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Evandro André de Souza Jonas Felácio Júnior Não basta saber, é preciso saber fazer PROFESSOR TAFNER Não basta saber, é preciso saber fazer 2021 Florianópolis Evandro André de Souza e Jonas Felácio Júnior PROFESSOR TAFNER Não basta saber, é preciso saber fazer EDITORA INSULAR (48) 3232-9591 editora@insular.com.br twitter.com/EditoraInsular www.insular.com.br facebook.com/EditoraInsular INSULAR LIVROS Rua Antonio Carlos Ferreira, 537 Bairro Agronômica Florianópolis/SC – CEP 88025-210 (48) 3334-2729 insularlivros@gmail.com Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Tuxped Serviços Editoriais (São Paulo, SP) Souza, Evandro André de; Felácio Júnior, Jonas. Professor Tafner: Não basta saber, é preciso saber fazer / Evandro André de Souza e Jonas Felácio Júnior; Prefácio de João Vianney. – 1. ed. – Florianópolis, SC : Editora Insular, 2021. 368 p.; fotografias. E-Book: 13 Mb; PDF. ISBN 978-65-88401-64-4. 1. Educação. 2. Ensino Superior. 3. História de Vida. 4. José Tafner. I. Título. II. Assunto. III. Souza, Evandro André de. IV. Felácio Júnior, Jonas. CDD 923.7:378.81 21-30246069 CDU 929:378 S729p ÍNDICE PARA CATÁLOGO SISTEMÁTICO 1. Biografia, genealogia, heráldica: de educadores; Ensino superior no Brasil. 2. Biografia; Ensino superior. Ficha catalográfica elaborada pelo bibliotecário Pedro Anizio Gomes CRB-8 8846 REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA SOUZA, Evandro André de; FELÁCIO JÚNIOR, Jonas. Professor Tafner: Não basta saber, é preciso sa- ber fazer. 1. ed. Florianópolis, SC: Editora Insular, 2021. E-Book (PDF; 13 Mb). ISBN 978-65-88401-64-4. Copyright © Evandro André de Souza e Jonas Felácio Júnior, 2021 EDIÇÃO Nelson Rolim de Moura CONSELHO EDITORIAL Dilvo Ristoff, Eduardo Meditsch, Jali Meirinho, Jéferson Silveira Dantas, Nilson Cesar Fraga, Pablo Ornelas Rosa e Waldir José Rampinelli REVISÃO Sílvio Melatti PLANEJAMENTO GRÁFICO E CAPA Estúdio Insular FOTOS DE CAPA Aldo Pasqualini, Centro de Memória Universitária – CMU/Arquivos da Furb e Kako Waldrich FOTOS Acervo Centro de Memória Universitária – CMU/Arquivo da Furb Acervo José Tafner Acervo Malcon Tafner Acervo Rodolfo Leite Acervo Valquíria Luiza Tafner da Cunha/Ampesc Aldo Pasqualini Fábio Queiroz/Agência AL Kako Waldrich mailto:editora%40insular.com.br?subject= https://twitter.com/EditoraInsular http://www.insular.com.br https://www.facebook.com/EditoraInsular Esse livro é dedicado às pessoas que transformam sonhos em realidade. Dalla mente alle mani. Leonardo da Vinci SUMÁRIO Prefácio | João Vianney ......................................................................... 15 Apresentação | Malcon Tafner .............................................................. 17 Introdução ............................................................................................. 23 Capítulo 1 | Infância de José Tafner em Rio dos Cedros ...................... 31 O pioneiro Ângelo Marcello Tafner na Colônia Blumenau .....................31 Curiosidades sobre a família Tafner em Rio dos Cedros .........................35 Escola de aprendizes na propriedade da família Tafner ...........................39 Recordações sobre a infância de José Tafner .............................................39 Lembranças do tempo da “querida escola” ................................................46 Capítulo 2 | A busca precoce por novos conhecimentos ...................... 51 A ida para o Seminário de Ascurra .............................................................51 A rotina de atividades no Seminário ..........................................................52 A prática de atividades desportivas .............................................................53 Envolvimento com o teatro ..........................................................................54 A tradicional Festa de São João ...................................................................55 As aventuras no dia de folga escolar ...........................................................56 O desafio de ser um jovem seminarista ......................................................57 Capítulo 3 | A mudança de estado para ampliar conhecimentos ......... 59 É preciso pagar por uma espiga de milho? .................................................59 O Curso Científico do Colégio Salesiano de Lavrinhas ...........................60 O falecimento de Clara Tafner .....................................................................62 Noviciado em Pindamonhangaba ...............................................................62 O estudo superior na faculdade de Lorena ................................................63 A expulsão do seminário ..............................................................................66 Capítulo 4 | Educador no Mato Grosso e São Paulo ............................. 73 A oportunidade no momento de preocupação .........................................74 Experiência profissional no Colégio Dom Bosco......................................75 Trabalho humanitário para ajudar os índios Xavante ..............................77 Amizade com profissionais da FAB ............................................................79 Obtendo a carteirinha de professor do MEC .............................................81 Experiência como professor em São Paulo ................................................81 O drama de ser assaltado em São Paulo .....................................................83 Capítulo 5 | A trajetória educacional no Vale do Itajaí ........................ 85 Experiência com Educação a Distância nos anos 1960 ............................88 A excelência enquanto professor de Desenho ...........................................89 Casamento entre José Tafner e Verônica ....................................................90 O primeiro desafio da vida matrimonial ....................................................92 Batalhando um lugar ao sol ..........................................................................93 A possibilidade de ofertar licenciaturas .....................................................95 Cursando Pedagogia em São Paulo .............................................................96 Capítulo 6 | Os primeiros momentos da trajetória acadêmica de 25 anos na Furb ........................................................................ 99 Início das atividades de Ensino Superior em Blumenau ..........................99 Mestrado no Rio de Janeiro........................................................................101 Instituto de Planejamento da Furb ............................................................111 Eleito diretor da Faculdade de Ciências e Letras.....................................111 Capítulo 7 | O primeiro mandato como reitor da Furb ...................... 113 Transformações na Furb, na década de 1970 ...........................................113 Eficiência para enfrentar os desafios financeiros ....................................115 A ampliação da estrutura física da faculdade ..........................................116 O status de referência nacional à Furb .....................................................120 Mais vagas .....................................................................................................120 Apoio às atividades culturais .....................................................................123 Realização de convênios, projetos e parcerias .........................................124 Retornando à sala de aula ...........................................................................126 O reconhecimento da Furb como Universidade .....................................130 Capítulo 8 | O segundo mandato como reitor .................................... 133 Ampliação do número de vagas ................................................................138 Ampliação da estrutura física da universidade........................................140 Recuperando a saúde financeira da Furb .................................................143Ensino, Pesquisa e Extensão .......................................................................147 A batalha no Conselho Universitário da Furb .........................................152 O hábito de proporcionar oportunidades aos jovens .............................154 O último desafio antes da aposentadoria na Furb ...................................157 Do gabinete da reitoria para os bancos escolares ....................................158 Capítulo 9 | A contribuição do professor Tafner para a educação de Santa Catarina ........................................................................ 161 O legado de José Tafner como Secretário de Educação ..........................161 A dedicação ao ocupar um cargo público ................................................163 O sonho de criar uma Faculdade ..............................................................164 O desafio como diretor de Ensino Superior .............................................165 Uma parceria exitosa em prol da educação catarinense .........................170 A frustração no Conselho Estadual de Educação ...................................173 Capítulo 10 | Realizando o sonho de criação de uma Instituição de Ensino Superior ...................................................................... 175 Protocolando o projeto da Asselvi no MEC.............................................177 A parceria do prefeito com o projeto da Asselvi .....................................177 A escolha do espaço para funcionamento das atividades ......................179 Arregaçando as mangas e colocando a mão na massa ...........................181 Incentivando os servidores a cursar graduações .....................................185 O progresso em Indaial graças à Asselvi ..................................................186 Apoio às novas empresas e à qualificação dos colaboradores................187 A Asselvi poderia ter se instalado em Gaspar .........................................187 A contratação dos primeiros professores da Asselvi ...............................188 A ousadia em contratar professores jovens ..............................................190 A valorização do corpo docente da instituição .......................................191 As confraternizações marcantes da Asselvi ..............................................194 Capítulo 11 | Buscando apoio financeiro da classe empresarial ........ 