Prévia do material em texto
A GRIPE ESPANHOLA E SUAS CONSEQUÊNCIAS SOCIAIS NA CIDADE DO RIO DE JANEIRO EM 1918: COMO A CIDADE DO RIO DE JANEIRO REAGIU À EPIDEMIA DA GRIPE ESPANHOLA? RESUMO Igor Rosa da Cruz1 A Gripe Espanhola foi uma grave pandemia, cuja origem geográfica, até os dias atuais é desconhecida, que atingiu todo o mundo no início do século XX, dizimando milhões de pessoas. A pesquisa ora desenvolvida para a conclusão do curso de Licenciatura em História, aborda em um primeiro momento questões gerais envolvendo a gripe espanhola, percebendo como essa pandemia afetou o mundo, de modo a contextualizar o cenário da epidemia, até que a mesma chegasse ao território nacional. Em seguida, serão então apresentadas as repercussões nacionais da pandemia, mostrando como ela chegou e se espalhou pelos estados da federação. As especificidades da pandemia, trazendo para o debate o que aconteceu quando a mesma chegou na cidade do Rio de Janeiro fará parte do terceiro tópico da pesquisa, evidenciando aspectos sociais relacionados à pandemia e as conseqüências geradas na sociedade da época. A pesquisa realizada fora de caráter bibliográfico, havendo consultas em materiais diversos, para que a mesma pudesse ser desenvolvida. Objetiva-se então com o presente texto expor pontos relevantes acerca dessa pandemia, evidenciando como ela impactou a vida da população mundial, possuindo como foco seus impactos na cidade do Rio de Janeiro em 1918. Palavras-chave: Gripe Espanhola. Pandemia. Rio de Janeiro. 1 INTRODUÇÃO O presente trabalho de conclusão de curso tem como temática “A Gripe Espanhola e suas Consequências Sociais na Cidade do Rio de Janeiro em 1918”, trazendo em seu corpo diversos conceitos e fatos históricos, apontando como pandemia chegou ao Brasil e como ela se instalou, mais especificamente, na cidade do Rio de Janeiro, como a mesma se encerrou e quais as consequências de cunho social que foram sentidas no período. Para tanto a pesquisa está estruturada em três tópicos de fundamentação teórica. O primeiro revela informações importantes acerca da Gripe Espanhola, a fim 1 Aluno Concludente do Curso de Licenciatura em História de compreender a respeito da origem da doença e como ela conseguiu alcançar o mundo, causando milhões de mortes, conseguindo, inclusive, superar os números de mortos da própria Primeira Guerra Mundial. O segundo tópico versa, de maneira sucinta, acerca da chegada dessa doença em solo brasileiro, evidenciando como ela chegou e como ela conseguiu alcançar diversas unidades da federação, trazendo contaminação e mortes para um número significativo de brasileiros. No terceiro tópico será apresentado todo o panorama da cidade do Rio de Janeiro no ano de 1918, quando a Gripe se instalou na cidade, apontando como ela se alastrou e como a sociedade foi afetada com a pandemia, indicando por fim como se deu o súbito controle. Com base nos conhecimentos que serão expressos no próprio tópico, e com esse apanhado histórico da doença, será então o momento de compreender quais os impactos sociais que essa pandemia conseguiu gerar na cidade do Rio de Janeiro entre os anos de 1918 e 1919, demonstrando como a população teve que lidar com a doença. Para alcançar tais resultados, a pesquisa é de caráter bibliográfico, onde diversas fontes foram pesquisadas, a metodologia desta atividade teve início com pesquisa em livros, artigos, revistas, jornais e internet, nos quais se detectou os fatos mais importantes citados no decorrer da formulação da parte de revisão literária do tema deste trabalho, buscando consciência real para as informações oferecidas. 2. