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Armas de Fogo Registro e Rastreamento 2 PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA MINISTÉRIO DA JUSTIÇA E SEGURANÇA PÚBLICA SECRETARIA DE GESTÃO E ENSINO EM SEGURANÇA PÚBLICA DIRETORIA DE ENSINO E PESQUISA COORDENAÇÃO GERAL DE ENSINO COORDENAÇÃO DE ENSINO A DISTÂNCIA Reformulador João Bosco Silvino Júnior Revisão Pedagógica Ardmon Dos Santos Barbosa Márcio Raphael Nascimento Maia SETOR DE CRIAÇÃO E DESENVOLVIMENTO Programação e Edição Ozandia Castilho Martins Fagner Fernandes Douetts Renato Antunes dos Santos Designer Ozandia Castilho Martins Fagner Fernandes Douetts Designer Instrucional Anne Caroline Bogarin Manzolli Wagner Henrique Varela da Silva 3 Sumário Apresentação do Curso ............................................................................................ 7 Objetivo do Curso ..................................................................................................... 7 Estrutura do curso .................................................................................................... 7 MÓDULO 1 – CLASSIFICAÇÃO GERAL DAS ARMAS DE FOGO .......................... 8 Apresentação do módulo ......................................................................................... 8 Objetivos do módulo ................................................................................................ 9 Estrutura do módulo ................................................................................................ 9 Aula 1 – História das armas de fogo ...................................................................... 10 1.1 - Introdução – a história ANTES das armas de fogo ........................................ 10 1.2 - As primeiras armas de fogo ........................................................................... 12 1.3 - A evolução dos sistemas de iniciação – matchlocks, weellocks e flintlocks .. 14 1.4 - A consolidação da iniciação por percussão ................................................... 17 1.5 - A evolução continua ...................................................................................... 22 Aula 2 - Classificação geral das armas de fogo ................................................... 24 2.1 Classificação quanto à alma do cano .............................................................. 27 2.2 Classificação quanto ao sistema de municiamento ......................................... 29 2.3 Classificação quanto ao sistema de inflamação .............................................. 33 2.4 Classificação quanto ao sistema de funcionamento ........................................ 36 Armas de repetição não automática ................................................................... 38 Armas de repetição semiautomática .................................................................. 42 Armas de repetição automáticas ........................................................................ 47 Ação de armas de fogo de repetição ................................................................. 49 2.5 Classificação quanto à mobilidade e uso ......................................................... 50 Aula 3 – Classificações específicas das armas de fogo ...................................... 53 3.1 Garruchas ........................................................................................................ 53 4 3.2 Revólver ........................................................................................................... 54 3.3 Pistola .............................................................................................................. 58 3.4 Espingarda ....................................................................................................... 60 3.5 Fuzil ................................................................................................................. 65 3.6 Carabina .......................................................................................................... 68 3.7 Metralhadora .................................................................................................... 70 3.8 Submetralhadora ............................................................................................. 73 3.9 Rifle.................................................................................................................. 74 3.10 Mosquetão ..................................................................................................... 74 Finalizando... ............................................................................................................ 77 MÓDULO 2 – REGISTRO DE ARMAS DE FOGO NO BRASIL ............................... 78 Apresentação do Módulo ....................................................................................... 78 Objetivos do Módulo .............................................................................................. 78 Estrutura do Módulo .............................................................................................. 79 Aula 1 – Numeração de Série em Armas de Fogo ................................................ 80 1.1 Gravação do número de série ......................................................................... 81 1.2 Composição do número de série ..................................................................... 82 Indústria Taurus S.A........................................................................................... 83 Indústria Beretta ................................................................................................. 89 Amadeo Rossi .................................................................................................... 89 Companhia Brasileira de Cartuchos (CBC) ........................................................ 90 Boito, Era, Gaúcha da Indústria E. R. Amantino & Cia Ltda ............................... 91 Indústria de Material Bélico do Brasil (IMBEL) ................................................... 91 1.3 Locais de gravação dos números de série ...................................................... 92 Aula 2 – Alterações e supressões de números de série em armas de fogo .... 104 2.1 Um pouco mais sobre a gravação de números de série em armas de fogo .. 104 5 2.2 Meios de alteração da numeração de série de armas de fogo ...................... 105 2.3 Métodos de recuperação da numeração de série .......................................... 109 Aula 3 – Outras marcações em armas de fogo .................................................... 117 3.1 Marcações obrigatórias .................................................................................. 117 3.2 Número de Montagem ................................................................................... 118 3.3 Marcas de Prova ............................................................................................ 118 3.4 Marcações Institucionais ................................................................................ 120 Finalizando o módulo: .......................................................................................... 122 MÓDULO 3 - RASTREAMENTO DE ARMAS E MUNIÇÕES ................................ 123 Apresentação ....................................................................................................... 123 Objetivos do Módulo ............................................................................................ 124 Estrutura do Módulo ............................................................................................ 125 Aula 1 – Registro de armas de fogo no Brasil .................................................... 126 1.1 O Sistema Nacional de Armas – SINARM ..................................................... 126 1.2 O Sistema de Gerenciamento Militar de Armas – SIGMA ............................. 132 1.3 O BancoNacional de Perfis Balísticos........................................................... 135 Aula 2 - Rastreamento de armas de fogo e munições no Brasil ....................... 137 2.1 SINARM ......................................................................................................... 137 2.2 INFOSEG ....................................................................................................... 150 2.3 SIGMA ........................................................................................................... 155 2.4 Rastreamento de munições ........................................................................... 160 Aula 3 - Rastreamento internacional de armas de fogo ..................................... 161 3.1 INTERPOL Illicit Arms Records and tracing Management System (iARMS) . 165 3.2 INTERPOL Firearms Reference Table (IFRT) ............................................... 166 3.3 INTERPOL Ballistic Information Network (IBIN) ............................................ 167 6 3.4 Sistema eTrace do Bureau de Álcool, Tabaco, Armas de Fogo e Explosivos (ATF) dos Estados Unidos ................................................................................... 168 Aula 4 - Fatores que dificultam o rastreamento de armas de fogo no Brasil... 169 Grande extensão territorial ............................................................................... 170 Falta de uniformização de procedimentos e integração dos bancos de dados das forças de segurança ......................................................................................... 172 Falta de investimento nas unidades periciais e de polícia judiciária ................ 