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Trabalho doméstico e feminismo no Movimento das Mulheres Camponesas de Santa Catarina

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Prévia do material em texto

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA 
Valéria Machado 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
“NÃO LUTAMOS PARA SAIR DA COZINHA!”: 
Trabalho doméstico e feminismo no Movimento das Mulheres Camponesas de Santa Catarina 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Florianópolis 
2020 
 
 
Valéria Machado 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
“NÃO LUTAMOS PARA SAIR DA COZINHA!”: 
Trabalho doméstico e feminismo no Movimento das Mulheres Camponesas de Santa Catarina 
 
 
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao curso 
de graduação em História, do Centro de Filosofia e 
Ciências Humanas da Universidade Federal de Santa 
Catarina, como requisito para obtenção do grau de 
Bacharel/Licenciado em História 
 
Orientadora: Profª. Dr​ª​. Janine Gomes da Silva 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Florianópolis 
2020 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
AGRADECIMENTOS 
 
Agradeço aos meus pais, Dioneide e Valmir, por todo apoio, incentivo e amor 
durante esses mais de vinte e três anos. Sem eles nada disso teria sido possível. Agradeço 
também aos meus irmãos, Dorothy e Pedro Vicente, por todo amor e carinho. 
À professora Janine, que além de me acompanhar nesse processo contribuindo 
com suas orientações, sugestões e correções foi também colega durante meus quase dois anos 
na organização do FG12. 
Ao Henrique, que com seu jeito meigo e tranquilo - mesmo de longe - me fez 
sentir amada e cuidada e acreditou em mim em momentos difíceis 
Às amigas e amigos que fizeram com que eu tenha vivido bons momentos na 
universidade e fora dela. Em especial à Glenda, por ter sido uma das melhores pessoas que 
conheci, e mesmo vendo de perto todas as minhas aflições no desenvolvimento deste trabalho, 
me incentivou e acreditou em mim. 
Agradeço também ao LEGH, IEG e FG12, espaços nos quais atuei como bolsista 
e que contribuíram para minha formação feminista, além de terem me possibilitado construir 
muitas amizades. 
Por fim, agradeço a todas e todos que de diversas formas fizeram parte de minha 
trajetória escolar e acadêmica. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
RESUMO 
 
Este trabalho tem por objetivo perceber de que forma as militantes do Movimento das 
Mulheres Camponesas de Santa Catarina ressignificaram o trabalho doméstico no campo e 
fizeram com que estas experiências se transformassem em bandeiras de luta contra as 
opressões de classe e de gênero no espaço rural. A base desta pesquisa encontra-se 
principalmente na análise da história do MMC/SC, inserida no contexto brasileiro dos 
movimentos sociais do campo, na discussão teórica e histórica sobre o trabalho doméstico no 
Brasil, voltando-se especificamente para o trabalho doméstico no campo e na compreensão 
das especificidades do feminismo camponês presentes neste movimento. A pesquisa 
baseia-se, além da pesquisa bibliográfica da vasta produção acadêmica sobre os temas, em 
entrevistas realizadas com cinco militantes do MMC da região oeste de Santa Catarina, com a 
qual suas experiências no âmbito doméstico influenciaram a imersão e participação política 
no movimento das camponesas dessas mulheres, bem como a análise documental de materiais 
produzidos pelo próprio movimento, tais como: cartilhas, livretos, folheto informativos, 
panfletos. Ao final do estudo, concluiu-se que a reivindicação do espaço doméstico, o 
reconhecimento do trabalho feminino na agricultura familiar e as transformações das relações 
de gênero são fundamentais para a produção e reprodução da vida no campo e que o 
Movimento das Mulheres Camponesas de Santa Catarina têm tido um papel fundamental na 
luta pelo protagonismo das mulheres camponesas. 
 
Palavras-chave: ​Movimento das Mulheres Camponesas. Trabalho doméstico no campo. 
Feminismo camponês. Movimentos Sociais. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
ABSTRACT 
 
The objective of this article is to apprehend ways in wich Santa Catarina’s Peasant Women’s 
Movement (MMC/SC) activists resignified domestic labor on the countryside and 
transformed their experiences into ideas for fighting against class and gender opression in 
rural areas. This Research is based on MMC/SC’s history analysis in context of brazilian rural 
social movements, on the academic discussion regarding brazilian house work, focusing in 
peasant feminist’s take on rural domestic labor. In addition to the vast academic papers on the 
subject, this research is based on interviews with five activists from Santa Catarina’s west 
region, whose involvement with the movement was influenced by their own domestical 
struggle, as well as documental analysis of propaganda such as booklets produced by the 
movement. At the end of the studies it was concluded that vindication of domestic space, 
recognition of women’s work in familiar agriculture and transformations in gender roles are 
fundamental in perpetuating rural life and that MMC/SC’s has a major role on fighting for 
women’s protagonism. 
 
Keywords: ​Peasant women’s movement. Rural Domestic Labor. Peasant Feminism. Social 
Movements. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
LISTA DE FIGURAS 
 
FIGURA 1 - Agricultura familiar e não familiar: variações entre 2006 a 2017……………...32 
FIGURA 2 - Logotipo/Identidade visual do Movimento de Mulheres Camponesas …….….36 
FIGURA 3 -​ ​Materiais do MMC disponíveis para download em seu site oficial……………44 
FIGURA 4 - Mulheres jovens são retratadas à frente das pautas ligadas aos direitos LGBTQI+ 
e contra a LGBTIFOBIA em cartilha do MMC de 2020…………………………………......45 
FIGURA 5 - Dinâmica sobre atividades realizadas pelas mulheres em um dia………….......51 
FIGURA 6 - Opinião das mulheres sobre a participação dos homens no trabalho 
doméstico………………….………………………………………………………………….54 
FIGURA 7 - Número de estabelecimentos agropecuários dirigidos pelo produtor (Unidades) - 
Sexo do Produtor.……….……………………………………………………………...……..57 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS 
 
ANMTR Articulação Nacional de Mulheres Trabalhadoras Rurais 
CEBs Comunidades Eclesiais de Base 
FAO Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura 
INCRA Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária 
MAB Movimento dos Atingidos pelas Barragens 
MMA Movimentos das Mulheres Agricultoras 
MMC Movimento das Mulheres Camponesas 
MMC/SC Movimento das Mulheres Camponesas de Santa Catarina 
MST Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra 
ONU Organização das Nações Unidas 
PT Partido dos Trabalhadores 
UFPA Unidade Familiar de Produção Agrária 
UFSC Universidade Federal de Santa Catarina 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
SUMÁRIO 
 
1 INTRODUÇÃO 12 
2 CAPÍTULO 1: “Sem feminismo não há socialismo” 17 
2.1 Os Movimentos Sociais no Brasil 18 
2.2 O Movimento das Mulheres Camponesas de Santa Catarina 23 
2.3 A atualidade do conceito “camponesa(ês)” 30 
3 CAPÍTULO 2: “Não lutamos para sair da cozinha” 38 
3.1 Feminismo camponês 38 
3.2 Trabalho doméstico no campo 47 
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS 60 
5 FONTES 62 
6 REFERÊNCIAS 62 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
12 
 
1 INTRODUÇÃO 
 
A 5 de outubro, oito ou dez mil mulheres foram a Versalhes; muita gente as 
acompanhou [...].Esse grande movimento foi o mais amplo que a Revolução 
apresentou depois de 14 de julho. O de outubro foi, quase tanto quanto o outro, 
unânime, no sentido de que aqueles que dele não participaram desejaram-lhe 
sucesso, e todos se alegraram de que o rei esteve em Paris [...]. A causa real, certa, 
para as mulheres, para a multidão mais miserável, foi uma só, a fome. [...]. Para a 
maior parte dos homens, povo ou guardas nacionais, a causa do movimento foi a 
honra, o ultraje feito pela corte ao emblema parisiense, adotado pela França inteira 
como o símbolo da Revolução. Entretanto, teriam os homens marchado para 
Versalhes se as mulheres não os tivessem precedido? Isso é duvidoso. Ninguém 
antes teve a ideia de ir buscar o rei [...]. O que há de povo de mais povo, quero dizer, 
de mais instintivo, de mais inspirado, são, por certo, as mulheres. Sua ideia foi esta: 
“Falta-nos pão, vamos buscar o rei; se ele estiver conosco, cuidar-se-á para que o 
pão não falte mais”. (MICHELET, 1998, p. 253). 
 
