- nheiro estava sendo aplicado corretamente. O cenário ocasionava situações extremamente desgastantes.300 Aloir Arno Spengler menciona que o secretário Tafner procu- rou auxiliar as fundações educacionais do Sistema Acafe, especial- mente as instituições do interior catarinense. Em decorrência dos aspectos burocráticos, ocorreu uma dificuldade em disponibilizar recursos financeiros além do que estava previsto no orçamento da secretaria. “Houve ajuda dentro das possibilidades para as fundações educacionais”. Aloir avalia que o professor Tafner realizou inovações importantes no ensino de Primeiro Grau (atual Ensino Fundamen- tal) e da mesma forma no Ensino Médio. A rotina de trabalho era dinâmica e demandava encaminha- mentos ágeis e eficientes. Havia a necessidade de resolver os proble- mas que surgiam a cada semana. Tafner se reunia com a equipe de coordenadores com a finalidade de planejar as ações e encontrar so- luções para as situações pendentes. Realizavam um raio-X da ques- tão estrutural das unidades educacionais. Procurou otimizar a utili- zação dos recursos e evitou ações populistas. Portanto, desenvolveu um trabalho administrativo técnico.301 Foram firmados inúmeros convênios com a Universidade Federal de Santa Catarina e com ou- tras instituições de ensino, contemplando iniciativas educacionais. Outro aspecto primordial esteve relacionado ao treinamento dos professores. Tafner sempre foi favorável à capacitação dos do- centes e ao aprimoramento intelectual. No entanto, entendia que o professor deveria participar da formação educacional no momen- to em que não estivesse lecionando. Era fundamental evitar que 300 Idem. 301 Idem. 163 os alunos ficassem sem aula. Este pensamento foi aprimorado e alguns anos depois resultou na concepção do projeto Magister, no período em que exerceu a função de diretor de Ensino Superior de Santa Catarina. José Tafner permaneceu à frente da Secretaria de Estado da Educação de Santa Catarina por pouco mais de um ano. Nesse ín- terim, aconteceu o falecimento precoce do governador Pedro Ivo Campos, em 27 de fevereiro de 1990, com apenas 59 anos de idade. O cargo passou então a ser desempenhado pelo vice-governador, Ca- sildo Maldaner. Tafner foi convidado para permanecer na função de secretário estadual da Educação. Apesar do convite feito por Malda- ner, disse que o seu compromisso era com o governador Pedro Ivo.302 José Tafner retornou para Blumenau e reassumiu o mandato de reitor na Furb. Além do respeito no âmbito profissional, possuía uma relação de amizade com o professor João Joaquim Fronza, que esteve desempenhando as funções na reitoria enquanto Tafner trabalhou na capital catarinense. Em decorrência da relação respeitosa, conver- savam periodicamente por telefone sobre os assuntos de interesse da instituição. Desta forma, quando retornou para reassumir a reta final do segundo mandato, estava inteirado sobre os principais aconteci- mentos do ano em que ficou afastado de Blumenau. A dedicação ao ocupar um cargo público Quando se ouve algo a respeito de um homem público que de- sempenha uma função relevante, pode-se imaginar que esta condição proporcione um status diferenciado e de destaque na sociedade. No entanto, existe um outro lado da moeda, desconhecido pela maioria das pessoas. Devido à dedicação que um cargo de alto escalão exi- ge, José Tafner precisou abrir mão de diversos momentos em família para procurar exercer com excelência a missão que foi oportunizada pelo governador Pedro Ivo Campos. Em diversas ocasiões, Tafner saía da capital, passava na sua casa em Blumenau, revia os familiares e depois já se deslocava para o in- terior do Estado para acompanhar obras de construção ou reforma de unidades escolares. Não se contentava somente em saber que esta- vam ocorrendo melhorias de infraestrutura. Precisava acompanhar de perto e fiscalizar os trabalhos, para que fossem realizadoscom qualidade e conforme o que estava previsto no planejamento. 302 Idem. 164 A esposa Verônica Tafner acompanhou algumas das vistorias para viajar com o marido e poder conversar um pouco sobre a fa- mília. Diversas obras estavam acontecendo na região Oeste de Santa Catarina, o que demandava várias horas de viagem, considerando o trajeto de ida e volta. Com o passar do tempo, Verônica se inco- modou com a situação de ver o esposo se doando tanto assim para a política e deixou de acompanhar os momentos de fiscalização das obras. Ficava preocupada ao ver todo o sacrifício de Tafner, que tra- balhava durante a semana inteira e passava poucas horas do final de semana com os familiares.303 Nesse período a BR-101 ainda não era duplicada. José Tafner precisava sair de Blumenau na segunda-feira, entre 3h30min e 4 ho- ras da manhã, para chegar às 7 horas em Florianópolis e desta forma iniciar os trabalhos da semana. Verônica comenta que se fosse pos- sível gostaria de apagar da sua mente o período em que o marido foi secretário estadual da Educação, porque o casamento ficou pra- ticamente anulado nessa fase. Considera que essa época se tornou a pior da história de vida do casal, em decorrência da dedicação que a função exigia.304 O sonho de criar uma Faculdade No período que desempenhou a função de secretário estadual de Educação, Tafner começou a idealizar o primeiro projeto de facul- dade. Alguns profissionais da Secretaria da Educação estavam con- tribuindo com ideias para aperfeiçoar a proposta, e seriam sócios- fundadores junto com José Tafner. A ideia era instalar a faculdade às margens da BR-101, em Palhoça. No entanto, a proposta não saiu do papel porque faltavam recursos financeiros para implementação do projeto. Os sócios não contavam com maneiras de viabilizar a iniciativa educacional.305 O sonho de Tafner foi adiado por alguns anos, mas desde aquele momento já estava convicto sobre a implantação do ensino a distância. Inclusive, havia visitado a FernUniversität de Hagen, na Alemanha. Esta instituição de ensino trabalha há mais de 40 anos com a EaD. Tafner solicitou e obteve diversos materiais didáticos 303 TAFNER, Verônica Teresinha. Entrevista concedida a Evandro André de Souza e Jonas Felácio Júnior, em 24 de julho de 2019. 304 Idem. 305 TAFNER, José. Entrevista concedida a Evandro André de Souza e Jonas Felácio Júnior, em 1o de maio de 2020. 165 utilizados no ensino a distância. Pensava em traduzir os conteúdos e adaptá-los à realidade brasileira. Desta forma serviriam de base para implantação de um projeto de EaD em Santa Catarina. Os pensamentos inovadores foram colocados em prática no momento de organização da EaD da Uniasselvi, que se tornou um case de sucesso no Brasil.306 O desafio como diretor de Ensino Superior Após se aposentar como professor da Furb, José Tafner nem teve a possibilidade para desfrutar do tempo livre e ser considerado uma pessoa aposentada. Recebeu o convite para integrar o governo Paulo Afonso e desempenhar a função de diretor de Ensino Superior de Santa Catarina, na Secretaria de Estado da Educação. Programa Magister: a formação de milhares de professores para a educação catarinense Enquanto diretor de Ensino Superior da Secretaria da Educação de Santa Catarina, José Tafner desenvolveu inúmeras ações que con- tribuíram para a área educacional, com destaque para a idealização do Programa Magister. O projeto organizado pelo governo do estado, através da Secretaria de Educação e da Diretoria de Ensino Superior, ajudou a escrever uma página de destaque na história da educação catarinense. Em relação ao nome da iniciativa, Tafner explica que a palavra magister faz uma referência ao mestre, reconhecendo a im- portância do professor. O Programa Magister teve como objetivos principais: possibi- litar a melhoria científico-pedagógica da qualidade de ensino nas escolas de Educação Básica; oportunizar a formação profissional de professores que atuavam no Estado de Santa Catarina no período de sua realização; viabilizar, mediante o intercâmbio da Educação Bási- ca com a Educação Superior, a atualização e adequação às exigências do desenvolvimento científico e tecnológico moderno às necessida- des dos professores-alunos.307 Para alcançar o objetivo de formação educacional e acadêmi- ca, o programa contou com um arcabouço filosófico para nortear 306 Idem. 307 SANTA CATARINA. Programa Magister. Florianópolis: Ioesc, 1998. 166 as ações desenvolvidas. Tafner idealizou os seguintes princípios orientadores308: 1 – A revolução da qualidade da educação se faz em sala de aula, portanto, o professor-aluno do Magister está em efetivo exercício. Não deixa a sala de aula para fazer o seu curso, possibilitando desta forma a verdadeira dialética do ensino-aprendizagem e a aplicação do novo paradigma do conhecimento: não basta saber, é preciso sa- ber fazer; 2 – Cada indivíduo é diferente e é na diversidade que emerge a criatividade. São instituições, locais, currículos e professores dife- rentes. Consequentemente, metodologias e quadros teóricos diferen- tes, professores-alunos, cada um com suas experiências e conteúdos. Esta diversidade cultural possibilita ao aluno a liberdade de construir a sua história, em resposta à realidade circundante; 3 – Não existem tendências, conteúdos e metodologias piores ou melhores. Devem existir professores mais bem preparados em termos de conteúdo e de formação. No Magister o aluno é preparado para ser professor e educador e não apenas treinado para ministrar determinadas aulas e conteúdos; 4 – No convívio escolar não há decisões, há acordos. Cada curso do Magister é único. O convívio de quatro anos, em média, obriga a todos – instituição, coordenação, professores, alunos – a desenvolve- rem uma negociação constante, para que todos saiam vencedores em todas as ocasiões. É a vivência do novo paradigma do relacionamen- to humano: a negociação. Todos crescem. Um dos principais diferenciais dessa iniciativa refere-se à pers- pectiva de formação acadêmica, para contemplar áreas que estavam com falta de profissionais capacitados. Desta forma seria possível transformar o cenário educacional catarinense. É fundamental con- textualizar que anteriormente à realização do projeto, centenas de pro- fessores leigos lecionavam disciplinas sem possuir formação na área em que estavam atuando educacionalmente. Outro aspecto primordial diz respeito à possibilidade do profissional que já possuía formação universitária cursar uma segunda licenciatura, obter novos conheci- mentos e vislumbrar oportunidades de trabalho educacional.309 Com a finalidade de oportunizar a formação de professores em efetivo exercício das redes estadual e municipal de ensino, que atuavam sem formação superior, a Secretaria da Educação estabe- leceu parceria com várias instituições de ensino de Santa Catarina. 308 Idem. 309 TAFNER, José. Entrevista concedida a Evandro André de Souza e Jonas Felácio Júnior, em 23 de julho de 2019. 167 O governo do estado firmou convênio com as seguintes IES: Funda- ção Educacional de Brusque (Febe/Unifebe); Fundação Educacional do Alto Vale do Itajaí (Fedavi/Unidavi); Fundação Educacional Re- gional Jaraguaense (Ferj), Fundação Universidade Regional de Blu- menau (Furb); Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc); Universidade do Contestado (UNC); Universidade do Extremo-Sul Catarinense (Unesc); Fundação das Escolas Unidas do Planalto Ca- tarinense (Uniplac); Fundação Universidade do Sul de Santa Cata- rina (Unisul); Fundação Universidade do Vale do Itajaí (Univali); Universidade da Região de Joinville (Univille); Fundação Universi- dade do Oeste de Santa Catarina (Unoesc) e Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Após firmar as parcerias com universidades e faculdades, a Secretaria da Educação realizou a etapa de inscrições para o Pro- grama Magister. As fases de ingresso das atividades apresentaram números consideráveis e se inscreveram 14.343pessoas, para 5.130 vagas. Através desse projeto foram ofertados 104 cursos superiores de licenciatura, proporcionando gratuitamente ações que capacita- ram cerca de 5 mil participantes em 46 cidades catarinenses, sendo a maioria dos cursos realizados em cidades do interior, distantes das cidades-sede das instituições ministrantes. Foram realizadas quatro etapas do projeto, sendo a primeira no segundo semestre de 1995, a segunda no primeiro semestre de 1996, a terceira no segundo semes- tre de 1996 e a quarta no segundo semestre de 1997. Em cada fase do Magister ocorreu o lançamento de editais para garantir a transpa- rência das ações. Cabe mencionar que o acesso dos participantes foi feito mediante processo seletivo.310 O Magister oportunizou a possibilidade de os alunos estudarem em horário flexibilizado, em comparação com o ensino tradicional. As turmas eram formadas com 50 pessoas no máximo. Os estudos acon- teciam de forma presencial, nas sextas-feiras à noite, nos sábados e também no período das férias de janeiro e de julho, de forma mais intensiva. As aulas foram ofertadas em horários alternativos para que os docentes não se ausentassem das escolas nos dias letivos. O pla- nejamento evitou a falta de professor nas unidades educacionais. De forma simples, resolveu-se o problema e nenhuma pessoa foi impe- dida de participar das graduações.311 Cabe mencionar que os currí- culos dos cursos de Licenciatura Plena do Programa Magister segui- ram as diretrizes curriculares nacionais, bem como as especificidades 310 SANTA CATARINA. Programa Magister. Florianópolis: Ioesc, 1998. 