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA 2.1 A GRIPE ESPANHOLA A gripe espanhola foi uma pandemia extremamente violenta que afetou todo o mundo entre 1918 e 1919, ocasionando milhões de mortes, possuindo como maiores vítimas a população jovem da época. A gripe espanhola é tida como a mais severa pandemia de toda a história da humanidade, sendo que a sua causa está ligada à “[...] virulência incomum de uma estirpe do vírus Influenza A, do subtipo H1N1” (LAMARÃO, URBINATI, 2010, p. 1). Existe uma estimativa de que na época, um terço da população em todo o mundo tenha sido afetada pela doença. De acordo com Neufeld (2010) a população mundial na época da gripe espanhola era inferior aos 2 bilhões de habitantes, e desses, aproximadamente 500 milhões foram infectados. Os números de óbitos não são precisos, mas existe uma estimativa de que entre 40 e 100 milhões de indivíduos faleceram por conta da doença nas mais diversas partes de todo o mundo. Em nível apenas de comparação, a Primeira Guerra Mundial, que aconteceu basicamente no mesmo período (entre 1914 e 1918), deixou entre 10 e 20 milhões de mortos. Números muito inferiores aos encontrados no decorrer da pandemia. A pandemia recebeu esse nome de “Gripe Espanhola” não por ter se iniciado na Espanha, mas por conta de toda a publicidade que imprensa espanhola deu para a mesma, por se tratar de um país neutro dentro dos conflitos existentes, sua imprensa podia trabalhar sem as censuras existentes em outras nações. Silva (2021, p. 1) aponta que: Na época em que a doença se espalhou, o mundo passava pela Primeira Guerra Mundial, e as grandes potências ocidentais estavam envolvidas no conflito havia anos. Por essa razão, a imprensa desses países sofria forte censura – isso porque divulgar as notícias de que a gripe espanhola tinha afetado suas tropas poderia ser muito ruim para o moral dos soldados e poderia espalhar pânico na população. Assim, esses locais passaram a censurar as notícias relacionadas com a doença. Como a Espanha não estava envolvida com a guerra, não havia necessidade de censurar a imprensa e, assim, as notícias sobre a enfermidade espalharam-se a partir do que a imprensa espanhola noticiava. Foi por essa razão que a pandemia recebeu o nome de gripe espanhola. Pelas razões expostas acima, quando a gripe atingia alguma localidade, como frisam Lamarão e Urbinati (2010, p. 1) “[...] assim que a gripe chegava a algum país, era logo chamada de espanhola”. A real origem da gripe espanhola é desconhecida até os dias de hoje, havendo algumas suposições, como é afirmado por Silva (2021, p. 1) Infelizmente, os historiadores e os cientistas não possuem informações suficientes que lhes permitam apontar o local exato do surgimento dessa doença. Ainda assim, existem algumas teorias a respeito dos prováveis locais nos quais a gripe espanhola possa ter surgido: Estados Unidos, China e Reino Unido. O primeiro caso relatado da gripe espanhola, conforme cita Alves (2020, p. 1) foi nos Estados Unidos, em 4 de março do ano de 1918, segundo aponta a autora “[...] o cozinheiro Albert Gitchell deu entrada na enfermaria de uma unidade do exército, no estado do Kansas, com queixas de dores na garganta, febre, dor de cabeça”. Depois disso a doença foi se alastrando por todo o mundo. Essa linha do tempo é apresentada por Lamarão e Urbinati (2010) que indicam que no mês de Abril a doença atingiu os exércitos aliados franceses, britânicos e norte-americanos. Em Maio atingiu Grécia, Espanha e Portugal. No mês de junho os atingidos foram Dinamarca e Noruega. Em agosto, mês em que a primeira onda se encerrou, a Holanda e a Suécia foram atingidas. Essa primeira onda foi tida como a mais amena, uma vez que foi a menos letal dentre as três ondas existentes nessa pandemia. No próprio mês de agosto, conforme aponta Lamarão e Urbinati (2010), a segunda onda teve início, atingido o ápice no decorrer dos meses de setembro até novembro. Foi uma fase muito bruta da pandemia, que além de afetar a Europa e os Estados Unidos, também atingiu a Índia, o Sudeste da Ásia, o Japão, a China, a África e as Américas Central e do Sul. Essa onda elevou de maneira drástica o número de mortos da pandemia.A terceira fase da Gripe Espanhola iniciou já em 1919, no mês de fevereiro, chegando ao fim em maio do mesmo ano. Segundo os autores, estima-se que ao menos metade da população mundial foi afetada de maneira direta ou indireta pela pandemia. E como fora citado, a doença dizimou mais pessoas que a própria guerra, sendo “[...] qualificada como o mais grave conflito epidêmico de todos os tempos” (LAMARÃO; URBINATI, 2010, p. 1). 