Este trecho de ​A História da Revolução Francesa de Jules Michelet sempre me 
causou certa inquietação, e, embora o historiador francês ainda esteja inserido numa lógica 
romântica e iluminista que reproduz a ideia de que à mulher pertence a natureza do sensível, 
do instintivo, da maternidade e da família - em contraponto de uma racionalidade 
exclusivamente masculina - suas observações acerca da Marcha sobre Versalhes nos fazem 
refletir sobre como as delimitações do espaço doméstico fizeram com que as mulheres fossem 
as primeiras a sentirem a escassez alimentar (são elas as responsáveis pelo preparo do 
alimento) e como esse espaço de experiência foi capaz de gerar um efeito mobilizador que 
ficou conhecido como um dos mais importantes do primeiro ano da Revolução Francesa. 
Observando como os movimentos feministas brasileiros têm se organizado no que 
diz respeito ao trabalho doméstico e a divisão sexual do trabalho no campo, minha pesquisa 
busca analisar a forma com que o Movimento das Mulheres Camponesas de Santa Catarina 
ressignificou a esfera doméstica e instrumentalizou as experiências de suas membras, 
transformando violências e opressões de classe e gênero em ferramentas na luta por direitos e 
emancipação. 
Segundo Lourdes Vicente, mulher camponesa e militante do Movimento dos 
Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), “É na cozinha das propriedades rurais que estão os 
espaços de decisão da família. Não lutamos para sair da cozinha, lutamos para que se mude a 
ressignificação das relações de trabalho entre homem e mulher”​1​. A fala de Lourdes durante o 
11º Seminário Internacional Fazendo Gênero​2​, em 2017, foi fundamental para o 
1 MEDEIROS, Silvia. Um feminismo que brota da terra. Disponível em: 
<https://catarinas.info/um-feminismo-que-brota-da-terra/>. Acesso em: 29 mai. 2019​. 
2 ​O Seminário Internacional Fazendo Gênero é um evento acadêmico promovido por pesquisadoras das mais 
diversas áreas de conhecimento da Universidade Federal de Santa Catarina que acontece a cada três anos desde 
1994. Voltado para temáticas que englobam as questões de gênero, o Seminário vem buscando em suas últimas 
edições uma aproximação com a comunidade não-acadêmica e com os movimentos sociais. Em sua 12ª edição, 
 
13 
 
desenvolvimento da ideia central deste trabalho e serviu de pontapé inicial para que eu 
pensasse a respeito das particularidades do feminismo camponês e das estratégias de 
resistência das mulheres do campo. 
O Movimento das Mulheres Agricultoras foi criado no ano de 1983 na cidade de 
Chapecó, no oeste catarinense, inspirado na figura da líder sindicalista paraibana Margarida 
Alves, assassinada no mesmo ano por um matador de aluguel. Ao longo dos anos oitenta 
diversas organizações e movimentos de mulheres do campo se organizaram em várias regiões 
do país, até que em 1986 se reúnem em São Paulo e promovem o I Encontro Nacional das 
Mulheres Trabalhadoras Rurais, que tinha como um dos objetivos principais a organização da 
luta pelos direitos trabalhistas e de participação política e das trabalhadoras do campo. 
(Movimento das Mulheres Camponesas, 2018, p. 5). Ao longo dos anos o MMA vai se 
discutindo cada vez mais temáticas de gênero e ultrapassando as pautas ligadas ao trabalho e 
aos direitos políticos, passando a problematizar questões relacionadas ao espaço doméstico e 
às relações de gênero no campo, como violência, sexualidade, saúde, educação. Em 2004 o 
movimento se nacionaliza e passa adotar uma postura que tenta abranger as questões das 
mulheres do campo, voltando-se principalmente para as pautas ligadas à produção de 
alimentos saudáveis e livre de agrotóxicos. É nesse momento que o MMA “troca” de nome, 
passando a se chamar Movimento das Mulheres Camponesas. 
Embora os Estudos de Gênero estejam consolidados no país - dado o número de 
trabalhos desenvolvidos, a ampliação de grupos de pesquisa, a vasta produção literária - o 
aprofundamento nas temáticas que circundam este campo de pesquisa têm se mostrado cada 
vez mais necessário e complexo em nossa sociedade. De acordo com Maria Luiza Heilborn e 
Bila Sorj (1999, p. 184) diferente do que aconteceu nos Estados Unidos e na Europa o 
feminismo brasileiro de segunda onda teve sua constituição menos ancorada nos movimentos 
sociais e mais articulada no meio acadêmico, desenvolvendo um caráter menos radical e mais 
científico. Vale lembrar que a “chegada” do feminismo no Brasil coincide com o início do 
período mais repressivo da Ditadura Militar (final da década de sessenta) . Segundo as autoras 
As acadêmicas, por sua maior exposição a ideias que circulam internacionalmente, 
estavam numa posição privilegiada para receber, elaborar e disseminar as novas 
questões que o feminismo colocara já no final da década de sessenta nos países 
capitalistas avançados. Assim, quando o movimento de mulheres no Brasil adquire 
visibilidade, a partir de 1975, muitas das suas ativistas ou simpatizantes já estavam 
inseridas e trabalhavam nas universidades (p. 285). 
 
que acontecerá em julho de 2021, o evento contará pioneiramente com simpósios temáticos coordenados por 
ativistas e artistas. 
 
14 
 
O avanço dos Estudos de Gênero e sua inserção em áreas para além das ciências 
humanas vêm refletindo nos últimos anos com relação às abordagens teóricas e no enfoque de 
várias pesquisas. Este avanço pode ser percebido, por exemplo, no campo de estudos e nas 
articulações entre a academia e os movimentos sociais. O próprio MMC é um exemplo de 
como o contato com produções e estudos feministas possibilitou um aprofundamento nas 
temáticas ligadas às questões de gênero, além disso, eventos como Seminário Internacional 
Fazendo Gênero tem atuado na transformação do espaço acadêmico, construindo novas 
perspectivas em parceria com os movimentos sociais feministas. Esse reflexo se dá inclusive 
nos estudos sobre campesinato no Brasil. Segundo levantamento feito por Edna Lopes 
Miranda e ​Ana Louise Carvalho Fiúza, a partir de teses e dissertaçõessobre a temática desde 
os anos 1980 até 2015, houve uma modificação nas configurações e organizações nos 
movimentos rurais/do campo no país, para as autoras 
[...] enquanto os movimentos sociais da década de 1980 até fins do século XX 
tinham as suas reivindicações focalizadas no mundo do trabalho, sendo a questão do 
acesso à terra o ponto fundamental das ações coletivas, os movimentos dos anos 
2000 voltam-se de forma crescente para a vida cotidiana, com demandas relativas à 
Educação, ao uso dos meios de comunicação, bem como às questões relativas à 
juventude e às desigualdades de gênero. Desta forma, temas tradicionais nas 
pesquisas são recolocados e novos emergem a partir das novas dinâmicas dos 
movimentos sociais no meio rural. (FIÚZA, MIRANDA, 2017, p. 134) 
 
Isso indica que as pesquisas se modificaram ao longo do tempo e têm se atentado 
cada vez mais para essas reorganizações de enviesamento teórico e político. No levantamento 
feito pelas autoras os trabalhos com temáticas como mulheres e movimentos sociais 
contemporâneos correspondiam a 19% do total, sendo as palavras mulher, gênero, rurais, 
empoderamento, sindicato e militância as mais utilizadas nessas produções (p. 128). 
Este trabalho, inserido nos Estudos de Gênero e História, busca somar com as 
pesquisas que dão visibilidade a atuação das trabalhadoras do campo, ao trabalho doméstico, 
possibilitando a construção de um saber científico que dialogue diretamente com as 
experiências, conhecimentos, saberes e visões de mundo das militantes do MMC/SC, a partir 
da compreensão das complexidades de suas pautas e das ferramentas de resistência ao 
capitalismo e de transformação nas relações de gênero no meio rural. 
Nesta pesquisa trabalharei com dois tipos de fontes: materiais produzidos pelo 
próprio movimento e disponibilizados em seu ​site ​oficial e fontes orais (resultado de 
entrevistas). Estes materiais consistem em textos, cartilhas, folders, materiais de formação, 
imagens e são voltadas, em sua maioria, para a militância. De acordo com Fábio Chang de 
Almeida (2011, p. 19) são chamados de documentos digitais primários. Esses documentos 
“podem ser classificados em dois tipos básicos: os ‘documentos primários digitais exclusivos’ 
 