176 Utilização de dados incompletos ou inconsistentes das armas nas consultas ou pedidos de rastreamento (armas não periciadas) ............................................ 178 Finalizando o módulo: .......................................................................................... 180 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ....................................................................... 182 7 Apresentação do Curso Seja bem-vindo(a) ao curso Armas de Fogo – Registro e Rastreamento. Buscando dar profundidade na temática Armas de Fogo, a Diretoria de Ensino e Pesquisa da Secretaria de Gestão e Ensino em Segurança Pública do Ministério da Justiça e Segurança Pública oferta o curso Armas de Fogo – Registro e Rastreamento, com técnicas de identificação, classificação, registro e rastreamento de armas de fogo e munições no Brasil e no mundo. Objetivo do Curso O objetivo do curso é capacitar profissionais de segurança pública, no tocante a origem, histórico, registro e rastreamento das armas de fogo, o curso foi pensado e realizado para todos os profissionais do Sistema Único de Segurança Pública – Susp, está dividido em 03 módulos e conta além das nuances elencadas acima, com uma legislação atualizada da temática: Armas de Fogo no Brasil. Estrutura do curso Este curso contempla os seguintes módulos: Módulo 01 - Classificação de Armas de Fogo; Módulo 02 - Registro de Armas de Fogo no Brasil; Módulo 03 - Rastreamento de Armas e Munições. Assim, desejamos a todos bons estudos e um ótimo curso. 8 MÓDULO 1 – CLASSIFICAÇÃO GERAL DAS ARMAS DE FOGO Apresentação do módulo As armas de fogo são empregadas há séculos pela humanidade e evoluíram ao longo desse tempo, assumindo diversos formatos, características, modos de funcionamento e peculiaridades para que alcancem as mais diversas finalidades, tais como ataque, defesa, caça, esporte ou lazer. De maneira inevitável, as armas foram e são empregadas, também, no cometimento de crimes, resultando na necessidade da correta identificação dessas armas e suas características, tanto para a investigação criminal quanto para as análises e pesquisas que auxiliam na definição de políticas públicas voltadas para a redução da circulação de armas ilegais. Em virtude da variedade de características e finalidades, faz-se necessário estabelecer um critério claro e objetivo de classificação de armas de fogo. Na verdade, tal critério já existe e foi inicialmente proposto no Brasil em 1966 pelo Professor Eraldo Rabello (RABELLO, 1966). Neste módulo estudaremos o critério empregado no Brasil atualmente, porém antes, para contextualizar o aluno, será feito um apanhado da história das armas e das armas de fogo, que se confunde com a história da balística e, por que não, com a história da humanidade, uma vez que as armas acompanham os homens desde os primórdios. Alguns dos critérios de classificação são bastante simples e não deixam muitas dúvidas. Outros provocam discussões ferrenhas entre os entusiastas e estudiosos do tema. Neste curso não pretendemos estabelecer que uma corrente esteja certa e a outra errada, mas sim esclarecer qual é o critério legalmente adotado e que serve como base legal para todos os assuntos relacionados às armas de fogo. 9 Objetivos do módulo Ao final do estudo desse módulo, você será́ capaz de: • Definir balística, balística forense e arma de fogo; • Conhecer a história das armas de fogo e sua evolução; • Diferenciar as características que permitem a classificação das armas de fogo em seus mais diversos aspectos. Estrutura do módulo Esse módulo contempla as seguintes aulas: Aula 1 – História das armas de fogo Aula 2 – Classificação geral das armas de fogo Aula 3 – Classificação específica das armas de fogo 10 Aula 1 – História das armas de fogo 1.1 - Introdução – a história ANTES das armas de fogo Desde o início da sua evolução, a humanidade desenvolveu instrumentos para facilitar as suas atividades. Antes da agricultura e domesticação de animais, a caça era o principal método utilizado na obtenção de alimentos de origem animal. A anatomia e capacidade física dos seres humanos limitava as possibilidades de caça, seja pela maior velocidade da presa, seja pela sua maior força física. O anseio por conseguir presas maiores ou mais rápidas despertou a necessidade de ferramentas para aumentar as chances de sucesso nas caçadas, resultando no desenvolvimento das primeiras armas que consistiam basicamente de pedaços de madeira, ossos e pedras, os quais possibilitavam abater animais de maiores proporções. Tais ferramentas objetivavam melhorar alguma habilidade humana, qual seja a força, velocidade ou alcance, aumentando consequentemente a sua capacidade de ataque ou defesa. Ao longo do processo evolutivo, mais armas foram desenvolvidas, visando abater animais cada vez maiores e em maiores distâncias, resultando na invenção de lanças, arcos e flechas. Não só a caça foi modificada pelo desenvolvimento das armas, mas também a “solução” de conflitos. Antes dependentes unicamente da força física e habilidade corporal, os embates entre seres humanos também foram influenciados pelo desenvolvimento das armas. Passou a vencer não necessariamente o mais forte ou o mais ágil e sim o que tinha a arma mais eficiente. A partir das armas menores e mais leves, de uso individual, tais como arcos e fundas, surgiram armas de fogo maiores e mais complexas, de grandes proporções, cuja operação não dependia mais de uma 11 única pessoa, mas sim de dois ou mais indivíduos, tais como as catapultas (Figura 1), balistas e trebuchets (Figura 2), sendo denominadas armas coletivas. Figura 1: Catapulta, uma das primeiras grandes armas medievais destinadas à guerra Fonte: RABELLO,1966. Figura 2: Trebuchet, arma medieval destinada à guerra, que permitia o arremesso de enormes petardos a grandes distâncias. Fonte: (MEDIEVAL, 2020). 12 1.2 - As primeiras armas de fogo Na busca por armas mais eficientes, o desenvolvimento da pólvora negra foi o grande divisor de águas. Veja o que ensina o Mestre EraldoRabello acerca do desenvolvimento da pólvora negra: “A invenção da pólvora, atribuída já ao alemão Bertoldo Schwars, em 1320, já ao inglês Rogério Bacon, anteriormente, mas, na realidade, com a data do seu primeiro aparecimento perdida completamente nos arcanos da antiguidade, porquanto admitido é que os chineses desde tempos imemoriais a conheciam, foi condição fundamental para a invenção das armas de fogo” (RABELLO, 1996). A invenção da pólvora possibilitou um salto no desenvolvimento das armas, que passaram a utilizar a força expansiva produzida quando da queima dos gases para propelir projéteis através de um cano. Nasciam então as primeiras armas de fogo. As primeiras armas de fogo constituíam-se basicamente de um cano de metal perfurado ao centro e longitudinalmente, dotado de uma câmara de explosão que continha a pólvora e, como projéteis, utilizavam esferas de metal. A pólvora era acesa por meio de uma mecha ou uma brasa. Essas armas eram grandes, pesadas e com a precisão de algumas dezenas de metros, devido à superfície interna do cano (alma) ser lisa e os projéteis irregulares, apesar de aproximadamente esféricos. (CUNHA NETO, 2020) informa que a mais antiga arma de fogo que se tem notícia data de 1288, encontrada recentemente em um sítio arqueológico no distrito de Acheng, na China. Segundo COSTA E SILVA (2019) apud CUNHA NETO (2020), há relatos da utilização de canhões rudimentares no cerco de Ronda em 1305 e na Batalha de Metz por volta de 1324. 13 Figura 3: Primeiras armas de fogo desenvolvidas pelo homem. Note que eram armas bastante rudimentares e sem grandes artifícios mecânicos Fonte: (Grande Enciclopédia de Armas de Fogo, 1988). SAIBA MAIS! Apesar da invenção da pólvora ter sido historicamente atribuída ao alemão Bertoldo Schwartz, os chineses já a utilizavam há muito tempo, sob a forma de fogos de artifício para as comemorações públicas. Há relatos também de emprego da pólvora com finalidades militares na China e na Rússia, na forma de flechas incendiárias, as quais estariam munidas de cargas propelentes e eram disparadas mediante o uso de arco ou balista, combinando, assim, as propriedades da flecha e as do foguete, já em meados do século X (RABELLO, 1996). Eram armas de fogo grandes e pesadas, sendo transportadas em carroças e operadas por mais de um operador, para conseguir propelir projéteis fortes e resistentes o bastante para romper muralhas que, à época, tiveram que ser repensadas para resistir à nova invenção, alterando até mesmo o formato das edificações para um formato estrelado, com muros em posição oblíqua em relação aos pontos de ataque, visando minimizar os danos produzidos pelos petardos. 