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UNIVERSIDADE TECNOLÓGICA FEDERAL DO PARANÁ CÂMPUS PATO BRANCO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS RAFAEL FRANCISCO PELLIN GRANDO UMA UNIDADE DIDÁTICA PARA PRODUÇÃO ESCRITA DO GÊNERO TEXTUAL CARTA FUNDAMENTADA NA BASE NACIONAL COMUM CURRICULAR: UMA EXPERIÊNCIA COM ALUNOS DO 5º ANO DO ENSINO FUNDAMENTAL DISSERTAÇÃO PATO BRANCO - PR 2020 RAFAEL FRANCISCO PELLIN GRANDO UMA UNIDADE DIDÁTICA PARA PRODUÇÃO ESCRITA DO GÊNERO TEXTUAL CARTA FUNDAMENTADA NA BASE NACIONAL COMUM CURRICULAR: UMA EXPERIÊNCIA COM ALUNOS DO 5º ANO DO ENSINO FUNDAMENTAL Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Letras, da Universidade Tecnológica Federal do Paraná, Câmpus Pato Branco, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Letras. Área de concentração: Linguagem, Cultura e Sociedade Orientadora: Profª. Drª. Letícia Lemos Gritti. PATO BRANCO - PR 2020 Ministério da Educação Universidade Tecnológica Federal do Paraná Campus - Pato Branco Diretoria de Pesquisa e Pós-Graduação Programa de Pós-Graduação em Letras UNIVERSIDADE TECNOLÓGICA FEDERAL DO PARANÁ PR TERMO DE APROVAÇÃO Título da Dissertação n.° 53 “Uma unidade didática para produção escrita do gênero textual carta fundamentada na Base Nacional comum curricular: uma experiência com alunos do 5º ano do Ensino Fundamental” por Rafael Francisco Pellin Grando Dissertação apresentada às quatorze horas, do dia vinte e sete de fevereiro de dois mil e vinte, como requisito parcial para obtenção do título de MESTRE EM LETRAS. Programa de Pós-Graduação em Letras, Universidade Tecnológica Federal do Paraná, Campus Pato Branco. O candidato foi arguido pela Banca Examinadora composta pelos professores abaixo assinados. Após deliberação, a Banca Examinadora considerou o trabalho APROVADO. Banca examinadora: Profª. Drª. Letícia Lemos Gritti UTFPR/PB (Orientadora) Profª. Drª. Susiele Machry Silva UTFPR/PB Profª. Drª. Salete Valer IFSC/Florianópolis Prof. Dr. Marcos Hidemi de Lima Coordenador do Programa de Pós- Graduação em Letras – UTFPR “A Folha de Aprovação assinada encontra-se na Coordenação do Programa” AGRADECIMENTOS O primeiro e mais precioso agradecimento é para minha mãe, Maria Solange, a qual viveu sua vida inteira para mim, tropeçando, levantando e agarrando-se em tudo para não cair, sempre segurando-me firme mediante a tantas dificuldades desde meu nascimento. Agradeço também, do fundo do coração, à professora Doutora Letícia Lemos Gritti, a qual é minha orientadora desde o Trabalho de Conclusão de Curso da minha graduação em Letras em 2017. Todos os seus ensinamentos e atos perdurarão para toda minha trajetória que está por vir, bem como as oportunidades que surgirão devido a nossa relação de mestre e discípulo. Um grande obrigado! À professora Doutora Susiele Machry da Silva. Cada aula, cada explicação, cada vez que a senhora direcionava sua voz em minha direção para “transmitir” o conhecimento eram momentos especiais que poucos conseguem compreender o amor e o dom que a senhora tem pelo que faz e a sua incrível capacidade de “pôr” o conhecimento em nossas mentes. Agradeço também à Irmã Maria Hreciuk, diretora da Escola Sant’ Ana a qual tenho a honra e alegria de ser parte do corpo docente. Em todos os momentos durante a trajetória do mestrado sempre me ajudou e confiou em minhas habilidades como professor. À direção e coordenação da escola onde houve a produção de dados para esta pesquisa, bem como à professora regente que acompanhou as aulas ministradas. Sem esta parceria, a realização da pesquisa não seria possível. Toda a disponibilidade e carinho por parte destes profissionais fizeram a experiência ser muito produtiva, além de ter cultivado momentos maravilhosos em ter sido um professor neste estabelecimento apesar do pouco tempo de pesquisa. E, por fim, um agradecimento indispensável, muito merecido e que não paga todo o débito que ainda possuo com Vanessa Rosa. Não apenas uma colega, mas