311 FRONZA, Francisco. Entrevista concedida a Evandro André de Souza e Jonas Felácio Júnior, em 25 de julho de 2019. 168 das instituições onde foram ofertados, em termos de dias letivos e car- ga horária prevista, inclusive com a mesma duração. As graduações contemplaram as questões mais deficitárias do magistério catarinense, especialmente a área de Ciências e a forma- ção dos professores das séries iniciais do Ensino Fundamental. Fo- ram ofertados os seguintes cursos: Pedagogia, Educação Especial, Matemática, Física, Biologia, Geografia, História, Química, Religião, Letras – Português e Inglês, Letras – Português e Espanhol, Letras – Português e Italiano, Letras – Português e Alemão, Educação Artísti- ca. Alguns desses cursos, principalmente na área de Ciências, foram de complementação da licenciatura curta para a licenciatura plena.312 Excetuando-se a UFSC e a Udesc, as demais instituições parcei- ras do programa cobravam mensalidades. Por essa razão, a participa- ção dos educadores no Magister foi totalmente custeada pelo Estado de Santa Catarina. A metodologia seguiu o princípio da formação continuada, com o curso acontecendo o mais próximo possível do local de trabalho e residência do aluno. Além da gratuidade para cursar as graduações, o projeto oportunizou apoio financeiro para deslocamento do estudante e para custear outras despesas. As licen- ciaturas foram ofertadas em 46 cidades catarinenses. A instituição que se prontificava a ofertar determinada gra- duação, obrigatoriamente precisava ter o reconhecimento daquele curso para emitir o diploma ao término das atividades. Algumas instituições de grande porte, a exemplo da Universidade Federal de Santa Catarina e da Universidade do Estado de Santa Catari- na, contavam com uma quantidade expressiva de graduações re- conhecidas e participaram de forma estratégica neste projeto. A UFSC ofertou cursos que contemplaram várias regiões catarinen- ses e aproximadamente 700 alunos. Da mesma forma foi realizado o convênio com a Udesc. Outras instituições também atenderam expressiva quantidade de estudantes. Tafner chama a atenção para a dedicação dos professores do ensino universitário, que entenderam a essência do projeto. Vários docentes se deslocavam de Florianópolis para lecionar nas regiões mais distantes, como no extremo-oeste do Estado. Além de benefi- ciar os alunos participantes, o Magister contemplava as instituições de Ensino Superior. As faculdades recebiam um repasse financeiro a cada semestre, para colocar sua estrutura à disposição dos estudan- tes, além de contratar os professores que seriam os responsáveis em lecionar os conteúdos. 312 SANTA CATARINA. Programa Magister. Florianópolis: Ioesc, 1998. 169 Praticamente quase 30 anos depois de sua realização, o Progra- ma Magister ainda é lembrado como uma proposta inovadora, que foi de fundamental importância para a qualificação dos professores e melhoria do ensino nas escolas. A iniciativa licenciou 4.947 professo- res das redes estadual e municipal de ensino e de escolas particulares de Santa Catarina. É válido destacar que o projeto foi idealizado por José Tafner e sua realização somente foi possível em razão do apoio do então go- vernador Paulo Afonso. Da mesma forma tornou-se essencial o em- penho do secretário de Estado da Educação, João Batista Matos, que deu carta branca para o professor Tafner coordenar as atividades.313 A equipe do Magister que esteve acompanhando toda as etapas de realização do projeto foi composta pelos seguintes profissionais: Diretor: professor José Tafner. Gerente: professor Guerino Beb- ber. Coordenador pedagógico: Antônio César Becker. Equipe técni- ca: Adriana Gava Menezes de Albuquerque, Ana Paula Seara, Eliana da Silva Antunes, Fátima Rosana Genovez Scoz, Ida Antunes, Lia Soares de Albuquerque de Oliveira, Paulo Bernadi. Equipe de apoio: Oldair Schroeder, Márcia Bernadete da Silva, Fernando Rodrigo Dri e Maicon Marangoni. Participação de Verônica Tafner no Programa Magister Verônica Tafner prestou vestibular na Furb, com primeira op- ção para o curso de Direito e segunda opção para a licenciatura em Letras. Optou por fazer Letras e gostou da experiência de ter cursa- do essa graduação. Concluiu a formação acadêmica no ano de 1984. Praticamente uma década depois surgiu a oportunidade de os edu- cadores participarem das atividades do Programa Magister. Verônica ficou interessada em realizar uma segunda licenciatura, por isso se inscreveu no curso Letras – Espanhol, que foi ofertado no município de Ibirama. As atividades do Magister eram desenvolvidas por pro- fessores gabaritados nas áreas do conhecimento. Durante dois anos e meio, Verônica dedicou seus finais de semana para se deslocar até Ibirama e frequentar as aulas. Era oferecido espaço para as profes- soras dormirem na própria escola.314 Ao término dessa etapa de es- tudos, Verônica obteve o diploma de Espanhol, passando a ter duas formações acadêmicas. 313 TAFNER, José. Entrevista concedida a Evandro André de Souza e Jonas Felácio Júnior, em 23 de julho de 2019. 314 Idem. 170 Marlon Tafner comenta que na época de realização do Programa Magister ainda não existiam as faculdades particulares, desta forma o governo estadual fez convênios com universidades públicas como a UFSC e a Udesc, além de instituições fundacionais que integravam o Sistema Acafe. Quando lembra do projeto, fica impressionado com a quantidade de recursos que o governo do estado conseguiu obter e disponibilizar para esse programa educacional. As ações foram tão marcantes que a parceria entre José Tafner e João Matos continua até os dias atuais. Marlon revela que João Matos tem um carinho pela família Tafner e boa relação de amizade.315 Uma parceria exitosa em prol da educação catarinense Os professores José Tafner e João Matos são profissionais reco- nhecidos na área educacional catarinense. Desenvolveram inúmeras ações e projetos de abrangência estadual que contribuíram efetiva- mente para o aprimoramento da educação em Santa Catarina. A par- ceria de sucesso foi iniciada na década de 1980, quando João Matos lecionou na Fundação Educacional do Alto Vale do Itajaí, atual Uni- davi. Naquela época existia um convênio para que fossem ofertados cursos superiores da Furb no espaço das Fedavi. Em inúmeras oca- siões Tafner esteve em Rio do Sul participando de reuniõesou de momentos de colação de grau dos formandos das licenciaturas. Em decorrência desse vínculo educacional, o professor João Matos co- nheceu pessoalmente José Tafner. A partir daí teve início uma parce- ria relevante e essencial para a educação catarinense. Durante novos encontros profissionais os vínculos foram fortalecidos. Matos acompanhou a trajetória de Tafner como professor, reitor da Furb por dois mandatos e enquanto secretário estadual de Educa- ção, no final do governo Pedro Ivo Campos. Periodicamente conver- savam e foi estabelecida uma amizade para além do relacionamento profissional. Nessas oportunidades, Tafner manifestava várias ideias para o Ensino Superior catarinense, especialmente no âmbito de for- mação dos professores.316 Posteriormente o professor João Matos foi convidado pelo go- vernador Paulo Afonso para exercer a função de secretário de Estado da Educação. No momento de formar sua equipe de trabalho, Matos 315 TAFNER, Marlon. Entrevista concedida a Evandro André de Souza e Jonas Felácio Júnior, em agosto de 2019. 316 MATOS. João Batista. Entrevista concedida a Evandro André de Souza e Jonas Felácio Júnior, em 3 de junho de 2020. 171 convidou José Tafner para desempenhar a função de diretor de Ensi- no Superior de Santa Catarina e implementar as ideias que havia de- senvolvido para esse segmento educacional. Tafner aceitou o desafio e desta forma foram viabilizadas ações de relevância que até hoje são consideradas marcos da história da educação catarinense, principal- mente na questão de formação acadêmica docente. Matos enfatiza que o projeto Magister envolveu milhares de pro- fessores que não contavam ainda com habilitação de nível superior. Através das mais de cem turmas formadas, foram contemplados inú- meros educadores das regiões interioranas de Santa Catarina. O ex-se- cretário de Estado da Educação destaca que a realização dessa iniciati- va educacional somente foi possível graças à parceria entre o governo de Santa Catarina e as instituições de Ensino Superior. Por meio do projeto foram atendidas dezenas de turmas na Universidade Federal de Santa Catarina e Universidade do Estado de Santa Catarina. A ini- ciativa contribuiu também para capitalizar as faculdades e universida- des fundacionais que integravam o Sistema Acafe, revitalizando-as.317 Antes de ocorrer a implantação em definitivo do projeto Ma- gister, o secretário João Matos fez um roteiro por alguns países euro- peus, com a finalidade de firmar parcerias no âmbito tecnológico e educacional. Participou de reuniões nos ministérios de Educação da Espanha, Alemanha e Itália, onde também recebeu materiais didá- ticos que posteriormente foram aproveitados nas aulas do Magister. De acordo com Matos, o Magister apresentou inúmeros aspec- tos inovadores. Pela primeira vez na história da educação catarinen- se, a Secretaria de Educação ofertou o curso de Espanhol em diver- sas cidades do estado. Como forma de contribuir para a preservação da cultura das etnias de Santa Catarina, nas regiões de colonização alemã ofertou-se a graduação em Letras – Alemão, enquanto nas regiões de colonização italiana aconteceu a oferta da graduação em Letras – Italiano. Ao término desse período formativo, constatou-se na prática o aspecto revolucionário proporcionado pelo Programa Magister. Em momentos anteriores, havia ocorrido ações de capacitação dos educadores. O Magister conseguiu avançar neste sentido e oportu- nizar formação acadêmica, disponibilizando o diploma no final da graduação. Além de aumentar consideravelmente o número de pro- fissionais da educação habilitados, o modelo diferenciado e qualifi- cado proporcionou a elevação do nível intelectual e pedagógico dos professores participantes. 317 Idem. 172 É fundamental mencionar que na época de conclusão do Ma- gister, poucos estados brasileiros contavam com um corpo docente tão qualificado como o de Santa Catarina. Realmente um diferencial que beneficiou os estudantes catarinenses, que passaram a contar com um número significativo de professores capacitados na área em que lecionavam. Conforme destaca Matos, além de beneficiar ini- cialmente a rede pública de ensino, em um segundo momento os profissionais passaram a trabalhar paralelamente em instituições de ensino da rede particular.318 João Matos comenta que José Tafner apresenta algumas carac- terísticas diferenciadas. Além de ser objetivo e determinado em suas ações, age de forma arrojada no desenvolvimento dos projetos. Res- salta o otimismo, a persistência e a coragem de Tafner, que são fato- res essenciais para alcançar o êxito em suas iniciativas. Matos desempenhou a função de conselheiro estadual de Edu- cação de Santa Catarina e recorda que em várias reuniões do conse- lho os integrantes destacaram positivamente a realização do projeto Magister. Portanto, muitos anos depois da execução da iniciativa, diversos educadores se recordam com nostalgia da relevância desse projeto para a sociedade catarinense. Recorda que apoiou a realização do Magister desde o momento em que a ideia foi apresentada por José Tafner. Além do apoio do se- cretário de Educação, a implantação do projeto também contou com o aval do governador da época, Paulo Afonso Evangelista Vieira. Um dos fatos que comprova que o Magister obteve respaldo na sociedade catarinense é a sua continuidade após a troca de comando no execu- tivo estadual. O governador Esperidião Amin sucedeu Paulo Afon- so e possibilitou a continuidade do projeto de forma plena: seguiu destinando recursos para as faculdades que integravam o programa educacional. Com certeza trata-se de um fenômeno raro no âmbito político, porque geralmente os projetos não têm continuidade a par- tir do momento em que ocorre a transição. Portanto, deve-se desta- car que a finalidade educacional do Magister sempre esteve acima de questões políticas. Prova disso foi a sua continuidade por homens públicos que integravam outra agremiação partidária. No cotidiano de atividades da Secretaria da Educação, pe- riodicamente Tafner e Matos se reuniam. Deliberavam sobre os encaminhamentos do cotidiano de trabalho e sobre os pro- jetos que estavam sendo desenvolvidos no período. Da mesma forma, trocavam ideias sobre o futuro da educação catarinense. 318 MATOS. João Batista. Entrevista concedida a Evandro André de Souza e Jonas Felácio Júnior, em 3 de junho de 2020. 