14 1.3 - A evolução dos sistemas de iniciação – matchlocks, weellocks e flintlocks Seguindo o caminho contrário dos arcos e fundas, as armas de fogo se desenvolveram a partir dessas grandes armas de emprego coletivo para armas menores e de emprego individual, graças ao desenvolvimento das técnicas de metalurgia. Essas primeiras armas portáteis ainda utilizavam uma chama ou a brasa de um estopim para iniciação da carga explosiva, denominadas armas de mecha ou, do inglês, matchlock. Figura 4: Arma com iniciação por mecha Fonte: Grande Enciclopédia de Armas de Fogo, 1988. A figura 4 mostra uma arma com iniciação por mecha, ou matchlock cuja mecha (seta) neste caso, era um cordão com a ponta em brasa (estopim). Note a evolução do mecanismo, que já contava com uma espécie de gatilho rudimentar. Tal método reduzia as possibilidades de uso das armas de fogo portáteis, uma vez que era necessário se manter essa chama ou brasa acesas para o pronto 15 emprego da arma, tarefa muito dificultada em ambientes úmidos ou dias chuvosos. Para tentar dar maior sobrevida à chama, os estopins eram banhados com nitrato de potássio. Outro elemento desfavorável era o fato da brasa acesa, denunciar a posição da tropa, sendo uma desvantagem em combate (CUNHA NETO, 2020). Já no século XVI foi desenvolvido um novo sistema de iniciação que utilizava o princípio da piroforicidade para produzir uma centelha para inflamação da carga de pólvora alojada em uma pré-câmara. Tal carga de pólvora com esse objetivo é denominada “escorva”. Nasciam assim as primeiras armas com sistema de iniciação por atrito, do inglês, weellocks, cujo mecanismo era denominado “fecho de roda”. As centelhas eram obtidas através do atrito da pedra com as estrias na borda de um disco de metal, de maneira muito semelhante aos isqueiros modernos. Muitas delas eram fabricadas por relojoeiros, em virtude da complexidade das peças que as compunham. Segundo (CUNHA NETO, 2020), alguns estudiosos atribuem ao próprio Leonardo da Vinci a invenção deste mecanismo. Figura 5: Sistema de iniciação por fecho de roda Fonte: Grande Enciclopédia de Armas de Fogo, 1988. 16 A figura 5 mostra o Sistema de iniciação por fecho de roda. A alavanca (seta) era utilizada para armar o mecanismo, que era liberado pelo gatilho, já bastante desenvolvido e similar aos utilizados atualmente. As armas com sistema de iniciação por fecho de roda perduraram até o final do século XVI, entretanto, apesar da engenhosidade do mecanismo, não foram muito disseminadas em virtude do elevado custo de produção, convivendo com as matchloks pelo menor custo e maior facilidade dessas últimas. Com um processo de funcionamento e fabricação mais simples, foram introduzidas as armas dotadas de fecho de miquelete, que consistia em uma chapa basculante de metal e um braço com uma presilha dotada da pedra ígnea e tensionado por mola. Quando o gatilho era pressionado, a mola forçava o braço em movimento girar para a frente de maneira que a pedra colocada na presilha era atritada na chapa basculante de metal, produzindo as centelhas e ao mesmo tempo deslocando a referida chapa para a frente, descobrindo a pólvora localizada na escorva e permitindo a sua inflamação pelas centelhas. Foram chamadas de “armas de pederneira”, pela semelhança de funcionamento com o instrumento homônimo utilizado para acender fogueiras. No inglês receberam o nome de flintlocks, tendo sido desenvolvidas inicialmente pelo armeiro francês Marin Le Burgeoys (CUNHA NETO, 2020). Figura 6: Pistola dotada de iniciação por fecho de miquelete (seta) Fonte: Grande Enciclopédia de Armas de Fogo, 1988. 17 A título de curiosidade, esses não foram os únicos sistemas criados e sim os mais usuais. Eraldo Rabello comenta sobre o sistema desenvolvido pelo Maj. Patrick Ferguson, militar inglês, que inventou um sistema de funcionamento pela culatra (retrocarga, como veremos a seguir) que foi aceito no Arsenal de Woolrich. Nesse sistema, o projétil, que tinha diâmetro ligeiramente superior ao do cano, era inserido por um orifício na parte posterior da arma e introduzido na câmara por meio do giro de uma alavanca na parte inferior da arma. Apesar da franca evolução frente às primeiras armas portáteis, todos os mecanismos já mencionados apresentavam alguns problemas em comum: • Sensibilidade a operação em ambientes úmidos e dias chuvosos; • Elevado nível de falhas; • Processo lento de recarga; • Necessidade de manter uma brasa acesa, no caso das matchlocks; • Complexidade do mecanismo, no caso das wheellocks. Esses problemas ocasionavam a necessidade de uma alternativa de combate, caso o inimigo se aproximasse demais. Essa necessidade foi parcialmente resolvida com o emprego da baioneta, que permitia o combate aproximado contra o inimigo. Destaca-se que mesmo com a evolução das armas de fogo até os dias de hoje, as baionetas resistiram e muitas armas modernas ainda contam com esse recurso, como o renomado fuzil AK-47 ou mesmo os fuzis nacionais IA2, produzidos pela IMBEL (Indústria de Material Bélico). 1.4 - A consolidaçãoda iniciação por percussão No início do século XIX, a continuidade do desenvolvimento dos sistemas de iniciação levou ao aparecimento das primeiras espoletas de percussão, criadas pelo 18 Reverendo Alexander John Forsyth, denominadas percussionlocks. Empregavam uma pequena cápsula aberta de cobre ou latão, preenchida ao fundo com uma mistura sensível ao impacto. Inicialmente utilizavam como principal ingrediente o fulminato de mercúrio, abandonado posteriormente por ser extremamente venenoso/tóxico, além de ser extremamente sensível à umidade, sendo então substituído pelo estifnato de chumbo. As primeiras armas com sistema de iniciação por percussão utilizavam a espoleta extrínseca (externa) à câmara. Diversas armas que utilizavam fecho de miquelete foram adaptadas para utilizarem a nova espoleta, porém mantendo o mesmo sistema de alimentação. Figura 7: Arma dotada de sistema de iniciação por percussão extrínseca (seta) Fonte: Acervo do conteudista. O passo seguinte foi trazer a espoleta para o corpo do estojo, facilitando sobremaneira a alimentação da arma. As primeiras armas a utilizar este sistema foram desenvolvidas na França por Casimir Lefaucheux em 1836 (TOCCHETTO, 2018). O cartucho por ele desenvolvido levou para dentro do estojo a espoleta e o percussor, simplificando o processo de remuniciamento da arma. 19 Figura 8: Arma e cartuchos do tipo Lefaucheux. A seta aponta o orifício por onde aflorava o pino de percussão que continha o cartucho Fonte: Grande Enciclopédia de Armas de Fogo, 1988. Apesar do grande desenvolvimento promovido por Lefaucheux, as armas de fogo ainda poderiam ser mais aprimoradas. A presença do pino de percussão integrado ao cartucho facilitava a ocorrência de tiros acidentais. As armas seguintes já utilizavam um percussor destinado a atingir a espoleta integrada ao cartucho. A consolidação do sistema de iniciação por percussão se deu com a integração entre o estojo metálico e a espoleta. Essa integração ocorreu inicialmente com o projeto de Louis Floubert em 1945 (PAMELA M, 2019), que empregou um estojo de latão com carga iniciadora de fulminato de mercúrio, que era acomodada na borda inferior do estojo que, ao ser amassada, gerava a iniciação da carga. Este cartucho não possuía carga de projeção adicional, sendo os gases da propulsão gerados integralmente pela queima da carga iniciadora. Essas armas eram destinadas a competições de tiro em ambientes internos e empregavam projéteis com diâmetro de 6 a 9 milímetros. Eram também empregadas por jardineiros para exterminar pragas, principalmente com cargas de projéteis múltiplos. 20 Figura 9: Mostra uma foto de cartucho Flobert Fonte: Acervo do autor. A ausência de pólvora limitava muito a velocidade dos projéteis, entretanto a ideia foi aproveitada no desenvolvimento do que hoje são os cartuchos de fogo circular, sendo o mais célebre deles o de calibre .22 LR, que ainda hoje é muito empregado. Outro calibre que vem sendo cada vez mais empregado é o .17HMR, apesar de ser munição de fogo circular. Figura 10: Mostra um cartucho de calibre .17 HMR (à direita) e um cartucho de calibre .22 LR (à esquerda) lado a lado Fonte: do conteudista. 21 Apesar de significar uma grande evolução, pois permitiu a inserção do cartucho na câmara de maneira mais simples, sem depender de uma posição específica, os cartuchos de fogo circular ainda não resolviam todos os problemas por apresentarem um elevado número de falhas. O problema só foi resolvido com o desenvolvimento dos cartuchos de fogo central, que apresentavam a cápsula de espoletamento (espoleta) no centro do culote, concentrando toda a mistura iniciadora em um ponto menor. O espaço destinado ao acondicionamento da espoleta, denominado “bolso”, destina a apoiá-la para que ela não afunde quando da percussão. Outro ponto importante a ser observado é que o funcionamento da espoleta dependia da compressão da mistura iniciadora para gerar atrito entre os cristais que a formavam e, consequentemente, a sua iniciação. De um lado, a face externa da espoleta era atingida pelo percussor, deformando-se em direção a uma protuberância (bigorna) que gerava a compressão necessária ao funcionamento. Sugiram, assim, três tipos de espoletas de fogo central: Berdan, Boxer e Bateria. A diferença entre os três é tão somente a arquitetura empregada: BERDAN Nos estojos Berdan, a bigorna era localizada no corpo do estojo, sendo a comunicação feita com a pólvora através de dois furos, denominados eventos, que ladeavam a bigorna. BOXER Nos estojos boxer, a bigorna era parte constituinte da própria espoleta e a comunicação com a pólvora era feita por meio de um único evento. BATERIA As espoletas do tipo bateria, diferenciam-se das demais por serem totalmente independentes do estojo, possuindo o seu próprio bolso, apoiando-se tão somente na borda do orifício do estojo, destinado a acomodá-la. Isso permite que elas sejam empregadas até mesmo em estojos feitos totalmente de plástico. 22 As espoletas do tipo Berdan foram muito empregadas antigamente, porém atualmente o mais comum é a utilização das espoletas do tipo boxer, nos cartuchos de armas de fogo de alma raiada, e bateria, nos cartuchos de armas de fogo de alma lisa. Isso se deve, dentre outros motivos, à maior facilidade de produção e recarga desses tipos de munições. 