2.2 A GRIPE ESPANHOLA CHEGA AO BRASIL Logo que a pandemia começou a se espalhar pelo mundo, o Brasil apenas acompanhava o andamento da mesma através dos jornais. Logo de início, a imprensa nacional não deu grande relevância para o que vinha acontecendo em outras partes do mundo. No entanto, com o avanço da pandemia pelo globo terrestre, a repercussão começou a aparecer, também no território brasileiro. No início da pandemia, conforme aponta Lamarão e Urbinati (2010), o povo brasileiro não demonstrou preocupação com a gripe espanhola, considerando, inclusive, que a mesma sequer chegaria ao Brasil, por conta do país estar distante da Europa. Figura 1 – A Gripe Espanhola vira notícia no Brasil Fonte: Correio 24 horas Ledo engano, ao contrário do que se achou a princípio, a Gripe Espanhola adentrou às fronteiras do Brasil, com seus primeiros relatos no mês de setembro de 1918. Uma divisão naval havia sido enviada na época pelo Brasil para Dacar, com o intuito de participar do patrulhamento do Atlântico Sul, sendo uma parte dos esforços relacionados à guerra do país juntamente com os aliados, quando essa divisão retornou ao território nacional, a gripe conseguiu chegar ao Brasil. À priori, mais de cem marinheiros foram a óbito por conta do vírus, os números de mortos pela gripe e pela própria guerra já eram correspondentes, apenas nesse momento inicial. O cômputo geral foi de 156 mortos, sem que os oitenta médicos que compunham a missão pudessem fazer alguma coisa pelos oficiais e soldados que iam tombando sucessivamente, vencidos pelo inimigo desconhecido. As primeiras notícias das mortes entre os componentes da Missão Médica chegaram por cabograma, enviado pelo chefe da missão, Nabuco Gouvêa, no dia 22 de setembro, sem que isso despertasse as autoridades da cidade para a premência de montarem estratégias de combate à doença que os ameaçava. (GOULART, 2005, p. 1) A dispersão do vírus no território brasileiro pode estar relacionada aos navios que chegaram em estados da região Nordeste, a exemplo do navio Demerara, que no mês de setembro de 1918 atracou tanto Pernambuco, quanto na Bahia. Tanto em Salvador, quanto em Recife, Bernardo (2020) salienta que os governantes locais negaram qualquer existência da Gripe Espanhola, pois os mesmos temiam terem que fechar os seus portos, “Para não comprometer a economia local, preferiram deixar o Demerara partir, como se nada estivesse acontecendo” (BERNARDO, 2020, p. 1). Além desses dois portos, localizados em capitais de estados da região nordeste do Brasil, o navio ainda seguiu para o sudeste, onde atracou na cidade do Rio de Janeiro e em Santos, respectivamente nos estados do Rio de Janeiro e São Paulo, para depois partir rumo à Montevidéu. Figura 2 – Navio Demerara Fonte: BBC News Brasil, 2020. O atracamento dessa embarcação esteve no centro de diversas queixas, críticas e polêmicas, especialmente na cidade do Rio de Janeiro. Como podemos ver no exposto por Goulart (2005, p. 1), afirmando que O Serviço de Profilaxia do Porto foi a primeira Seção da Diretoria de Saúde Pública a ser alvo das críticas da opinião pública. A referida seção não tinha como realizar a desinfecção de todos os navios que aportavam na capital federal. A aplicação de quarentenas em embarcações era considerada antinatural, pois acarretava problemas políticos, econômicos e sociais. No calor da hora, o inspetor sanitário do porto do Rio de Janeiro, Jayme Silvado, foi acusado de favorecer a entrada da epidemia, pois consentiu na atracação do Demerara, pois, sendo "positivista, não acredita em micróbios". No caso do Rio de Janeiro, à priori, O então diretor de Saúde Pública, Carlos Seidl manifestou sua preocupação pela possibilidade da doença alcançar a cidade, porém procurou-se atribuir aos casos que surgiam um caráter de benignidade, conceito que aos poucos foi se desfazendo (SCHATZMAYR; CABRAL, 2012, p. 59). Em pouquíssimo tempo inúmeras cidades nordestinas já estavam com o vírus em circulação. No final do mês de outubro, do mesmo ano, quase todas as principais cidades brasileiras já estavam acometidas pela doença, a exemplo de São Paulo