173 Nesses diálogos compartilhavam saberes e debatiam os principais desafios da área educacional. Matos menciona que Tafner abor- dava os assuntos relevantes com profundidade e conhecimento. Procurava defender as ideias que acreditava, mas sempre diante da perspectiva do diálogo.319 Matos afirma que confiava muito na capacidade do profes- sor José Tafner em razão de sua ampla experiência como ex-reitor, ex-secretário e educador com visão futurista. Encaminhava as de- mandas de trabalho de forma racional e obtinha resultados rápidos e positivos. O conhecimento de Tafner era aproveitado em outras deliberações e ações do dia a dia da Secretaria Estadual da Educa- ção. Mesmo atuando como diretor de Ensino Superior, contribuía no aperfeiçoamento dos demais projetos desenvolvidos pela equipe de trabalho. Além do Programa Magister, que foi o grande diferencial daquela gestão, João Matos informa que ocorreram outras iniciativas relevantes e que contemplaram a Educação Básica.320 A frustração no Conselho Estadual de Educação José Tafner participou do Conselho Estadual de Educação no período de 1997 a 2002. Aceitou o desafio de desempenhar a função devido a sua participação como fundador e primeiro presidente da Associação de Mantenedoras Particulares de Educação Superior de Santa Catarina (Ampesc). Apesar da expectativa em desempenhar um papel atuante nessa estrutura, a participação como conselheiro estadual tornou-se uma das experiências mais frustrantes de Tafner na área educacional. A maioria dos conselheiros assumiam a função em decorrência de indicaçõespolíticas. Dos 22 integrantes do Con- selho, somente dois eram da Educação Básica. Na época de atuação como conselheiro, o governador Luiz Henrique da Silveira abriu a possibilidade dos cidadãos catarinenses, prefeituras, secretarias municipais de Educação, ou instituições de ensino, apresentarem um projeto de Educação a Distância. Caso a iniciativa fosse aprovada após a avaliação do Conselho Estadual de Educação, receberia então recursos provenientes do governo do esta- do, no momento de sua implantação. Mesmo diante da oportunidade viabilizada pelo governador, os demais conselheiros e representantes das faculdades não apresentaram propostas. José Tafner foi o único 319 Idem. 320 Idem. 174 conselheiro a apresentar o seu projeto através da Associação Educa- cional Leonardo da Vinci.321 Vale ressaltar que até esse momento, a Asselvi ofertava apenas o ensino presencial. Em seguida, o presidente do Conselho Estadual de Educação nomeou a comissão que realizou uma fiscalização na sede da Asselvi em Indaial. Os conselheiros aprovaram por unanimidade essa etapa do projeto, que foi encaminhado para análise de um colegiado. A partir daí, constatou-se que outras instituições de ensino ficaram in- comodadas com a ousadia de Tafner. A cada nova reunião de análise dos projetos, algum conselheiro apresentava um novo impedimento, ou argumentava que a proposta não contemplava determinada lei. Cabe mencionar que grande parte dos conselheiros representavam instituições de ensino fundacionais de Santa Catarina. Em decorrên- cia da estratégia de apresentar impedimentos, o projeto nunca foi votado definitivamente, o que impediu a sua aprovação. Esse fato chama atenção porque mesmo com o aval do gover- nador e com a experiência administrativa e educacional de Tafner, impediu-se a votação do projeto que proporcionaria inovação para a educação catarinense. José Tafner não se abalou e poucos anos de- pois aprimorou a proposta, que contemplou milhares de estudantes de Santa Catarina e posteriormente de outras regiões. Com sua visão futurista e revolucionária, já previa as inovações que aconteceriam na área educacional brasileira, fato este não compreendido pelas mentes conservadoras. 321 TAFNER, José. Entrevista concedida a Evandro André de Souza e Jonas Felácio Júnior, em 1o de maio de 2020. 175 O sonho de criar uma faculdade já era algo presente no imagi-nário de José Tafner, desde o final da década de 1980. Através das experiências profissionais como professor universitário, reitor da Furb e secretário de Estado da Educação, aperfeiçoou seu arcabouço científico e intelectual. Da mesma forma ampliou a capacidade de gestão educacional no período entre o final dos anos 70 e a metade da década de 1990, quando se aposentou na Furb. Tafner estava atuando profissionalmente em 1996 como diretor de Ensino Superior da Secretaria Estadual de Educação. Nessa época começaram a surgir rumores sobre a possibilidade de abertura para credenciamento de novas instituições de Ensino Superior. Cabe con- textualizar que desde 1966 não havia ocorrido liberações de forma tão ampla. É importante mencionar que o ano de 1996 apresentou grande relevância para a história da educação brasileira em razão da aprovação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB). Esta legislação foi promulgada pelo presidente Fernando Henrique Cardoso, em 20 de dezembro de 1996. Com visão empreendedora e de futuro, Tafner anteviu a opor- tunidade efetiva para credenciamento de novas faculdades. Apesar de apreciar sua atividade na Secretaria Estadual da Educação, pediu exoneração do governo Paulo Afonso para realizar o sonho de criar a própria instituição educacional. Passou a se dedicar exclusivamente ao projeto de criação da Associação Educacional Leonardo da Vinci. Em relação ao surgimento da Asselvi, Verônica Tafner menciona que seu marido tinha em mente que precisava fazer alguma ativida- de após se aposentar na Furb.322 “Nesse momento comecei a colocar em prática o projeto que sonhei em 1989, para criar uma faculda- de. Todos os filhos estavam estudando e sabia que a aposentadoria 322 TAFNER, José. Entrevista concedida a Evandro André de Souza e Jonas Felácio Júnior, em 23 de julho de 2019. CAPÍTULO 10 Realizando o sonho de criação de uma Instituição de Ensino Superior 176 não me dava condições de continuar vivendo com tranquilidade, com três filhos estudando e crescendo e a Marylin necessitando de condi- ções cada vez melhores para o seu bem-estar. Todo o projeto foi escrito por mim, linha por linha”, destaca Tafner.323 Outro aspecto relaciona-se à dedicação do professor Tafner ao trabalho, sendo que não conseguia ficar ocioso. Precisava sempre es- tar envolvido em alguma atividade, produzindo ou empreendendo. O casal passava os finais de semana em um apartamento na praia de Gravatá, onde conversava a respeito e buscava idealizar novos projetos para o futuro. Verônica comenta que seu esposo sempre foi estudioso. Apresentava vontade de aprender cada vez mais e nunca encerrava a busca por novos saberes. Além de fazer a leitura dos li- vros, acompanhava também o noticiário e se inteirava sobre as atua- lizações da legislação brasileira concernente à área educacional.324 Através da imprensa soube da expectativa sobre a liberação do go- verno brasileiro para que fossem abertas novas faculdades no país, uma situação que praticamente não ocorreu no período da administração dos militares. Verônica tem a recordação de Tafner almoçando, cercado de papel, lápis e caneta. Com entusiasmo desenhava como seria a sua fa- culdade e fazia planos. Buscava alternativas para tornar o sonho em algo prático e real. Naquele momento começou efetivamente a desenvolver o projeto de idealização da Asselvi. Com auxílio da esposa, Tafner ia tro- cando ideias e fazendo anotações em relação à estrutura que precisaria no primeiro ano de atividades, quantidade de professores, infraestrutura necessária, entre outros inúmeros aspectos.325 Almejava deixar o projeto totalmente organizado até o momen- to em que ocorresse a autorização do governo, em seguida já proto- colaria o pedido de abertura da faculdade. Tafner contou com a de- dicação do filho Malcon, que ajudou a escrever os projetos de cursos, mas sempre com sua orientação e revisão. Por causa da quantidade expressiva de informações, houve a contratação de um ajudante que digitava os projetos de cursos manuscritos. O trabalho também era realizado nos sábados e domingos.326 “No segundo semestre de 1996 e no primeiro semestre de 1997, com o apoio dos filhos Marlon, Malcon, Marlen e de dois funcio- nários contratados para o projeto da faculdade, conseguimos deixar 323 Idem, em 1o de maio de 2020. 324 TAFNER, Verônica Teresinha. Entrevista concedida a Evandro André de Souza e Jonas Felácio Júnior, em 24 de julho de 2019. 325 Idem. 326 TAFNER, Malcon. Entrevista concedida a Evandro André de Souza e Jonas Felácio Júnior, em 24 de julho de 2019. 177 prontos os volumes que faziam parte do projeto pedagógico. Eu que- ria realizar o meu sonho: criar uma faculdade. Tinha a esperança de ser bem-sucedido”, afirma Tafner.327 Protocolando o projeto da Asselvi no MEC No final do mês de junho de 1997 ocorreu a liberação para aber- tura de novas faculdades, algo que não acontecia há 30 anos no país. No dia 1o de julho de 1997, às oito horas da manhã, José Tafner estava em Brasília. Acompanhado pelo filho Marlon, protocolou o projeto de criação da Associação Educacional Leonardo da Vinci no Minis- tério da Educação. Naquele período não contavam ainda com algu- mas das facilidades tecnológicas da atualidade. O material precisava ser entregue de forma impressa, por essa razão foram protocolados 15 volumes encadernados. Nessa quantidade expressiva de papel constavam os projetos de constituição da faculdade e de criação de cursos superiores. A documentação passou a ser analisada pelas co- missões específicas do MEC.328 A parceria do prefeitocom o projeto da Asselvi No período em que a Asselvi se instalou em Indaial, a prefei- tura era administrada por Luiz Polidoro. Em um primeiro contato, Tafner procurou Polidoro para convidá-lo para ser sócio da facul- dade. O prefeito que desempenhou seu mandato entre 1997 e 2000, agradeceu o convite. Informou que não contava com recursos para participar de um investimento tão grandioso, mas abriu as portas da prefeitura para auxiliar no que fosse necessário.329 “A ideia da fa- culdade estava viva, tanto para mim como para a minha família. Eu e Verônica resolvemos pedir apoio à Prefeitura de Indaial, dirigida pelo Luiz Polidoro. Dissemos a ele que estávamos vendendo as cotas e pedimos a sua ajuda no que fosse possível. De imediato o prefeito se prontificou em ajudar”, informa Tafner.330 327 TAFNER, José. Entrevista concedida a Evandro André de Souza e Jonas Felácio Júnior, em 1o de maio de 2020. 328 TAFNER, José. Entrevista concedida a Evandro André de Souza e Jonas Felácio Júnior, em 23 de julho de 2019. 329 POLIDORO, Luiz. Entrevista concedida a Evandro André de Souza e Jonas Felácio Júnior, no dia 5 de setembro de 2019. 330 TAFNER, José. Entrevista concedida a Evandro André de Souza e Jonas Felácio Júnior, no dia 1o de maio de 2020. 178 Polidoro esclarece que já fazia alguns anos que os municípios de Indaial e Timbó estavam reivindicando a instalação de um campus, ou de uma extensão da Furb. A solicitação era justificada diante dos desafios de deslocamento diário até Blumenau, em razão do aumen- to do tráfego de veículos na BR-470. Todavia, não obtiveram uma resposta positiva da universidade. O interesse de criação de um em- preendimento educacional no município trazia nova esperança para a comunidade de Indaial, em termos de acesso ao Ensino Superior.331 Momento de pânico, o projeto desapareceu Enquanto prefeito, Luiz Polidoro utilizou toda a rede de con- tatos que possuía em benefício desse projeto educacional. Com- preendia a importância da instalação da Asselvi, pensando no futuro de Indaial. Esteve em Brasília em algumas ocasiões, junto com Tafner. Acompanhou o momento em que o processo solici- tando a autorização de funcionamento da instituição foi proto- colado no Ministério da Educação. Naquela oportunidade, Lilian Fenzer trabalhava em uma estrutura governamental, em Brasília. A servidora federal é natural de Indaial e contava com familiares residindo no município.332 O então prefeito de Indaial solicitou que Lilian acompanhasse a tramitação do processo e que informasse os avanços que fossem ocorrendo. Algum tempo depois Lilian ligou para informar que o projeto havia desaparecido. Polidoro lembra que o professor Tafner ficou apavorado após saber dessa situação absurda e inexplicável. O processo foi refeito e protocolado novamente na capital federal. Polidoro compreendia a perspectiva de desenvolvimento que a Asselvi representaria para o município, conforme entrasse em pleno funcionamento. Procurava ajudar de todas as formas possíveis. Um dos encaminhamentos foi a ligação feita para o político catarinense Jorge Konder Bornhausen, que naquele período exercia a função de embaixador em Portugal.333 Bornhausen solicitou que Polidoro en- caminhasse uma correspondência oficial, com informações sobre a situação que precisava obter encaminhamentos. O ofício foi enviado conforme as orientações e posteriormente Polidoro recebeu uma resposta do embaixador. A correspondência 331 POLIDORO, Luiz. Entrevista concedida a Evandro André de Souza e Jonas Felácio Júnior, em 5 de setembro de 2019. 