197 A parceria com o empreendedor Valmor Pedrini ...................................197 Aventura nos sebos de São Paulo ..............................................................200 Capítulo 12 | As primeiras atividades educativas realizadas pela Asselvi .................................................................................. 203 A autorização para funcionamento da Asselvi ........................................205 Recebimento das primeiras comissões do MEC .....................................207 A divulgação dos cursos superiores da Asselvi .......................................210 O primeiro Exame de Seleção da Asselvi .................................................211 O emocionante primeiro dia de aula da graduação ................................215 Conforto e estrutura diferenciada para os alunos ...................................217 Os desafios nos primeiros semestres de atividades .................................218 A concepção educacional de Tafner na criação da Asselvi ....................219 A escolha do nome Leonardo da Vinci ....................................................220 Escolha do amarelo na identidade visual da Asselvi ...............................221 Capítulo 13 | A cultura como ferramenta educativa e de transformação da sociedade ................................................ 223 A criação da Asselvi como forma de protesto à manutenção do status quo na educação superior ...........................................................................223 Jornal Balestra ................................................................................ 226 Editora da Asselvi ........................................................................................227 Coleção Memórias do Vale.........................................................................229 Casa Amarela em Blumenau ......................................................................230 Casa Azul ......................................................................................................234 Desenvolvimento de ações culturais e comunitárias ..............................235 O resgate histórico-cultural da região ......................................................240 Casa Reinecke ..............................................................................................245 O olhar especial com as questões sociais ..................................................246 Capítulo 14 | Tudo ensina, tudo educa ............................................... 251 A filosofia educacional criada por Tafner ................................................253 A implementação dos princípios norteadores por meio do Centro de Aperfeiçoamento Docente da Asselvi .......................................................259 A contribuição dos valores seminaristas ..................................................266 Capítulo 15 | Inovações pedagógicas da Uniasselvi............................ 269 Disciplinas semipresenciais ........................................................................269 Professores autores e inovações tecnológicas ..........................................270 Avaliação interdisciplinar ...........................................................................272 Avaliação docente ........................................................................................275 Capítulo 16 | A transformação da Asselvi em Centro Universitário . 279 Crescimento de 100% a cada 18 meses .....................................................279 O envolvimento da Asselvi com a comunidade regional .......................281 Não basta saber, é preciso saber fazer .......................................................282 Marcos regulatórios institucionais ............................................................285 A preparação da equipe para receber as comissões ................................288 A importância do status de Centro Universitário ..................................291 Horário Diferenciado de Férias (HDF) ....................................................293 A fundação do Instituto Catarinense de Pós-graduação ........................293 Capítulo 17 | O início das atividades da EaD e a expansão da Uniasselvi ............................................................................... 299 Os desafios para estruturar o programa de EaD .....................................301 A criação da metodologia da EaD .............................................................301 Tutor em sala de aula ..................................................................................303 Plataforma da EaD e os materiais instrucionais ......................................304 Autorização para ofertar EAD ...................................................................304 A resistência diante da quebra de paradigmas ........................................305 A formação dos primeiros polos da EaD Uniasselvi ..............................306 O sucesso do primeiro vestibular na modalidade EaD ..........................307 O diferencial do modelo pedagógico ........................................................308 Núcleo de Ensino a Distância (Nead) .......................................................309 O papel da EaD da Uniasselvi para fortalecer outras ............................310 instituições catarinenses .............................................................................310 Capítulo 18 | A organização do Grupo Uniasselvi e a fase expansionista .................................................................. 313 José Tafner: o chanceler da Uniasselvi......................................................318 O legado da EaD para a educação brasileira ............................................320 A realização do sonho de milhares de brasileiros ...................................322 Capítulo 19 | Associação de Mantenedoras Particulares de Educação Superior de Santa Catarina (Ampesc) ........................................ 325 Missão e finalidades da Ampesc ................................................................326 O surgimento das faculdades particulares ...............................................326 A batalha para obter bolsas para os universitários..................................329 O esforço pela democratização do Ensino Superior ...............................334 Enfrentamento contra decisões da classe política ...................................335 A união de estudantes com a Ampesc ......................................................336 Galeria de presidentes da Ampesc ............................................................338 Capítulo 20 | A expansão do Ensino Superior no Pará ...................... 341 A construção da faculdade em Marabá ....................................................344 O início das atividades da Metropolitana de Marabá .............................346 O primeiro Exame de Seleção ....................................................................347 A contratação dos professores pioneiros ..................................................349 Inovações para oferecer um ambiente diferenciado ...............................349 Ampliação das instalações da Metropolitana ..........................................350 A participação de Fronza no recredenciamento .....................................351 Faculdades em Parauapebas e Paragominas ............................................352 Faculdade Metropolitana de Parauapebas................................................353 Faculdade Metropolitana de Paragominas ...............................................354 Referências bibliográficas ................................................................... 360 Entrevistas ....................................................................................................360 Outras fontes ................................................................................................361 Agradecimentos................................................................................... 362 Sobre os autores ................................................................................... 363 “A ideologia cega, só o conhecimento liberta.” José Tafner 15 PREFÁCIO João Vianney Convido você a ler este livro com a cabeça aberta para encarar uma trilha de aventuras. É uma história daquelas que a gente engata e não larga o livro até a última página. A vida do José Tafner é uma coleção de sucessivos desafios que pareciam impossíveis de superar. E com ameaças uma atrás da outra, a ponto de colocar tudo em risco e fazer tudo desabar numa fração de segundos. É assim este livro que o Evandro Souza e o Jonas Felácio escre- veram para contar a inusitada trajetória do José Tafner. Em pratica- mente todas as fases da vida dele o inesperado estava à espreita para lhe passar a perna, para lhe dar uma rasteira nos sonhos. Na infância, na adolescência, no seminário, nas cidades e pela vida afora, com a esposa e filhos a tiracolo, são incontáveis as vezes em que os sonhos estiveram à beira de se soterrar em meio a enxurradas de cobrir por tudo. Mas, o arfar de peito se manteve sempre até a volta do sol. Calçar as galochas e se botar pra limpar tudo, reconstruir, e seguir adiante – este é o Tafner que o livro mostra. De onde vem essa força? Nas grandes jornadas, tal como Evan- dro e Jonas colocaram no livro, as vitórias, para terem o sabor ver- dadeiro, nunca são apenas “do personagem”. Tem sempre uma força que lhe é protetora, e que nos momentos de maior perigo, quando tudo está por um fio, vem sempre aquela energia extra que o faz bus- car – de onde já não mais se imaginava que tinha, aquele sopro de vida que faz a diferença pra virar o jogo. Eu conheci o José Tafner já com sucessivas denominações es- petadas no peito: professor, diretor, mestre, reitor, secretário Esta- dual de Educação e outras tantas honrarias resumidas em “Professor Tafner”. Ele era uma eminência quando cruzei com ele pela primeira vez. Na época, ele era diretor de Ensino Superior na Secretaria da Educação de Santa Catarina, em 1996. 