15 
 
e os ‘documentos primários digitalizados’” (p. 19). Segundo o autor, os documentos digitais 
exclusivos, como seu próprio nome indica, são feitos exclusivamente para publicação em 
espaço virtual; já os documentos primários digitalizados são aqueles, por exemplo, foram 
feitos para circulação impressa e posteriormente adaptados para o espaço virtual (p. 19). Por 
isso, embora todos os documentos do movimento das camponesas analisados nesta pesquisa 
estejam disponíveis ​online, ​vários deles foram produzidos para circulação impressa, e, 
considerando que se trata de um movimento social, acredito que a disponibilização desses 
documentos via internet sirva para que facilite seu acesso e divulgação. 
As entrevistas utilizadas estão inseridas em duas temporalidades distintas: 2012 e 
2017 e tiveram diferentes finalidades e abordagens. Sirlei Gasparetto e Noeli (entrevistadas 
juntas) e Geneci Santos e Catiane Cinelli (entrevistadas juntas), foram entrevistadas pela 
historiadora Larissa Viegas Mello de Freitas na cidade de Chapecó, no Oeste de Santa 
Catarina, em 2012. Elas integram um conjunto de entrevistas feitas com mulheres de 
diferentes movimentos no Brasil e na América Latina que se identificam com o feminismo e 
fazem parte de um conjunto de fontes destinadas aos estudos sobre Feminismos no Conesul 
do Laboratório de Estudos de Gênero e História da UFSC, o LEGH. Estas entrevistas 
serviram como material para diversas pesquisas, incluindo a dissertação de mestrado de 
Larissa Freitas: “O Feminismo que veio do campo: movimentos de mulheres e trajetórias de 
identificação (Brasil e Paraguai, 1985 - 2010)”. É importante destacar que nesse período o 
Brasil tinha como presidenta Dilma Rousseff do PT, partido historicamente apoiado pelo 
MMC, bem antes dos movimentos de julho de 2013 e do golpe de 2016 que impeachmou 
Dilma. Já Luci Choinacki foi entrevistada em 2017 pela historiadora Soraia Carolina de Mello 
e faz parte do projeto Mulheres de Luta​3​, também do LEGH. Esta entrevista está inserida num 
cenário bem distinto das anteriores, no momento em que o Brasil vive ainda as reverberações 
causadas pelo impeachment e pelo avanço conservador no país, que levou Jair Messias 
Bolsonaro à presidência no ano seguinte. Neste cenário também diversos movimentos de 
ataque às temáticas de gênero e ao feminismo ganham força no país, como o Escola Sem 
Partido. Dessa forma, minha pesquisa, inserida no campo de História do Tempo presente, 
busca analisar a trajetória do MMC de Santa Catarina a partir das visões e memória destas 
cinco militantes (e dos materiais), entendendo suas construções coletivas mas também as 
subjetividades presentes em suas falas de acordo com estes contextos. 
No primeiro capítulo discutirei o processo de constituição dos movimentos sociais 
e as condições políticas, sociais e econômicas que contribuíram para a constituição dos 
3 Ver http://www.legh.cfh.ufsc.br/projeto-mulheres-de-luta/. 
 
16 
 
movimentos sociais no Brasil a partir de reflexões de Maria Lúcia Duriguetto e Carlos 
Montaño. Também farei algumas considerações sobre o surgimento do movimento social 
camponês no Brasil e do Movimento das Mulheres Camponesas de Santa Catarina, com base 
nos trabalhos de Valdete Boni e Larissa Freitas. Por fim, trarei algumas discussões sobre o 
campesinato no Brasil e as concepções sobre a adoção do termo “camponesa” no movimento 
das mulheres. 
No segundo capítulo discorrerei sobre o trabalho doméstico partindo da 
conceitualização de Maria Cristina Bruschini e das contribuições de Soraia Carolina de Mello 
sobre o tema, ultrapassando as noções dualistas entre trabalho produtivo e reprodutivo, 
sobretudo para pensar a complexidade das atividades desempenhadas pelas mulheres 
camponesas e a forma como (se) este assunto é abordado pelo MMC. Nessa discussão me 
basearei principalmente nos trabalhos de Maria Ignez Paulilo sobre os diferentes valores 
atribuídos ao trabalho masculino e feminino no campo. Também abordarei as pautas do MMC 
pensando nas especificidades do feminismo camponês, das influências das experiências do 
privado na atuação política das militantes e nas estratégias de manutenção da vida no campo, 
sobretudo através da agroecologia, da preservação dos saberes tradicionais e da tentativa de 
transformação das relações de gênero. 
 
17 
 
2 CAPÍTULO 1: “Sem feminismo não há socialismo” 
 
[...] E o movimento de mulheres camponesas então, que é; a discussão de quem 
produz os alimentos, das mulheres que estão no campo, de diferentes atividades, e 
também tem uma questão da luta de classes. Se retoma também essa discussão do 
que é ser o camponês, que não é o atrasado, que a camponesa não é a atrasada, que 
não ficou parada na história, mas é a que traz uma cultura, é a que traz os seusvalores, é a que tem um cuidado com a terra. (CINELLI, 2012, p. 5). 
 
[...] Nesse processo o feminismo entra como conteúdo no sentido de que existe uma 
compreensão pra nós de que o capitalismo e o patriarcado são dois lados de uma 
mesma moeda que vão reafirmar a exploração e a opressão contra as mulheres, a 
discriminação, a submissão, a desqualificação, enfim. Então, nós compreendemos 
feminismo como um movimento das mulheres que lutam pela igualdade, né, contra a 
opressão de gênero, contra o patriarcado e contra a exploração, contra o capitalismo. 
Então pra nós, ser feminista é assumir o que? A luta de gênero, de classe, de etnia, 
enfim, uma luta mais ampla. Esse é o conceito de feminismo que vem perpassando 
as nuances da história da luta das camponesas no Brasil. [...] (GASPARETTO, 2012, 
p. 3). 
 
Os dois trechos acima foram retirados de entrevistas realizadas com militantes do 
Movimento das Mulheres Camponesas de Santa Catarina (em Chapecó) e fazem parte do 
conjunto de fontes que compõem este trabalho. Através dessas falas é possível identificar 
elementos que descrevem o caráter político e os princípios ideológicos do movimento: O 
feminismo e o combate ao capitalismo. É importante destacar que tanto Catiane Cinelli 
quanto Sirlei Gasparetto - mulheres camponesas - enxergam as opressões contra a classe 
trabalhadora e contra as mulheres como complementares, “dois lados da mesma moeda”, 
como destaca uma delas. 
Essas duas falas deixam evidente que tais percepções não são individuais: elas 
fazem parte das construções de discurso, de memória e de identidade que, enquanto 
fenômenos sociais, compõem a própria natureza dos movimentos. Dessa forma é possível 
encontrar esse mesmo discurso no tópico “Quem somos” no ​site ​oficial do MMC: 
Somos mulheres camponesas: agricultoras, arrendatárias, meeiras, ribeirinhas, 
posseiras, bóias-frias, diaristas, parceiras, extrativistas, quebradeiras de coco, 
pescadoras artesanais, sem terra, assentadas... Mulheres índias, negras, descendentes 
de europeus. Somos a soma da diversidade do nosso país. Pertencemos à classe 
trabalhadora, lutamos pela causa feminista e pela transformação da sociedade. [...] 
Há mais de vinte anos construímos um Movimento autônomo, democrático, popular, 
feminista e de classe, na perspectiva socialista ( MMC, [20--?] ). 
 
Percebemos, então, que o feminismo camponês carrega consigo as compreensões 
da realidade das mulheres dentro de uma lógica patriarcal atravessada pelas questões de classe 
e de raça/etnia, construídas através das experiências e visões de mundo de suas militantes. 
Isso nos mostra que os movimentos sociais não são meras aglomerações de indivíduos que 
lutam por uma causa comum, mas se trata de organizações que atuam dentro de princípios 
 
18 
 
político-ideológicos e se organizam dentro de uma prática que pode se transformar ao longo 
do tempo. 
Para que possamos compreender as complexidades do trabalho doméstico no 
campo e, sobretudo, as atuações do MMC/SC e suas formas de resistência no que diz respeito 
às relações e ressignificações das relações de gênero no meio rural, dedicaremos este capítulo 
para discutir as especificidades dos movimentos sociais [do campo], a forma como se 
constituem e como atuam na sociedade (de sua gênese até as transformações que sofrem ao 
longo do tempo) e, a partir desta análise, identificar as condições políticas, econômicas e 
sociais que contribuíram para a formação do Movimento das Mulheres Camponesas de Santa 
Catarina. 
 
2.1 Os Movimentos Sociais no Brasil 
 
Muitos dos movimentos sociais que emergiram no Brasil nos anos setenta tinham 
como principal inimigo o regime militar. Com o fim do governo militar e o início do processo 
democrático, os movimentos sociais passaram a se desenvolver a partir de pautas mais 
específicas: educação, gênero, sexualidade, meio ambiente, raça, etnia. Nesse novo contexto 
neoliberal, Ana Lúcia Duriguetto e Carlo Montaño (2010) ressaltam que alguns movimentos 
sociais “vêm ativando as lutas de classe e sociais nos marcos das contemporâneas de 
dominação e exploração” (p. 294). Esses movimentos se caracterizam pela contestação dos 
avanços neoliberais associados com o afunilamento de explorações ligadas ao trabalho, às 
relações de gênero e aos direitos indígenas. A nível internacional, os autores destacam a Via 
Campesina. Para estes autores, o principal objetivo das do movimento é “desenvolver a 
solidariedade entre as organizações de pequenos agricultores; preservação da terra; soberania 
alimentar […]; produção agrícola sustentável, entre outros” (p. 298). A via campesina foi 
criada em 1992 e conta com organizações e movimentos camponeses da América Latina, 
Ásia, América do Norte, Caribe, América Central, Caribe e Leste e Oeste Europeu. 
No Brasil, os movimentos que integram a via são o Movimento das Mulheres 
Camponesas, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra, o Movimento dos Atingidos 
Por Barragens e o Movimento dos Pequenos Agricultores. O fato do MMC compôr a Via 
Campesina faz com que seja considerado um movimento contra o avanço do neoliberalismo, 
atrelado ao movimento feminista, ou seja, o Movimento das Camponesas atua contra os 
avanços neoliberais através de uma prática feminista, ancorada, sobretudo, na libertação das 
mulheres através da produção alimentar sustentável e saudável. 
 