332 Idem. 333 Idem. 179 informava que Bornhausen havia conversado com o ministro da Educação e que provavelmente ocorreria a liberação para a criação da Asselvi, no município de Indaial. Por ser um documento histó- rico, o original está arquivado na Prefeitura de Indaial.334 A escolha do espaço para funcionamento das atividades Após o encaminhamento realizado junto ao Ministério da Educação, surgiu o desafio de encontrar um local para instalação da faculdade. Em um momento inicial, a família Tafner se infor- mou sobre o terreno onde funcionava anteriormente a empresa Ce- leiro do Vale Administração de Bens, em Blumenau. Porém, exis- tiam questões judiciais devido à falência desse empreendimento, uma situação extremamente complexa. Outra ideia foi utilizar o espaço onde funcionava a danceteria Harpia, nas imediações do trevo de Indaial e da BR-470. O estabelecimento era de propriedade de um irmão de Tafner. No entanto, não chegaram a um acordo e a questão da escolha do local da faculdade retornou à estaca zero.335 O entrave relacionava-se à falta de recursos para realizar os inves- timentos necessários. Posteriormente Polidoro demonstrou interesse em viabilizar a doação de um terreno do município de Indaial para a construção da Asselvi. No entanto, Tafner precisava resolver com urgência a defi- nição do lugar onde seria instalada a faculdade. “Inicialmente o pre- feito nos ofereceu uma área junto ao complexo Ribeirão das Pedras, com quase 100 mil metros quadrados. Fomos ver e depois de avaliar dissemos que não era viável no momento, por ser longe do centro, do outro lado da cidade.”336 A atuação política do prefeito de Indaial foi fundamental para que a Asselvi fosse instalada no município. Polidoro dedicou atenção especial para o empreendimento da família Tafner. Até mesmo fez a indicação de um terreno com localização estratégica e capacidade de contemplar as necessidades da instituição de ensino, que estava sendo criada no município.337 334 Idem. 335 TAFNER, Malcon. Entrevista concedida a Evandro André de Souza e Jonas Felácio Júnior, em 24 de julho de 2019. 336 TAFNER, José. Entrevista concedida a Evandro André de Souza e Jonas Felácio Júnior, em 1o de maio de 2020. 337 POLIDORO, Luiz. Entrevista concedida a Evandro André de Souza e Jonas Felácio Júnior, em 5 de setembro de 2019. 180 Polidoro acompanhou o casal José Tafner e Verônica e o filho Malcon quando foram verificar um grande terreno localizado nas margens da BR-470, praticamente ao lado do trevo de acesso ao mu- nicípio de Indaial. Nesse lugar funcionava anteriormente a indús- tria têxtil Mabu, que havia falido e deixado dívidas trabalhistas. O local foi um grande achado para a família Tafner, considerando-se a urgência em deixar tudo pronto para iniciar o funcionamento.338 “Achamos que daria para fazer as adaptações necessárias. Colocou a nossa disposição o setor de engenharia da prefeitura, que fez o proje- to completo da reforma. Procurou o diretor do fórum, o juiz Lorival Krüguer, intercedendo para que os prédios fossem disponibilizados à Asselvi. O juiz autorizou que ocupássemos os prédios da massa falida. O síndico da massa falida ficou contente porque ia ter alguém cuidando dos prédios e recebendo um aluguel por mês.”339 Anteriormente a área havia sido disponibilizada pelo municí- pio para organização de um polo industrial e instalação de pequenas empresas. Lamentavelmente, ocorreu um período de crise econômi- ca que ocasionou o fechamento dos estabelecimentos industriais. Os terrenos não foram repassados para o patrimônio da prefeitura de Indaial no momento de falência das empresas, o que ocasionou um imbróglio jurídico.340 Além do prefeito Luiz Polidoro, outros dois nomes desempe- nharam papel relevante nesse processo. Graças ao trabalho do juiz Lorival Krüger, que também era professor da Furb, e do advogado e procurador da indústria têxtil, Henrique Kloch, ocorreu um acordo que beneficiou os trabalhadores que estavam sem receber o que ti- nham direito. Ficou deliberado que a faculdade pagaria um aluguel mensal pela utilização da área e que este valor seria repassado aos ex-funcionários até que fossem quitadas as dívidas trabalhistas da indústria têxtil. O acordo agradou a todos: aos trabalhadores, que receberiam seus valores; à família Tafner, que passou a ter um local para instalar seu empreendimento; e ao município de Indaial,que sabia da importância de uma faculdade para o desenvolvimento eco- nômico e cultural da região.341 338 TAFNER, Verônica Teresinha. Entrevista concedida a Evandro André de Souza e Jonas Felácio Júnior, em 24 de julho de 2019. 339 TAFNER, José. Entrevista concedida a Evandro André de Souza e Jonas Felácio Júnior, em 1o de maio de 2020. 340 POLIDORO, Luiz. Entrevista concedida a Evandro André de Souza e Jonas Felácio Júnior, em 5 de setembro de 2019. 341 TAFNER, Verônica Teresinha. Entrevista concedida a Evandro André de Souza e Jonas Felácio Júnior, em 24 de julho de 2019. 181 Arregaçando as mangas e colocando a mão na massa Vencida a etapa de encontrar um local estratégico para insta- lação da Asselvi, surgiu o desafio de organização desta grande área. O terreno estava praticamente abandonado desde a falência da ma- lharia. Existia a necessidade de realização de um intenso trabalho de limpeza. O sonho de implantação da faculdade já não era mais algo particular da família Tafner. Várias pessoas estavam compartilhando a possibilidade de a região poder ser contemplada com uma institui- ção de Ensino Superior.342 A Prefeitura de Indaial foi uma parceira na etapa de limpeza e terraplanagem do terreno irregular. O município disponibilizou ma- quinários, carregadeira, patrola e caminhões para efetuar os traba- lhos. As benfeitorias foram realizadas com o aval dos vereadores. A administração municipal procurou auxiliar de todas as formas possí- veis. A empolgação era tanta que até mesmo o prefeito Luiz Polidoro foi trabalhar no final de semana na limpeza da área. Além da família Tafner, os primeiros professores contratados também participaram do momento de organização do local. Todos os participantes do mutirão, fossem eles familiares ou voluntários, realmente arregaçaram as mangas e colocaram a mão na massa. O esforço pode ser comparado aos trabalhos coletivos or- ganizados pelos imigrantes, em localidades interioranas do Vale do Itajaí. Nesses mutirões comunitários dos primórdios da colonização regional, as famílias da comunidade se reuniam para construir a resi- dência de um jovem casal, ou fazer a colheita na roça de uma família de agricultores. Até mesmo pessoas de outros municípios vieram ajudar, como foi o caso dos irmãos de Hermínio Kloch e Henrique Kloch, que posteriormente se tornaram professores da instituição. Esses ho- mens eram agricultores no município de Rio do Campo, no Alto Vale do Itajaí, e voluntariamente vieram somar forças na limpe- za do terreno. Por serem pessoas do interior e com bastante vigor, contribuíram de forma significativa em uma etapa que exigiu bas- tante esforço físico.343 “Na segunda quinzena de abril de 1998, contando com o apoio da prefeitura, foram iniciadas as obras de adaptação e de reforma que formaram as instalações da Asselvi, bloco A e bloco B, em Indaial. A prefeitura disponibilizou máquinas e pessoal para a limpeza externa 342 Idem. 343 KLOCH, Hermínio. Entrevista concedida a Evandro André de Souza e Jonas Felácio Júnior, em 5 de setembro. 182 e para fazer o esgoto das águas pluviais. A nossa família e a família do síndico da massa falida (família Klock) colocaram verdadeiramente a mão na massa. Com enxadas, pincéis, escovões, pás, martelos e tantas outras ferramentas, partimos para o ataque. Era bonito de ver”, relata Tafner.344 Junto com o casal Tafner, os filhos Malcon, Marlon e Marlen es- tiveram participando desses momentos. Verônica Tafner recorda que a nora Taysa Andrea Tonet Tafner (esposa de Marlon), que estava grávida, também ajudava como podia. Desta etapa de bastante traba- lho, ela lembra de um fato curioso: um advogado amigo de Marlon, Rafael Rossi Vieira, foi auxiliar na limpeza. Ao observar o hidrante de bombeiro da antiga fábrica, acionou o equipamento. Com o forte jato de água, conseguiram empurrar uma quantidade impressionan- te de sujeira para fora do galpão.345 Procuraram lavar móveis para reutilização e da mesma for- ma aproveitaram a estrutura dos galpões. Tudo o que se encon- trava em boas condições era reaproveitado. Havia limitações de recursos financeiros, por isso era preciso usar a criatividade. No decorrer da etapa de limpeza do galpão, o grupo amontoava os materiais, que depois seriam eliminados. Um fato inusitado acon- teceu quando Verônica Tafner passou ao lado do amontoado e recolheu alguns objetos que estavam sendo descartados. Em se- guida, comentou para a equipe que era importante guardar as ré- guas de madeira. Existiam diversas indústrias têxteis em Indaial e futuramente a instituição poderia oferecer um curso nessa área.346 Alguns anos depois a instituição passou a ofertar o curso de De- sign de Moda, que atualmente é uma das graduações com maior aceitabilidade na região de Indaial, conforme menciona o atual reitor da Uniasselvi, Hermínio Kloch. Este foco do casal Tafner em procurar ser econômico, mas reali- zar tudo da melhor forma possível, demonstrou o respeito por aquele momento de início de organização da instituição. A atitude inusitada sensibilizou a equipe, que ficou ainda mais focada no trabalho.347 Kloch esclarece que o professor Tafner contava com um pro- jeto maravilhoso e com vontade de empreender. Para realizar esse objetivo, precisava da união do seu time para superar os desafios 344 TAFNER, José. Entrevista concedida a Evandro André de Souza e Jonas Felácio Júnior, em 1o de maio de 2020. 345 TAFNER, Verônica Teresinha. Entrevista concedida a Evandro André de Souza e Jonas Felácio Júnior, em 24 de julho de 2019. 346 KLOCH, Hermínio. Entrevista concedida a Evandro André de Souza e Jonas Felácio Júnior, em 5 de setembro. 347 Idem. 183 econômicos enfrentados nos primórdios da fundação da Associa- ção Educacional Leonardo da Vinci. Afirma que um dos episó- dios mais marcantes da etapa de construção da estrutura física da Asselvi foi a dedicação de Tafner, que não mediu esforços para que a obra fosse realizada. Este aspecto marcou bastante a equipe de vo- luntários e de profissionais pioneiros da instituição. Afinal de con- tas, admiravam a trajetória de José Tafner enquanto ex-reitor da Furb e empresário visionário. Naquele momento Tafner estava tra- balhando como um peão de obra, literalmente colocando a mão na massa, desenvolvendo atividades que exigiam considerável esfor- ço físico. A entrega total inspirou os demais integrantes do grupo. “Poxa, se ele faz, por que eu não posso fazer?”, relembra Hermínio ao falar sobre o quanto se impressionaram naquele período com o empenho de Tafner.348 Essa fase gerou alguns fatos pitorescos e um dos principais re- laciona-se ao momento em que acabou o combustível de uma pa- trola durante o trabalho de terraplanagem. Após ser restabelecido de forma improvisada, o maquinário precisou ser empurrado mor- ro abaixo para funcionar novamente. A patrola foi empurrada por José Tafner, pelo prefeito de Indaial, Luiz Polidoro, e por Henrique Kloch.349 O episódio aconteceu quando estava sendo feita a terrapla- nagem, entre os espaços que depois foram transformados na Biblio- teca Dante Alighieri e em salas de aula. 348 Idem. 349 Idem. Primeiro laboratório do Curso de Design de Moda da Uniasselvi. Acervo Rodolfo Leite 184 Tudo era aproveitado da maneira que fosse possível. Utilizou-se um caminhão que pertencia à massa falida para transportar o que era necessário neste legítimo canteiro de obras. O voluntariado da família Kloch foi fundamental para o prosseguimento das ativida- des. Os familiares de Hermínio e Henrique eram acostumados com a lida da roça e por isso contavam com expressiva força física. A ajuda desses homens tornou-se estratégica, especialmente no trabalho de transformação dos galpões. Hermínio faz questão de mencionar que a estrutura física da As- selvi não foi construída por uma grande empreiteira. A paixão pela área educacional e o brilho nos olhos do professor Tafner, por estar fazendo algo diferenciado, contagiava a equipe que estava auxiliandonessa etapa de trabalho. De acordo com Kloch, desde as primeiras reuniões com Tafner, ficou bem claro que não estava apenas ocorren- do uma limpeza de galpão. Paralelamente acontecia a implantação de uma ideia que representaria uma nova etapa para a cidade.350 Uma das características de Tafner era motivar e incentivar as pessoas para que fossem persistentes e buscassem realizar o desa- fio que haviam recebido. Durante a fase de limpeza do espaço, le- vou algumas cucas e guaranás para agradar o grupo. De forma bem humorada, Kloch lembra desse episódio e da empolgação de seus familiares de Rio do Campo, que comentaram: “Meu Deus do céu, esse patrão de vocês aí é diferente, né cara, imagina como não vai ser divertido trabalhar com ele”.351 350 Idem. 351 Idem. Primeiros momentos da Asselvi em Indaial. Acervo Malcon Tafner 185 A partir da finalização da reforma do bloco A, a sala A1 foi des- tinada para receber os alunos pós-graduandos, através do convênio firmado com a Univille. Valquíria Luiza Tafner da Cunha trabalhou como secretária na fase pioneira da instituição e destaca que José Tafner construiu a Asselvi com as próprias mãos: “Literalmente, porque em inúmeras oportunidades o MEC ligava e eu ia chamá-lo com o telefone sem fio, nos arredores onde ele estava até roçando o terreno. Outras vezes sugeria que limpasse o calçado, porque vinha dos terrenos onde aju- dava e orientava o pessoal da construção. Certa vez entrei na sala e ele estava desenhando o projeto dos novos blocos, das salas de aula. Ele é muito bom de desenho, por isso creio que o seu inspirador seja Leonardo da Vinci, o multifacetado”.352 Incentivando os servidores a cursar graduações Além dos incentivos fiscais e em termos de maquinários, a Pre- feitura de Indaial procurou estimular os servidores municipais para que cursassem uma faculdade. Anteriormente existia uma dificuldade de acesso ao Ensino Superior, considerando-se que a outra instituição de Ensino Superior regional contava com determinada quantidade de vagas. Outro desafio era viabilizar o custo da mensalidade, mais os gastos com transporte até Blumenau. Conforme ocorreu o início das atividades da Asselvi, o prefeito Polidoro encaminhou um projeto para a Câmara de Vereadores. A proposta era o poder público municipal subsidiar a mensalidade dos funcionários da municipalidade.353 A iniciativa recebeu apoio dos parlamentares indaialenses por- que representava uma ótima oportunidade de qualificação profissio- nal e acadêmica para as pessoas contempladas com o auxílio edu- cacional. Durante os dois mandatos como prefeito de Indaial, Luiz Polidoro procurou apoiar a área da educação através da criação de várias escolas básicas. Considera como um dos marcos do período que esteve à frente da gestão municipal o incentivo para os servido- res municipais cursarem uma faculdade na Asselvi.354 Polidoro exerceu a função de secretário de Desenvolvimento Regional de Timbó a partir do ano de 2007. Esta estrutura pública 352 CUNHA, Valquíria Luiza Tafner da. Entrevista concedida a Evandro André de Souza, em 9 de janeiro de 2020. 