e do Rio de Janeiro. Em novembro a Amazônia já apresentava relatos da presença do vírus. A doença possuía um público mais jovem como vítimas, assim salienta Neufeld (2020, p. 1) A despeito de a alta taxa de mortalidade, deve-se ressaltar que 95% dos casos de Gripe Espanhola não tiveram grande relevância clínica (cerca de 6% de pneumonias e 1% de hospitalizações) e que os casos graves e os óbitos concentravam-se nos adultos jovens e saudáveis com idade entre 20 e 40 anos. De maneira pouco típica, inclusive, a faixa etária entre 25 e 29 anos foi especialmente acometida. A doença se espalhou pelo país, por conta da falta de medicamentos específicos para o seu tratamento, como salienta Silva (2021). Além disso, deve ser lembrado o cenário do país no início do século passado, que também foi fator preponderante para a rápida disseminação do vírus. Conforme cita Barreira (2020), [...] o cenário da gripe espanhola no Brasil era o de um país sem saneamento básico e água encanada para a maioria da população, de casas sem geladeira para conservar alimentos, de hospitais pouco aparelhados para atender doentes com insuficiência respiratória. (BARREIRA, 2020, p. 1) De acordo com o autor as cidades que mais foram afetadas com a Gripe Espanhola foram São Paulo e Rio de Janeiro. As medidas tomadas pelos profissionais da saúde na época eram mais paliativas, como indica Silva (2021): Como não existia nenhuma forma de curar a doença – os médicos passavam alguns medicamentos para amenizar os sintomas e esperavam o corpo do paciente reagir –, as recomendações das autoridades eram no sentido de que as pessoas evitassem aglomerações, lavassem suas mãos com freqüência e evitassem contato físico. A Gripe espanhola impactou de maneira muito abrupta toda a rotina da população brasileira, nos diversos cantos do país, ocasionando inúmeros óbitos. De acordo com Silva (2021) estima-se que aproximadamente 350 mil pessoas tenham sido contaminadas apenas na cidade de São Paulo, o que corresponderia a mais da metade da população local na época, dessas pessoas, mais de 5.300 evoluíram para o óbito. A capital do Brasil na época, que era a cidade do Rio de Janeiro, apresentou mais de 12.700 mortes, como frisa Silva (2021), o que representou aproximadamente 1/3 de todos os óbitos registrados no país no decorrer da epidemia. Nesse período, não existia o SUS, e o sistema existente na época, que era privado, não conseguiu dar conta da alta demanda exigida de medicamentos, leitos e profissionais da área da saúde, para o atendimento adequado para a população. Para se evitar a disseminação do vírus, medidas restritivas foram postas em prática, fechando diversos tipos de estabelecimentos, além de serem proibidas as aglomerações. O serviço público deixou de funcionar nas grandes cidades, o comércio fechou e as lojas que se mantiveram abertas logo ficaram sem mercadorias. Igrejas cancelaram missas, jornais não circulavam por falta de funcionários, assim como os serviços de transporte coletivo (BARREIRA, 2020, p. 1). A doença vitimou, em sua grande maioria,pessoas das camadas mais populares da sociedade, no entanto, as barreiras sociais foram ultrapassadas, afetando, inclusive Francisco de Paula Rodrigues Alves, presidente eleito em 1918, que não pôde tomar posse por conta da doença, falecendo em janeiro do ano seguinte. A estimativa, de acordo com Silva (2021), é de que aproximadamente 35 mil brasileiros foram vítimas da Gripe Espanhola no território brasileiro. Pela população da época, tais números foram elevadíssimos. 