19 
 
Embora os camponeses tenham articulado e protagonizado importantes 
movimentos de resistência e disputa pela terra ao longo de todo o processo histórico do Brasil 
- dos quais se destacam a Guerra de Canudos e a Guerra do Contestado - a formação das 
Ligas Camponesas são um importante marcador na constituição do que nos anos setenta e 
oitenta passou a se configurar nacionalmente como Movimento Camponês. A organização das 
Ligas Camponesas transformaram as perspectivas dos movimentos do campo no Brasil e, 
como veremos a seguir, umas das condições para a emergência dos movimentos sociais 
apontadas por Duriguetto e Montaño é justamente o cenário de lutas que antecederam o golpe 
de militar, dessa forma, podemos considerar que através de transformações sociais e políticas 
o movimento camponês dos anos 1950 reverbera e se rearranja nos anos setenta, 
acompanhando as mudanças sociais e levando em conta os agravamentos das condições de 
produção e reprodução da vida no campo. 
As Ligas Camponesas eram organizações de camponesas e camponeses que se 
articularam principalmente no nordeste entre a década de 1940 e os anos que antecederam o 
golpe militar. Um dos momentos de maior expressão das Ligas foi entre 1945 e 1947, onde 
funcionavam, nas palavras de Marleide Sérgio, como “organizações-apêndice” (SERGIO, 
2016, p. 101) do Partido Comunista, reunindo milhares de membros(as) (FREITAS, 2011, p. 
271; SERGIO). Além da influência do PCB, as Ligas tiveram forte participação da Igreja 
Católica, sobretudo no início dos anos sessenta. De acordo com Larissa de Freitas (2016, p. 
262) 
Desde a década de 1950 a Igreja Católica passou a reestruturar sua atuação perantea 
sociedade, mostrando-se mais sensível aos problemas sociais da população, e isso 
vinha em grande parte da América do Sul. Entre 1961 e 1965 ocorreu o Concílio 
Vaticano II, que de modo geral definia uma atuação mais popular de orientação 
pastoral da igreja, propondo a realização de trabalhos sociais com as comunidades 
em que estava inserida. 
 
O fracasso da guerrilha armada (tendo como maior exemplo a Guerra do 
Araguaia) e repressão violenta do regime militar contribuíram para que o Partido Comunista 
se tornasse cada vez menos influente nas articulações dos camponeses e fez com que a Igreja 
exercesse um papel fundamental nos anos sessenta na construção de uma base camponesa que 
vai constituir os movimentos do campo na segunda metade da década de 1970. Voltaremos a 
este tema mais adiante. 
As Ligas serviram não apenas como meio de luta e resistência do campesinato 
entre a década de 1940 e 1960, elas se constituíram como importante expressão das 
mobilizações do campo e fazem parte da construção da memória e da identidade política e 
militante do movimento camponês na década de 1980. Além disso, a herança ideológica 
 
20 
 
marxista deixada pelo Partido Comunista pode ser vista ainda hoje no movimento camponês, 
a exemplo disso temos o feminismo com recorte de classe do MMC. A reivindicação desse 
passado no movimento das camponesas acontece principalmente a partir da mudança do 
nome, em 2004, quando se tem a necessidade de construção de uma identidade, e é nesse 
momento em que o resgate de um passado de lutas se torna imprescindível principalmente por 
se tratar de uma nomenclatura pouco utilizada nos movimentos da região sul, segundo uma 
das militantes 
Então discutir assim o que é ser camponesa, qual o significado da vida camponesa, 
da cultura camponesa. Como é que se discute o campesinato, o que tem de história 
do campesinato. Retoma-se as Ligas Camponesas do nordeste, por exemplo. Tem 
um significado e as mulheres vão compreendendo isso. 
 
Esse mesmo resgate foi feito pelos demais movimentos, sobretudo aqueles que 
passaram a integrar a Via Campesina. A fala de Pedro Stédile, um dos fundadores do MST e 
importante defensor da reforma agrária demonstra essa retomada de um passado “heróico” 
das Ligas: 
As Ligas foram assassinadas! Como organização social foram destruídas. Mas 
haviam semeado em terra fértil. E suas experiências e pregações ficaram 
adormecidas profundamente, mas, depois de muitos anos, rebrotaram. [...] vinte anos 
depois, rebrotaram em diversos outros movimentos sociais no campo brasileiro. 
Entre eles, no MST. Por isso, muito nos orgulhamos de sermos descendentes desse 
grande movimento camponês, as Ligas Camponesas (STÉDILE, 2002, p. 8 ​apud 
SERGIO, 2016, p. 106). 
 
Para Rosemeire de Almeida, o Brasil passa a ter uma questão agrária, ou melhor, 
um problema agrário com o fortalecimento das medidas de modernização do campo iniciadas 
na década de 1950 e que tomam maior expressão nos anos sessenta. É nesse momento, 
segundo a autora, que a herança latifundiária se torna mais complexa, pois a base técnica da 
agricultura é transformada através da “‘Revolução Verde’ que produziu a chamada 
‘modernização dolorosa’”(ALMEIDA, 2009 p. 1). De acordo com Gonçalves (2004) 
A própria denominação revolução verde para o conjunto de transformações nas 
relações de poder por meio da tecnologia indica o caráter político e ideológico que 
ali estava implicado. A revolução verde se desenvolveu procurando deslocar o 
sentido social e político das lutas contra a fome e a miséria, sobretudo após a 
Revolução Chinesa, Camponesa e Comunista, de 1949. Afinal, a grande marcha de 
camponeses lutando contra a fome brandindo bandeiras vermelhas deixara fortes 
marcas no imaginário. A revolução verde tentou, assim, despolitizar o debate da 
fome atribuindo-lhe um caráter estritamente técnico. O ​verde dessa revolução reflete 
o medo do ​perigo vermelho​, como se dizia à época. Há com essa expressão 
revolução verde uma técnica própria da política, aqui por meio da retórica (p. 212 
apud ​ALMEIDA, 2009, Grifos do autor). 
 
O processo de modernização do campo no Brasil foi marcado pela substituição 
das plantações de café pela produção da soja e pela introdução de pacotes tecnológicos 
 
21 
 
(pesticidas, fertilizantes), seguindo um modelo que também pode ser observado na Ásia. Esse 
processo serviu para que houvesse o aumento da mercantilização tanto de produtos quanto das 
forças de trabalho (BONI, 2012). 
Os impactos do “milagre econômico” agravaram as desigualdades sociais no 
campo, precarizando ainda mais o trabalho e as condições de vida dos camponeses em 
benefício do latifúndio e do crescimento da agroindústria. De acordo com Maria Lúcia 
Duriguetto e Carlos Montaño (2011), a modernização causou um processo acelerado na 
proletarização/assalariamento rural, o que aumentou o número de trabalhadores temporários e 
as migrações para grandes centros industriais e, é nesse momento que o Brasil passa a ser um 
país efetivamente urbano (p. 269). São esses fatores econômicos, sociais e políticos que vão 
contribuir para a emergência dos movimentos do campo. 
Segundo estes autores, existem três condições históricas para a emergência dos 
movimentos sociais no Brasil. A primeira diz respeito à diversidade latino-americana​4​. A 
segunda condição está ligada ao processo de modernização conservadora no Brasil. Para os 
autores o período conhecido como “milagre econômico” (1968-1973) marcou o avanço do 
capitalismo no país através da estratégia de endividamento externo e suas consequências 
foram sentidas pela classe trabalhadora através de piores condições de trabalho, desemprego, 
fluxo migratório intenso das populações rurais para os centros urbanos (sobretudo para a 
região sudeste e centro-oeste)​5​, loteamentos irregulares que ocasionaram o aumento das 
favelas e a precarização do acesso à saúde, moradia e educação, arrocho salarial, e, 
consequentemente, o aumento da desigualdade social. Isso contribuiu para o fortalecimento 
das insatisfações da população que, além de lidar com a forte repressão política e a violência 
do regime ditatorial, passou a enfrentar também os impactos econômicos causados por este 
modelo capitalista de aceleração industrial. Entre o fim da década de sessenta e o início da 
década de setenta este modelo começa a entrar em colapso e serve para potencializar o 
surgimento de organizações e movimentos populares que irão eclodir na constituição dos 
movimentos sociais nos anos oitenta, que além do fim das articulações pelo acesso aos bens 
de consumo (contra carestia, associações de bairro/moradores, mobilizações pelo direito à 
moradia, à creche, à saúde etc) também passam a pedir o fim da ditadura (diretas já) (p. 
274-275). 
4 Como nosso foco aqui é abordar o movimento social camponês no Brasil, não nos estenderemos em discutir o 
contexto latino-americano. De modo geral, esta condição diz respeito aos processos históricos heterogêneos e às 
diferentesconstituições dos grupos sociais na américa-latina e suas diferentes formas de resistência. 
5 ​De acordo com Duriguetto e Montaño, esse fluxo migratório fez com que a população proletária saltasse de 7,7 
milhões em 1970 para 14,3 milhões na década de 1980 (p. 269). 
 