16 Mas, em meio às pompas e circunstâncias do cargo, percebi que naquele jeito macio de falar, nas anotações sempre presentes nos rabiscos de reunião, e no olhar ao horizonte em direção ao mar na Baía Sul, em Florianópolis, nos altos da sede da Secretaria da Educação, eu percebi que ali tinha um “José” debaixo da pele do “Professor Tafner”. Ele tinha um mote, um bordão, de que “a ideologia cega, só o conhecimento liberta”. Fazia eco de cinco séculos com os renascen- tistas, os enciclopedistas, os iluministas e os grandes pensadores que moldaram a sociedade contemporânea. Era o sonho da humanidade fora das amarras da realeza, do poder em nome de uma divindade, ou de uma supremacia de qualquer ordem que fosse. Maturava por aquele tempo a ideia — por obra e graça da te- nacidade — de uma faculdade que viria a ter em seu nome, em sua filosofia e em seus prédios a consagração do professor Tafner ao hu- manismo, representado por Leonardo da Vinci. Está tudo no livro, tim-tim por tim-tim, com as vitórias impossíveis uma atrás da outra. Na época cheguei mesmo a pensar que o “Professor Tafner” e todos os distintivos que ele trazia eram “uma consequência do co- nhecimento”, realizada pelo próprio ser, uma vez que ele os adquirira na penosa jornada educacional. Desde a infância, depois no seminá- rio, na faculdade pioneira, no mestrado com a família morando no aperto e, às vezes, comendo fortaia, que tinha mais leite do que ovo e queijo. Quanta garra, e tudo isso graças à força pessoal e ao conheci- mento. Era assim que eu via o professor Tafner. Mas foi só agora, lendo o livro “do pé à ponta”, como se diz no Vale do Itajaí, é que fui descobrir de onde vem a energia secreta do José Tafner para ter feito o que fez no mundo da educação em Santa Catarina e todo o Brasil. Se um Padawan se torna Jedi apenas quando a Força com ele se conecta, descobri no livro que a poção mágica que sempre deu a Força para o José Tafner vencer o imponderável tem nome e sobrenome: Verônica. Verônica Teresinha Machado Tafner, e os filhos que ela deu a ele. Se você quer ler uma biografia careta, não compre este livro. Não faça o download e nem veja a série depois. Agora, se você quer ler um livro de aventuras, com personagens mágicos, e que tem uma história de amor que sempre vence como pano de fundo, o livro é este mesmo que está em suas mãos. 17 APRESENTAÇÃO Malcon Tafner O projeto deste livro surgiu da ideia de registrar uma pequena parte da história do Ensino Superior catarinense que pode- mos considerar muito significativa, dadas as transformações ocor- ridas nas últimas quatro décadas graças à atuação do meu pai como educador e empreendedor da educação. Apesar de a história estar sempre em movimento, é fato que são poucas as vezes em que te- mos a oportunidade de presenciar tantas mudanças e revoluções, ainda mais quando muitas delas estão conectadas com uma pessoa próxima a nós. Em 2019, lembro-me do dia em que estava em Florianópolis, num final de tarde, tomando um café carioca com um amigo de mui- tos anos, Luciano Formighieri. Era para ser apenas uma prosa entre dois amigos. O Luciano é uma pessoa com o qual tive o prazer e a honra de dividir o front de lutas intensas pela Educação Superior catarinense, que foram travadas dentro da Assembleia Legislativa de Santa Catarina, e por isso se tornou um grande amigo. Lembramos de algumas das batalhas, como a luta por bolsas de estudo do Artigo 170 para que alunos das instituições privadas tam- bém pudessemser beneficiados, da legislação estadual defendendo os alunos de Educação a Distância do preconceito que sofriam na época, por bolsas de estudo do Artigo 171, que escrevemos e luta- mos juntos, e muitas outras trincheiras pouco conhecidas que pas- sam despercebidas da sociedade, mas que fortuitamente dão frutos a todos até hoje. No meio dessa conversa repleta de notas de nostalgia, surgiu a ideia de registrar em um livro parte das histórias para que não se perdessem no tempo e no espaço em um momento social com tantas novidades. Foram histórias que transformaram a sociedade do ponto de vista educacional, que fizeram a diferença na vida de muitas pes- soas e que poucos conhecem. E, conversando, fomos percebendo que 18 muitas delas perpassavam, invariavelmente, pela história do meu pai, Professor José Tafner. Era preciso escrever um livro sobre isso tudo e sobre o quanto ele tinha contribuído para a história da Educação Superior de Santa Catarina e também do Brasil. Desafio lançado, desafio aceito Procurei então o professor Evandro André de Souza, historia- dor, escritor reconhecido e ex-coordenador do curso a distância de História da Uniasselvi, onde havia trabalhado com meu pai desde o início da EaD e depois comigo no tempo em que eu havia desem- penhado também a função de reitor. Somos amigos desde então. Conversamos muito sobre como deveria ser a obra e qual seria a sua função editorial. É verdade que tínhamos em mente algo menor, como sendo um registro da participação do meu pai na história da Educação Superior catarinense. Logo, entre tantas conversas e listas de pontos marcantes, fomos descobrindo que não seria possível que fosse algo menor... Não havia como. A história do meu pai e de tudo o que tinha acontecido na edu- cação nos últimos anos falava por si, na verdade, gritava alto, mas era preciso registrar, escrever, imprimir para que pudéssemos mantê-la viva e devidamente documentada. Estava começando um verdadei- ro trabalho de registro histórico para a sociedade catarinense, para os nossos historiadores, professores, educadores, empreendedores e, sobretudo, para os nossos conterrâneos vindouros. Diante do volume de trabalho, Evandro trouxe o jornalista e amigo Jonas Felácio para dentro do projeto, e tão logo começaram a coletar os dados e a entrevistar as pessoas que participaram da histó- ria, percebeu-se que havia muito mais elementos conectados entre si do que imaginávamos, e que remetiam a um tempo anterior às mu- danças que visualizávamos, e que se não tivessem acontecido talvez as mudanças todas também não teriam ocorrido, certamente não da forma ou na velocidade como aconteceram. Se acreditamos que nada neste mundo é por acaso, estávamos diante de uma dessas histórias de destino e de propósito de vida, e diante disso víamos com clareza a necessidade do registro histórico e de vida desse personagem. O trabalho então começou... foram meses buscando peças jor- nalísticas, pessoas, documentos históricos, entrevistas, artigos, li- vros, fotografias e tudo o mais que um trabalho dessa envergadura exige dos profissionais. E foi durante a organização do livro que nos 19 convencemos da indissociabilidade da biografia do meu pai com as transformações ocorridas na educação catarinense, e também brasi- leira. Reuniões foram feitas sobre isso e no final aceitamos o inevitá- vel: a sua biografia se confundia com parte da história da educação catarinense, e por isso essa obra tem um viés biográfico no início que se funde com a evolução da educação de Santa Catarina e amplia para regiões remotas do Brasil, promovendo a verdadeira democra- tização da educação. Da mesma forma como uma andorinha só não faz verão, essa história também traz à luz a vida e a contribuição de muitas outras pessoas, lembradas e citadas dentro deste livro. Seria injustiça da nossa parte resguardar tal empenho de tantos, mas o foco desse do- cumento histórico ainda é o meu pai. Certa vez, ainda quando meu pai era reitor da Furb, em uma cerimônia de colação de grau da qual participei, eu o ouvi dizendo em seu discurso final uma frase que ele havia lido em um calendário, e que dizia que o exemplo não era a melhor lição, mas a única lição. Posso dizer que talvez essa tenha sido a lição que ele deixa como legado para todos nós, filhos, amigos e professores. A sua vida como exemplo de dedicação à educação e a sua luta pela expansão do co- nhecimento para todos. Desejo a você uma ótima leitura, e agradeço à família, aos ami- gos, e todos que participaram deste projeto de vida pelo empenho dispendido e por compartilhar dos mesmos valores educacionais. Obrigado a todos. “NÃO BASTA SABER, É PRECISO SABER FAZER.” 23 INTRODUÇÃO Escrever parte da história de José Tafner não foi tarefa fácil. Foi um trabalho árduo e repleto de descobertas, que a cada nova pá- gina mostrava-se mais apaixonante, revelando um ser humano que soube dar materialidade aos seus sonhos e ideias. Logo no início da empreitada, combinamos, eu e o Jonas, que iríamos montar a narrativa do livro a partir de entrevistas com pessoas que participaram da vida do protagonista: esposa, filhos, amigos, edu- cadores. Surgiu uma lista com diversos nomes, e boa parte consegui- mos entrevistar. Porém, em alguns casos, tivemos que declinar, ou por problema de agenda, ou por desencontro, ou falta de tempo. A primeira pessoa entrevistada foi o próprio José Tafner, pro- tagonista do livro. Ele nos recebeu em sua residência na cidade de Blumenau, no dia 24 de junho de 2019. Logo cedo nos encontramos e tivemos um dia dedicado às memórias e histórias contadas com entusiasmo por ele. A cada acontecimento lembrado seus olhos bri- lhavam, revelando uma pessoa apaixonada, que viveu e ainda vive os seus dias de maneira intensa e nem um pouco despropositada. Ao final daquela manhã, saímos a pé e almoçamos em um res- taurante próximo. Com seu estilo de vestir peculiar, nos pagou um almoço e fez questão de brindar, antes da refeição, com um bom gole de schnaps1. Após, retornamos e seguimos a entrevista até o entar- decer. No dia seguinte foi a vez de entrevistar a sua esposa, Verônica Tafner, que, apaixonada, nos relatou as histórias que entrelaçaram o casal em matrimônio, bem como os desafios e projetos de vida, tanto familiares como profissionais. Foi fantástico ter iniciado o trabalho com os relatos de José e Verônica, pois suas histórias abriram cami- nho para a montagem de um enredo que iria facilitar a organização da narrativa do livro. 