353 POLIDORO, Luiz. Entrevista concedida a Evandro André de Souza e Jonas Felácio Júnior, em 5 de setembro de 2019. 354 Idem. 186 estadual abrangia os municípios de Timbó, Indaial, Ascurra, Benedi- to Novo, Doutor Pedrinho, Rio dos Cedros e Rodeio. Durante a rea- lização dessa atividade, esteve em contato frequente com lideranças de vários municípios do Médio Vale do Itajaí. Procurou incentivar os gestores para que proporcionassem alguma forma de subsídio para os servidores municipais estudarem na Uniasselvi, especialmente para os educadores que não contavam com formação universitária. Mencionava que anteriormente as pessoas precisavam estudar em outros centros e depois em Blumenau. Através das graduações ofer- tadas pela Uniasselvi, já não precisavam mais se deslocar tão longe para realizar o sonho de cursar o Ensino Superior.355 O progresso em Indaial graças à Asselvi Ao observar o crescimento econômico vivenciado pelo muni- cípio de Indaial graças à instalação da Asselvi, Polidoro comemora essa conquista importante que beneficiou toda a comunidade indaia- lense. Com o início das atividades da Associação Educacional Leo- nardo da Vinci, o comércio obteve uma projeção de destaque. Além dos moradores de Indaial, passaram a estudar na faculdade pessoas vindas de municípios próximos, como Timbó, Rio dos Cedros, Apiú- na, Ascurra, Presidente Getúlio, Ibirama, Rio do Sul e Blumenau. Os estudantes acabam fazendo compras nos estabelecimentos comer- ciais e desta forma movimentam a economia local. A valorização dos imóveis também foi outro aspecto marcante.356 Polidoro se surpreendeu com o fenômeno proporcionado pe- las atividades da Asselvi. O município de Indaial se beneficiou ainda mais a partir do momento em que a instituição obteve a condição de centro universitário, transformando-se na Uniasselvi. Pessoas prove- nientes de outras regiões catarinenses, e até mesmo de outros estados do Brasil, vieram morar em Indaial para cursar as novas graduações abertas pela Uniasselvi. De acordo com Luiz Polidoro, é possível di- mensionar Indaial antes e depois da Asselvi, como forma de ilustrar a fase de desenvolvimento econômico que ocorreu. “Mudou totalmen- te a vida de Indaial com a instalação da Asselvi. Foi uma das maiores conquistas da história do município. Indaial é conhecida em Santa Catarina, no Brasil e até no exterior, graças à instalação da Asselvi.”357 355 Idem. 356 Idem. 357 Idem. 187 Apoio às novas empresas e à qualificação dos colaboradores No decorrer das gestões de Luiz Polidoro foram instaladas deze- nas de empresas em Indaial. A prefeitura procurou incentivar a cria- ção de novos empreendimentos que contribuíssem para o desenvol- vimento do município. Enquanto prefeito, Polidoro enviava projetos para a Câmara de Vereadores com a finalidade de oficializar a doação de terrenos que pertenciam à municipalidade. Com apoio dos parla- mentares municipais, foram concedidos incentivos para importantes empresas, com destaque para Albany, Taschibra, Teka, Proeco, Ipel, Dopel, HJ Hering e Asselvi.358 Além de proporcionarem a geração de empregos e renda, com o início das atividades da Associação Educa- cional Leonardo da Vinci essas empresas passaram a subsidiar parte do valor das mensalidades como forma de incentivar seus colabora- dores a cursarem uma graduação.359 Luiz Polidoro realizou os estudos iniciais no Seminário Sale- siano de Ascurra e posteriormente obteve o diploma para trabalhar como responsável técnico de farmácia. Desempenhou esta função durante 40 anos. Também foi vereador, vice-prefeito e prefeito em duas oportunidades. Em 2019 completou 80 anos de idade. Conside- ra que um dos marcos de sua trajetória pública foi ter contribuído de alguma forma para a história de sucesso da Uniasselvi.360 A Asselvi poderia ter se instalado em Gaspar Um dos aspectos mais curiosos sobre os primórdios da Associa- ção Educacional Leonardo da Vinci e pouco conhecido pela comuni- dade educacional relaciona-se à possibilidade de a Asselvi ser insta- lada no município de Gaspar. Quando Tafner se aposentou na Furb, aceitou o convite para desempenhar a função de diretor de Ensino Superior da Secretaria Estadual da Educação. Nesse período conti- nuou mantendo contato com Aloir Arno Spengler, que foi chefe de gabinete da reitoria da Furb nos dois mandatos que Tafner exerceu como reitor. Aloir se aposentou na Furb em 30 de agosto de 1996. Poucos meses depois, recebeu o convite para contribuir com sua experiên- cia profissional na Prefeitura de Gaspar. A partir de 1o de janeiro 358 Idem. 359 Idem. 360 Idem. 188 de 1997, assumiu a Secretaria do Interior e Assuntos Estratégicos de Desenvolvimento. Spengler passou a desenvolver projetos para opor- tunizar que o município buscasse recursos dos governos estadual e federal. Por realizar esta atividade, deslocava-se com frequênciaaté Florianópolis. Em diversas ocasiões, manteve contato com Tafner, que nessa fase estava elaborando o projeto da Asselvi.361 Houve um período em que Aloir desempenhou a função de se- cretário municipal de Educação de Gaspar. Da mesma forma, conti- nuou buscando parcerias do governo estadual. Em determinada oca- sião, estava cumprindo agenda na Secretaria da Educação, quando foi chamado por Tafner para um espaço mais reservado. O assunto da conversa sigilosa relacionava-se à organização de um Plano B para instalação da Asselvi. Neste período Tafner realizava tratativas com o prefeito Luiz Polidoro, de Indaial, para que a faculdade fosse instala- da naquele município. Mesmo assim, desejava ter outra possibilidade, caso viesse a ocorrer qualquer imprevisto que inviabilizasse a abertura do empreendimento educacional no município de Indaial.362 Aloir aprovou a ideia e afirmou, enquanto secretário municipal de Gaspar, que o professor Tafner receberia total apoio do município caso acontecesse algum impedimento em relação às negociações em Indaial. O Plano B não chegou a ser concretizado porque a institui- ção recebeu grande incentivo do prefeito Polidoro e se concretizou a instalação da Asselvi em Indaial. Mesmo não tendo sido concretiza- do, este fato representa um dos aspectos mais curiosos dos primór- dios da história da Associação Educacional Leonardo da Vinci.363 A contratação dos primeiros professores da Asselvi Com o credenciamento da Asselvi, iniciou-se então a etapa de contratação dos professores, para que os nomes dos profissionais constassem nos projetos dos cursos de graduação. A informação so- bre a instalação de uma nova faculdade circulou por toda a região. No meio universitário os comentários também eram constantes. Chamava atenção a possibilidade do surgimento de uma instituição de Ensino Superior particular que representasse mais uma oportu- nidade de acesso das pessoas ao conhecimento e à formação acadê- mica e intelectual. 361 SPENGLER, Aloir Arno. Entrevista concedida a Evandro André de Souza e Jonas Felácio Júnior, em 6 de setembro de 2019. 362 Idem. 363 Idem. 189 No período de contratação dos professores pioneiros, optou-se inicialmente em divulgar as vagas para docentes nos cursos de mes- trado e doutorado das instituições de Ensino Superior de Florianó- polis. Verônica e Marlon foram então para a capital catarinense, onde passaram uma semana fazendo a divulgação das vagas de professor universitário. Visitaram as universidades e fixaram a propaganda em locais estratégicos, informando os endereços para que os interessa- dos entrassem em contato. Nos cartazes colocaram como referência um endereço de Florianópolis. Depois de uma semana os candidatos precisavam entrar em contato com Verônica Teresinha Machado, em Blumenau. Por opção, não foi utilizado o sobrenome Tafner na pro- paganda da Asselvi.364 Bernardo Knabben avistou alguns cartazes que foram espalha- dos nas dependências da UFSC. Os professores interessados deve- riam entrar em contato através do número informado e falar com Teresinha. Fez a ligação e depois foi até a quitinete da família Tafner em Florianópolis, entregando o currículo em mãos. Somente algum tempo depois Knabben soube que Teresinha era o segundo nome de Verônica Tafner.365 Posteriormente, Bernardo recebeu retorno e compareceu à entrevista de emprego em Blumenau. O escritório de início das atividades da Asselvi situava-se na Rua 7 de Setembro. O primeiro funcionário da faculdade foi Marlon Tafner e Verônica auxiliava se- cretariando o filho. Knabben foi entrevistado por Verônica e este foi o seu primeiro contato com a Associação Educacional Leonardo da Vinci. Após apresentar um ótimo currículo, Bernardo Knabben foi o primeiro professor contratado pela Asselvi. Com o passar dos anos, o jovem se tornaria um profissional de destaque na instituição, esta- belecendo forte vínculo com a família Tafner.366 “Com coragem, em julho de 1997 tínhamos protocolado o projeto pedagógico da faculdade. Com o protocolo em mãos, pre- cisávamos de um local para receber informações e diligências da parte pedagógica e de um telefone para contatos. Montamos um escritório em Blumenau, na Rua Sete de Setembro. Era o escritó- rio de advocacia do Marlon. Foi dali que acompanhamos o projeto da faculdade e respondíamos às diligências que vinham do MEC. 364 TAFNER, Verônica Teresinha. Entrevista concedida a Evandro André de Souza e Jonas Felácio Júnior, em 24 de julho de 2019. 365 KNABBEN, Bernardo. Entrevista concedida a Evandro André de Souza e Jonas Felácio Júnior, em 17 de abril de 2020. 366 TAFNER, Verônica Teresinha. Entrevista concedida a Evandro André de Souza e Jonas Felácio Júnior, em 24 de julho de 2019. 190 De agosto a dezembro de 1997 foram solicitadas pelo MEC diver- sas alterações e esclarecimentos. A primeira foi a retirada de todo o projeto pedagógico. O projeto pedagógico era Unesvi, Unidade de Ensino Superior do Vale do Itajaí. Tivemos que trazer de volta e refazer todos os nove volumes porque em todas as páginas tinha no cabeçalho Unesvi. Foi ali que trocamos para Facivi – Faculdades Integradas do Vale do Itajaí. Não deixaram usar ‘Uni’, porque so- mente as universidades podiam usar ‘Uni’. O regimento foi baixado em diligência diversas vezes e passou a ser assinado apenas pelo presidente da Facivi. A respeito dos cursos, sempre vinha alguma coisa para complementar. Se fossem aprovados os cursos, assina- ríamos um documento que nos obrigava a pedir as comissões de verificação in loco, nos próximos 12 meses. Caso não tivéssemos condições de pedir, por falta do espaço físico e outras exigências, só poderíamos retornar com o projeto dois anos depois. Apesar disso, tínhamos esperança de conseguir a faculdade, embora não contás- semos com nenhum lugar definido. Nossos filhos estavam muito empenhados em todo o processo”, contextualiza Tafner. A ousadia em contratar professores jovens A contratação de Bernardo Knabben seguia uma orientação de José Tafner. A Asselvi pretendia constituir um corpo docente forma- do por jovens, com novas ideias e visões de mundo. Quando se fala em experiência docente, naturalmente imagina-se um educador com bastante idade, com anos de prática em sala de aula e convivência com o universo educativo. Normalmente, seriam esses os profissio- nais que iniciariam um projeto educacional de uma instituição de Ensino Superior. A Asselvi promoveu um grande diferencial e rom- peu com o padrão desde o início das atividades. De acordo com Mauro Fistarol, uma das principais caracterís- ticas desse momento foi o arrojo do professor Tafner: “Ele quebrou paradigmas, esse é um novo momento da educação, que necessita de novas ideias”. Enquanto gestor, Tafner orientou a contratação de professores jovens, dispostos a se entregarem para a área da educa- ção. Os educadores da Asselvi deveriam transmitir o conhecimen- to tácito da área acadêmica e, paralelamente, o conhecimento do mundo dos negócios, especialmente nas graduações no segmento da administração.367 367 FISTAROL, Mauro. Entrevista concedida a Evandro André de Souza e Jonas Felácio Júnior, em 6 de setembro de 2019. 