1.5 - A evolução continua Engana-se quem pensa que a evolução das armas de fogo chegou ao seu ápice! Mesmo após o surgimento e consolidação do cartucho de fogo central, o homem ainda tenta conseguir melhorias no funcionamento das armas. Uma das tentativas mais curiosas de inovação é o desenvolvimento das munições sem estojo! É isso mesmo! Munições que não mais empregam o cartucho metálico! SAIBA MAIS! As tentativas de desenvolvimento de armas e munições sem estojo não são recentes. Mesmo no Brasil. Na década de 60 do século passado, na cidade de Lorena/SP, foram feitas tentativas de desenvolvimento de munições sem estojo, que empregavam carga propelente de pólvora prensada, que se fixava ao projétil por meio de um pino em sua base. A iniciação era feita por meio de centelha elétrica. Até mesmo a grande fabricante alemã Hecker & Kock se aventurou no desenvolvimento de munições sem estojo, culminando na criação do fuzil HK G11, no 23 calibre 4,73x33 mm DM1. Apesar de apresentar avanços significativos e uma impressionante cadência de tiro, que alcançava a impressionante marca de 2100 tiros por minuto, a arma foi descontinuada devido ao fim da guerra fria e a unificação da Alemanha implicaram em cortes nos orçamentos de defesa, fator que associado à grande disponibilidade de armas curtas a preços baratos, acabou por impedir a continuidade do projeto (MIZOKAMI, 2020). Figura 11: Fuzil H&K G11, desenvolvido para empregar munição sem estojo Fonte: MIZOKAMI, 2020. Como foi possível ver nesta aula, a história das armas de fogo e munições dependeu da inventividade humana associada à necessidade de melhorias de desempenho na utilização delas. Na próxima aula você verá que a classificação das armas de fogo surgiu justamente em função da evolução delas. 24 Aula 2 - Classificação geral das armas de fogo Na aula anterior vimos os aspectos relacionados à história das armas de fogo, demonstrando a grande variabilidade de sistemas e mecanismos existentes. Nesta aula trataremos sobre a classificação das armas segundo alguns critérios estabelecidos para que seja possível diferenciar suas características. Você vai perceber que essa classificação está intimamente ligada à evolução das armas, facilitando o seu entendimento. No trabalho policial cotidiano, a identificação e classificação de armas de fogo são de extrema importância. Os critérios de classificação das armasde fogo são estabelecidos de acordo com as finalidades em que elas serão empregadas. Desta forma, diversos são os autores que procuram definir uma classificação abrangente e ao mesmo tempo particular e objetivo para todas as armas de fogo. Assim, apesar da grande convergência entre a maioria dos métodos de classificação, algumas diferenças particulares são observadas, porém sem trazer grandes prejuízos à compreensão dos conceitos que diferenciam as armas de fogo. O primeiro critério de classificação de armas de fogo documentado no Brasil foi o proposto pelo Professor Eraldo Rabello, em 1.966 (RABELLO, 1966). No critério proposto pelo Mestre Rabello, as armas seriam classificadas segundo as seguintes características: 25 Figura 12: Critérios de classificação da arma de fogo Fonte: SCD/EaD/Segen. Segundo o autor, tal classificação se fundamentou nos cinco primordiais aspectos a serem considerados nos exames periciais em armas de fogo. O critério proposto apresentava subdivisões de acordo com as variações de cada aspecto, como é possível ver no esquema mostrado na Figura 13. 26 Figura 13: Critério de classificação geral de armas de fogo proposto por Eraldo Rabelo Fonte: do conteudista; SCD/EaD/Segen. Embora seja um excelente critério, você perceberá no módulo seguinte que alguns critérios técnicos empregados por Rabello são diferentes dos critérios legais em vigor. Tais diferenças, embora existentes, não invalidam o sistema de classificação proposto por Eraldo Rabello. São apenas reflexos da evolução (ou não, muitas vezes) dos conceitos relacionados às armas de fogo. A seguir será feito o detalhamento de cada um dos critérios de classificação. 27 2.1 Classificação quanto à alma do cano As armas de fogo podem ser divididas quanto à característica da superfície interna do cano, chamada de “alma do cano”. Sob este prisma, temos as armas com cano de alma lisa e as armas com cano de alma raiada. Vamos estudar um pouco sobre cada uma delas, confira: Alma lisa As armas de alma lisa não apresentam nenhum relevo ou saliência no interior do cano, razão pela qual são ditas de alma lisa. Pode-se citar como exemplos dessas armas os primeiros canhões, mosquetões e a grande maioria das armas de rudimentares, bem como as espingardas, que serão detalhadas posteriormente. Almo raiada Já as armas com cano de alma raiada apresentam saliências ou quinas no interior do cano, com o objetivo de imprimir ao projétil um sentido de giro, seja para a direita, seja para a esquerda, visando conferir-lhe maior estabilidade. O efeito giroscópico equilibra as interferências produzidas pelos diferentes atritos da superfície do projétil em um ângulo de 360º, compensando os pequenos desvios de trajetória. Figura 14: Diferença entre o cano de alma lisa e o de alma raiada Fonte: do conteudista. 28 As armas com cano de alma raiada podem ainda se dividir em armas com número par ou ímpar de raias, ou pelo sentido de giro das raias, sendo aquelas com sentido de giro para a direita chamadas destrógiras e aquelas com sentido de giro para a esquerda chamadas sinistrógiras ou levógiras. Podem ainda serem divididas quanto ao formato do raiamento, entre o raiamento convencional ou o raiamento poligonal. As primeiras apresentam quinas vivas e bem definidas nos raiamentos, enquanto que as segundas apresentam o perfil em formato de polígono regular com quinas arredondadas, podendo ser de cinco ou mais lados, dependendo da arma. Figura 15: Subdivisão das armas com cano de alma raiada Fonte: do conteudista; SCD/EaD/Segen. 29 Figura 16: Comparação entre canos com alma convencional e poligonal Fonte: do conteudista. 2.2 Classificação quanto ao sistema de municiamento Como você viu na aula 1, desde o início do desenvolvimento das armas de fogo, o municiamento da arma tem sido um elemento de grande evolução, no sentido de melhorar a velocidade e facilidade de operação bem como robustez às falhas. Ao longo dos experimentos de aperfeiçoamento das armas, os inventores sempre tentaram desenvolver métodos mais eficientes ou mais rápidos para promover o remuniciamento das armas. As armas de fogo rudimentares demandavam um processo complicado e demorado de municiamento, motivo pelo qual as mesmas eram equipadas com baionetas em suas extremidades, que eram utilizadas quando não havia mais tempo para uma nova carga e era necessário o combate imediato. As primeiras armas desenvolvidas apresentavam como característica o remuniciamento pela boca do cano da arma, no sentido inverso ao do processo de expulsão do projétil, chamado sistema de antecarga. Inicialmente era colocada a 30 carga de pólvora na câmara sendo em seguida colocado um chumaço de papel, tecido ou qualquer outro material separador com a ajuda de uma haste para então ser(em) colocado(s) o(s) projétil(eis). Figura 17: Sequência de municamento de uma arma de antecarga Fonte: Grande Enciclopédia de Armas de Fogo, 1988. Este processo era demasiadamente demorado por requerer o acondicionamento de cada elemento em separado. Também não era um procedimento seguro gerando diversos problemas, seja pela colocação de uma carga excessiva de pólvora, que ocasionava a explosão da câmara da arma e produzia do chamado “tiro pela culatra”, seja pela falta de carga de pólvora, que ocasionava numa propulsão insuficiente do projétil, de forma que o inimigo não era ferido e tinha condições de se aproximar do utilizador da arma, que então tinha que entrar em embate corporal para garantir a sua sobrevivência. Tais problemas levaram ao desenvolvimento das primeiras cargas previamente preparadas. Um pedaço de papel era utilizado para acondicionar tanto a carga de pólvora, suficiente para o bom funcionamento da arma, quanto o(s) 31 projétil(eis) a ser(em) utilizado(s). Esse mesmo papel era utilizado como bucha. No momento do combate o soldado retirava o cartucho de papel e o rasgava com os dentes, efetuando o municiamento da arma de maneira mais rápida. Esse processo acelerou o procedimento de remuniciamento das armas, mas ainda estava longe do ideal. Um fato curioso decorrente do uso desse tipo de carregamento, era a frequente dispensa de soldados desdentados, pois eles teriam dificuldades para carregar as armas. Figura 18: Cartucho de papel com carga previamente dosada e montada Fonte: CHANT, 1995. Outro tipo de municiamento, este pouco utilizado, foi o sistema de retrocarga com câmara de antecarga. As armas que utilizavam este sistema possuíam uma câmara basculante que permitia o remuniciamento pela sua porção anterior, semelhante às armas de antecarga, porém já na parte posterior da arma, justificando seu nome. 32 Figura 19: Desenho esquemático de uma arma de retrocarga com câmara de antecarga Fonte: RABELLO, 1996. Posteriormente foram desenvolvidas as armas de retrocarga, cujo carregamento se dava diretamente na câmara de explosão. Este método, utilizado plenamente até hoje nas armas modernas, permitiu um salto gigantesco no desenvolvimento das armas de fogo e calibres. 