1 A palavra de origem alemã é usada para se referir a qualquer tipo de aguardente. Popularmente os imigrantes alemães chamavam por schnaps, a bebida que hoje conhecemos por cachaça. 24 Após esses dois dias de entrevistas, reunimos um bom material e começamos a escrever os textos, dando forma aos capítulos que iriam construir a linha do tempo, reunindo passagens da sua infância em Rio dos Cedros, da “querida escola”, do seminário em Ascurra e de São Paulo, das aventuras no Mato Grosso, do retorno a Santa Ca- tarina e do início da sua vida profissional e posterior afirmação como professor e gestor educacional de sucesso. Depois das entrevistas com o casal e com os filhos Malcon e Marlon, montamos o enredo para dar continuidade aos trabalhos. Os familiares se envolveram com a pesquisa e compartilharam de- talhes interessantes2, que criaram a ambientação de uma história que poderia ser enriquecida com os depoimentos de outros per- sonagens. Essas pessoas passaram a contar suas lembranças sobre José Tafner, ampliando o texto e fornecendo à narrativa uma escrita espontânea e exclusiva. Nos meses seguintes realizamos diversas entrevistas com pes- soas que participaram de acontecimentos vividos por Tafner. Elas ti- veram a oportunidade de expressar a sua admiração, como também descrever um pouco do convívio e de como isso transformou as suas vidas. Foi possível constatar a curiosidade de Tafner pelos aspectos 2 O casal José e Verônica, atéesta data, não teve nenhuma perda humana nesta trajetória de 16 pessoas; iniciou recentemente uma nova etapa com a chegada de bisnetos. A primeira, já ensaiando os primeiros passos, é a menina Helena Tafner da Silva, nascida no dia 15 de março de 2021, em Indaial/SC. Acima: Heron Kauê Tafner, Malcon Anderson Tafner, Julianne Fischer, Marlen Cláudia Tafner, Marylin Ítala Tafner, Isabela Luiza Tafner, Marlon Jackson Tafner, Thaysa Andrea Tafner, Matheus Leonardo Tafner. Abaixo: Rafael Iraê Tafner da Silva, Patrícia Helena Fischer Tafner, José Tafner, Verônica Teresinha Machado Tafner, Gabriel Fischer Tafner e Nícolas Eduard Tafner. Acervo: José Tafner 25 diferenciados do cotidiano e a busca por novidades que sempre esti- veram presentes em sua infância. Com menos de 6 anos de idade, acompanhou os trabalhos de um senhor que esteve na propriedade para definir o local onde seria cavado um poço. O pequeno Tafner acompanhou esse homem, que andava pelo terreno com uma vareta de pessegueiro, buscando esco- lher a melhor localização. Tafner ficou admirado quando, ao térmi- no dos trabalhos, aquele homem puxou um balde cheio de água de dentro do poço. Nos momentos em que não estava na escola, auxiliava nos ser- viços da propriedade, cortava lenha, tratava os animais, entre outros afazeres. Quando concluía as atividades na roça, trabalhava então na sapataria do pai, Ermínio, batendo sola e fazendo outros pequenos serviços. O contato com o ofício desenvolvido pelos antepassados e com a escola de aprendizes que funcionava na propriedade da famí- lia Tafner possibilitou que pensasse em novas perspectivas de vida, que iam além dos trabalhos agrícolas. A dedicação ao trabalho é um dos principais marcos da trajetó- ria de vida de José Tafner. Os filhos dos colonos começavam a auxi- liar na lavoura ainda pequenos, precisavam se esforçar bastante para contribuir com o sustento da família. Com apenas 8 anos, Tafner prestava serviços para uma família produtora de milho e de araruta, em períodos de férias escolares. Ainda na infância começou a desenvolver o espírito empreen- dedor e inventivo, que era algo inerente a sua índole. Participava de brincadeiras diferentes e procurava fazer invenções de acordo com as possibilidades do cotidiano interiorano. Não é possível afirmar que significaram a origem de suas ações empreendedoras na fase adulta, mas, com certeza, influenciaram de alguma forma neste sentido. José Tafner é integrante de uma geração de educadores de Rio dos Cedros que vivenciou a formação religiosa e educacional no se- minário. Posteriormente esses profissionais se destacaram na área educacional catarinense e até mesmo em outros estados brasileiros. Após retornar do Mato Grosso e de São Paulo, José Tafner pas- sou a lecionar em unidades educacionais de Blumenau. Naquela épo- ca, vários educadores naturais de Rio dos Cedros, como Joaquim Flo- riani, Valdir Floriani, Leandro Longo, Almerindo Brancher, Lourival Busarello e Olivo Pedron, já trabalhavam em escolas blumenauenses. Na década de 1960, os professores mais benquistos e concei- tuados pela população eram quase todos de Rio dos Cedros. Esses educadores haviam vivenciado a experiência como seminaristas 26 no tempo da juventude. Devido à contribuição de vários educado- res rio-cedrenses para a área educacional catarinense e brasileira, o município de Rio dos Cedros recebeu o título simbólico de Celeiro Cultural do Vale do Itajaí. O nível cultural e intelectual dessa geração realmente foi dife- renciado. Os jovens que optaram por seguir a vida religiosa se des- tacaram nos municípios onde construíram suas trajetórias. Podemos mencionar o exemplo de Victor Vicenzi, pesquisador, escritor e au- tor de livros. Esse padre salesiano marcou seu nome na história da comunidade católica de Rio do Sul porque foi o vigário do período de construção da Catedral São João Batista. A igreja apresenta ca- racterísticas arquitetônicas diferenciadas, sendo uma das mais belas construções religiosas do sul do Brasil. Da mesma forma, houve vi- gários naturais de Rio dos Cedros que coordenaram obras de cons- trução de igrejas católicas, verdadeiros símbolos de religiosidade e identidade cultural das comunidades. Após cursar a formação salesiana e religiosa no seminário, Tafner trabalhou em colégios salesianos nos estados do Mato Grosso e de São Paulo. Desenvolveu um trabalho com a juventude e organizou compe- tições de futebol, com apoio da comunidade de Campo Grande. Chama atenção a sua capacidade de articulação para estabe- lecer novos contatos. Fez amizade com profissionais do Correio Aéreo Nacional e em períodos de férias sobrevoou grande parte do Estado do Mato Grosso, conhecendo rios, pontos geográficos e turísticos de destaque. Também nos períodos de recesso das aulas realizou trabalho voluntário para auxiliar comunidades indígenas. Vivenciou inten- samente este intercâmbio com os índios, presenciando rituais reli- giosos, costumes e tradições. Através das memórias compartilhadas por Tafner, é possível compreender a importância dessa experiência cultural em sua vida. Depois de trabalhar praticamente dois anos no Mato Gros- so, lecionou por um período em colégios salesianos de São Paulo. Tafner não recebia salário, apenas ganhava a alimentação e vesti- mentas. Com certeza esse período de dificuldades é um dos aspectos mais curiosos de sua trajetória profissional, dificilmente imaginado pelas pessoas que associam a imagem de Tafner ao case de sucesso da Uniasselvi e à sua importância no cenário educacional brasileiro. Mas nem tudo foram flores em sua caminhada. Por enfren- tar tantas intempéries longe de casa, optou por retornar para Santa Catarina. Permaneceu por poucos dias em Rio do Cedros, porque logo recebeu convite de professores rio-cedrenses que já lecionavam 27 em escolas de Blumenau. Desta forma iniciou sua trajetória como educador no Vale do Itajaí, na metade da década de 1960. Após trabalhar por alguns anos em colégios de Blumenau e região, ingressou como docente no Ensino Superior. Conforme é possível observar por meio dos depoimentos concedidos pelos en- trevistados para elaboração do conteúdo desse livro, constata-se a importância da trajetória de 25 anos que Tafner construiu na Univer- sidade Regional de Blumenau. Ainda na década de 1970 aventurou-se em busca do saber. Junto com os familiares vivenciou inúmeros desafios financeiros e logísticos para realizar o sonho de cursar o mestrado, em uma épo- ca em que existiam poucos educadores com esse nível de formação acadêmica. Após vencer todos esses sacrifícios retornou para Blu- menau, trazendo na bagagem novos saberes sobre gestão educacio- nal universitária. Posteriormente ocupou por duas oportunidades o cargo de reitor da Furb, entre outras funções administrativas e educacionais relevantes. Transformou a instituição para melhor, ampliando o nú- mero de graduações, sanando os problemas financeiros, evidencian- do a sua capacidade enquanto gestor administrativo e educacional eficiente. Durante as décadas em que atuou em sala de aula, Tafner estabeleceu vínculo com turmas de estudantes que até hoje recordam de sua ética profissional e dedicação como educador. Toda essa experiência de professor e gestor foi colocada à dis- posição da sociedade catarinense no momento que desempenhou a função de secretário estadual de Educação. Alguns anos depois colocou novamente seus conhecimentos em prol da educação ca- tarinense, quando trabalhou como diretor de Ensino Superior de Santa Catarina. Idealizou o Projeto Magister, que representou uma quebra de paradigmas em termos de formação superior para os professores ca- tarinenses. Através desse projeto inovador contribuiu efetivamente para elevar a qualidade do trabalho docente, contemplando assim milhares de estudantes por toda Santa Catarina. Além de se dedicar a projetos coletivos, Tafner não mediu esfor- ços para realizar o sonho de criar suaprópria instituição de ensino. A Associação Educacional Leonardo da Vinci foi concebida da mente para as mãos, inspirada nos ideais renascentistas, do iluminismo e na genialidade de Leonardo da Vinci. A partir dos conhecimentos adquiridos em décadas de estudo e de experiência profissional, idea- lizou princípios filosóficos para nortear a atuação educacional de sua instituição de ensino. 