2.3 A GRIPE ESPANHOLA NA CIDADE DO RIO DE JANEIRO A seguir temos a capa do jornal Gazeta de Notícias, evidenciando a situação da gripe espanhola na cidade do Rio de Janeiro. O estudo mostrará os caminhos percorridos durante a grave crise de saúde pública instaurada na cidade do Rio de Janeiro, e seus impactos na vida da população. Figura 3 – Retratos da gravidade da pandemia no Rio de Janeiro Fonte: História Mirim Na época da entrada gripe espanhola na cidade do Rio de Janeiro, no mês de setembro de 1918, o município contava com uma população de aproximadamente 910 mil habitantes. Goulart (2005) aponta que “Nesse período, apenas 48 pessoas morreram de gripe. No decorrer da epidemia, a cifra elevou-se a níveis nunca vistos, sendo que apenas no dia 22 de outubro de 1918 foram computados 930 óbitos de gripe em um total de 1073 óbitos” (GOULART, 2005, p. 1). Os números dessa pandemia não são exatos, especialmente quando se busca dados de localidades mais interioranas, mas Goulart (2005, p. 1) estima que a Gripe Espanhola “[...] fez fenecer no Rio de Janeiro algo em torno de 15 mil pessoas, levando para o leito, segundo as fontes, seiscentos mil cariocas – ou seja, cerca de 66% da população local”. Segundo Schatzmayr e Cabral (2012) no início de outubro foram diagnosticados casos em Niterói e em militares que estiveram em Dacar e que chegaram ao Brasil por intermédio do navio Demerara, em meados do mesmo mês a capital já alçava a marca das 20 mil pessoas infectadas, com os primeiros óbitos sendo apresentados. Um ponto ressaltado por Fontenelle (1919, apud GOULART, 2005) foi com relação à censura instalada pelos militares, o que gerou diversos contratempos no que tange o combate à gripe espanhola, além disso, a própria incompreensão populacional perante a situação também foi fator desestabilizador na pandemia. Também é frisado que “Somou-se a esse fator o total desaparelhamento das instituições sanitárias federais” (GOULART, 2005, p. 1). Até que a pandemia já estivesse instalada, nenhum mecanismo preventivo, ou de antecipação havia sido montado para prestar o devido socorro à população, aparentemente, a mesma não estava sendo levada à sério, e a sua gravidade estava sendo subestimada. “A falta de condições das instituições de saúde para socorrer a população foi o primeiro dos muitos problemas explicitados durante a epidemia” (GOULART, 2005, p. 1). Como salienta Goulart, a situação em que o estado do Rio de Janeiro se encontrava com a pandemia era lamentável, hospitais e repartições públicas na capital funcionavam com condições de precariedade. Cabendo ressaltar ainda que quando havia uma boa estrutura de atendimento, por vezes o que faltava eram os profissionais capacitados. À medida que os casos aumentavam em número e gravidade, o pânico começou a tomar conta da cidade, a qual se transformou em uma cidade fantasma, com os serviços públicos parando paulatinamente, como escolas e repartições públicas. Restaram os serviços públicos da área da saúde, totalmente caóticos e sem condições de prestar auxílio aos que os procuravam, pois sequer a etiologia real da epidemia era conhecida. (SCHATZMAYR; CABRAL, 2012, p. 59) De maneira muito abrupta a cidade estava diante de um colapso na saúde, mas também nos aspectos sociais, faltando mantimentos e suprimentos básicos para a sobrevivência, além da falta de medicamentos, profissionais da saúde de unidades hospitalares que pudessem internar doentes que se encontrassem em estados mais graves. Cabe ressaltar ainda que os medicamentos e alimentos que estavam disponíveis para a aquisição da população apresentavam preços superfaturados, havendo assim um “[...] aumento geral do custo de vida em conseqüência da súbita escassez de produtos” (BRITO, 1997, p. 22). Aos poucos, como enfatiza Goulart (2005) as ruas da cidade do Rio de Janeiro foram se transformando em “[...] um mar de insepultos, pela falta de coveiros para enterrar os corpos e de caixões onde sepultá-los” (p. 1). A violência com que a doença avançava pela capital era impressionante, e nunca vista até aquele momento. Figura 4 – Faltam leitos para atender a tantos doentes Fonte: BBC News Brasil, 2020. Na geografia da gripe, termo utilizado por Brito (1997), os subúrbios do Rio de Janeiro foram os locais mais afetados pela pandemia e também pelas questões sociais, pois como a autora denota, boa parte das políticas públicas e as ações sanitárias eram voltadas para áreas centrais da cidade. A situação criada pela epidemia ainda não se modificou, continuando a cidade com a sua vida alterada e a população presa da mesma comoção. Se a epidemia parece ter declinado no centro da cidade, aumentou nos subúrbios onde há falta de postos de socorros