33 2.3 Classificação quanto ao sistema de inflamação Já descritos brevemente na introdução desta unidade, os sistemas de iniciação das armas de fogo sofreram grandes modificações ao longo dos anos. Obviamente tais mudanças foram incorporadas ao sistema de classificação de armas de maneira a diferenciá-las. As primeiras armas desenvolvidas utilizavam mechas na iniciação das cargas de propulsão (pólvora). Esta mecha poderia ser tanto uma corda em brasa quanto uma tocha. Como inconvenientes, apresentava a grande dificuldade de manter a brasa acesa em combates em ambientes úmidos ou em ventanias. As armas com sistema de iniciaçãopor atrito surgiram em seguida, utilizando tanto o fecho de roda quanto o fecho de miquelete para gerar faíscas para iniciar a carga propelente. Com o domínio da técnica de produção de espoletas surgiram as primeiras armas com sistema de iniciação por percussão. Essas armas se dividem em: Armas de percussão extrínseca A espoleta era colocada externamente à câmara em uma pequena saliência, chamada ouvido, sendo a chama transferida à carga de propulsão por intermédio de um orifício ligado ao “ouvido”. Muitas armas antigas que utilizavam o sistema de iniciação por mecha eram convertidas por armeiros experientes para utilizarem o sistema de iniciação por percussão. Armas de percussão intrínseca O desenvolvimento de novas técnicas permitiu que a percussão da espoleta ocorresse internamente ao mecanismo da arma, denominada percussão intrínseca. As primeiras armas de percussão intrínseca utilizavam os cartuchos idealizados por Lefaucheux, eram chamadas de armas de percussão por pino lateral 34 e logo se tornaram obsoletas (vide Figura 8). Foram então desenvolvidos cartuchos cuja espoleta era integrada ao corpo do estojo em um anel na sua base. Armas que utilizam este tipo de cartucho são chamadas de armas de percussão radial e alguns calibres com esse tipo de iniciação são produzidos ainda hoje, como por exemplo os calibres .22LR e .17HMR. Outro tipo de cartucho desenvolvido, sendo até hoje o mais utilizado, é aquele com a espoleta localizada externamente ao centro do estojo. O sistema de percussão para este tipo de cartucho é chamado percussão central, sendo empregado na maioria das armas modernas. Ainda sobre os sistemas de percussão, uma outra subdivisão é feita em relação à percussão: direita ou indireta. A percussão da espoleta se dá por ação de dois elementos: um elemento de massa, tensionado por mola, que produzirá a energia necessária ao impacto, e um elemento de atuação na espoleta, que por ter a área de impacto na espoleta reduzida, produzirá pressão suficiente para a iniciação da carga. Se o elemento de massa e o elemento atuador se encontram em uma mesma peça, as armas com essa característica são chamadas de arma de percussão direta. Se o elemento de massa e o elemento de atuação estão separados, ou seja, são peças desconexas, essas armas são denominadas de percussão indireta. 35 Figura 20: Sistema de inflamação Fonte: SCD/EaD/Segen. Veja a figura 21 apresenta um exemplo esquemático mostrando a arma de fogo de percussão direta. Note que o elemento atuador e o elemento de massa, tensionado por fazem parte da mesma peça. Já a figura 22 apresenta um exemplo esquemático mostrando arma de percussão indireta. Note que o elemento atuador e o elemento de massa, tensionado por mola, são peças separadas. Figura 21: Arma de percussão direta Fonte: do conteudista. 36 2.4 Classificação quanto ao sistema de funcionamento Característica inerente ao processo de evolução das armas de fogo, o regime de funcionamento apresentou, juntamente com o método de iniciação da pólvora, uma evolução gigantesca ao longo do tempo. Figura 23: Classificação quanto ao sistema de funcionamento Fonte: SCd/EaD/Segen. Figura 22: Arma de percussão indireta Fonte: do conteudista. 37 A primeira divisão a se fazer é quanto ao número de utilização do cano e sistema de disparo da arma sem uma nova necessidade de municiamento. As primeiras armas foram as chamadas de TIRO UNITÁRIO, pois para uma nova utilização do cano fazia-se necessário um novo municiamento. Estas se dividem em armas: Tiro unitário simples São as armas dotadas de apenas um cano. Para cada utilização do cano e sistema de disparo era necessário um novo municiamento da arma. A figura 24 mostra uma arma de tiro simples. Tiro unitário múltiplas São as armas dotadas com diversos canos. A figura 25 mostra uma arma de tiro unitário múltipla, na imagem fica evidenciado dois sistemas de disparo distintos. Nota- se os dois canos. Figura 24: Arma de tiro unitário simples Fonte: do conteudista. 38 Figura 25: Arma de tiro unitário múltipla Fonte: do conteudista. Visando maior poder e velocidade de combate, foram desenvolvidas armas constituídas de um sistema de repetição que permitia a utilização de um mesmo cano sem a necessidade de um novo remuniciamento da arma, pois eram dotadas de duas ou mais cargas previamente inseridas. Para que ocorra a repetição do tiro, são necessárias duas etapas distintas. A primeira etapa consiste na colocação de uma nova munição na câmara, em condição de tiro e a liberação do sistema de disparo para que o próximo tiro aconteça. De maneira primorosa, o brilhante professor Luiz Gaspar Ribas Maris denomina tais sistemas de mecanismos de preparação (MARIZ, 2019). São armas classificadas como de repetição e se subdividem de acordo com o sistema adotado, podendo ser de repetição não-automática, de repetição semiautomática ou de repetição automática. Armas de repetição não automática As armas de repetição não-automática ou, alternativamente, de repetição manual (Erro! Fonte de referência não encontrada.) são assim denominadas pelo f ato de tanto a alimentação da câmara quanto a liberação do percussor dependerem única e exclusivamente da força física do atirador. São, ainda, denominadas 39 simplesmente de armas de repetição por alguns autores, embora as armas de repetição semiautomática automática também sejam armas de repetição, como se verá adiante. Figura 26: Armas de repetição manual Fonte: do conteudista. Por sua vez, as armas de repetição manual se subdividem de acordo com a forma como essa repetição manual acontece. Sendo elas por tambor giratório, por ação de bomba, por ação de alavanca, por ação de ferrolho. Vamos estudar um pouco sobre elas. Tambor giratório As primeiras armas de repetição manual desenvolvidas empregavam um tambor giratório que apresentava uma nova munição em alinhamento com o cano com o acionamento manual do sistema de disparo (Figura 27). Você deve estar já imaginando que se trata do revólver, entretanto ele é apenas uma das armas que utilizava este sistema. Ainda, trataremos na próxima aula sobre a classificação das armas de fogo no que tange à espécie. 40 Figura 27: Armas que empregam repetição por tambor giratório Fonte: do conteudista. Ação de bomba Outra forma de repetição manual é a que ocorre por ação de bomba (do inglês, Pump action). Neste tipo de ação as munições ficam acondicionadas em um tubo de depósito localizado geralmente em posição inferior e paralela ao cano. A bomba é uma peça de formato cilíndrico que se posiciona sobre este tubo de depósito e faz tanto a liberação de um novo cartucho para ser elevado à câmara, por meio do transportador, quanto arma o mecanismo de disparo. Embora popularizado por ser utilizado em diversos modelos de espingarda em calibre 12, este sistema não é exclusivo dessas armas. Figura 28: Arma de repetição por ação de bomba (Pump action) Fonte: do conteudista. Ação de alavanca O sistema de repetição manual por ação de alavanca (do inglês, lever action) foi imortalizado nas telas dos cinemas pelos filmes de faroeste. Neste sistema, que também emprega um tubo de depósito colocado paralela e inferiormente ao cano, uma 41 alavanca que pode compor o guarda-mato ou envolvê-lo, é acionada por um giro para baixo e em direção ao cano, promovendo a extração do estojo do tiro anterior e armando o sistema de disparo para, ao ser retornada para a sua posição inicial, insere um novo cartucho na câmara, oriundo do tubo do depósito. Figura 29: Arma de repetição por ação de alavanca (lever action) Fonte: do conteudista. Ação do ferrolho Empregado atéhoje em diversos fuzis de precisão, o sistema de repetição por ação de ferrolho (do inglês, bolt action) é mais um exemplo de funcionamento de repetição manual. Neste sistema, as munições subsequentes ficam alojadas em um receptáculo localizado no corpo da arma, em posição inferior e recuada em relação à câmara. O ferrolho é uma peça cilíndrica dotada de uma alavanca e apresentando um ou mais ressaltos na parte anterior. Este ressalto se encaixava com um giro em um espaço específico na câmara, de forma que formam um conjunto extremamente sólido, denominado trancamento. Após o tiro, o atirador gira o ferrolho no sentido anti- horário, de maneira que ele se desencaixa da câmara e inicia a extração do estojo que está nela alocado. Ao puxar o ferrolho para trás, o estojo acaba de ser extraído da câmara e é ejetado. Ao mesmo tempo, um novo cartucho é apresentado pelo transportador, ficando parcialmente alinhado ao ferrolho que, ao ser empurrado para a frente, desloca o cartucho do receptáculo, inserindo-o na câmara. Simultaneamente a armadilha do gatilho retém o percussor, armando o sistema de disparo. Figura 30: Arma de repetição por ação de ferrolho (bolt action) Fonte: do conteudista. 