191 Antes de iniciar as atividades de docência, os primeiros educa- dores da instituição participaram de reuniões com Tafner e conhe- ceram os princípios filosóficos norteadores da Asselvi. Da mesma forma ficaram sabendo dos princípios de negócios, que almejavam preparar o aluno para o mercado de trabalho, para que fosse um profissional bem-sucedido no seu ramo de atuação. Os renomados e experientes profissionais Sálvio Müller e Lorival Beckhauser, que já integravam a instituição e foram contratados por Tafner anterior- mente, receberam a missão de operacionalizar o Centro de Aper- feiçoamento Docente (CAD) dentro dos princípios definidos, para orientar e assessorar o núcleo de docentes. Esses educadores da velha guarda da Furb estavam aposentados e aceitaram o desafio de repas- sar a experiênciaque adquiriram, após décadas de trabalho educati- vo em sala de aula.368 A valorização do corpo docente da instituição Malcon Tafner e Bernardo Knabben realizaram o trabalho de seleção dos demais profissionais que integrariam o corpo docente da Asselvi. Analisavam os currículos e faziam as entrevistas, procu- rando identificar o quanto a pessoa conhecia do assunto que estava se propondo a lecionar. Também averiguavam quais eram as expe- riências profissionais vivenciadas anteriormente. Malcon chegou a negar a contratação de indivíduos com titulação considerável, mas sem prática docente.369 Janes Fidélis Tomelin acompanhou as notícias sobre a implanta- ção de uma nova faculdade em Indaial no final do ano de 1998. Tra- balhava como professor de escola pública no município de Timbó e presenciou naquele período a instalação dos laboratórios de informá- tica nas unidades educacionais. Estava participando de congressos e impactado pelas estratégias inovadoras de educação, que poderiam ser desenvolvidas através das novas tecnologias. Existiam as instituições clássicas e comunitárias de Santa Catarina e chamou sua atenção o sur- gimento de uma nova instituição, que estava abrindo oportunidades de trabalho aos docentes e de formação para as comunidades.370 368 TAFNER, Verônica Teresinha. Entrevista concedida a Evandro André de Souza e Jonas Felácio Júnior, em 24 de julho de 2019. 369 TAFNER, Malcon. Entrevista concedida a Evandro André de Souza e Jonas Felácio Júnior, em 24 de julho de 2019. 370 TOMELIN, Janes Fidélis. Entrevista concedida a Evandro André de Souza e Jonas Felácio Júnior, em 25 de abril de 2020. 192 Naquele momento estava com 23 anos e havia iniciado o processo seletivo do mestrado. No retorno de Blumenau foi conhecer a proposta da Asselvi. Quando chegou na portaria, conversou com uma secretária e foi encaminhado para conversar com Marlen Tafner na biblioteca. Janes tem ótima recordação desse momento. Marlen apresentou as salas de aula e os espaços que integravam a estrutura da faculdade, que estavam em fase final de reforma e construção. Chamou sua atenção o fato de que Marlen falava com bastante carinho sobre o projeto da Asselvi e se mos- trava empolgada com a biblioteca, um espaço amplo e que já contava com muitos livros catalogados e guardados nas estantes.371 Janes foi bem acolhido, entregou o currículo e ficou esperan- çoso por constatar que se tratava de um projeto verdadeiro. Marlen explicou que a instituição já estava com o corpo docente inicial es- truturado, mas mesmo assim recebeu o currículo e agradeceu pela visita do professor. Alguns dias depois, quando retornava das au- las do mestrado em Blumenau, Tomelin recebeu uma ligação para participar de uma entrevista com o coordenador de curso, Alfredo Kühnen, com Bernardo Knabben e Malcon Tafner. No momento de apresentação, Janes levou um material didático que havia desenvol- vido na área de Filosofia para o Ensino Médio.372 Bernardo ressaltou que a Asselvi estava buscando fazer uma sele- ção de professores com perfil de escrita. Malcon recorda de quando foi entrevistar o candidato à vaga de professor Janes Tomelin, que, além de educador, era escritor e trouxe um exemplar do livro Pedagogia da dúvida. Após apreciar a obra, constatou que Tomelin deveria fazer par- te do grupo inicial de professores.373 Posteriormente ao momento da entrevista, Janes recebeu uma ligação com a notícia da confirmação de que faria parte do grupo de profissionais da instituição. Assumiu as disciplinas de Sociologia da Educação nas turmas de Pedagogia, e de Sociologia nas turmas de Administração. Recorda que tudo começou no dia 22 de fevereiro de 1999. Mesmo sendo jovem, estava com garra e vontade de vencer junto com aquele projeto.374 Mauro César Fistarol foi acadêmico de Administração na Furb, no início da década de 1990. No cotidiano de atividades na universi- dade, sempre ouvia comentários sobre como era a instituição antes da gestão de Tafner como reitor e em relação aos avanços que ocorreram. 371 Idem. 372 Idem. 373 TAFNER, Malcon. Entrevista concedida a Evandro André de Souza e Jonas Felácio Júnior, em 24 de julho de 2019. 374 TOMELIN, Janes Fidélis. Entrevista concedida a Evandro André de Souza e Jonas Felácio Júnior, em 25 de abril de 2020. 193 Após concluir a faculdade, Fistarol ingressou na pós-graduação em Con- tabilidade, na Fundação Getúlio Vargas. Na época de estudos na FGV, ficou sabendo que existia uma pessoa de Blumenau com a intenção de desenvolver um projeto de criação de uma faculdade na região de Blu- menau ou no Médio Vale do Itajaí. Não sabia maiores detalhes a respeito dessa iniciativa, mas ficou interessado na proposta porque teve alguns familiares que trabalharam no magistério e da mesma forma almejava lecionar e desenvolver atividades em uma instituição de ensino.375 Fistarol destaca que por uma sinergia e sincronicidade da vida, um dos profissionais que estava trabalhando com José Tafner nos primeiros momentos da Asselvi era Bernardo Knabben, seu colega de pós-gradua- ção na FGV. Certo dia foi surpreendido em seu local de trabalho com a visita de Bernardo, que fez o convite para que fosse conversar com Mal- con Tafner. No dia seguinte Fistarol foi até a Asselvi, onde participou da entrevista e foi contratado. Recorda que ficou maravilhado e honrado com a oportunidade de integrar o primeiro grupo de professores.376 Giancarlo Moser lecionou no Programa Magister pela Furb e na- quele período estabeleceu os primeiros contatos com a família Tafner. Na época de organização da Asselvi foi orientado por Julianne Fischer e Malcon Tafner a levar o seu currículo na instituição. Estava finalizan- do o mestrado na área de Patrimônio Cultural e foi então conhecer a nova faculdade. Quando chegou na Asselvi, avistou Bernardo Knab- ben e José Tafner. Entregou o currículo em mãos e destaca a atenção e gentileza de Tafner durante a conversa. Obteve a oportunidade de ser contratado e desta forma iniciou sua trajetória na instituição.377 Um dos principais diferenciais da Asselvi relacionava-se à aten- ção da família Tafner em termos de valorização do corpo docente. José Tafner e seus filhos decidiram que a instituição pagaria um valor de hora-aula maior do que a instituição concorrente. Além do aspecto motivacional, essa realidade positiva era um fator essencial para que a equipe vestisse a camisa e contribuísse para o fortalecimento da insti- tuição. Do ponto de vista financeiro, não faria sentido para o professor sair da Asselvi e ir lecionar em outra faculdade, onde não receberia esta valorização profissional e financeira.378 O reconhecimento aos profissionais que trabalhavam na Asselvi e depois na Uniasselvi sem- pre foi algo muito marcante nas gestões da família Tafner. 375 FISTAROL, Mauro. Entrevista concedida a Evandro André de Souza e Jonas Felácio Júnior, em 6 de setembro de 2019. 376 Idem. 377 MOSER, Giancarlo. Entrevista concedida a Evandro André de Souza e Jonas Felácio Júnior, em 6 de setembro de 2020. 378 TAFNER, Malcon. Entrevista concedida a Evandro André de Souza e Jonas Felácio Júnior, em 21 de abril de 2020. 194 José Tafner participando do desfile da Oktoberfest em Blumenau. Acervo Malcon Tafner As confraternizações marcantes da Asselvi Verônica comenta com entusiasmo que acompanhou diversas fases da vida dos professores pioneiros da instituição. Nas primeiras festas de final de ano, estavam namorando, depois noivaram, casa- ram e tiveram filhos. Desta forma os encerramentos passaram a con- tar com a alegria de várias crianças pequenas. Os funcionários foram formando suas trajetórias de vida, enquanto também auxiliavam a construir a história de sucesso da Asselvi.379 Bernardo Knabben estava noivo quando se mudou para Blumenau com a futura esposa. Iniciou sua trajetória na Asselvi como funcionário efetivo no dia 11 de janeiro de 1999 e casou-se em 17 de fevereiro daque- le ano. Em 2003 ocorreu o nascimento doseu filho. Comenta que esse fato também aconteceu com outros professores, que tiveram aspectos familiares relacionados com a vida profissional na faculdade.380 O clima especial das confraternizações de final de ano e mo- mentos festivos é algo presente na memória dos profissionais que trabalharam na Asselvi e depois na Uniasselvi. Mauro Fistarol desta- ca que o professor Tafner sempre foi preocupado com o ser humano, por isso nas ocasiões festivas desejava que as pessoas se divertissem, de forma animada, que conversassem sobre assuntos de interesse co- mum. Gostava de presenciar essa verdadeira congregação para que seus colaboradores se sentissem de fato pertencentes a uma grande 379 TAFNER, Verônica Teresinha. Entrevista concedida a Evandro André de Souza e Jonas Felácio Júnior, em 24 de julho de 2019. 380 KNABBEN, Bernardo. Entrevista concedida a Evandro André de Souza e Jonas Felácio Júnior, em 17 de abril de 2020. 195 família. “Para quem conhece o Tafner fora do ambiente de trabalho, ele é uma pessoa muito alegre, muito divertida.”381 Aloir Spengler esclarece que os indivíduos que conhecem o pro- fessor Tafner apenas no exercício das atividades profissionais podem ter uma visão equivocada, de que ele seja um sujeito muito duro, até mesmo antipático. “No momento de confraternizar é uma pessoa amável, dócil, uma pessoa ótima pra conversar, um grande amigo.”382 Valquíria Luiza Tafner da Cunha trabalhou como secretária de José Tafner na Asselvi e tem recordações para compartilhar: “A Asselvi era tão preocupada com detalhes que no primeiro Natal a dona Verônica, a Marlen e eu fomos a Brusque, na Havan, comprar os enfeites de Natal que depois foram ornamentados por nós, em todos os cantinhos da instituição. Foi numa festa de encerramento de final de ano que conheci pistache” (risos).383 Bernardo Knabben destaca que o casal José e Verônica foi sem- pre muito alegre e festivo. Além dessa característica da personalidade deles, também havia o fato de que existiam inúmeros motivos para a instituição comemorar. A Asselvi estava obtendo excelentes taxas de crescimento e o reconhecimento da sociedade de Indaial e região. Menciona que ocorriam jantares de acolhida para comemorar o Dia do Professor, festas de encerramento de semestre e de final de ano. Knabben menciona que as festas foram um carimbo do casal Tafner durante a consolidação da instituição naqueles primeiros anos.384 381 FISTAROL, Mauro. Entrevista concedida a Evandro André de Souza e Jonas Felácio Júnior, em 6 de setembro de 2019. 382 SPENGLER, Aloir Arno. Entrevista concedida a Evandro André de Souza e Jonas Felácio Júnior, em 6 de setembro de 2019. 383 TAFNER, Valquíria. Entrevista concedida a Evandro André de Souza, em 9 de janeiro de 2020. 384 KNABBEN, Bernardo. Entrevista concedida a Evandro André de Souza e Jonas Felácio Júnior, em 17 de abril de 2020. Participação da Uniasselvi no desfile da Oktoberfest em Blumenau. Acervo Malcon Tafner “A união das famílias Tafner e Pedrini foi essencial para concretização do projeto da Asselvi. Enquanto José, Verônica, os filhos Malcon, Marlon e Marlen trabalhavam assiduamente para preparar o local, com o objetivo de receber os primeiros alunos da instituição, Pedrini atuava como investidor, realizando um significativo aporte financeiro mensal.” Os autores 197 Desde o ano de 1997 a estrutura da faculdade já estava organizada para receber os primeiros alunos. Nesse período de quase três anos de expectativa pela liberação das portarias, a família Tafner de- senvolveu diversas atividades. Destaque para a reforma do espaço fí- sico, organização das estruturas acadêmicas e busca de parceria com empresários. José Tafner contava com uma ideia empreendedora e viável, mas não possuía o aporte financeiro para colocar seu projeto em execução. Esteve reunido com grupos empresariais e empreendedores com capacidade de investimentos de Blumenau e região. Apresenta- va uma planilha demonstrando as perspectivas de rendimentos que a Asselvi poderia proporcionar aos investidores e possíveis sócios. Po- rém, estava difícil encontrar um parceiro para apoiar a viabilização do empreendimento educacional.385 Mesmo com o projeto totalmen- te elaborado e com a perspectiva de liberação do MEC para funcio- namento da faculdade e abertura de cursos superiores, era necessá- rio e urgente viabilizar a questão do aporte financeiro. “A ideia de montar uma faculdade continuava firme na esperança de conseguir o dinheiro para a estrutura física e os equipamentos necessários.”386 A parceria com o empreendedor Valmor Pedrini Tafner visitou vários empresários de renome de Blumenau e re- gião. Apesar dos esforços, não estava conseguindo encontrar algum empreendedor que auxiliasse a viabilizar a proposta. Mesmo contando 385 TAFNER, José. Entrevista concedida a Evandro André de Souza e Jonas Felácio Júnior, em 23 de julho de 2019. 