e impera a fome. A situação pode-se, portanto, dizer ser quase a mesma dos dias anteriores, a cidade com pouco movimento, falta de transportes e os estabelecimentos comerciais com os negócios paralisados (MARQUES DA COSTA, 2020, p. 1). A gripe espanhola conseguiu instaurar no Rio de Janeiro um quadro geral de desordem pública, considerando que naquele momento nem o povo e nem os serviços públicos possuiam condições de lidar com tamanha violência ocasionada pela pandemia da La Dansarina: Isso porque não se tinha uma resposta positiva para dar à nova peste que recaía sobre a cidade. Tal fato possibilitou o surgimento de um quadro de tensões sociais, criando uma atmosfera de medo, incompreensão e colapso social que se instaurou pela capital federal (GOULART, 2005, p. 1). Como deixa claro Brito (1997), a cidade foi entrando em um estado de paralisia de maneira progressiva, até que um ar sepulcral fosse visualizado. Os serviços públicos funcionavam de maneira parcial e precária, pela falta de servidores. Todos os dias os jornais da época noticiavam a suspensão das atividades de empresas e repartições públicas, tais como [...] o Ministério da Agricultura, os bondes da Light, a Central do Brasil, o Tesouro Nacional, a Biblioteca Nacional, a Prefeitura, a Câmara, o Senado, os quartéis da Brigada Policial, os funcionários e médicos da Diretoria de Saúde, a Limpeza Pública (que deixou de recolher o lixo), o serviço de telefones, lojas, bancos, escolas, faculdades, teatros, cinemas etc. (BRITO, 1997, p. 24) Com toda a situação vivida na cidade do Rio de Janeiro, o caos social instaurado, o mesmo passou a ser explorado de maneira bem ampla, tanto pelas mídias, como por diversos grupos políticos que faziam oposição ao atual governo de Wenceslau Braz. A insatisfação das diferentes camadas da sociedade se tornou cada dia mais latente por conta da “[...] morosidade no estabelecimento de medidas profiláticas e às limitações estruturais das instituições sanitárias que se encontravam totalmente despreparadas e desaparelhadas para dar combate à doença” (GOULART, 2005, p. 1). O dinheiro público também estava bastante escasso na época, o que se tornava um empecilho enorme para implementar, aparelhar e manter instituições voltadas para a saúde pública, desse modo os atendimentos prestados no decorrer da epidemia para os doentes eram limitados. Muitas pessoas passaram a depender, principalmente, de escolas, igrejas, clubes, associaçõese da Cruz Vermelha Brasileira. Foi em outubro de 1918 que o governo realmente cedeu ao estado calamitoso vivenciado pela capital federal, decretando um feriado durante três dias. Nesse momento a capital já possuía aproximadamente metade de sua população infectada. Como enfoca Goulart (2005, p. 1) “A realidade impôs-se aos olhos de todos: "o Rio transformara-se numa necrópole"”. A crise humanitária instalada na cidade do Rio de Janeiro mostrou uma face aterrorizante para todos, os cadáveres estavam em exposição pública, muitas foram as reclamações populares, que julgavam tal situação como um apavorante espetáculo profano. O Cemitério São Francisco Xavier, que em boa parte se utilizava de detentos para a realização dos sepultamentos durante a pandemia da Gripe Espanhola, chegou a utilizar caminhões para a remoção dos corpos. Nesses caminhões eram amontoados cadáveres e caixões, que ficavam completamente à vista da população, em alguns casos o falecido aparecia basicamente despido. Cabe citar que no Rio de Janeiro, a polícia podia requisitar quem encontrasse pela cidade, que estava quase deserta, para fazer esse trabalho de remoção, de acordo com Barreira (2020). Figura 5 – Detentos realizando sepultamentos no cemitério São Francisco Xavier, vigiados por soldado – outubro de 1918 Fonte: Marques da Costa, 2020. De acordo com Barreira (2020) que trouxe um apanhado de entrevistas e matérias jornalísticas da época da pandemia, evidenciando a brutalidade com que a mesma atingiu o Rio de Janeiro, A contagem de sepultamentos nos cemitérios cariocas, realizada pela polícia após o dia 12 de outubro de 1918, e publicada diariamente no diário Correio