22 
 
A terceira condição está ligada ao cenário de lutas que precederam o golpe de 
1964: 
Entre os anos de 1961 e 1964, as organizações das classes subalternas tiveram forte 
momento de ascensão na sociedade civil brasileira. Aglutinados sob a bandeira das 
reformas de base (reforma agrária, tributária, bancária, urbana, política e 
universitário, de cunho democrático e nacionalista) uma forte mobilização social se 
expressou por meio do movimento sindical, dos movimentos no campo e do 
movimento estudantil. Centenas de greves foram realizadas pelo movimento sindical 
urbano e pelos movimentos sociais e sindicais no campo pela reforma agrária.​6 [...] 
O campo democrático e popular, sustentado assim na versão de amplas camadas de 
trabalhadores urbanos e rurais sobre a bandeira das reformas de base, colocava em 
questão aqueles dois traços que caracterizam a nossa formação social: o capitalismo 
sem reformas e a exclusão das massas dos níveis de decisão (p. 270). 
 
Isso demonstra a construção e a emergência de “novos” sujeitos políticos e 
transformações das organizações desses grupos sociais que passam a ter visões mais 
complexas e nacionalizadas da sociedade brasileira e essa organização atinge todos os setores: 
passa pelas condições da vida privada, do trabalho, do acesso a serviços fundamentais, 
questões de gênero, raça, sexualidades. São diferentes formas de organização que confrontam 
o sistema do qual são fruto. No entanto, este processo é completamente interrompido com o 
Golpe de 1964, onde todas as possibilidades de desenvolvimento democrático são fortemente 
repreendidas através da instauração de uma política de violência institucionalizada, como os 
Atos institucionais e os Centros de Operações de Defesa Interna (DOI-CODI). O cenário 
extremamente hostil não impediu que houvesse organizações e articulações clandestinas de 
resistência ao regime. Duriguetto e Montaño (2011, p. 273) destacam a Passeata dos Cem Mil 
(1968), as greves dos metalúrgicos de Contagem e Osasco (1968), as atuações dos grupos de 
esquerda que defendiam a luta armada e atuaram através de assaltos a bancos, sequestros de 
representantes internacionais (destaca-se o caso do embaixador dos EUA Charles Burke 
Elbrick), e por meio da ação política por vias legais, como foi o caso do MDB - partido de 
oposição ao do governo, o Arena. 
Além das três condições locais/nacionais, a emergência dos novos movimentos 
sociais no Brasil acompanharam as transformações no mundo ocidental em volta das 
mobilizações desencadeadas pelos acontecimentos de maio de 1968 em Paris, que marcam as 
transformações nas organizações sociais que vão repercutir nos movimentos contra a Guerra 
do Vietnã, pelo fim da segregação racial nos EUA e pelos direitos dos negros, no movimento 
feminista, movimento LGBT, o movimentos ecologista, estudantil. Assim, 
6 ​Destaca- se a criação da União Nacional dos Estudantes (UNE), Centros Populares de Cultura (CPCs), 
Movimentos católicos (JUC, JAC), criação do Partido Comunista do Brasil (PC do B), Política Popular, Ação 
Popular etc. (DURIGUETTO, MONTAÑO). 
 
23 
 
Esse aparecimento assina um novo limite da conflitividade produzida pelo 
movimento operário: “a contestação do poder do capital sobre o trabalho não se 
estendeu ao poder fora do trabalho”, ou seja, as lutas operárias não conseguiram se 
articular com as demandas e lutas dos chamados novos movimentos sociais 
emergentes (p. 265). 
 
Os movimentos sociais que se constituem no Brasil entre a década de 1970 e 1980 
inserem novas visões no campo de atuação política, desenvolvendo novas concepções e 
“buscam lutar no seu cotidiano contra as amarras da alienação, no ‘aqui e agora’, 
experimentando formas organizativas de auto-gestão, auto-avaliação, criando a possibilidade 
histórica de desenvolvimento de um processo de conscientização sobre as condições políticas 
causadoras da alienação” (ALMEIDA, 2009, p. 5). O cenário anti-democrático do período 
militar evidenciou o “não lugar” desses sujeitos, que a partir de mecanismos locais de 
articulação e resistência atribuem sentido às suas indignações e que coletivamente passam a 
reivindicar melhorias nas condições de trabalho, a criação de políticas públicas e ampliação 
dos direitos civis voltados para cidadania, cultura, raça/etnia, sexualidade, gênero. 
2.2 O Movimento das Mulheres Camponesas de Santa Catarina 
 
A História de formação do Movimento das Mulheres Camponesas está inserida 
num contexto nacional pós-ditadura militar de reorganização dos movimentos ligados ao 
trabalho rural e o direito à terra. Segundo a autora Maria José Carneiro (1994, p. 11), é na 
década de 1980 que as mulheres do campo começam a se organizar em movimentos sociais 
que visam resolver problemas específicos ligados, sobretudo, ao trabalho. Isso não significa 
que antes desse período as mulheres não estivessem engajadas em organizações de luta 
camponesa, o que acontece, segundo a autora, é que “até então, a inserção feminina nos 
movimentos sociais no campo realizava-se, normalmente, através da participação dos 
respectivos maridos ou de outros familiares”. Para Elizabeth Ferreira da Cruz a participação 
das mulheres rurais em movimentos e organizações políticas é invisibilizada, já que elas 
estiveram presentes nas Ligas Camponesas​7​, na criação dos sindicatos rurais, na constituição 
das CEBs e pastorais sociais e de grupos que já estavam voltados para a situação das mulheres 
do campo, como clube de mães e clube de mulheres do campo (2008, p. 161). Essa 
participação invisibilizada e limitada vai ser, inclusive, o motivo pelo qual as mulheres veem 
7 ​Destacamos aqui a importância política de Elizabeth Teixeira na liderança das Ligas Camponesas na Paraíba. 
Elizabeth assumiu o movimento em Sapé/PB depois que seu marido, João Pedro Teixeira, foi assassinado por 
latifundiários da região, em 1962. Para Larissa de Freitas a militância de Elizabeth se divide em duas fases: 
quando acompanhava o marido (mas já tinha participação ativa na Liga) nas reuniões e quando toma a frente do 
movimento depois do assassinato de João Pedro (FREITAS, 2011, pp. 271-272). 
 
24 
 
a necessidade de organizar um espaço onde possam ter maior participação, onde sejam 
responsáveis pelas tomadas de decisão e, principalmente, um espaço em que além dos 
interesses da “classe camponesa” também possam construir pautas voltadas para as mulheres 
do campo. 
Para compreender o Movimento das Mulheres Camponesas é preciso pensar suas 
especificidades e, para além do contexto nacional, discutir as características regionais do oeste 
catarinense e suas implicações no tipo de organização camponesa que surge ali. Enquanto o 
modelo agroindustrial implantado na região norte e centro-oeste do país se caracterizou pela 
monocultura latifundiáriade produção de soja, milho e criação de gado de corte para o 
abastecimento do mercado externo, a região sul é marcada pela presença de minifúndios 
destinados, sobretudo, ao abastecimento interno de produção de alimentos, leite aves e suínos, 
sendo esses dois últimos também destinados à exportação e nos quais as indústrias 
frigoríficas irão investir na produção integrada com os pequenos agricultores (BONI, 2012). 
As origens do modelo de agricultura no sul, especificamente no oeste de Santa 
Catarina, tem ligação direta com o tipo de ocupação e de política de terras que se desenvolve 
na região. Jaci Poli (2014, p. 149) destaca que existem três fases de ocupação do oeste 
catarinense: a primeira, que vai até meados do século XIX e diz respeito ocupação indígena 
de etnia Kaingang; a segunda, conhecida como “cabocla” e tem origem da miscigenação de 
portugueses com indígenas da região; e a terceira, a fase da colonização, marcada pela 
chegada de imigrantes de origem alemã e italiana vindos do Rio Grande do Sul, sendo esta 
que vai definir as atividades agrícolas da região. 
A chegada dos indivíduos de origem europeia vindos do Rio Grande do Sul foi 
causada pelo esgotamento de terras neste estado e a colonização da região oeste de Santa 
Catarina, amplamente estimulada pelo Estado. Dessa forma, essas famílias compravam terras 
no oeste através das companhias colonizadoras que eram as responsáveis pela demarcação 
dessas terras. É importante ressaltar que este território já era ocupado por indígenas e 
“caboclos”, que por sua vez não possuíam títulos das terras. Antes da colonização os caboclos 
concentravam suas atividades na agricultura de subsistência, mas com a chegada dos 
imigrantes passaram a trabalhar como diaristas ou agregados nessas propriedades (BONI, 
2012). 
As áreas da região eram caracterizadas pelos terrenos de difícil acesso porém a 
experiência europeia de produção agrícola fez com que agricultura se desenvolvesse de forma 
que as famílias produziam para sua subsistência enquanto o excedente era comercializado e a 
renda muitas vezes utilizada para pagar as companhias colonizadoras. Essa política de venda 
 