386 TAFNER, José. Entrevista concedida a Evandro André de Souza e Jonas Felácio Júnior, em 1o de maio de 2020. CAPÍTULO 11 Buscando apoio financeiro da classe empresarial 198 com considerável rede de contatos, não conseguia obter êxito nas ne- gociações. “Com o espaço definido, eu e a Verônica passamos a cor- rer ao encontro de pessoas que conhecíamos e que julgávamos que poderiam nos ajudar a concretizar o projeto da faculdade colocando o dinheiro necessário. Todos tinham a mesma resposta: não é o meu negócio, não disponho desse valor no momento.”387 Certo dia, a sorte mudou e ficou do lado da família Tafner. O casal José e Verônica estava passeando no Shopping Neumarkt quando avistaram Valmor Pedrini. O empresário tinha um apreço pelo professor Tafner, pois na época que Pedrini era acadêmico de Administração, José Tafner desempenhava a função de reitor da Furb. O tempo passou e o jovem estudante se tornou um empresá- rio bem-sucedido. Sua família estava envolvida com vários negó- cios, no ramo empresarial e industrial. O casal José e Verônica cha- mou Pedrini e no shopping mesmo explicaram sobre o projeto da faculdade. Após a conversa informal, ficou agendada uma visita ao município de Pomerode, onde ficava situado o empreendimento da família Pedrini. Verônica tem uma recordação positiva sobre a vi- sita que fizeram a Pomerode. Quando chegaram no estacionamen- to, avistaram uma faixa de recepção com os dizeres: “Bem-vindos professor Tafner e Dona Verônica”. A forma agradável e simpáti- ca como foram recebidos é uma lembrança especial da família, da época de concepção da Asselvi.388 Em 2 de fevereiro de 1998 chegaram os ofícios nos 1.042 e 1.047 comunicando os pareceres técnicos das comissões de especialistas que assinalavam a manifestação favorável dos cursos de Administra- ção e Ciências Contábeis. Paulatinamente foram chegando os pare- ceres dos demais cursos. A manifestação efetivamente favorável do primeiro curso chegou em 18 de fevereiro de 1998, data em que se vislumbrou a perspectiva da implantação da Faculdades Integradas do Vale do Itajaí (Facivi). “No final de março de 1998, assinamos um termo de compro- misso com o Ministério da Educação pelo qual dentro de 12 me- ses chamaríamos a comissão do MEC para analisar as instalações, professores, biblioteca, laboratórios, auditório e caso não chamás- semos, só poderíamos retornar com o projeto dois anos depois”, explica Tafner.389 387 Idem. 388 TAFNER, Verônica Teresinha. Entrevista concedida a Evandro André de Souza e Jonas Felácio Júnior, em 24 de julho de 2019. 389 TAFNER, José. Entrevista concedida a Evandro André de Souza e Jonas Felácio Júnior, em 1o de maio de 2020. 199 “Falei com o filho Malcon para fazer uma tabela mostrando cla- ramente receitas e despesas pelo período de 5 anos, provando que o projeto da faculdade era viável financeiramente. Naturalmente acompanhava a tabela de custos da reforma (R$ 750 mil), elaborada por mim, pelo Malcon e por um engenheiro da prefeitura. O senhor Pedrini, depois de algumas entrevistas,resolveu estudar o assunto. Com as tabelas em mãos e depois de muitas demonstrações, conse- guimos convencer o Pedrini a aceitar o desafio. Já era o final do mês de abril de 1998”, conta Tafner.390 Inclusive, Pedrini acompanhou a visita a Mabu, antes de ser fechado o acordo do espaço. Enquanto empresário, Pedrini possuía planos de expandir os seus negócios para outras áreas de atuação. Aceitou a proposta para injetar capital de giro no empreendimento de José Tafner. Esta parce- ria viabilizou os primeiros momentos de funcionamento da faculda- de. Graças ao apoio, houve a possibilidade de a família Tafner colocar seu projeto em prática. Portanto, é fundamental registrar que da re- gião do Vale do Itajaí, o único empresário que apoiou a proposta da Asselvi foi Valmor Pedrini.391 Tafner recorda que naquela época a empresa de plásticos da família Pedrini fornecia 10 milhões de tampas por mês para a Ca- chaça 51 de Piracicaba. Valmor Pedrini viabilizou o sonho de José Tafner de fundar uma instituição de Ensino Superior. A cada dez dias, repassava o valor de R$ 15 mil, totalizando R$ 45 mil por mês e 49 cotas. Foram investidos R$ 750 mil na reforma dos blo- cos centrais, organização da biblioteca, laboratório de informática, cantina, entre outras estruturas necessárias para o funcionamento de uma faculdade.392 A união das famílias Tafner e Pedrini foi essencial para con- cretização do projeto da Asselvi. Enquanto José, Verônica, os filhos Malcon, Marlon e Marlen trabalhavam assiduamente para preparar o local, com o objetivo de receber os primeiros alunos da instituição, Pedrini atuava como investidor, realizando um significativo aporte financeiro mensal.393 Alguns desafios precisavam ser vencidos, principalmente a organi- zação da biblioteca, laboratórios, entre outros itens exigidos pelo MEC. Mesmo que levasse ainda alguns meses para ocorrer a vistoria, precisa- vam deixar tudo pronto e com condições de pleno funcionamento. 390 Idem. 391 TAFNER, José. Entrevista concedida a Evandro André de Souza e Jonas Felácio Júnior, em 23 de julho de 2019. 392 Idem. 393 Idem. 200 “Com o dinheiro e com a coragem começaram os consertos de telhado, limpeza interna, pinturas, divisórias, forros, carteiras e cadeiras para alunos e professores, novos banheiros, gerência aca- dêmica e financeira, administração da instituição, laboratório de informática, auditório, cantina, biblioteca. Enquanto isso a Mar- len negociou livros novos para os dois primeiros semestres de cada curso, pois o MEC exigia que a biblioteca tivesse no mínimo 4 mil livros. Nas salas de aula foi colocado ar condicionado, TV e retro- projetor. Tudo isso foi feito com o dinheiro que estava sendo libera- do conforme o combinado pelo sócio e com os pequenos emprésti- mos, de curto prazo, junto aos bancos. Houve também amigos que nos socorreram”, lembra Tafner.394 Aventura nos sebos de São Paulo Após resolver o desafio de obter o aporte financeiro para viabi- lizar a etapa inicial de funcionamento da faculdade, era necessário vencer outras demandas. A família Tafner precisou transpirar bas- tante e se esforçar para resolver todas as situações. Tudo deveria es- tar organizado antes da visita dos representantes do Ministério da Educação. A organização do acervo bibliográfico foi um dos prin- cipais desafios, no período que antecedeu o início das atividades letivas na Asselvi. Por uma questão de limitação de recursos financeiros, pensou- se na estratégia de adquirir livros em sebos. Houve a necessidade de fazer aquisições em São Paulo. Não seria possível organizar a bi- blioteca somente com os estabelecimentos deste ramo existentes em Santa Catarina. Elaborar a relação de referências bibliográficas dos planos de ensino representava um desafio hercúleo. Nesse período não contavam ainda com a facilidade proporcionada pelas editoras eletrônicas. Era impossível saber quais títulos estavam disponíveis no mercado editorial e quais já estavam esgotados.395 Malcon Tafner comenta que ficava atento à realização de even- tos, onde existia a possibilidade de comprar livros. Da mesma forma, acompanhava as promoções de livrarias. Como forma de agilizar o processo, foram visitar os sebos paulistas. Ficaram surpreendidos com o tamanho expressivo dos estabelecimentos, que apresentavam 394 TAFNER, José. Entrevista concedida a Evandro André de Souza e Jonas Felácio Júnior, em 1o de maio de 2020. 395 TAFNER, Malcon. Entrevista concedida a Evandro André de Souza e Jonas Felácio Júnior, em 24 de julho de 2019. 201 corredores imensos e com significativa altura. Inclusive, existiam distribuidores para atender exclusivamente os sebos. Conforme José Tafner e Malcon escolhiam os títulos, colocavam os livros nos corre- dores. Os funcionários do sebo já limpavam o exemplar para tirar o pó, colocando-o em seguida nas caixas.396 Foi através dessa aventura nos sebos paulistas que a família Tafner organizou o acervo inicial da Biblioteca Dante Alighieri da Asselvi. Malcon considera que a opção por adquirir parte dos livros em sebos foi uma estratégia criativa e econômica.397 “Eu, o Malcon e o Marlon ficamos três dias em sebos de livros em São Paulo”, diz José Tafner. “Trouxemos mais de 4 mil livros nas áreas dos primei- ros cursos.”398 Na época em que realizaram essa aventura, não existia ainda a possibilidade de compra on-line de títulos literários e obras cientí- ficas. Os aparelhos celulares eram primitivos e não contavam com as tecnologias atuais, que ainda estavam em processo de aperfeiçoa- mento. Com a considerável abertura de faculdades que ocorreu nos últimos anos, hoje as editoras entregam as bibliotecas prontas, com todo acervo adquirido. Entretanto, no período de criação da Asselvi, esta era uma possibilidade que nem se pensava ainda no mercado de venda de livros.399 A partir do momento que essa etapa desafiadora foi concluída, a Asselvi passou a contar com a principal biblioteca da região de Indaial, Timbó e Pomerode. O fato de o espaço ser aberto para a comunidade oportunizou que estudantes desses municípios realizassem pesquisas no acervo. 396 Idem. 397 Idem. 398 TAFNER, José. Entrevista concedida a Evandro André de Souza e Jonas Felácio Júnior, em 1o de maio de 2020. 399 TAFNER, Malcon. Entrevista concedida a Evandro André de Souza e Jonas Felácio Júnior, em 24 de julho de 2019. “Quando souberam da notícia que o Ministério da Educação havia autorizado o funcionamento da Asselvi, os filhos Malcon e Marlon colocaram uma faixa na frente da casa da família, com os dizeres: 'A Asselvi é nossa, parabéns Tafner!'.” Os autores 203 “Em novembro de 1997 recebemos o primeiro sinal verde, um relâmpago de esperança. A Asselvi recebeu o pedido de com- plementação de dados da Comissão de Especialistas do Curso de Sistemas de Informação do MEC. Era sinal de que o nosso processo estava sendo ao menos analisado. O Malcon vibrou, era o indicado como coordenador”, destaca Tafner.400 Enquanto aguardava ansiosamente pela liberação das portarias de autorização das graduações, a família Tafner procurou encontrar uma maneira de utilizar a estrutura organizada e ao mesmo tempo oportunizar a entrada de receitas. Tafner conhecia o pró-reitor da Univille e foi firmada uma parceria entre essa instituição de Ensi- no Superior de Joinville e um instituto de educação. “Com o espaço pronto e sem as portarias dos cursos que nos permitissem lançar o Exame de Seleção, fomos ao encontro de faculdades que pudessem, legalmente, implantar cursos de pós-graduação lato sensu, no intui- to de buscar recursos para ocupar o espaço que já estava pronto e começar a arrecadar algum dinheiro. A Universidade da Região de Joinville aceitou o desafio.”401 O convênio possibilitou que fossem realizadas aulas de pós-gra- duação utilizando a estrutura física da Asselvi. Foram ofertadas três especializações na área da educação e uma no segmento da informá- tica. Malcon auxiliou na organização da grade curricular e no con-tato com docentes da área da informática. Julianne Fischer conhecia vários professores com mestrado no campo da educação e ajudou convidando-os para lecionar nessas pós-graduações.402 400 TAFNER, José. Entrevista concedida a Evandro André de Souza e Jonas Felácio Júnior, em 1o de maio de 2020. 401 Idem. 402 TAFNER, Marlon. Entrevista concedida a Evandro André de Souza e Jonas Felácio Júnior, em agosto de 2019. CAPÍTULO 12 As primeiras atividades educativas realizadas pela Asselvi 204 Verônica Tafner e o filho Marlon foram divulgar os primeiros cursos de pós-graduação. Conversaram com todos os prefeitos da região do Vale do Itajaí, que indicavam alguns professores que po- deriam ser visitados. A divulgação ocorria em escolas e visavam re- passar a informação para o maior número possível de pessoas. Tam- bém estiveram nas câmaras de vereadores, nas empresas e bateram de porta em porta para entregar o folder sobre as especializações. Permaneciam o dia inteiro nessa atividade e o trabalho apresentou ótimo resultado: conseguiram matricular 180 alunos. Os certificados eram emitidos pela Univille, que recebia um percentual das mensali- dades dos pós-graduandos.403 No começo do ano de 1998, Hermínio Kloch cursava bacharela- do em Ciências da Computação, sendo colega de faculdade de Mal- con Tafner, que o convidou para auxiliar na empreitada de limpeza do prédio da antiga massa falida e de estruturas da empresa Malbu, que atuava no segmento da tecelagem. Com a finalização da reforma do bloco A, a sala A1 foi destinada para receber os alunos pós-gra- duandos, através do convênio firmado com a Univille. Poucos meses depois, Kloch foi um dos primeiros alunos da pós-graduação. A especialização em Psicopedagogia era destinada principalmen- te para os educadores. A pós-graduação em Informática Aplicada à Gestão Empresarial contemplava profissionais da área da informática e do segmento empresarial. A primeira aula foi sobre Planejamento Es- tratégico, sendo ministrada por Bernardo Knabben. Hermínio Kloch trabalhava nesse período em uma empresa de tecnologia da informa- ção. Recorda que Marlon Tafner visitou seu local de trabalho para fa- zer a divulgação sobre essa especialização. Afirma que a estratégia se mostrou eficaz porque, além de recrutar alunos para a pós-graduação, paralelamente divulgava o empreendimento educacional do professor Tafner.404 Kloch menciona que a turma pioneira da especialização em informática contou com a participação de vários empresários da re- gião, que atuavam profissionalmente na área de gestão.405 No dia 23 de outubro de 1998, em convênio com a Universi- dade da Região de Joinville (Univille), iniciaram as aulas dos cursos de especialização em nível de pós-graduação lato sensu nas áreas de Psicopedagogia e Informática Aplicada à Gestão Empresarial. Mar- lon Tafner fazia de tudo um pouco: coordenava as atividades, tirava 403 TAFNER, Verônica Teresinha. Entrevista concedida a Evandro André de Souza e Jonas Felácio Júnior, em 24 de julho de 2019. 