28 Com o passar dos anos, a Asselvi se transformou na Uniassel- vi e o projeto de Tafner obteve reconhecimento nacional. Milhares de brasileiros vivenciaram a oportunidade de cursar uma faculdade através das inovações geradas pela instituição criada por José Tafner. Enquanto a grande maioria das pessoas utiliza a aposentado- ria para relaxar e descansar dos anos trabalhados anteriormente, Tafner continuou produzindo com exigência e determinação, lide- rando sua equipe, comprometido com a comunidade e com tudo que se propunha a fazer. Apesar de todo o conhecimento e experiência na área educacional, permitiu que mais pessoas compartilhassem desse sonho, idealizado “da mente para as mãos”, considerando sua realização de forma coletiva. Da mesma maneira que colocou a mão na massa e ajudou a cons- truir a sua faculdade, caminhando lado a lado com a equipe, anos de- pois dividiu com todos a oportunidade de saborear as vitórias conquis- tadas, mas sempre com humildade e com os pés no chão, sem soberba ou qualquer forma de arrogância, conforme poderá ser constatado nas memórias obtidas pelas entrevistas. O professor Francisco Fronza afir- ma que José Tafner é a personificação da razão prática: “Se Kant escre- veu a Crítica da Razão Pura, o professor Tafner é a personificação da razão prática, aquela ideia de que as coisas devem funcionar”.3 A filosofia salesiana aprendida no período do seminário esteve presente em diversos momentos de sua atuação enquanto docente e gestor educacional. Por não conseguir aceitar a situação de ver alunos interessados em adquirir conhecimentos, mas sem ter sala de aula para estudar, Tafner se envolveu com os problemas educacionais do Estado do Pará. Com ousadia e determinação, idealizou a Faculdade Metropolitana de Marabá. Com o passar dos anos essa instituição se transformou em outro case de sucesso e apresentou efetivamente a sua contribuição para elevar o nível de conhecimento dos estudantes. Após mais de 50 anos de dedicação profissional na área da edu- cação, Tafner fez amizades em diversos estados. Um dos principais legados do professor Tafner para a história da educação brasileira está relacionado a sua preocupação em levar o conhecimento para todos. Enquanto filósofo da educação e educador, dedicou sua vida profissional para oportunizar o acesso das pessoas ao ensino. Este pressuposto de José Tafner representava quase que um propósito de vida, porque acreditava que ao proporcionar a expansão do conhe- cimento do ser humano, este aspecto faria diferença e melhoraria a vida destas pessoas e das comunidades onde estavam inseridas. 3 FRONZA, Francisco. Entrevista concedida a Evandro André de Souza e Jonas Felácio Júnior, em 25 de julho de 2019. 29 Torna-se uma missão quase impossível descrever detalhadamente cada etapa da trajetória de mais de 50 anos que Tafner dedicou à educa- ção. Por essa razão optou-se por apresentar esses momentos importantes de forma sintetizada, dando vida a essa história através dos depoimentos concedidos por familiares e educadores que conviveram com Tafner. Vários fatores elucidam a dimensão quase indescritível do rele- vante trabalho desenvolvido por José Tafner para o Ensino Superior brasileiro. A determinação em realizar plenamente os seus projetos, a busca incansável pelo conhecimento, o amor pelo ato de educar, a coragem para superar inúmeros desafios e a capacidade em acreditar na realização de seus sonhos, são alguns aspectos que poderão ser conhecidos através da leitura dessa obra. José Tafner em solenidade de Outorga Nobre Acadêmico da Câmara Temática de Filosofia, da Academia Latino- Americana de Ciências Humanas, em 30 de abril de 2016, Brasilia/DF “Certo dia, talvez com 7 anos, fiz um anzol com alfinete. O alicate da sapataria do meu pai me possibilitou esse feito. Fui a uma lagoa do nosso vizinho que tirou muita terra para a sua olaria. Com um pedaço de minhoca nesse anzol, peguei uma traíra de 350 gramas, corri ao encontro do meu pai, que me elogiou diante do feito.” José Tafner 31 CAPÍTULO 1 Infância de José Tafner em Rio dos Cedros José Tafner nasceu no dia 21 de dezembro de 1940. Difícil imaginar que o menino nascido no pequeno município de Rio dos Cedros se transformaria em um dos principais personagens da história da educação catarinense e empreendedor reconhecido nacionalmente, por ser pioneiro em diversas atividades do Ensino Superior brasi- leiro. Naquela época, a maioria das famílias obtinha a sobrevivência por meio da agricultura e o lugar ainda era um distrito que pertencia ao município de Timbó. José Tafner é o primeiro filho homem do casal Ermínio Tafner e Clara Mattedi, possuindo descendência italiana paterna e materna. José Tafner teve onze irmãos: Elide (falecida), Realdino, Mário (fa- lecido), Jaime, Evanilde, Mauro, Valdir e Dimas. Uma irmã faleceu ainda na infância e outra no momento do parto. Teve como avós paternos Giovanni Tafner e Rosina Dalpiaz, e como avós maternos Paulo Mattedi e Teresinha Mattedi. O pioneiro Ângelo Marcello Tafner na Colônia Blumenau A família Tafner é originária da localidade de Mattarello, situa- da na Província de Trento. Após a vinda da Itália, Ângelo Marcello Tafner fez a escolha pelo sul do país, instalando-se no ano de 1876 na Colônia Blumenau, situada na região do Vale do Itajaí. Adquiriu o lote colonial número 59, na localidade de Santo Antônio, em Rio dos Cedros. A partir deste momento, tem início a trajetória da família Tafner em Santa Catarina, tendo como patriarca Ângelo Tafner, que é bisavô de José Tafner. A comunidade de Santo Antônio faz divisa com o município de Pomerode. Popularmente ficou conhecida por Matarel, em razão de seus moradores pioneiros serem provenientes da região italiana 32 de Mattarello. Portanto, o nome do lugar foi escolhido como forma de homenagem à terra natal. No caminho dos pomeranos, vindo da direção de Timbó, Santo Antônio é a primeira comunidade dos tiroleses do sul, imigrantes de fala italiana, que hoje são chamados de trentinos. Cabe contextualizar que, atualmente, esses pioneiros são considerados como imigrantes italianos. No entanto, o bisavô de José Tafner não nasceu na Itália, porque naquele período Trento pertencia à Áustria. Somente a partir do ano de 1919, através de uma convenção com participação da Itália, Áustria, Suíça e Fran- ça, as questões de fronteira foram apaziguadas e a região trentina deixou de pertencer ao Império Austríaco, passando a integrar o território italiano. Uma das dificuldades do período da colonização era a questão da comunicação. Não contavam ainda com o telefone e nem se ima- ginava que existiriam os modernos aparelhos tecnológicos da atua- lidade. Os irmãos Tafner procuravam trocar cartas para descobrir onde estavam morando os parentes. José Tafner explica que seu bisa- vô falava o dialeto trentino italiano. Também sabia se comunicar no dialeto mocheno, falado pelos antepassados no Val dei Mocheni, em Trento. Apesar de não ser exatamente o idioma alemão oficial, era um dialeto parecido, que possibilitava a comunicação com descen- dentes alemães.4 Cabe contextualizar que a Colônia Blumenau era constituída, principalmente, por imigrantes alemães, italianos, tiroleses do sul e cidadãos austríacos, que foram colonizando o território do Vale do Itajaí. Por saber falar os dois principais idiomas da colônia, Ân- gelo Tafner se tornou um intérprete do Dr. Hermann Bruno Otto Blumenau. Repassava as informações do diretor da Colônia Blu- menau para os colonos trentinos, que não sabiam se comunicarem alemão.5 É interessante mencionar que as famílias de imigrantes ita- lianos foram instaladas na Pommernstrasse. A Rua dos Pomeranos recebeu este nome em decorrência da colonização inicial realizada por alemães. Estes imigrantes eram provenientes da região de ori- gem germânica chamada por Pomerânia. Os imigrantes pioneiros que vieram da Alemanha para a Colônia Blumenau chegaram pra- ticamente 25 anos antes do início da imigração italiana para terras catarinenses. Com a chegada das famílias italianas, a região rece- beu o nome de Santo Antônio. 4 TAFNER, José. Entrevista concedida a Evandro André de Souza e Jonas Felácio Júnior, em 23 de julho de 2019. 