25 
 
de terras para pequenos produtores fez com que se desenvolvesse ali a policultura, mesclando 
produção de alimentos e criação de animais. 
Com as políticas de modernização no campo houve uma virada agroindustrial que 
fez com que esses pequenos agricultores passassem a produzir em maior escala e 
especializassem sua produção/criação. Assim, a partir da década de 60 a região presencia um 
aumento na produção de suínos, incentivada e influenciada pelo estabelecimento de indústrias 
frigoríficas (Perdigão, Sadia, Aurora, Seara) e pelo Estado, como destaca Paulilo: 
No Oeste do Estado, outro fator de modernização foi a expansão dos frigoríficos. 
Essas empresas trabalham na forma de ‘produção integrada’, isto é, fornecem 
insumos e assistência técnica ao produtor e compram toda a produção. Essa é uma 
forma oligopólio-oligopsônica de comércio, porque o agricultor se obriga a só 
comprar os insumos da agroindústria e a vender o produto para ela. Para ser 
integrado o agricultor tem que obedecer padrões de qualidade bastante altos e 
mesmo internacionais, quando os bens são exportados. Caso não o faça, ou não 
consegue ligar-se às empresas ou é delas desligado, porque nada lhe assegura a 
continuidade do contrato (1998, p.113 ​Apud​ BONI, p. 32). 
 
Isso demandou que a produção de suínos e aves substituísse a policultura e, como 
consequência, fez com que as famílias não conseguissem mais produzir para seu próprio 
abastecimento e passassem a dedicar a propriedade ao atendimento das demandas industriais, 
pois além do produto final da produção a criação desses animais fez com que aumentasse a 
produção de soja e milho que serviam de alimento para aves e suínos. 
Com a instalação de agroindústrias, passaram a produzir em maior escala e a se 
dedicar a criações mais específicas. Nos anos 1960 surge uma nova fase na produção 
de suínos, com a interferência direta das agroindústrias e do Estado neste processo 
que visava modernizar a agropecuária nacional. Essa produção foi a primeira a se 
destacar após a instalação dos frigoríficos na década de 1970. Os agricultores, que já 
produziam para o autoconsumo, passaram a produzir em maior escala e fornecer seu 
produto ao mercado, por meio do sistema de integração com as agroindústrias, 
utilizando novas técnicas para o aumento de produtividade e transformando essa 
produção na principal atividade econômica da região (BONI, 2014, p. 109). 
 
O processo de integração da agricultura fez com que os agricultores e agricultoras 
perdessem o controle e autonomia sobre todo o processo de produção, isso porque as 
indústrias eram as responsáveis pelo estabelecimento das técnicas utilizadas nesse processo, 
dessa forma pequenos produtores perderam a centralidade da sua própria atividade (BONI, 
2014; PAULILO, 1990). Outra consequência da modernização foi esgotamento das terras, o 
que gerou um processo migratório para outras regiões do país, conforme destaca Valdete: 
Nesse período, intensifica-se a migração para o norte e centro-oeste do Brasil. Havia 
uma escassez de terras no oeste catarinense, as famílias eram numerosas e já não 
havia terra para todos os filhos. É importante lembrar que, embora não seja legal, 
segundo a legislação brasileira, não era comum (e ainda não é) as mulheres nessa 
região herdarem terras, pois supunha-se que ao se casarem teriam terra devido à 
herança de seu marido. Mesmo assim, as terras não eram mais suficientes para que 
todos os filhos homens fossem contemplados na partilha da propriedade. Com a 
implantação e crescimento das agroindústrias de carnes, como a Sadia e a Perdigão, 
 
26 
 
havia o incentivo para que alguns migrassem para as cidades para servir de 
mão-de-obra urbana (p. 34). 
 
A autora destaca que esses fatores, aliados às influências da igreja (abordaremos 
esta questão mais adiante) geraram uma resposta de organização e articulação dos 
Camponeses que resultou na emergência e reorganização de diversos movimentos 
A reorganização de muitos movimentos no campo foi ocorrendo de forma gradativa; 
eram reuniões, em muitos casos grupos de consciência ou de reflexão, que 
aconteciam ainda, em sua grande maioria, no espaço da igreja, de forma mista ou 
não neles eram discutidos variados temas voltados para a realidade cotidiana da 
região onde as pessoas viviam: dificuldades enfrentadas por pequenos agricultores 
com relação à expropriação crescentes de terras; dificuldades com plantio; 
discussões sobre a falta de auxílio do governo; reflexões em torno das 
transformações que estavam ocorrendo diante da campanha governamental de 
modernização do Campo; crescimento do latifúndio em detrimento da pequena 
propriedade; reforma agrária; entre outras. Muitas mulheres da área rural também 
passaram a participar desses debates e reflexões (que eram predominantemente 
compostos por homens) propostos por clérigos ou agentes pastorais. (FREITAS, 
2011, p.265). 
 
Estes grupos começam a tomar forma mais organizativa a partir da segunda 
metade da década de 1970, acompanhando a constituição de movimentos sociais em todo o 
país, tanto no espaço rural quanto no urbano. Um dos marcos mais importantes para o 
movimento camponês (sobretudo no sul do Brasil) foi a ocupação da fazenda Macali, em 
Ronda Alta/RS e da fazendo Burro Branco, em Abelardo Luz/SC, em 1979 e 1980, que deram 
origem ao Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra, o MST (DURIGUETTO, 
MONTAÑO, 2011; BONI, 2014). Nesta mesma época vários trabalhadores da região do Alto 
Uruguai (SC e RS) são desapropriados de suas terras para a construção de usinas hidrelétricas 
(Itaipu, Itá), o que gera mobilizações que dão origem ao que nos anos oitenta seria conhecido 
como Movimento dos Atingidos por Barragens, o MAB. Além da influência da Igreja 
Católica, Valdete Boni também aponta para a importância do Sindicato dos Trabalhadores 
Rurais de Chapecó, que foi conquistado pela oposição em 1980 e passou a se mobilizar em 
favor da diminuição de juros e crédito especial para agricultores familiares e direitos 
trabalhistas. O sindicato vai ter papel importante também no que diz respeito ao incentivo à 
sindicalização das trabalhadoras rurais em 1982 e no reconhecimento da profissão 
“agricultora”. Isso reflete no fato de que na sua primeira década o Movimento das Mulheres 
Agricultoras vai traçar pautas e construir lutas ligadas ao trabalho, motivadas, sobretudo, 
pelos interesses de classe: 
Nos anos da década de 1980 se consolidaram diferentes movimentos de mulheres 
nos estados, em sintonia com o surgimento de vários movimentos do campo. Nós 
trabalhadoras rurais construímos a nossa própria organização. Motivadas pela 
bandeira do Reconhecimento e Valorização das Trabalhadoras Rurais, 
desencadeamos lutas como: a libertação da mulher, sindicalização, documentação, 
 
27 
 
direitos previdenciários (salário maternidade, aposentadoria...), participação política 
entre outras” (MMC [20--?] ). 
 
Em 1986 o MMC dá um importante passo em direção às conquistas dos direitos 
trabalhistas das mulheres do campo: a eleição de Luci Choinacki como deputada estadual de 
Santa Catarina. Luci foi a primeira mulher agricultora eleita ao cargo de deputada no Brasil, e 
a segunda mulher a ocupá-lo no estado​8​. Segundo ela, sua candidatura foi incentivada tanto 
pelo sindicato dos trabalhadores rurais quanto pelo Partido dos Trabalhadores. É interessante 
ressaltar que a proximidade dos movimentos do campo no oeste de Santa Catarina e do 
sindicato dos trabalhadores rurais com o PT tem a ver com o fato de que as pessoas que 
constituíam tanto os movimentos quanto o partido eram as mesmas, evidenciando que o 
movimento camponês se atrelava a diferentes formas de luta política: a religiosa, a sindical, a 
partidária e a dos “novos” movimentos sociais, essa mesma metodologia esteve presente na 
constituição do MMC - quando ainda se chamava MMA. Nas palavras da ex deputada: 
era pra ser candidata a deputada, mas ninguém queria ser, nem eu, porque a gente 
achava um abs...pra nós era coisa do outro mundo, política, fazemos um movimento, 
me realizava fazendo movimento e trabalhando na roça daí, foi foi, daí as mulheres 
vai tu Luci, tu já fala mais, não sei o que, daí eu aceitei, vamos lá, vamos ver o que 
que dá, mas a gente saiu pra cumprir uma meta, uma missão, não era para buscar 
eleição, nem ideia passava pra isso né, ai tanto que quando a gente, se elegeu [...] o 
pessoal, tinha pessoas que diziam, as próprias mulheres, aquelas que não faziam 
campanha pra gente : - tu até pode se eleger, mas o que que tu vai fazer lá? Né, e foi 
a única que se elegeu do PT, em 86, e a única mulher também, num estado que não 
é, assim, tão democrático com as mulheres, um estado de, que eu digo que Santa 
Catarina é de uma linha conservadora ainda, com a participação feminina popular, 
social, e eu vim desse meio e foi uma batalha enorme pra se garantir como, num 
mandato (CHOINACKI, 2017 p. 3). 
 