404 KLOCH, Hermínio. Entrevista concedida a Evandro André de Souza e Jonas Felácio Júnior, em 5 de setembro de 2019. 405 Idem. 205 fotocópias, atendia professores e alunos, buscava no aeroporto os do- centes vindos de outros estados, transportando-os até Indaial. Foi desta forma que iniciaram as primeiras atividades educativas no espaço da Asselvi. Além de Marlon, se dedicavam nesse trabalho Verônica Tafner, Claudinei Bagatolli e uma funcionária que realiza- va a limpeza do ambiente.406 Julianne Fischer participou ativamente do processo de organização da pós-graduação em Psicopedagogia. O início das aulas da especialização proporcionou um sentimento de felicidade, considerando-se que a instituição ainda aguardava a liberação para poder ofertar as graduações.407 A autorização para funcionamento da Asselvi Na época de expectativa sobre a liberação do Ministério da Edu- cação para se poder efetivamente iniciar as atividades da Asselvi, a família Tafner residia na Rua Antônio Cândido Figueiredo, no bairro Vila Nova, em Blumenau. Nesta via moravam vários professores que foram colegas de José Tafner na Furb. Quando souberam da notícia que o Ministério da Educação havia autorizado o funcionamento da Asselvi, os filhos Malcon e Marlon colocaram uma faixa na frente da casa da família, com os dizeres “A Asselvi é nossa, parabéns Tafner!”. Desta forma receberam o pai com alegria, para comemorar em famí- lia a novidade tão aguardada.408 406 TAFNER, Marlon. Entrevista concedida a Evandro André de Souza e Jonas Felácio Júnior, em agosto de 2019. 407 FISCHER, Julianne. Entrevista concedida a Evandro André de Souza e Jonas Felácio Júnior, em 17 de abril de 2020. 408 TAFNER, Marlon. Entrevista concedida a Evandro André de Souza e Jonas Felácio Júnior, em agosto de 2019. Estrutura da sede da Asselvi em Indaial. Acervo Malcon Tafner 206 Várias pessoas que passavam na frente da residência pergunta- ram do que se tratava, então colocaram mais um faixa, com a infor- mação “Faculdade de Indaial”. Após obter autorização para a Asselvi entrar legalmente em funcionamento, a expectativa girava em torno da autorização dos cursos, para que fosse lançado o primeiro Exa- me de Seleção. Obter a portaria de liberação para criar uma nova instituição de Ensino Superior na região representava um desafio de grandes proporções. Por isso Marlon Tafner não julga as pessoas que não acreditavam que o projeto da Asselvi seria exitoso. Fazia muitos anos que não acontecia a abertura de novas instituições de ensino no país. Além dessa particularidade, as faculdades abertas na década de 1980 estavam inseridas em grandes centros brasileiros, como São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre e Brasília.409 Considerando esse contexto, seria inimaginável, praticamente impossível, que um professor aposentado da Furb, sem capital para investimentos e que não era proprietário de um prédio grande, con- seguisse abrir uma faculdade particular. Analisando as circunstân- cias, considerável parcela da comunidade regional ignorava essa pos- sibilidade por ser uma situação nova, algo totalmente improvável. Ao mencionar as barreiras existentes, percebe-se facilmente a im- portância deste projeto de José Tafner, em termos de interiorização do Ensino Superior, uma quebra de paradigmas sem precedentes na história da educação catarinense.410 409 Idem. 410 Idem. Uniasselvi, Indfaial/SC. Acervo Aldo Pasqualoni 207 Recebimento das primeiras comissões do MEC Com o parecer favorável dos cursos emitido pelo Conselho Na- cional de Educação, a Asselvi encaminhou o pedido ao MEC para que fossem enviadas as comissões de avaliação in loco. No primeiro semestre do ano de 1998, José Tafner recebeu os primeiros indícios de que em breve ocorreriam as visitas de comissões do Ministério da Educação. Entrou em contato com Bernardo Knabben e estabelece- ram uma parceria inicial, visando o recebimento dos profissionais do MEC. Bernardo então começou a participar do projeto da Asselvi, a partir de junho daquele ano. Paralelamente, foi estabelecendo um vínculo de amizade com a família Tafner. Viajou com Malcon até Curitiba com a finalidade de comprar livros para a biblioteca.411 Knabben esclarece que a Asselvi recebeu cinco comissões em 1998, visando a perspectiva de autorização para ofertar os cursos superiores. Atenderam a comissão de Administração, de Sistemas de Informação, de Ciências Contábeis, de Pedagogia (Normal Superior) e de Economia. Re- corda que a primeira comissão atendida foi a de Administração, no mês de agosto. Os desafios daquele período eram maiores, em comparação com a atualidade. O processo era completamente diferente, porque tudo era documental e nenhum procedimento ocorria de forma virtual.412 A instituição ficava responsável em ofertar a logística e hospeda- gem dos integrantes dessas comissões. Bernardo trabalhava em Indaial de segunda a sexta-feira e retornava no final de semana paraFloria- nópolis. A Delegacia do Ministério da Educação em Santa Catarina funcionava na capital catarinense. Por isso ficou incumbido de trazer uma delegada dessa estrutura, Leonor Schroeder, que foi escalada pelo MEC para participar do processo e acompanhar o trabalho da comis- são. Havia recebido a orientação para levar a profissional para jantar no Restaurante Frohsinn e depois para o hotel. Porém, quando chegou no restaurante percebeu que estava sendo realizada a Noite do Fondue para casais. Knabben foi até o banheiro e ligou para Malcon, explican- do a situação e solicitando que o amigo fosse até o restaurante jun- to com a esposa Julianne. Ficou preocupado sobre o que a professora pensaria dele. No entanto, Malcon participava naquele momento de outro compromisso e não foi possível evitar a situação constrangedora. Com o passar dos anos na área da educação, Bernardo tornou-se ami- go de Leonor e sempre dão boas risadas ao recordarem do episódio.413 411 KNABBEN, Bernardo. Entrevista concedida a Evandro André de Souza e Jonas Felácio Júnior, em 17 de abril de 2020. 412 Idem. 413 Idem. 208 Quando se pensa hoje na história da Asselvi, que se transfor- mou em Uniasselvi e se tornou um case de sucesso, pode-se con- siderar que tudo ocorreu facilmente, sem maiores desafios. Na prática as coisas não aconteceram dessa forma. No período do re- conhecimento dos cursos, a instituição enfrentou dificuldades para atender a Comissão de Pedagogia do Ministério da Educação. A Asselvi pretendia ofertar as graduações de Normal Superior e Edu- cação Especial. Na primeira reunião com os profissionais do MEC, estavam presentes José Tafner e a coordenadora Julianne Fischer. Uma das integrantes da comissão trabalhava em uma universida- de federal e fez uma pergunta sem sentido. Questionou porque a Asselvi cobraria mensalidade. Tafner ficou incomodado com o questionamento sem nexo e respondeu de forma impulsiva. Em se- guida, foi convidado a se retirar da reunião. Julianne informa que Tafner foi então substituído por Bernardo Knabben e desta forma prosseguiram as tratativas.414 Bernardo conta que a Comissão de Pedagogia foi nomeada para o trabalho entre os dias 2 e 5 de novembro. No dia 2, feriado de Fina- dos, era aniversário de sua falecida avó. “Eu conversei com o professor Tafner e expliquei que gostaria de participar do aniversário dela, que era uma comissão de Pedagogia e minha contribuição seria limitada, pois não tenho formação na área, que a Julianne era a coordenadora do curso e isso já era mais da metade do caminho andado. Tafner dis- pensou Bernardo, que chegaria no dia seguinte, após o feriado. Eu che- guei dia 3 de novembro, bem cedo, pouco depois das 7 horas. Não vi o carro do Tafner no estacionamento, mas quando entrei na faculdade as luzes da sala dele estavam acesas. Eu entrei e o cumprimentei e ele me disse ‘deu problema ontem’. Me explicou o ocorrido e disse que iria se afastar um pouco do processo e que eu então assumisse.”415 Tafner saiu da instituição naquele momento para evitar qual- quer complicação. Ficou combinado que Bernardo repassaria todas as informações, conforme fossem ocorrendo as tratativas. Em se- guida, chegou a comissão acompanhada pelo professor Lorival Be- ckhauser. Bernardo então reuniu os avaliadores em uma sala e exal- tou o papel da comissão. Procurou colocar panos quentes na situação adversa. “Chamei todos para ‘resetarmos’ todo o ocorrido e iniciar- mos do zero de novo.” A comissão aceitou este encaminhamento e o trabalho começou a fluir, até o momento em que uma das integrantes 414 FISCHER, Julianne. Entrevista concedida a Evandro André de Souza e Jonas Felácio Júnior, em 17 de abril de 2020. 415 KNABBEN, Bernardo. Entrevista concedida a Evandro André de Souza e Jonas Felácio Júnior, em 17 de abril de 2020. 209 perguntou qual era o papel que Bernardo desempenhava na estrutu- ra da Asselvi. Prontamente respondeu que atuava como diretor de Ensino, sendo braço direito do professor Tafner. Com o intuito de demonstrar segurança diante da situação que estavam enfrentando, reforçou que qualquer compromisso que assumisse, da mesma for- ma seria assumido por Tafner.416 A reunião foi realmente desafiadora e umas das avaliadoras do MEC questionou a razão de a instituição querer ofertar a graduação de Educação Especial. Julianne precisou então falar um pouco sobre sua trajetória, enquanto docente na área educacional. Mencionou que a Asselvi propôs ofertar o curso considerando os encaminha- mentos da Declaração de Salamanca, realizada na Espanha no ano de 1994, que formalizou um documento internacional que previa a melhoria do acesso à educação para as pessoas com necessidades educativas especiais.417 Mesmo diante da argumentação de Julianne, os membros da comissão negaram a abertura do curso de Educação Especial. Tam- bém houve o questionamento sobre o número de alunos previstos para o curso de Normal Superior. A instituição pretendia ofertar 150 vagas nessa graduação e os profissionais do Ministério da Educação argumentaram que era uma quantidade expressiva demais. Somente autorizaram essa quantia em razão do credenciamento negado para a abertura da faculdade de Educação Especial. Julianne pondera que foi um momento exaustivo e desgastante, porque a instituição correu o risco de não conseguir abrir nenhum curso na área pedagógica. Afirma que foi fundamental nesse diálo- go o papel desempenhado por Bernardo Knabben, que atuou como um mediador e de forma ponderada. Com sua postura de gentleman, auxiliou efetivamente na conversa com a comissão. De acordo com Julianne, o trabalho desenvolvido por Knabben foi excelente e fun- damental para que a Asselvi saísse exitosa nos processos de autoriza- ção de cursos superiores.418 O recebimento das comissões iniciado no começo do segun- do semestre de 1998 seguia de forma intensa. As comissões foram emitindo pareceres favoráveis e desta forma ocorria a autorização para funcionamento dos cursos. Bernardo continuava envolvi- do com a instituição, porque existiam alguns processos para re- solver junto ao MEC. José Tafner então fez uma proposta para 416 Idem. 417 FISCHER, Julianne. Entrevista concedida a Evandro André de Souza e Jonas Felácio Júnior, em 17 de abril de 2020. 418 Idem. 210 que trabalhasse por mais 60 dias na divulgação da faculdade. Knabben renovou a parceria e ficou acordado que trabalharia até o final de dezembro, quando estava prevista a conclusão das ati- vidades da Comissão de Economia do MEC.419 Esta comissão foi atendida entre os dias 17 e 20 de dezembro. No entanto, já não haveria possibilidade de abrir o curso no semestre seguinte, por- que já tinha sido realizado o Exame de Seleção e seria necessário ainda aguardar a publicação da portaria. A divulgação dos cursos superiores da Asselvi Bernardo recebeu de José Tafner a missão de divulgar o primei- ro Exame de Seleção da Asselvi. Para realizar essa tarefa precisaria visitar todos os colégios de Indaial e região. Por não ter conhecimen- to da realidade educacional local, contou com a parceria de um aju- dante de renome para conseguir desempenhar a atividade. Foi nessa oportunidade que conheceu o professor Lorival Beckhauser, que co- nhecia todas as escolas e seus respectivos diretores. A dupla traba- lhou em parceria durante 60 dias, realizando uma ampla divulgação dos primeiros cursos superiores ofertados pela instituição. Knabben destaca que era inacreditável o conhecimento que Beckhauser pos- suía em relação às unidades educacionais da região. Chamava todos os diretores e professores pelo nome. Este aspecto foi favorável du- rante o processo e assim foram conversando com as turmas de ter- ceiro ano do Ensino Médio, que eram o público-alvo da campanha.420 Paralelamente às ações de divulgação nas escolas, foi desenvol- vido um trabalho junto aos clubes de serviço e entidades de classe de Indaial e região. José Tafner esteve pessoalmente nas reuniões e apre- sentou a proposta