da Manhã até o dia 16 de novembro, indicava 14.449 mortos em 37 dias, uma média de 391 mortos por dia. Cabe ressaltar que entre 21 e 28 de outubro, auge da epidemia, foram sepultadas cerca de 6.400 pessoas na Capital (1.060 apenas no dia 25/10!), com uma média diária de 800 mortes por dia. Obviamente uma parcela desses óbitos não era devida à pandemia, mas por outro lado, centenas, talvez milhares de pessoas não foram contabilizadas nessas listas seja pela desorganização das administrações dos cemitérios; a impossibilidade de contar todos os sepultados nas valas comuns; uma eventual censura das autoridades policiais e governamentais em relação ao enorme número de mortos e, provavelmente, as dezenas ou, quem sabe, centenas de corpos em decomposição que foram sepultados “clandestinamente” pelas famílias e vizinhos nas favelas e nos subúrbios abandonados pelas autoridades. (BARREIRA, 2020, p. 1) De acordo com Goulart (2005) o real reconhecimento do grave estado epidêmico só foi concretizado após números elevados de pessoas enfermas e de óbitos confirmados. De um modo geral, conforme frisa a autora, a doença que é contagiosa se torna um evento social, e delimitando para a gripe espanhola, a mesma conseguiu desencadear toda uma mobilização social, não apenas no Rio de Janeiro de 1918, como em todo o mundo, tendo em vista que os diferentes lugares estavam em busca de suas próprias respostas para o mal que vinha assolando a população. Nesse cenário de epidemia alastrada, a desorganização da capital do Brasil na época foi perceptível, sendo este um local de privilegiada representação política, e suas falhas em se mostrar como nação soberana, “[...] passou a ser encarada como motivo de vergonha” (GOULART, 2005, p. 1), a autora ainda complementa que O nível de desorganização a que chegou a cidade do Rio de Janeiro foi visto como fruto da incompetência e da falta de estratégias de Wenceslau Braz para contornar o caos político, econômico e social instaurado pela espanhola, ou qualquer outro evento incomum. (GOULART, 2005, p. 1) Contudo, o nome que mais se destacou, como sinônimo de incompetência no decorrer da pior etapa da gripe espanhola foi de Seidl, que fora substituído em outubro de 1918 por Theóphilo Torres que assumiu o posto de diretor-geral de Saúde Pública. Na ocasião, Torres, convidou o médico e pesquisador Carlos Chagas para compor sua equipe e liderar as ações de combate à gripe espanhola. Desse modo, no final de outubro de 1918, Carlos Chagas passou a intensificar as medidas de prevenção à gripe espanhola, ordenando a criação de hospitais de campanha e postos de atendimento para a população, espalhados pelos diversos pontos da cidade do Rio de Janeiro. Tão subitamente como foi para se espalhar pela capital federal, nesse momento, a pandemia começava a desacelerar na cidade, tornando a situação estável novamente, Carlos Chagas acaba por ficar com certa fama, aparentando que ele milagrosamente conseguiu colocar um fim na pandemia que dizimou tantos cariocas. Com as quedas substânciais nos números de óbitos e de infectados, com boa parte da população tendo adquirido a imunidade de rebanho, no ano de 1919, a cidade do Rio de Janeiro promoveu um carnaval que fez história, com desfiles, e em muitos blocos e agremiações o tema da gripe espanhola fora utilizado. Pessoa (2020, p. 1) falando desse período e trazendo um trecho de uma música cantada nos desfiles carnavalescos coloca que “As músicas daquele ano tratavam a gripe com escárnio. “Quem não morreu da espanhola/quem dela pôde escapar/não dá mais tratos à bola/toca a rir, toca a brincar”.” A espanhola foi uma pandemia avassaladora no Brasil, e mais especificamente na cidade do Rio de Janeiro, afetando a saúde pública, bem como toda a estrutura política e social da capital brasileira da época. Assim como surgiu de maneira repentina, seu desaparecimento assim também o fez. CONSIDERAÇÕES FINAIS A realização da pesquisa foi de grande enriquecimento na formação profissional como um todo, trazendo momentos de reflexão e aprendizagem. A temática abordada no presente trabalho de conclusão de curso foi