A eleição de Luci Choinacki foi fundamental para a defesa e conquistas dos 
direitos das mulheres camponesas. Durante o exercício do mandato a então deputada relata ter 
sofrido diversas formas de opressão: 
[...] então a minha vida na política foi assim, muito dura, como é, porque […] por 
primeiro por ser mulher, segundo por ser agricultora, terceiro por ter um 
envolvimento sempre social e botar sempre os pobres em primeiro lugar, pobre não 
dá lucro, pobre só dá voto, então isso eles, muito gente pensa, e pra mim trabalhar 
com esse público eu tive que fazer muito esforço, pra eles acreditar que eu podia 
ajudar, que o mandato podia ser um instrumento de, não de fazer as coisas, mas de 
mobilizar, de apresentar sugestões e trabalhar junto, isso a gente conseguiu por 
muitas vezes (p. 04). 
 
Luci representa o que podemos chamar de primeira fase política pós-ditadura, 
caracterizada pela inserção pela via política tradicional de indivíduos ligados aos movimentos 
sociais e às demandas populares, sendo que sua eleição serviu para que mulheres de várias 
8 ​Antonieta de Barros foi a primeira mulher a ocupar o cargo de deputada estadual no Brasil e a primeira mulher 
negra a ocupar um cargo político no país, em 1935. 
 
28 
 
regiões do país lançassem campanhas e ocupassem cargos municipais, como vereadoras. 
Percebemos, então, que num primeiro momento os movimentos sociais tiveram inserção no 
sistema tradicional político, ocupando cargos públicos e levantando bandeiras pela 
reivindicação de direitos. 
As transformações do movimento de acordo com os direitos conquistados na 
constituição de 1988 resultam num afastamento e rompimento com o sindicalismo, com o 
partido e com a igreja na década de 1990 e define uma identidade mais autônoma e voltada 
para as questões de gênero (BONI, Ibidem, p. 39). Em 1995 vários movimentos autônomos 
de mulheres do campo se juntam e constroem a ANMTR, Associação Nacional das Mulheres 
Trabalhadoras Rurais. 
Para Larissa Freitas, as mobilizações das mulheres do Campo em Santa Catarina 
se deram por dois motivos fundamentais: 1) atuação das comunidades eclesiais de base 
(CEBs) e 2) do compartilhamento de experiências ligadas à realidade das mulheres do Campo 
e a necessidade de uma organização em defesa de seus direitos (FREITAS, 2011, pp. 265 - 
266). Este segundo motivo não foi exclusivo do movimento das mulheres camponesas, muito 
menos das constituições do feminismo só no Brasil. Os grupos de reflexão eram espaços 
utilizados para refletir e compartilhar experiências e vivências pelas mulheres, principalmente 
sobre a realidade das mulheres camponesas. Larissa Freitas afirma que estes grupos foram 
originalmente utilizados pelos primeiros grupos feministas nos Estados Unidos. Acreditamos 
que a concepção de originalidade é perigosa, principalmente quando se parte de uma 
perspectiva ocidental. O fato desta metodologia ser utilizada também pelas mulheres 
camponesas -sendo praticamente impossívelpensar num tipo de inspiração nessa metodologia 
- o que defendemos é que, num contexto de perseguição e impossibilidade de publicizar certos 
debates (a questão da mulher não tinha espaço dentro das pautas “mistas”) esta estratégia do 
diálogo, da conscientização, do compartilhamento de ideias em um espaço seguro e privado 
faz com que os indivíduos sintam maior liberdade para abordar certas temáticas e esta prática 
ultrapassa as questões de gênero e não se limita aos Estados Unidos e Europa. 
Era uma forma de a gente compreender o mundo, compreender-se a si próprio no 
mundo e a partir desse mundo que eu vivi, que eu vivo, que eu estou inserido, os 
padrões, cultura, tradições, vícios, concepções, educação, que educação eu recebi, 
como eu vivi, como se dá toda essa discussão... Como É que eu interpreto isso e aí 
vem todo o processo da indignação, porque a pessoa começa a se indignar e o 
movimento dialoga com isso e diz: não basta indignação, é preciso superar e propor 
(GASPARETTO, 2012, p). 
Boa parte das percepções da realidade e do fomento organizativo do movimento 
das mulheres agricultoras vieram da forte ligação com a Igreja, principalmente através das 
 
29 
 
mudanças políticas adotadas a partir do Concílio Vaticano II, ocorrido entre 1961 e 1965. A 
partir dele a Igreja “adotou uma atuação mais popular de orientação pastoral da igreja, 
propondo a realização de trabalhos sociais com as comunidades em que estava inserida. 
Muitos desses trabalhos se desenvolveram nas Comunidades Eclesiais de Base” (FREITAS, 
2011, p. 262), as CEBs. As Comunidades Eclesiais de Base tiveram um papel fundamental 
nas aproximações e mediações entre a população e as questões políticas da época (Ibidem, p. 
261), o que fez com que a Igreja substituísse as vias políticas tradicionais, como o sindicato, 
durante os anos de chumbo. De acordo com Jacir Casagrande (1991) isso acontece porque os 
“canais tradicionais de organização e representação política, os anos pós 64, no Brasil, 
passaram a ser severamente controladas pela ditadura militar e muitos líderes sindicais 
combativos foram eliminados”, isso nos ajuda a compreender o espaço que a Igreja ocupava 
nessas comunidades, nas palavras de Freitas (2011, p. 262): 
Naquele momento, a participação da Igreja poderia garantir três condições 
fundamentais para as pessoas engajadas nesses movimentos: maior proteção frente à 
repressão existente; reconhecimento dos movimentos que se organizavam; e uma 
espécie de “mediação” entre comunidade e governo. 
 
Percebemos que a Igreja é muito mais que um espaço de exercício da fé, mas 
também possui uma dimensão política que serve de ferramenta de articulação e mobilização, e 
nesse momento, o fato de estar mais alinhada à ideologia de esquerda, acaba servindo de No 
Oeste de Santa Catarina, as camponesas e camponeses contaram com a presença do Bispo 
Dom José Gomes: 
[...] daí aconteceu que numa época lá no oeste, nos anos 79 início de 80, começou 
um grande movimento de igreja católica, igreja baseada na teoria, na teologia da 
libertação, não na igreja do dogma, de ficar fechado dentro daquelas estruturas e 
achar que o mundo vai resolver por ali. Aí a gente teve a felicidade de ter um bispo, 
que era, igual o José Gomes também que não está mais nesse plano, terreno. Ele 
dizia pra gente, que a gente podia mudar o mundo, que a vida podia ser melhor. Eu 
fiquei tão feliz ouvindo isso, e a gente através da pastoral da terra organizar o 
movimento de mulheres sem terra, outros movimentos, mas o grande cerne, o 
motivador, o que deu força, foi o bispo dom José Gomes, foi ele.. (CHOINACKI 
2017, p.2) 
 
A fala de Luci Choinaki destaca o papel da igreja e coloca Dom José Gomes ― 
mais do que uma liderança religiosa ― uma figura política central na articulação dos 
movimentos do campo na região Oeste do estado, o “cerne” e “motivador”, nas palavras da 
militante camponesa. A saída política das mulheres do espaço privado se deu em primeiro 
lugar a partir da Igreja, pois assumiram trabalhos ligados à catequização, ministério de 
liturgia, agentes pastorais (BONI, 2014, p. 223), além disso essas atividades permitiam que 
tivessem grande contato com a comunidade, o que facilitava a organização de espaços em que 
podiam dialogar e compartilhar suas experiências. Na organização de algumas mobilizações e 
 
30 
 
trabalhos de base, Luci Choinacki fala que muitas vezes recorriam à ajuda dos padres da 
comunidade “Então a gente fazia os encontros, muitas vezes batia na casa do padre, às vezes o 
padre acei...tratava mais ou menos, às vezes não, às vezes bem, tudo era, depende a cabeça, 
era uma forma de trato” (2017, p. 03). 
Com base nas discussões apresentadas, partimos da ideia de que o surgimento do 
movimento das mulheres camponesas de Santa Catarina resultou tanto das influências de sua 
participação ativa nos serviços da igreja através das pastorais e das Comunidades Eclesiais de 
Base como também das atuações conjuntas com os movimentos do campo e organizações 
como sindicato e o Partido dos Trabalhadores, que fez com que a impossibilidade de 
ampliação dos debates ligados às pautas exclusivas das mulheres do campo demandasse a 
criação de um espaço exclusivo feminino, onde pudessem elas mesmas tomar a frente do 
movimento. 
 