5 Idem. 33 No passado a Pommernstrasse possibilitava a ligação entre Rio dos Cedros, Timbó e Pomerode. José Tafner comenta que devido ao fato de a comunidade de Santo Antônio estar situada geografi- camente na divisa entre Rio dos Cedros e Pomerode, pelo menos três gerações da família Tafner conseguiram manter o bilinguismo dos idiomas alemão e italiano. Esses familiares sabiam falar o dialeto trentino e o platt-deutsch, dialeto alemão falado até os dias atuais em Pomerode. Cabe destacar que este município é reconhecido nacio- nalmente pela continuidade das tradições germânicas, repassadas de geração para geração.6 Ângelo Marcello Tafner casou-se com Ângela Lúcia Perini, filha de Francesco Perini e de Lúcia Girardi, também imigrantes italianos de Mattarello. O casal teve cinco filhos: Guglielmo, Albina Maria Te- resa, Cattarina Melania, José Francisco (que faleceu com apenas sete anos de idade), além de Giovanni Ermínio, avô de José Tafner. Os descendentes de segunda geração da família Tafner foram morar em diferentes comunidades entre Rio dos Cedros e Timbó. O casal pioneiro vivenciou grandes desafios para conseguir criar os filhos. Havia a necessidade de derrubar a mata para organi- zar áreas de produção agrícola. A religiosidade e a fé em viver dias 6 Idem. O pioneiro da família Tafner em Santa Catarina, Ângelo Tafner, com familiares. Acervo José Tafner 34 melhores foram os principais alicerces para a família vencer as difi- culdades iniciais e obter boas condições de vida. Giovanni Tafner casou-se com Rosina Dalpiaz e desta união nasceram os filhos Eugênia, Celestina, Artur, Maria, Angelina e Ermínio, pai de José Tafner. Os avós paternos de Tafner herdaram a casa que pertencia ao casal pioneiro da família em Rio dos Cedros, Ângelo Marcello Tafner e Ângela Perini. Mas as enfermidades afeta- vam as famílias dos imigrantes e colonizadores. Duas irmãs de Ermí- nio morreram jovens, com menos de 30 anos de idade, em função da peste chamada na região por “tifo preto”. Mesmo diante de todos os desafios enfrentados, o esforço do pio- neiro Ângelo Tafner valeu a pena. Na atualidade residem no Vale do Itajaí os seus descendentes de terceira e quarta geração. Esses familia- res contribuíram em diversos segmentos da sociedade, garantindo a continuidade e a trajetória da família Tafner em Santa Catarina. Com o passar dos anos, Ermínio Tafner construiu uma casa na localidade de Encruzilhada. Esta comunidade possuía uma locali- zação estratégica: havia um encruzo que possibilitava a ligação com diversas comunidades interioranas. As pessoas vindas de Timbó pas- savam por esse local e depois conseguiam chegar nas comunidades de São Roque e Santo Antônio, que receberam as primeiras levas de imigrantes italianos. A localidade era ainda chamada de Caminho dos Pomeranos, mas as famílias italianas a nomearam popularmente como “Crosara”. A região de Encruzilhada era considerada a sede de toda a colo- nização. Inclusive, as famílias se uniram e foi construída a capela de Nossa Senhora das Dores, “L’Addolorata” para os italianos. A igreja foi edificada em um morro, conforme era padrão, para que se desta- casse na colônia. Seria um marco referencial, a partir do momento em que a localidade de “Crosara” se transformasse na sede do futuro município de Rio dos Cedros. No entanto, esse planejamento não ocorreu conforme o esperado.7 José Tafner recorda que uma das particularidades históricas mais interessantes de Rio dos Cedros relaciona-se a um litígio que ocorreu entre diferentes correntes migratórias. Os imigrantes que chegaram anos depois do início do processo de colonização do mu- nicípio contavam com maior poder econômico, em relação aos pio- neiros. Desta forma obtiveram influência política na execução de seus projetos coloniais. Lamentavelmente, não respeitaram o que foi construído na comunidade de Encruzilhada, com muito esforço 7 Idem. 35 pelas famílias pioneiras. Deslocaram a igreja e o antigo centro de Rio dos Cedros para outra região.8 Constituíram desta forma outra localidade, onde seria formado o novo centro do município e construída uma nova igreja matriz. Havia uma distância de seis quilômetros entre essas duas comunidades e a situação ficou crítica. O batalhão de Blumenau do Exército brasileiro precisou intervir, para apaziguar os ânimos.9 Nessa época o lugar ainda era conhecido como Distrito de Encruzilhada, pertencendo ao mu- nicípio de Timbó. A área hoje integra o território de Rio dos Cedros. Como tentativa de amenizar o conflito, o Exército fez um sor- teio para definir qual dos dois lugares seria a sede do município. Os colonos do segundo ciclo imigratório venceram e a localidade de En- cruzilhada deixou de ser o centro da colonização de Rio dos Cedros. Da mesma forma, a Igreja Nossa Senhora das Dores perdeu o status de igreja matriz do distrito. Considerável parcela dos imigrantes não acreditou na veracidade do resultado do sorteio. Achavam que havia ocorrido alguma interferência política ou econômica.10 Essa desavença interferiu diretamente no cotidiano dos descen- dentes de alemães que viviam nas proximidades do Caminho dos Pomeranos. A decisão também afetou os imigrantes austro-húnga- ros. Tafner recorda de algumas famílias de origem alemã que viviam na localidade, a exemplo dos Stinger, Stolf, Volk e Campregher. A integração cultural e étnica, que era um dos aspectos diferenciados do processo colonizatório, sofreu uma ruptura de grandes propor- ções. Alguns italianos, revoltados com o resultado final do embate, esconderam o tabernáculo “na mata”. O episódio foi tão marcante que as famílias Stinger e Mondini se mudaram de Rio dos Cedros para Jaraguá do Sul.11 Curiosidades sobre a família Tafner em Rio dos Cedros Após casar-se com Clara Mattedi, Ermínio Tafner construiu uma casa no mesmo terreno onde residiam seus pais. As casas fica- vam separadas por uma pequena distância de 20 metros. José Tafner vivenciou sua primeira infância nessa casa, até os 6 anos de idade. Aproveitou os momentos de convivência com os pais e constante- mente visitava a residência dos avós paternos. 8 Idem. 9 Idem. 10 Idem. 11 Idem, em 1o de maio de 2020. 36 No ano de 1946, a casa da família Tafner foi removida para a localidade de Encruzilhada. Ficou situada a cerca de 700 metros de distância da residência dos avós paternos de José Tafner. A nova morada também ficava próxima dos avós maternos, Paulo Mattedi e Teresinha Mattedi. O terreno comprado por Ermínio contava com aproximadamente quatro hectares.12 Um dos fatos curiosos que recorda relaciona-se ao momento em que um senhor esteve na propriedade para definir o local onde seria cavado um poço. O pequeno Tafner acompanhou este homem, que andava pelo terreno com uma vareta de pessegueiro, buscando 12 Idem. José Tafner com o pai Ermínio Tafner, em frente à casa que foi desmontada e transportada em carroça, de uma distância de 800 metros onde se encontrava inicialmente, por volta de 1945. Tafner acompanhou tanto o desmonte como a montagem da casa, que permaneceu intacta até 1995. Ali viviam 8 irmãos e 2 irmãs, além do seu tio surdo/ mudo e de uma sobrinha adotiva. Acervo José Tafner 37 a melhor localização. Após a definição sobre o lugar ideal, cavou- sea terra para construir um poço com 8 metros de profundidade e 1,3 metro de diâmetro. A finalidade do poço era trazer água para a superfície. É importante mencionar que no tempo da colônia não contavam ainda com rede de abastecimento e água encanada. Com menos de 6 anos de idade, Tafner ficou admirado quando ao término dos trabalhos aquele homem puxou um balde cheio de água de den- tro do poço. Logo após, um pedreiro fez a mureta externa de material e a estrutura de madeira necessária para a instalação do balde e da roldana para retirada da água.13 A família Tafner trabalhava na propriedade rural visando obter o sustento dos familiares. Ermínio realizava as tarefas diárias da co- lônia e contava com auxílio de seus ajudantes. Organizavam lavouras de subsistência e produziam fumo em folha para a empresa Souza Cruz. Após se esforçar na roça durante o dia, trabalhavam ainda no período noturno na sapataria. Este estabelecimento prestava tam- bém serviços de selaria, representando uma forma de obtenção de renda.14 Trabalhava na sapataria principalmente aos sábados à tarde, para pintar e lustrar sapatos. Nos momentos em que não estavam na escola, os filhos de Er- mínio auxiliavam nos serviços da propriedade. Entre as atividades realizadas, cortavam lenha e tratavam os animais. A pastagem da propriedade dos Tafner era pequena, por isso diariamente levavam as vacas para pastar, no começo da tarde, em uma propriedade alu- gada de algum parente ou vizinho. No entardecer traziam as criações de volta. Quando não havia o que fazer na roça, trabalhavam então na sapataria do pai, batendo sola e fazendo outros pequenos serviços. O período da noite era destinado aos deveres da escola. Iluminavam o ambiente com a luz de uma lamparina a óleo.15 O ofício de sapateiro foi uma tradição que a família Tafner trouxe da Europa e que teve continuidade no Brasil. Ângelo sabia consertar sapatos e ensinou essa profissão para seu filho Giovanni, que por sua vez repassou a atividade para Ermínio. Quando preci- sava comprar alicates, couro, sola, tachinhas de madeira, ferramen- tas, qualquer item para os trabalhos da sapataria, ou para o dia a dia da propriedade agrícola, Ermínio viajava até Blumenau. Utiliza- va a bicicleta para ir até Indaial, pedalando por um trajeto de mais de 20 quilômetros. Deixava a bicicleta na estação ferroviária e em- barcava no trem em direção ao centro de Blumenau. Após comprar 13 Idem. 14 Idem. 15 Idem. A mãe de José Tafner, Clara Mattedi Tafner. Acervo José Tafner 39 o que era necessário, retornava para Indaial com a “Maria Fumaça”. Pegava a bicicleta e fazia o percurso de volta para casa. Em diversas ocasiões foi acompanhado pelos aprendizes, que auxiliavam nessa tarefa desafiadora. José Tafner até hoje não consegue entender como o pai e seus ajudantes conseguiam transportar tantas mercadorias de Indaial até Rio dos Cedros usando a bicicleta.16 Escola de aprendizes na propriedade da família Tafner Uma das situações mais interessantes do cotidiano da proprie- dade rural da família Tafner era uma espécie de escola de formação de sapateiros. Esta atividade funcionava nos moldes de uma escola de aprendizes, de uma confraria de ofícios da Idade Média. Geral- mente moravam quatro ou cinco aprendizes do ofício de sapatei- ro com a família Tafner. No primeiro semestre de atividades, esses jovens não recebiam remuneração, mas ganhavam alimentação e moravam no sótão da residência dos Tafner. Após seis meses co- meçavam a realizar serviços mais caprichados, como bater sola, por exemplo. No terceiro semestre do aprendizado passavam a contar com um pequeno rendimento e já podiam usar esses valores para ir ao baile no final de semana.17 Depois de dois anos e meio como aprendiz, o jovem então re- cebia a “liberdade” para poder procurar outro local, para morar e trabalhar. Formalmente não recebia um diploma. No entanto, a ex- periência vivenciada e os conhecimentos adquiridos eram de