42 Armas de repetição semiautomática As armas de repetição semiautomática são assim denominadas por utilizarem a força de expansão dos gases para ao mesmo tempo impulsionar o projétil e proporcionar a alimentação da câmara com uma nova carga em condições de utilização. Para que ocorra um novo disparo é necessário que o atirador aperte novamente o gatilho para liberação do percussor e inicie um novo ciclo. Assim como as armas de repetição manual apresentam várias formas de funcionamento, as armas de repetição semiautomática também apresentam soluções diferentes para o problema da preparação da arma para a condição de novo tiro. Alguns desses mecanismos de preparação das armas semiautomáticas serão mostrados a seguir. Confira! Blowback simples Desenvolvido no final do século XIX por John Moses Browning, o mecanismo de preparação mais simples para armas semiautomáticas é denominado blowback simples (do inglês, reação simples à retaguarda). Este mecanismo se baseia no princípio de ação e reação apresentando por Isaac Newton. Os gases da combustão empurram o projétil para a frente. O projétil empurra os gases da combustão para trás que, sem ter para onde se deslocarem, empurram o ferrolho à retaguarda que, por ser uma peça móvel, se desloca, ejetando o estojo que estava na câmara e é novamente impulsionado à frente pela força de uma mola, denominada mola recuperadora do ferrolho, realizando a alimentação da câmara com mais uma munição. É utilizado em armas curtas de calibres menores, até o .380 Auto, bem como também em algumas submetralhadoras. 43 Figura 31: Diagrama esquemático mostrando o funcionamento do blowback simples Fonte: do conteudista. Figura 32: Animação mostrando o funcionamento do blowback simples Fonte: KAVANAGH, 2014. Delayed blowback Nas armas de calibres maiores, o maior momento linear proporcionado aos projéteis, demanda uma solução mais eficiente para reduzir o recuo sobre o operador e também a solicitação da arma. Para proporcionar essa redução no recuo, uma solução extremamente eficiente foi o deslocamento de mais massa além do ferrolho. A massa adicional foi obtida com o deslocamento do cano em conjunto com o ferrolho 44 por um pequeno percurso. Este “atraso” proporcionado pelo pequeno deslocamento do cano batizou o sistema, que ficou conhecido como “delayed blowback” (do inglês, reação atrasada à retaguarda). Foi eternizado pela célebre pistola Colt 1911, arma que foi adotada como padrão pelo exército americano em 1911. Outros sistemas de delayed blowback foram desenvolvidos, tais como o atraso por roletes, por alavanca, a gás etc., porém não iremos detalhar os funcionamentos por expressarem uma parcela muito pequena das armas atualmente empregadas. Figura 33: Diagrama esquemático mostrando o funcionamento do blowback com atraso Fonte: do conteudista. Operação por gases Utilizando um princípio diferente do blowback, na operação por gases, uma porção dos gases da combustão é desviada a partir de certa parte do cano pelo bloco de gases (gás block) e utilizada para movimentar diretamente o conjunto do ferrolho, denominada ação direta de gases, (operação por tubo de gases) ou então indiretamente, ação indireta de gases, para empurrar um pistão (ou êmbolo) que, por sua vez, impulsiona o conjunto do ferrolho (operação por pistão), produzindo a realimentação da arma. 45 Figura 34: Diagrama esquemático mostrando o funcionamento do tubo de gases Fonte: do conteudista. Figura 35: Animação mostrando o funcionamento do tubo de gases, também denominado ação direta dos gases sobre o ferrolho Fonte: KAVANAGH, 2014. 46 Figura 36: Diagrama esquemático mostrando o funcionamento do pistão Fonte: do conteudista. Figura 37: Animação mostrando o funcionamento do pistão Fonte: KAVANAGH, 2014. 47 Ainda, é importante destacar que diversas armas semiautomáticas podem operar também com repetição manual, a depender da opção do operador. Como exemplo cita-se a espingarda Benelli M3 Super 90 e a espingarda Franchi Spas 15. Armas de repetição automáticas As armas nas quais tanto a alimentação da câmara quanto a liberação do percussor são acionados sem a interferência do atirador são denominadas armas de repetição automática. Nessas armas exige-se apenas que o atirador mantenha pressionado o gatilho para que ocorram disparos sucessivos. Classificam-se nesse critério as metralhadoras, submetralhadoras, diversos tipos de fuzis e algumas pistolas. Cumpre esclarecer que essas armas geralmente apresentam mais de uma opção de sistema de funcionamento, sendo dotadas de um seletor para que o operador decida se a arma irá operar em regime semiautomático ou automático, ou ainda com três posições de tiro: semiautomático, rajada controlada de dois ou três tiros, ou rajada plena, que dura enquanto o gatilho estiver pressionado e houver munições. Figura 38: Espingardas Benelli M3 Super 90 (acima) e Franchi SPAS-15 (abaixo), que funcionam tanto com repetição manual quanto semiautomática Fonte: do conteudista. 48 O quadro seguinte detalha as características e diferenças de cada sistema de repetição comentado. Sistema de repetição Colocação da arma em condição de novo tiro Liberação do sistema de disparo Exemplo Manual Força muscular do atirador Força muscular do atirador Revólver Semiautomática Automaticamente pela arma Força muscular do atirador Pistola Automática Automaticamente pela arma Automaticamente pela arma Submetralhadora 49 Ação de armas de fogo de repetição Não relacionada como um dos critérios de classificação estabelecidos pelo Professor Eraldo Rabello, a ação da repetição é uma característica digna de nota. As armas de repetição manual e semiautomática se dividem em armas de ação simples e armas de ação dupla. Ação simples Armas de ação simples são aquelas em que o posicionamento do cão à retaguarda é feito manualmente pelo atirador e a atuação do gatilho permite apenas liberar o percussor ou cão para atingir a espoleta. As primeiras armas utilizavam este tipo de ação. Ação dupla Armas de ação dupla são aquelas em que a atuação do gatilho permite tanto posicionar o cão ou percussor à retaguarda quanto liberá-lo para atingir a espoleta. Algumas armas permitem a sua utilização tanto em ação simples, com o sistema de disparo previamente armado, quanto em ação dupla, com a armação do sistema de disparo feita pelo gatilho. Tais armas são denominadas de armasde DUPLA AÇÃO, por poder serem operadas tanto em ação simples quanto em ação dupla. 50 2.5 Classificação quanto à mobilidade e uso A forma de utilização das armas de fogo também se constitui um critério de classificação, avaliando-se as características das mesmas quanto à mobilidade e uso. Figura 39: Classificação quanto a mobilidade e uso Fonte: SCD/EaD/Segen. Os primeiros canhões eram constituídos por grandes cilindros de ferro, que devido à sua grande massa, ficavam fixos e destinados a guarnecer territórios. Fazem parte das armas fixas, assim classificadas pela sua ausência de mobilidade. A necessidade de mais de uma pessoa para a plena utilização da arma também a classifica como arma de uso coletivo. A necessidade de conquista de territórios e maior versatilidade no campo de batalha ocasionaram o desenvolvimento de armas móveis, dotadas da capacidade de deslocamento, seja por meio de tração extrínseca, como no caso de pequenos canhões, seja por meio de engenhos que permitiam o deslocamento autônomo das máquinas, assim classificadas como automotrizes. Em ambos os casos a necessidade 51 de mais de uma pessoa para a plena utilização da arma também a classifica como arma de uso coletivo. Armas que possuem dimensões menores, mas ainda assim são pesadas demais para uso por apenas um atirador são denominadas de armas semiportáteis. São aquelas que não sendo especializadas para porte pelo homem, podem ser facilmente desmontadas em duas peças (arma e suporte) e, assim, conduzidas sem demasiado desconforto por dois homens. Aquelas armas facilmente transportadas por uma pessoa, mesmo que na sua utilização sejam necessárias duas pessoas, são denominadas armas portáteis. Dividem-se em armas longas e armas curtas, assim definidas por Eraldo Rabello: Armas longas São caracterizadas pela sua considerável dimensão longitudinal, a qual decorre não só do comprimento do cano com, também, da projeção da coronha, que tende a situar-se quase paralelamente ao eixo desse cano, formando com ele ângulos maiores de 150 graus. Nelas, o comprimento do cano dificilmente é inferior a cinquenta centímetros: são armas, em geral, próprias para o tiro de visada, e o seu manejo exige, normalmente, o emprego simultâneo do obro e de ambas as mãos do atirador. Armas curtas De relativamente pequenas dimensões, são armas compactas, com peso dificilmente superior a um quilograma, manejáveis com uma só mão e facilmente transportáveis no bolso ou em um coldre de couro ou de lona, à cintura: são apropriadas para o tiro a distâncias comparativamente reduzidas, e a sua coronha tende a se aproximar de uma perpendicular ao eixo do cano, formando com este ângulos sensivelmente inferiores a 150 graus; quanto ao cano, apenas excepcionalmente apresentará um comprimento superior a vinte centímetros. 52 No segundo módulo do curso serão abordados os aspectos legais relacionados às armas de fogo, especialmente no que tange à classificação, destacando algumas pequenas diferenças em relação ao critério proposto por Eraldo Rabello. Apesar de contemplar todos os aspectos relacionados às características e funcionamento das armas de fogo, a classificação geral das armas de fogo classifica as armas apenas em relação ao gênero, mas não em relação à espécie, que é determinada pela classificação específica das armas de fogo, assunto que será tema da terceira aula deste módulo. 