2.3 A atualidade do conceito “camponesa(ês)” 
Assim como o conceito de movimentos sociais, as concepções sobre campesinato 
são diversas, contraditórias e oferecem uma infinidade de possibilidades teóricas entre defesas 
de seu uso e de seu abandono. Neste tópico traremos algumas considerações sobre quem são 
os camponeses e camponesas na constituição dos movimentos sociais do campo no Brasil e 
quais as implicações do uso do termo “camponês” enquanto categoria política, cultural e de 
classe pelo Movimento das Mulheres Camponesas de Santa Catarina. 
A disputa pela terra - marcada por revoltas, guerras, escravidão, dizimação de 
povos originários - está presente em todos os períodos, regimes políticos e regiões do Brasil. 
Nesse longo processo de jogos de poder que privilegiam a grande propriedade e o latifúndio, 
o uso e destruição desenfreada dos recursos naturais e, consequentemente, o fortalecimento 
das desigualdades sociais causadas pelas expropriações, migrações compulsórias e exploração 
do trabalho, é possível identificar uma figura recorrente: o/a camponês/a. 
Para Maria Motta e Paulo Zarth, o fato dos camponeses estarem presentes em 
todos os períodos da história do Brasil faz com que existam “princípios mínimos que 
permitem aos que investem, tanto no campo acadêmico quanto no político, dialogar em torno 
de reflexões capazes de demonstrar a presença da formação ou condição camponesa, sob a 
variedade de possibilidades de objetivação ou de situações sociais.” (2008, p.7). De modo 
geral, a maior parte das teorias contemporâneas sobre o campesinato se ancoram na análise 
das suas relações de produção desta com o sistema capitalista. Segundo Valdete Boni, existem31 
 
visões contraditórias sobre a pequena produção camponesa, pois alguns teóricos a enxergam 
como atraso a ser superado pelo capitalismo (e fadada ao desaparecimento) enquanto outros 
consideram-na uma necessidade para a reprodução deste (BONI, 2012, p. 107). De acordo 
com a autora, a maior dificuldade em conceitualizar o termo é o fato de que ainda existe uma 
defesa de que os camponeses estão limitados ao período feudal europeu, outros justificam que 
para que um indivíduo seja considerado camponês é necessário que este não possua relações 
com o mercado, ou seja, sua produção deve ser apenas para subsistência familiar. 
Esta mesma concepção pode ser percebida nas palavras da socióloga Maria Ignez 
Paulilo quando esta afirma que 
Muitos estudiosos crêem que essa categoria só se aplica a países que tiveram um 
passado feudal. Outros a reservam para agricultores pouco ligados ao mercado. Nós, 
neste trabalho, estamos considerando como camponeses os agricultores que 
trabalham principalmente com mão-de-obra familiar e são considerados pequenos e 
médios proprietários e produtores, segundo os critérios do INCRA e da FAO para a 
região em que vivem (2004, p. 230). 
 
Seguindo a mesma base de pensamento de Paulilo, Maria Motta e Paulo Zarth 
(2008, p.7) destacam que o campesinato deve ser visto como uma categoria analítica e 
histórica constituída 
[...] por poliprodutores, integrados ao jogo de forças sociais do mundo 
contemporâneo [...] pela produção, em modo e grau variáveis, para o mercado, termo 
que abrange, guarda as singularidades inerentes a cada forma, os mercados locais, os 
mercados em rede, os nacionais e os internacionais. Se a relação com o mercado é 
característica distintiva desses produtores (cultivadores, agricultores, extrativistas), 
as condições dessa produção guardam especificidades que se fundamentam na 
alocação ou no recrutamento de mão-de-obra familiar. Trata-se do investimento 
organizativo da condição de existência desses trabalhadores e de seu patrimônio 
material, produtivo e sociocultural, variável segundo sua capacidade produtiva 
(composição e tamanho da família, ciclo de vida do grupo doméstico, relação entre 
composição de unidade de produção e unidade de consumo) ( pp. 7- 8). 
 
Dessa forma, para esses autores, o grau de interação com o sistema capitalista não 
é o traço definidor do campesinato, pelo contrário, o mercado é justamente o ponto que 
distingue os camponeses entre si e faz com que esta categoria seja economicamente 
diversificada e heterogênea, embora a classe seja um marcador fundamental em sua 
constituição. É nas condições de produção que os autores encontram o denominador comum 
entre o campesinato: trata-se da dependência da mão-de-obra familiar na produção e 
reprodução da vida no campo, em outras palavras, podemos diferenciar o campesinato de 
outras formas de produção a partir da não geração de lucro através da mais-valia. 
Nas duas concepções são destacadas questões fundamentais e primordiais para a 
existência do campesinato: o acesso à terra e usufruto de seus recursos - sejam eles 
provenientes de criação de animais, agricultura, extrativismo - e o uso da força de trabalho 
 
32 
 
familiar, ou seja, da estrutura familiar. Isso ajuda a compreender, por exemplo, como o campo 
ainda hoje funciona com organizações específicas de divisão sexual do trabalho e como esse 
funcionamento permite que as militantes do MMC utilizem a lógica do patriarcado para 
analisar as relações de gênero no campo, temas que serão discutidos em nosso segundo 
capítulo. 
Dados do último censo agropecuário, realizado pelo Instituto Brasileiro de 
Geografia e Estatística (IBGE) entre 2016 e 2017, apontam para uma diminuição ocorrida 
num intervalo de onze anos no número total de estabelecimentos de agricultura familiar 
(pequena propriedade) e, consequentemente, de pessoas ocupadas com o trabalho nessas 
unidades de produção. Em contrapartida, revelam que houve um aumento significativo no 
número e na área destinada às médias e grandes propriedades (agricultura não familiar). Além 
disso, a agricultura familiar perdeu nesse período cerca de 2,2 milhões de trabalhadores, 
enquanto mais de sete mil novos postos de trabalho foram criados na agricultura não-familiar 
(AGÊNCIA, c2017). 
FIGURA 1 - Agricultura familiar e não familiar: variações entre 2006 a 2017.
 
Fonte: IBGE/ Agência IBGE Notícias, 2019. 
 
De acordo com o artigo primeiro do decreto nº 9.064 de 31 de maio de 2017, 
considera-se Unidade Familiar de Produção Agrária (UFPA), o “conjunto de indivíduos 
composto por família que explore uma combinação de fatores de produção, com a finalidade 
de atender à própria subsistência e à demanda da sociedade por alimentos e por outros bens e 
serviços, e que resida no estabelecimento ou em local próximo a ele” (BRASIL, 2017). Ainda 
de acordo com o decreto, as UFPA devem obedecer quatro requisitos: 1) possuir, a qualquer 
 
33 
 
título, área de até quatro módulos fiscais​9​; 2) utilizar, no mínimo, metade da força de trabalho 
familiar no processo produtivo e de geração de renda; 3) auferir, no mínimo, metade da renda 
familiar de atividades econômicas do seu estabelecimento ou empreendimento e 4) ser a 
gestão do estabelecimento ou do empreendimento estritamente familiar. 
Os dois principais fatores que ajudam a explicar a queda do número de UFPA são: 
o envelhecimento da população camponesa e o êxodo rural da população jovem, sobretudo 
das mulheres, o que gera, além do envelhecimento no campo, sua masculinização 
(abordaremos esta questão no segundo capítulo). Além disso, o decreto que estabelece os 
critérios de classificação das UFPA parece não acompanhar as novas dinâmicas de 
organização do campesinato no Brasil, o que impossibilita que muitas propriedades atendam a 
todos os critérios. Para além dos seus impactos materiais, os dados que apontam a diminuição 
dessas propriedades ajudam a fortalecer o estigma de que esses grupos são economicamente 
atrasados e estão fadados ao desaparecimento, enquanto que a agroindústria seria o potencial 
de desenvolvimento, sobretudo econômico, do Brasil. Em entrevista publicada no site da 
Radio Mundo Real Fm (2011), Ploeg afirma que 
Os camponeses investem muito, não através de mecanismos bancários mas de seu 
trabalho: constroem terraços, irrigações, aumentam a fertilidade do solo e isto traz 
como consequência o fato de que a agricultura camponesa seja produtiva. Também 
temos que levar em conta que frequentemente está ameaçada e isso se relaciona com 
o que hoje em dia se fala em nível mundial sobre a apropriação de terras. Eu diria 
que essas compras de terras não são um investimento em agricultura, mas sim a 
desapropriação das possibilidades de desenvolvimento. 
 
O Brasil conta com uma área de 351,289 milhões de hectares ocupada por um 
total de 5.073.324 estabelecimentos agropecuários, o que corresponde a 41% do território 
nacional. 77% desses estabelecimentos são de agricultura familiar, entretanto, essas 
propriedades ocupam uma área de ​80,89 milhões de hectares,

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