a Gripe Espanhola, delimitando o tema para os seus impactos na sociedade do Rio de Janeiro de 1918. Ano em que a pandemia atingiu seu pico não apenas na localidade, mas em todo o país. A pandemia conseguiu dizimar mais pessoas que a própria guerra, ocorrida no mesmo período, com grande letalidade. A pandemia afetou todas as camadas da sociedade, independente de idade, gênero ou classe social, tida como democrática, nesse sentido, ainda que as regiões mais suburbanas tenham sentido com maior voracidade os seus impactos. Foi um momento em que todas as mazelas, descasos e infraestruturas deficientes existentes na capital federal ficaram à mostra, uma vez que oferta e demanda não conseguiam ser atendidas satisfatoriamente. Em um curto prazo de tempo a pandemia dizimou grande parcela da população, e assim como chegou rápida e abruptamente no Brasil, também foi embora de tal maneira, pois a imunidade já havia sido conquistada por boa parte da população. No ano seguinte, um carnaval que marcaria gerações aconteceu em solo carioca, após o choro e a tristeza, os brasileiros puderam celebrar a vitória contra a pandemia e a própria vida. REFERÊNCIAS ALVES, Ana Rosa. As lições políticas deixadas pela gripe espanhola. 2020. Disponível em: <https://epoca.globo.com/mundo/as-licoes-politicas-deixadas-pela- gripe-espanhola-1-24428154> Acesso em: 14 abr. 2021. BARREIRA, Wagner G. A gripe espanhola e o desarranjo social no início do século 20. 2020. Disponível em: <https://www.nexojornal.com.br/ensaio/2020/A- gripe-espanhola-e-o-desarranjo-social-no-in%C3%ADcio-do-s%C3%A9culo-20> Acesso em: 14 mai. 2021. BERNARDO, André. Gripe espanhola: a viagem em que o ‘navio da morte’ Demerara venceu bombardeios alemães e trouxe a doença ao Brasil. 2020. Disponível em: <https://www.bbc.com/portuguese/internacional-54907997> Acesso em: 28 abr. 2021. BIERNATH,André. Como os presidentes brasileiros lidaram com a gripe espanhola no início do século 20? 2021. Disponível em: <https://www.bbc.com/portuguese/brasil-56031995> Acesso em: 04 mai. 2021. BRITO, Nara Azevedo de. La dansarina: a gripe espanhola e o cotidiano na cidade do Rio de Janeiro. 1997. Disponível em: <https://www.scielo.br/pdf/hcsm/v4n1/v4n1a01.pdf> Acesso em: 05 mai. 2021. CADENA, Nelson. Gripe espanhola. 2020. Disponível em: <https://www.correio24horas.com.br/noticia/nid/a-gripe-espanhola/> Acesso em: 08 abr. 2021. GOULART, Adriana da Costa. Revisitando a espanhola: a gripe pandêmica de 1918 no Rio de Janeiro. 2005. Disponível em: <https://www.scielo.br/scielo.php? script=sci_arttext&pid=S0104-59702005000100006> Acesso em: 03 mai. 2021. LAMARÃO, Sérgio. URBINATI, Inoã Carvalho. Gripe espanhola. 2010. Disponível em: <https://cpdoc.fgv.br/sites/default/files/verbetes/primeira-republica/GRIPE %20ESPANHOLA.pdf> Acesso em: 10 abr. 2021. MARQUES DA COSTA. Narrativas da tragédia no cemitério do Caju na pandemia de 1918. 2020. Disponível em: <https://marquesdacosta.wordpress.com/2020/04/20/narrativas-da-tragedia-no- cemiterio-do-caju-na-pandemia-de-1918/> Acesso em: 12 mai. 2021. NEUFELD, Paulo Murillo. Memória médica: A gripe espanhola de 1918. 2020. Disponível em: <https://www.rbac.org.br/artigos/memoria-medica-gripe-espanhola- de-1918/> Acesso em: 11 abr. 2021. SCHATZMAYR, Hermann G. CABRAL, Maulori Curié. A virologia no estado do Rio de Janeiro: uma visão global. 2 ed. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2012. Disponível em: <http://www.fiocruz.br/ioc/media/Livro_Virologia_nova_edicao.pd> Acesso em: 28 abr. 2021. SILVA, Daniel Neves. Gripe espanhola. 2021. Disponível em: <https://brasilescola.uol.com.br/historiag/i-guerra-mundial-gripe-espanhola-inimigos- visiveis-invisiveis.htm> Acesso em: 15 abr. 2021. Para alcançar tais resultados, a pesquisa é de caráter bibliográfico, onde diversas fontes foram pesquisadas, a metodologia desta atividade teve início com pesquisa em livros, artigos, revistas, jornais e internet, nos quais se detectou os fatos mais importantes citados no decorrer da formulação da parte de revisão literária do tema deste trabalho, buscando consciência real para as informações oferecidas.