gran- de importância para as fases seguintes da vida. Depois da saída dos jovens da propriedade da família Tafner, Ermínio acompanhava os aprendizes por determinado período. Em diversas oportunidades os auxiliou, ajudando a escolher um local onde fosse possível iniciar a propriedade agrícola e se dedicar ao ofício de sapateiro.18 Recordações sobre a infância de José Tafner José Tafner é detentor de uma memória privilegiada e tem inúmeras recordações sobre o tempo da primeira infância, até os 6 anos de idade. Comenta que aos domingos, às 9 horas, aguar- dava ansiosamente o seu avô Giovanni, que ao retornar da missa 16 Idem. 17 Idem. 18 Idem. 40 dominical sempre lhe trazia um pacote de 12 a 15 balas, ou uma bala chupeta.19 A partir dos 5 anos, Tafner começou a auxiliar nas atividades da propriedade agrícola. “Muito curioso, certo dia fui até o rancho para ver o corte de trato para as duas vacas que tínhamos. Coloquei o dedo da mão esquerda na engrenagem, ocasionando um ferimento. Logo chamaram o senhor Arduino Dalpiaz, vizinho em frente da nossa casa e meu padrinho de batismo, irmão da mi- nha avó. Fez um curativo com banha de porco, repetido por diver- sos dias e sempre com tiras de pano. Tempos depois fiquei curado e livre desse curativo”, recorda.20 19 Idem. 20 Idem. José Tafner com 8 anos de idade, no período que realizou a Primeira Comunhão. Acervo José Tafner 41 O menino Tafner acompanhou algumas particularidades cultu- rais, que estavam presentes no cotidiano das famílias italianas de Rio dos Cedros. Nas tardes de domingo, em uma casa próxima da pro- priedade do avô Giovanni, reuniam-se alguns casais vizinhos para jogar a víspora. “Eu aproveitava a presença do meu padrinho para pedir alguns centavos, que ele fazia questão de me dar.”21 Cabe expli- car que a víspora era um jogo italiano com cartões numerados, uma diversão que podemos comparar com o bingo da atualidade. Nem todas as recordações são sobre momentos felizes. Algu- mas rememoram episódios de tristeza. “Lembro da saída da casa da nona, o meu falecido avó paterno numa maca, carregado por quatro homens. Havia chovido e a estrada de barro tinha diversas poças de água. Eu andava com meu pai, preso em sua mão e ficava vendo mi- nha avó, debruçada na janela da casa, chorando e pedindo ao avô que retornasse à casa.”22 A avó materna de José Tafner, Teresinha Mattedi, era uma par- teira conhecida em Rio dos Cedros e região. Auxiliou diversas famí- lias italianas e realizou aproximadamente 200 partos. Por uma ironia do destino, não foi possível ajudar a filha Clara, que enfrentava pro- blemas de saúde em períodos de gravidez, especialmente no momen- to de nascimento das crianças. Ficava com a perna inchada e aver- melhada. Recorria aos curandeiros de Rio dos Cedros, como forma de amenizar esse desconforto. Havia duas pessoas que realizavam essa atividade, considerando-se que outras mulheres do município também enfrentavam o mesmo problema. O curandeiro então pe- gava uma navalha bem limpa e fazia pequenos cortes na perna, para que o sangue ruim pudesse escorrer e desta forma aliviar a dor. Os italianos chamavam popularmente essa enfermidade de “rosapila”.23 Em decorrência desse problema de saúde, Clara Tafner sempre precisou ir para o hospital, no momento de nascimento dos filhos. O esposo contava com alguma reserva financeira, obtida através da atividade de sapateiro, viabilizando a busca por recursos médicos. Os partos sempre foram difíceis e alguns anos depois, na ocasião do nascimento do décimo segundo filho, lamentavelmente Clara não re- sistiu e acabou morrendo. O bebê também faleceu, sendo essa uma memória de tristeza para as famílias Tafner e Mattedi.24 As lembranças sobre os elementos da natureza também são marcantes. Próximo à casa da nona Teresinha havia uma figueira 21 Idem. 22 Idem. 23 Idem, em 1o de maio de 2020. 24 Idem. O pai de José Tafner, Ermínio Tafner, em frente à casa da família em Encruzilhada. Acervo José Tafner 43 mateira, “onde nós,como crianças, lançávamos periquitos e derru- bávamos muitos pássaros com o estilingue”. Na propriedade existia uma pequena lagoa, junto a uma fonte de água límpida, debaixo de um bambuzal. “A avó gostava de peixe e lá ela sempre pegava uma traíra de 100 a 200 gramas, que ela chamava de truta.”25 Tafner menciona que o tio Vitório, irmão do seu pai, era surdo- mudo e um ótimo seleiro. “A frente da casa da avó estava sempre cheia de carroças e de cavalos. Esse meu tio tinha numa parte da frente da casa, no lado esquerdo, uma sala onde trabalhava à mão, to- dos os apetrechos para os cavalos, sem o uso de máquinas, ou outros instrumentos, exceto os barbantes com cera de abelha e os pequenos instrumentos fabricados por ele, ou por um ferreiro.”26 Por ser o filho homem mais velho, José foi incumbido da res- ponsabilidade de cuidar dos irmãos mais novos. Após retornar da es- cola, conciliava as tarefas escolares com as atividades da roça e ainda com a responsabilidade de zelar pelas crianças menores. Considera como sua segunda infância o período dos 6 aos 12 anos de idade, onde residiu na casa em Encruzilhada, antes da ida para o seminário. Várias das recordações da infância estão relacionadas com a natureza. O terreno da propriedade era cercado por um pequeno riacho e Tafner e seus familiares aproveitavam para tomar banho e brincar nas águas baixas e calmas. “A pescaria era contínua, usando material que fabricávamos. O jequi era feito de bambu e alguns ami- gos faziam de cipó. Usávamos também o sistema de labirinto, onde o peixe entrava e não conseguia sair. Esse mesmo sistema era usado para pegar pássaros.”27 Cabe explicar que o jequi seria uma espécie de armadilha, para que os peixes entrassem dentro de um cesto de pesca, afunilado e feito com taquaras flexíveis. “A ceva era muito usada nessa etapa da vida, tanto para a pesca como para a caça de aves e de pequenos animais.”28 É interessante men- cionar que a ceva servia como uma forma de isca, especialmente nas pescarias. Vários pescadores utilizam essa prática, porque entendem que a armadilha é uma das melhores maneiras para atrair os cardumes e ampliar o resultado da pescaria. As pescarias faziam parte do cotidiano da família e representavam ótima alternativa para alimentação saudável. Apesar de viver na colônia, a família Tafner comia mais peixe do que carne vermelha. Não contavam com criação de gado para abate, 25 TAFNER, José. Entrevista concedida a Evandro André de Souza e Jonas Felácio Júnior, em 23 de julho de 2019. 26 Idem. 27 Idem. 28 Idem. 44 nem mesmo com criações de suínos. Saboreavam carne uma vez por semana, aos domingos. Outro alimento preparado exclusivamente para o almoço dominical era o arroz, que acompanhava a carne de panela. Geralmente no sábado passava o carroceiro que vendia pe- daços de carne. Nos demais dias da semana comiam polenta acom- panhada de ovo e pão de milho. Criavam galinha para obtenção de ovos, e patos que eram abatidos em datas especiais. Algumas experiências vivenciadas pelo menino José ainda são recordadas com detalhes: “Certo dia, talvez com 7 anos, fiz um anzol com alfinete. O alicate da sapataria do meu pai me possibilitou esse feito. Fui a uma lagoa do nosso vizinho que tirou muita terra para a sua olaria. Com um pedaço de minhoca nesse anzol, peguei uma traíra de 350 gramas, corri ao encontro do meu pai, que me elogiou diante do feito”.29 Um dos desafios do passado relacionava-se ao controle de en- fermidades que afetavam a saúde das crianças. “Eu era muito per- seguido pelos furúnculos. Lembro-me que certo dia, à tarde, sentia muita febre, oriunda dos furúnculos. Estava na pastagem, próxima da casa, e resolvi deitar e descansar na relva. Fui acordado pelo meu pai, à noite, perto das 18 horas.”30 29 Idem. 30 Idem. Irmãos de José Tafner. Da esquerda para a direita na linha superior: Elide, José, Realdino, Mário e Jaime. Da direita para a esquerda na linha inferior: Mauro, Evanilde, Emir, Valdir e Dimas. Acervo José Tafner 45 Nos momentos em que estavam bem saudáveis, as crianças aprontavam inúmeras “artes”. Não havia a tecnologia que existe na atualidade e não tinham a oportunidade de utilizar aparelhos de rádio e televisão. Naquela época Rio dos Cedros não era aten- dida pelas redes de distribuição de energia elétrica. Também não havia acesso a jornais impressos e nem se imaginava a infinidade de divertimentos com recursos eletrônicos que existe hoje. Mesmo assim buscavam alternativas para se divertir, sendo uma das prin- cipais a descida do morro aos domingos. “Quando a grama não estivesse molhada, em função da chuva, tínhamos o trabalho de banhá-la carregando latas de água morro acima. Descíamos depois em cascas de cachos de coco do coqueiro indaiá, ou fabricávamos um carrinho simples com quatro rodinhas, as duas da frente com o eixo preso somente com um fixador ao centro, que servia como volante a ser movido com os pés”, rememora Tafner sobre as aven- turas da infância.31 A dedicação ao trabalho é um dos principais marcos da tra- jetória de vida de José Tafner. Os filhos dos colonos começavam a trabalhar ainda pequenos e precisavam se esforçar bastante para contribuir com o sustento da família – uma realidade totalmente di- ferenciada da sociedade atual, considerando-se as legislações exis- tentes. Com apenas 8 anos de idade, Tafner prestava serviços para uma família produtora de milho e de araruta, em período de férias. “Lembro-me com muita satisfação: saía às 6h30min da manhã e tra- balhava o dia inteiro na colheita da araruta, nas férias escolares, na casa da Frida. Aos poucos veio também o meu irmão Realdino. Eu ganhava 4 cruzeiros por dia e meu irmão Realdino, um ano e meio mais novo, iniciou com 3,5 cruzeiros, porque não tinha ainda 8 anos. Fiz uma reclamação à senhora Frida e fui atendido: o meu irmão passou a receber também os 4 cruzeiros por dia. Passávamos as férias escolares trabalhando.”32 Ainda na infância começou a desenvolver o