53 Aula 3 – Classificações específicas das armas de fogo Nas aulas anteriores foram abordados aspectos relacionados à evolução e classificação geral das armas de fogo, entretanto deve ter notado que quase nada foi falado em relação à divisão das armas de fogo segundo a sua espécie. A justificativa se deve ao fato de que, nesta aula, a classificação específica das armas será estudada. Você perceberá que muitas das características mostradas anteriormente serão comuns a alguns ou até mesmo a todos as espécies de armas. Perceberá também que algumas das classificações de armas são redundantes ou até mesmo controversas. 3.1 Garruchas As garruchas são armas de funcionamento extremamente simples, de tiro unitário simples ou múltiplo, geralmente empregadas em calibres pequenos. Foram armas muito populares no Brasil no século passado devido ao seu preço e tamanho reduzido e ainda hoje são empregadas em práticas criminosas, embora cada vez menos frequentemente. Eraldo Rabello detalha na sua obra diversos tipos de garrucha, classificadas de acordo com a solução para a abertura da culatra, a saber, culatra reversível, de corrediça, de cano reversível, culatra basculante ou cano basculante (RABELLO, 1996). Figura 40: Garrucha Fonte: Wikipédia. 54 3.2 Revólver Como vimos na primeira aula, as armas de percussão extrínseca, apesar de facilitarem consideravelmente o processo de recarregamento, permitiam que apenas um tiro fosse efetuado, representando uma limitação importante no cenário de combate. Uma das formas de solucionar o problema foi o emprego de um tambor rotativo nas armas longas, alternativa encontrada em algumas armas desenvolvidas na Alemanha, no final do Século XVI (CUNHA NETO, 2020). Apesar de resolverem o problema da carga única, tais armas ainda possuíam funcionamento muito rudimentar. Em 1836, o jovem Samuel Colt, com apenas 21 anos, patenteou a arma que seria conhecida como o primeiro revólver, Colt Patterson, Modelo 1836, empregando um tambor removível, cujo carregamento se dava pela parte anterior da câmara. Figura 41: Revólver Colt Patterson, modelo 1836 Fonte: do conteudista. Posteriormente, já no modelo 1849, foi desenvolvida uma alavanca para permitir que o carregamento fosse feito sem a remoção do tambor, facilitando este processo em campo, já que a desmontagem da arma era praticamente inviável em combate. Essa ideia foi aproveitada posteriormente após o desenvolvimento do cartucho metálico, sendo empregado para a extração do estojo ao invés do carregamento da câmara. 55 Figura 42: Revolver Colt Patterson modelo 1849, já contando com a alavanca para o carregamento das câmaras Fonte: do conteudista. O revólver é caracterizado por ser dotado de um tambor giratório que, ao ser girado, apresenta uma nova munição em condição de tiro em alinhamento com o mecanismo de disparo e com o cano. Veja a descrição do revólver dada pelo Professor Eraldo Rabello: “O traço característico do revólver é o de ter para um só cano, várias câmaras de combustão dispostas paralelamente a um eixo comum, escavadas num cilindro – o tambor – girando em torno desse eixo e apresentando-se sucessivamente ao cano no exato alinhamento deste e do percutor, ao ser acionado o mecanismo de disparo. É a única arma de fogo, conhecida, cujo cano não contém uma câmara de combustão, operando-se fora dele a deflagração dos cartuchos.” (RABELLO, 1996) Já João da Cunha Neto, de maneira mais simples, porém também brilhante, ensina: “O que faz um revólver ser classificado como tal é justamente a presença de um tambor, que contém as munições, apresentadas sequencialmente ao cano conforme o mecanismo é rearmado pelo atirador, seja pelo engatilhamento manual do cão (revólveres de ação simples), seja pelo novo acionamento do gatilho (em armas de ação 56 dupla).” (CUNHA NETO, 2020) O já revogado Decreto 3.665/00, que regulamentava a fiscalização de produtos controlados, descrevia o revólver no Inciso LXXIV do Artigo 3o do Anexo do referido documento como se segue: “revólver: arma de fogo de porte, de repetição, dotada de um cilindro giratório posicionado atrás do cano, que serve de carregador, o qual contém perfurações paralelas e equidistantes do seu eixo e que recebem a munição, servindo de câmara;” (BRASIL, 2000) Embora o Decreto 3.665/00tenha sido revogado, os dispositivos legais que o sucederam não mais traziam a sua definição, sendo esta, a última encontrada na legislação. O funcionamento dos revólveres se dá majoritariamente por repetição manual, embora existam alguns poucos modelos de revólveres semiautomáticos, que aproveitam a força de reação dos gases descrita no sistema de blowback, já mencionado, para movimentar parte da armação para trás, produzindo também o giro do tambor. 57 Figura 43: Revólver moderno Fonte: do conteudista. Figura 44: Revolver semiautomático modelo Webley-Fosbery Fonte: HLEBINSKY, 2015. SAIBA MAIS! Quanto à ação, existem revólveres de ação simples, ação dupla e dupla ação, sendo esses últimos os mais comuns. Quanto ao calibre, variam desde o diminuto .22LR até o poderoso .500 S&W. No Brasil, os calibres mais empregados são o .32 S&WL e o calibre .38 SPL. 58 3.3 Pistola Segundo o Professor João da Cunha Neto, o termo “pistola” deriva do francês “pistolet”, sendo a alemã Borchardt C-93, em calibre 7.65x25mm a primeira pistola semiautomática a ser desenvolvida (CUNHA NETO, 2020). Figura 45: Pistola Borchardt C-93, a primeira pistola semiautomática do mundo Fonte: JEREMU S, 2013. Diferentemente do revólver, que apresenta suas munições em um cilindro giratório, as munições da pistola são armazenadas em um receptáculo que as dispõe verticalmente e as apresenta à câmara por meio da ação de uma peça móvel, denominada ferrolho. Este receptáculo que acondiciona as munições pode ser fixo na arma, como nas pistolas Mauser C-96, ou avulso, permitindo a sua troca rápida, como nas pistolas modernas. 59 Figura 46: Pistola Mauser C-96, que empregava um carregador fixo para acondicionamento das munições (seta) Fonte: do conteudista. Figura 47: Carregador avulso de pistola 1911 Fonte: do conteudista. Em relação ao sistema de funcionamento, as pistolas são majoritariamente semiautomáticas, entretanto diversos modelos contam com funcionamento também automático. Atualmente é comum a apreensão de pistolas Glock com dispositivo seletor do regime de tiro acoplado na parte posterior do ferrolho. Embora seja um recurso muito empregado atualmente, o regime automático de tiro para as pistolas é bastante antigo, sendo apresentado já no modelo M1932 da pistola Mauser C-96 e que na década de 70 do século passado seria importado pela Polícia Militar do Rio de Janeiro sob o nome PASAM (Pistola Automática e Semiautomática Mauser). 60 SAIBA MAIS!! Em relação ao calibre, as pistolas apresentam uma variedade enorme, indo desde calibres reduzidos, como o .22 LR, até o potente calibre .50 Action Express. No Brasil os calibres mais comuns são o .380 Auto, 9mm Luger, .40 S&W e .45 ACP, entretanto não são os únicos, podendo serem encontradas pistolas nos calibres 6.35mm Browning (.25 Auto), 7.65mm Browning (.32 Auto) e .38 SuperAuto, este último muito popular na modalidade esportiva IPSC. 3.4 Espingarda As espingardas são definidas como armas longas com cano de alma lisa. Sobre a origem do termo, Tocchetto ensina que: “O termo espingarda tem origem bastante contraditória. Alguns autores afirmam que se originou de springan, do antigo alemão. Outros, entretanto, asseguram que a palavra é de procedência árabe, significando arma de cano largo (grosso calibre). Entre os mouros, o termo espingarda era usado para designar tanto arma de caça como arma de guerra. Usa-se spingarda, em italiano, para designar arma de caça de cano liso de grande calibre, própria para o abate, de uma só vez, de grande número de aves aquáticas.” (TOCCHETTO, 2018) 61 É importante destacar que o emprego do termo “escopeta” na língua portuguesa NÃO é adequado, uma vez que se trata simplesmente do termo espingarda em espanhol. João da Cunha Neto é um dos autores que critica, corretamente, o emprego do termo “escopeta” na língua portuguesa (CUNHA NETO, 2020). As espingardas podem se apresentar de diversas formas e com diversas finalidades tais como caça de animais pequenos, médios e grandes, prática esportiva, defesa, rompimento de obstáculos e operações de controle de distúrbio. Essa variedade enorme de finalidades se deve à grande disponibilidade de tipos de munições e sistemas de funcionamento dessas armas. Figura 48: Variedade de tipos de munições de espingarda, que atendem a diversas finalidades Fonte: do conteudista. Em relação ao funcionamento, inicialmente foram desenvolvidas como armas de tiro unitário simples ou múltiplo, evoluindo posteriormente para o funcionamento semiautomático e, recentemente, contando até mesmo com modelos dotados de funcionamento automático. Não obstante, os modelos de tiro unitário ainda são extensamente empregados, especialmente em competições esportivas e olímpicas. 62 Figura 49: Espingarda de tiro unitário simples Fonte: do conteudista. Figura 50: Espingarda de tiro unitário múltiplo Fonte: do conteudista. Figura 51: Espingarda de repetição manual por ação de bomba (pump action) Fonte: do conteudista. 63 Figura 52: Espingarda Franchi Spas 15, que funciona em regime semiautomático Fonte: do conteudista. Figura 53: Espingarda Saiga 12, que funciona tanto em regime semiautomático quanto automático de tiro Fonte: do conteudista. Uma peculiaridade em relação às espingardas, refere-se ao uso mais comum de munições carregadas com projéteis múltiplos. Por serem vários, a iteração dos projéteis com o cano não é tão intensa quanto nas armas de fogo com cano de alma raiada. Os projéteis geralmente possuem formato aproximadamente esférico (grãos de chumbo), a menos das deformações sofridas pelos projéteis em virtude da maleabilidade do chumbo. Com isso, a precisão e estabilidade individual dos projéteis não pode ser garantida, resultando no espalhamento desses grãos por uma área maior ou menor a depender de alguns fatores. 64 Veja dois fatores que interfere no espalhamento dos grãos: Fator 1 Um desses fatores que interfere no espalhamento dos grãos é o “choke” da arma, que nada mais é que a característica da boca do cano da arma. Nas espingardas com choke pleno (full) há um estreitamento da boca do cano objetivando concentrar os grãos em maior ou menor intensidade, armas com o choke cilíndrico, que não apresenta constrição, espalhando mais os grãos e armas com choques modificados, intermediários às anteriormente citadas. Fator 2 Outro fator que interfere no espalhamento dos grãos é o tamanho. Nos cartuchos carregados com grãos maiores, a maior massa garante mais estabilidade em função da menor representatividade do atrito com o ar, fazendo com que o espalhamento dos grãos se dê em distâncias maiores. Nos cartuchos carregados com grãos menores, o espalhamento é maior a menores distâncias. Não há que se falar em vantagem ou desvantagem de um sobre o outro. Dependendo da finalidade, será mais interessante o uso de grãos menores e armas com choque cilíndrico para garantir o acerto do alvo, como é o caso da caça de aves pequenas e no tiro olímpico. Em outras, o interessante será que essa dispersão ocorra a distâncias maiores, com maior alcance dos grãos, como na caça de animais maiores ou em situações de combate. 65 3.5 Fuzil Tocchetto define o fuzil como: Arma de fogo portátil, automática, de cano longo, com cano de alma raiada, usado tanto para a guerra como para a caça maior, sempre em calibre potente. Algumas indústrias produzem versões para semiautomático ou de repetição (fuzis snipers). (TOCCHETTO, 2018) Analisando a definição de Tocchetto percebe-se que há algumas contradições, como por exemplo atribuir aos fuzis apenaso funcionamento em regime automático para, em seguida, admitir a existência de versões com funcionamento semiautomático ou de repetição (manual). Ainda, percebe-se que a destinação dessas armas há muito deixou os campos de batalha convencional ou a caça para se tornar uma ferramenta importante na segurança pública ou mesmo no emprego esportivo. No já revogado Decreto 3.665/00 o fuzil é definido como “arma de fogo portátil, de cano longo e cuja alma do cano é raiada”. É uma definição bastante simplista, que alcança uma enorme variedade de armas. Com isso, concordando com João da Cunha Neto, é interessante diferenciar os fuzis em subdivisões de acordo com suas características, quais sejam, fuzis de assalto, fuzis de caça e fuzis de precisão (2020). Fuzil de assalto O termo é a tradução literal do alemão para a palavra sturmgewehr. O primeiro a ser desenvolvido foi o modelo STG44, em calibre 7.92x33 mm, cujo conceito deu origem ao lendário AK-47, em calibre 7.62x39 mm. Essas armas são caracterizadas pela possibilidade de funcionamento tanto em regime semiautomático quanto automático, cano menor comparado aos antigos modelos aferrolhados e com um ângulo de empunhadura que proporcione maior conforto para operar a arma em pé, aumentando a agilidade do operador. Outro fuzil de assalto clássico foi o modelo AR- 66 15, fabricado pela Armalite em calibre .223 Remington, que foi originado a partir do projeto do modelo AR-10 em calibre 7.62x51mm. Atualmente são vários os modelos de fuzis de assalto, todos compartilhando como principais características as mencionadas anteriormente. Figura 54: Alguns exemplos de fuzis de assalto Fonte: do conteudista. Fuzis de caça São caracterizados pelo emprego de grandes calibres, com projéteis mais pesados e mais velozes, com grande variabilidade de sistema de funcionamento, havendo modelos de tiro unitário, simples ou múltiplo, e de repetição manual. Dentre os exemplos de calibres empregados podem ser citados os calibres .577 Nitro e o calibre .375 H&HM. 67 Figura 55: Fuzil de caça em calibre .577 Nitro (acima) e o cartucho por ele empregado comparado a um cartucho de calibre .22 LR (abaixo) Fonte: do conteudista. Fuzis de precisão Com aplicação militar ou policial, são empregados em tiros a maiores distâncias, demandando grande acurácia do atirador. Mais frequentemente apresentando funcionamento por repetição manual, são disponíveis também alguns modelos com funcionamento semiautomático, como é o caso do fuzil alemão PSG1, fabricado pela Heckler & Koch. Figura 56: Fuzis de precisão H&K PSG-1 (acima) e Remington 700 (abaixo) Fonte: do conteudista. 68 3.6 Carabina A definição de “carabina” é bastante variável. O já revogado Decreto 3.665/00 definia a carabina como: Arma de fogo portátil, semelhante a um fuzil, de dimensões reduzidas, de cano longo – embora relativamente menor que o do fuzil – com alma raiada (BRASIL, 2000). Repare que a definição apresentada é extremamente vaga e subjetiva. Primeiramente porque se baseia majoritariamente na definição de outra arma (fuzil), fazendo comparações sem estabelecer parâmetros claros. A Cartilha de Armamento e Tiro da Polícia Federal amplia a definição acima trazendo informações um pouco mais precisas: Arma de fogo portátil semelhante a um fuzil, de dimensões reduzidas, de cano longo - embora relativamente menor que o do fuzil - com alma raiada (Art. 3º, inciso XXXVII do Decreto 3.665/00 – R 105). Em alguns países considera-se carabina as armas de fogo de cano longo raiado, com comprimento do cano entre 20 polegadas (50,8 cm) e 22.5 polegadas (57,15 cm). No Brasil usualmente considera-se carabina as armas de fogo de cano longo raiado de calibres permitidos (Ex. carabinas .22, .38 SPL) (POLÍCIA FEDERAL, 2017). A definição anterior, embora melhorada, ainda não alcança a totalidade das armas entendidas como carabinas, a exemplo do modelo Colt M4 Carbine ou do modelo Imbel MD-97 LC. A diferença entre o modelo Colt M4 Carbine e o modelo Colt M-16 está no comprimento do cano, menor no primeiro, embora ambos possuam 69 versões que dispõem de regime de funcionamento totalmente automático, M4A1 e M16A1, respectivamente. Já o modelo Imbel MD-97 LC se diferencia do modelo MD- 97 L não pelo comprimento do cano, mas sim por só admitir funcionamento em regime semiautomático, diferentemente do modelo MD-97 L. É comum que essas as armas sejam comumente referidas tanto como carabinas quanto com fuzis. Fato é que o conceito de carabina muitas vezes se confunde com o conceito de fuzil, sendo usados como sinônimos. Figura 57: Comparativo entre os modelos M-16 (acima) e M-4(abaixo) mostrando as diferenças entre os comprimentos de cano Fonte: do conteudista. 70 Figura 58: Comparativo entre o Fuzil Imbel IA2 e a Carabina Imbel IA2. Note que as armas possuem as mesmas dimensões, diferenciando-se somente pelo regime de funcionamento que, no caso da carabina, permite somente o regime semiautomático Fonte: do conteudista. 3.7 Metralhadora As metralhadoras são caracterizadas pelo funcionamento em regime automático, apresentando grande cadência e capacidade de tiro, geralmente com carregamento feito por fita e operadas com apoio de bipé ou reparo. As munições empregadas geralmente são de calibres de alta velocidade, como por exemplo 5.56x45mm ou 7.62x51 mm, bem como o 7x57 mm Mauser. Embora normalmente sejam armas empregadas em guerras, as metralhadoras podem ser empregadas em cenários mais complexos de segurança pública, como ocorre no Rio de Janeiro. 71 Figura 59: Metralhadora M2A1 Fonte: do conteudista. Existem modelos de metralhadoras de múltiplos canos, como as que operam pelo sistema gatling, desenvolvido antes mesmo do cartucho metálico, em 1861, empregando cartuchos de papel. O sistema ainda é empregado em armas modernas, que contam até com sistema eletromecânico de acionamento. Figura 60: Metralhadora gatling Fonte: do conteudista. 72 O modelo MG-42, desenvolvido pela Alemanha nazista, sendo adotada em 1942, empregava calibre 8mm Mauser e era caracterizada pelo baixo custo, alta confiabilidade e facilidade de manuseio. Figura 61: Metralhadora alemã MG-42 Fonte: do conteudista. 73 3.8 Submetralhadora As submetralhadoras levam este nome por serem armas mais compactas, com cano bem mais curto que o fuzil, dotadas de regime de fogo automático e empregando cartuchos normalmente utilizados em armas curtas. Figura 62: Alguns modelos de submetralhadoras Fonte: do conteudista. SAIBA MAIS! A submetralhadora UZI é caracterizada pelo seu tamanho extremamente compacto, possuindo modelos pouco maiores que uma pistola. Outro modelo clássico é a submetralhadora Thompson, projetada em calibre .45 ACP e dotada de um carregador em formato circular. Foi eternizada nas telas dos cinemas sendo mostrada como armas preferidas dos gângsters da máfia italiana. Embora desenvolvida inicialmente no fraco calibre .32 AUTO, a submetralhadora Scorpion também foi empregada em vários filmes. Posteriormente foi adaptada para os calibres 9x18mm Makarov e .380 AUTO, o que não significou grande evolução. Um modelo também muito empregado no Brasil foi o M12, desenvolvido pela italiana Beretta e fabricado sob licença e com algumas modificações pelas Forjas Taurus, sob o nome MT-9. 74 3.9 Rifle É consenso entre os autores que o termo rifle é uma designação genérica de arma de fogo portátil com cano de alma raiada, sendo derivado do inglês riffling, que significa raiamento (MARIZ, 2019). Tocchetto entende que o rifle é caracterizado pelo comprimento do cano superior a 22 ½” ou 20, ou seja, 57,15 ou 50,8 centímetros, respectivamente,
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