espírito empreen- dedor e inventivo, que era algo inerente a sua índole. Em determi- nado dia estava pescando e começou a andar pelo riacho, nas ad- jacências do terreno da família, quando encontrou um ovo de pata mais comprido que o normal. Levou para casa e colocou debaixo de uma galinha que estava chocando outros ovos, no sótão do pequeno rancho que tinham atrás da residência. “Visitava todos os dias para ver o que nascia. Certo dia vi o patinho duplo. Fiquei tão surpreso 31 Idem. 32 Idem. 46 que minha primeira ação foi levá-lo a meu pai, para mostrar-lhe a novidade. Ele ficou feliz, me deu os parabéns e me pediu para levar logo ao ninho, para ver se sobrevivia. Fiquei magoado ao verificar no dia seguinte, que o meu patinho estava morto.” Houve alguma falha de formação genética e nasceram dois filhotes em um mesmo corpo, o que ocasionou a morte deles. Tafner se impressiona com a inicia- tiva que teve, com essa curiosidade em ver coisas diferentes, que foi despertada desde os primeiros anos de vida.33 As crianças da colônia não tinham acesso à infinidade de brin- quedos que existem hoje e precisavam usar a criatividade para en- contrar maneiras de se divertir. Sabiam fazer revólver para brincar de bangue-bangue na roça. Pegavam um pedaço de madeira e cortavam com facão, conforme o formato do revólver. Utilizavam carretéis grandes com linha grossa e ajeitavam ao redor. Por último, coloca- vam uma borrachinha de câmara de pneu de bicicleta. Outra invenção era uma arma para matar moscas. Utilizavam um cano de bambu e colocavam um arco em cima. Na frente bota- vam um pauzinho de borracha e quando apertavam saía um pedaço de bambu. Nesta brincadeira procuravam matar as moscas pousadas e o vencedor era quem conseguisse acertar o alvo com maior distân- cia.34 Esses divertimentos eram simples, mas faziam a infância ser diferente e alegre. A busca por inovações e atividades diferenciadas auxiliaram o menino Tafner a se distanciar das coisas comuns.Lembranças do tempo da “querida escola” Dois anos após seus pais realizarem a mudança para a locali- dade de Encruzilhada, José Tafner começou os estudos primários elementares até a 3a série. É importante destacar que na comunida- de de “Crosara” existia uma escola isolada. No entanto, o professor sofria com problemas de alcoolismo e por essa razão não possuía bom prestígio junto às famílias italianas. Devido a essa circunstância, Ermínio Tafner matriculou todos os seus filhos na Escolas Reunidas Irmã Maria Goeldner de Oliveira35, situada na sede do então Distrito de Arrozeira, que naquele período pertencia ao município de Timbó. Posteriormente o lugar obteve a emancipação político-administrati- va, passando a se chamar Arrozeira e depois Rio dos Cedros, a partir da década de 1960. 33 Idem. 34 Idem. 35 Idem, em 1o de maio de 2020. 47 A criança precisava ter completado 7 anos para poder iniciar os estudos. Por completar essa idade no mês de dezembro, José Tafner só conseguiu se matricular no ano seguinte. Por essa razão, iniciou o Primário com 8 anos, em 1948. Naquele tempo o estudante cursava obrigatoriamente o 1o ano A e o 1o ano B. Portanto, frequentava dois anos de alfabetização, para aprender corretamente a ler e escrever. Dia- riamente precisava acordar bem cedo e caminhar quatro quilômetros, junto com os irmãos e irmãs, para chegar até a escola. As aulas ocor- riam de segunda a sábado, sempre no período matutino. A unidade de ensino era uma construção grande para os padrões daquela época, pois contava com dois andares. Funcionava no local onde hoje está situada a igreja católica Nossa Senhora Imaculada Conceição.36 As professoras eram irmãs catequistas provenientes da Con- gregação da Madre Paulina. Lecionavam em diversas escolas públi- cas das localidades de Rio dos Cedros e região. Era destinada uma casa para essas religiosas, e neste local também ocorriam atividades educativas. Os estudantes aprendiam a trabalhar na horta da pro- priedade. As religiosas viviam para o propósito de ensinar. Quan- do havia necessidade, eram transferidas para outras comunidades onde faltavam educadores. 36 Idem, em 23 de julho de 2019. Escola Primária onde José Tafner cursou os quatro primeiros anos de estudos até 1951. A escola era comandada pelas irmãs da Congregação criada pela Santa Paulina. Na foto se vislumbra também, no alto do morro, a Igreja Matriz de Rio dos Cedros, onde Tafner fez a Primeira Comunhão em 1948. Acervo José Tafner 48 Na colônia as crianças se comunicavam no dialeto italiano, mas na escola precisavam aprender o português. Os conteúdos eram repassados na língua portuguesa. Além de alunos de descendência italiana, havia também aqueles que eram de famílias alemãs. Nos primeiros momentos de estudos do Primário, alguns filhos de imi- grantes passavam dificuldades na questão da comunicação. Com nostalgia, Tafner tem uma recordação curiosa sobre esse tempo da escola. Recorda que a Irmã Ana Fachini chamou a atenção de um co- lega de turma, que não estava escrevendo. O menino alemão pegou o lápis e o levantou, gritando “capute, capute”. O lápis estava com a ponta quebrada e aquela criança não sabia como resolver o problema e estava com dificuldades para se comunicar em português e pedir ajuda. Este exemplo ilustra bem a dificuldade dos imigrantes e seus descendentes para se adaptarem a uma cultura totalmente diferente, em relação à pátria de origem.37 Tafner cursou até o terceiro ano Primário na Escolas Reunidas Irmã Maria Goeldner de Oliveira. Destaca que o ensino era forte e que as professoras exigiam bastante dos pequenos alunos. Chega- ram inclusive a realizar atividades que incentivavam o desenvol- vimento de habilidades artísticas. Certa vez a professora Ana pe- diu para os estudantes levarem um passarinho para a sala de aula. Tafner matou com o estilingue um gaturamo e levou para a escola. A educadora encaminhou um trabalho para a turma e começou a empalhar a ave. Retirou o coro do pássaro com uma gilete e em pouco tempo concluiu o empalhamento. Montou uma arvorezinha, colocando o gaturamo em cima de um galho. Solicitou em seguida que os alunos fizessem um desenho desse cenário. Tafner destaca que a atividade era atraente para os alunos, que se interessavam em realizar algo diferenciado.38 “Em relação à escola lembro do Pelotão de Saúde: meninos da vila, com uniformes brancos, eram escolhidos mensalmente para fiscalizar os demais companheiros. Olhavam as orelhas, o nariz, as unhas, as mãos, a sujeira no pescoço e nos pés. Quem não estivesse em ordem era mandado se lavar no riacho que corria ao lado da escola. Havia uma armação de madeira que levava até a água. Outro fato do qual me recordo é o caso do lanche. Levávamos para lanche, muitas vezes durante a semana, polenta com queijo, outros dias a mandio- ca com açúcar semiqueimada. Esses lanches serviam para o escam- bo com o pão francês, ou um pedaço de cuca, ou ainda um pacote 37 Idem. 38 Idem. 49 de balas de 10 unidades; eram balas de coco ou de chocolate – nada a ver nem com coco e nem com chocolate. Algumas vezes chegávamos na escola com tangerinas colhidas durante os 3,5 km que andávamos até a escola. Havia muitos moradores que as cultivavam.”39 Desde os primeiros anos de escola, José Tafner tinha facilidade para desenhar o mapa de Santa Catarina e montar cartolinas mais elaboradas. Gostava de fazer vários desenhos, pois se sentia estimu- lado pela questão artística. Recorda da exposição de desenhos pro- duzidos pelos alunos: “Os pais participavam e levavam o trabalho do filho para casa com a nota expressa no canto do desenho. Recebía- mos cartolina, lápis de cor, borracha e outros materiais necessários ao trabalho”.40 E continua: “Não posso deixar de mencionar os even- tos culturais. Fazíamos passeios e os pais pagavam o ônibus contra- tado. Fomos para Blumenau e também para Camboriú. Na época era um grande passeio para nós, da roça”.41 O terceiro ano Primário era o estudo máximo que existia na escola e para ir além disso era preciso estudar no Seminário em As- curra. As irmãs catequistas realizavam um trabalho religioso intenso, em localidades interioranas de Rio do Cedros, como Rio Usina, Rio Arda, Santo Antônio e São Roque. Periodicamente algum padre vi- sitava as unidades educacionais e fazia a pregação para que os jovens prosseguissem seus estudos no seminário. As professoras indicavam os alunos com melhores notas e perfil de seriedade.42 Quando concluiu a terceira série participou da cerimônia de formatura e ganhou o prêmio de melhor aluno da escola. Recebeu uma caneta-tinteiro como reconhecimento ao seu esforço e dedi- cação enquanto estudante. Antes de ir para o seminário, o jovem Tafner fez a comunhão junto com a irmã Elide. Apesar de ser um ano e meio mais novo do que a irmã e ainda não ter cursado a quarta série, foi permitido que participasse da celebração religiosa católica. Cabe mencionar que na época da escola também acompa- nhava as aulas de Religião. Aos sábados também frequentava um curso, onde recebia as instruções religiosas preparatórias para fazer a Primeira Comunhão. A doutrina era administrada no oratório Dom Bosco. Em razão do carinho que tem ao se lembrar deste tem- po, cita a Escolas Reunidas Irmã Maria Goeldner de Oliveira como a “querida escola”. 39 Idem, em 1o de maio de 2020. 40 Idem. 41 Idem. 42 Idem. 50 Recordações pitorescas da época da escola Além das lembranças sobre os conhecimentos obtidos no tem- po da escola, que possibilitaram a sua ida para o seminário, Tafner também tem recordações sobre aspectos pitorescos, de várias “artes” aprontadas pelos jovens daquela época. “No porão do bar da esquina, que era também pousada, os jo- vens da região central montaram uma área para jogos: lançamento de dardo ao disco, um pequeno palco para o teatro feito pelo filho do João, que quando fazia alguma desordem ficava preso debaixo do barril de cachaça. Lembro de alguns
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