uma amiga a qual me apoiou de tantas formas que fizeram total diferença durante todo percurso. Precisariam de muitas páginas para relatar tamanha força e auxílio que você me deu. Espero um dia fazer o mesmo e ser uma pessoa tão boa quanto você é. Quando as chamas em meio à escuridão da madrugada queimam aquilo que você levou anos para construir, nesse momento você percebe que apenas o conhecimento não lhe pode ser tirado. (GRANDO, 2020) GRANDO. Rafael Francisco Pellin. UMA UNIDADE DIDÁTICA PARA PRODUÇÃO ESCRITA DO GÊNERO TEXTUAL CARTA FUNDAMENTADA NA BASE NACIONAL COMUM CURRICULAR: UMA EXPERIÊNCIA COM ALUNOS DO 5º ANO DO ENSINO FUNDAMENTAL. 215 fls. 2020. Dissertação RESUMO Esta pesquisa teve por objetivos testar estratégias de ensino-aprendizagem do gênero textual carta, bem como analisar as produções textuais de alunos de um 5º ano de uma escola municipal da cidade de Pato Branco no Paraná e, com base nas dificuldades encontradas, planejar, desenvolver e aplicar uma unidade didática, a qual foi fundamentada na Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Para a unidade didática, o gênero do discurso carta serviu como meio para a produção de dados desta pesquisa, contando com três produções textuais chamadas de pré-teste, reescrita e pós-teste. No decorrer da aplicação da unidade didática, foram elaboradas sete aulas presenciais utilizando-se exemplos, atividades impressas, questionário com a professora regente e projetor para exposição de conteúdo. A pesquisa teve como suas modalidades a pesquisa-ação e a pesquisa bibliográfica, sendo seu método de procedimento qualitativa-interpretativista. Para análise dos dados gerados, a pesquisa utilizou Cagliari (1989), autor que classificou problemas em textos de alunos, além de autores sobre o gênero carta como Gomes (2002) e Melo (2009). Os resultados indicam que os alunos possuíam dificuldades como sinais de pontuação, uso indevido de letras, acentos gráficos e modificação da estrutura segmental das palavras, mas com a intervenção da unidade didática, os números desses problemas foram reduzidos. Apesar disso, restaram dificuldades como modificação da estrutura segmental das palavras, uso indevido de letras, acentuação gráfica, sinais de pontuação e problemas sintáticos. Além disso, os alunos demostraram conseguir se apropriar do gênero efetivamente. Os resultados também demonstraram que esta unidade didática alinhada com a BNCC contribuiu de forma satisfatória para o desenvolvimento das competências e habilidades previstas. Palavras-chave: Gêneros do discurso. Problemas linguísticos. BNCC. Carta. Análise Linguística. GRANDO. Rafael Francisco Pellin. A TEACHING UNIT FOR THE WRITTEN PRODUCTION OF THE TEXTUAL GENDER LETTER FOUNDED IN THE NATIONAL CURRICULAR COMMON BASE: AN EXPERIENCE WITH STUDENTS OF THE 5th YEAR OF FUNDAMENTAL EDUCATION. 215 pages 2020. Dissertation ABSTRACT This research aimed to test teaching-learning strategies of the textual letter genre, as well as to analyze the textual productions of students of a 5th year of a municipal school in the city of Pato Branco in Paraná and, based on the difficulties encountered, to plan, develop and apply a didactic unit, which was based on the National Common Curricular Base (BNCC). For the didactic unit, the genre of the letter discourse served as a means for the production of data from this research, with three textual productions called pre- test, rewrite and post-test. During the application of the didactic unit, seven face-to- face classes were prepared using examples, printed activities, a questionnairewith the conducting teacher and a projector for displaying content. The research had as its modalities the action research and the bibliographic research, being its method of qualitative-interpretative procedure. To analyze the data generated, the research used Cagliari (1989), an author who classified problems in students' texts, in addition to authors on the letter genre such as Gomes (2002) and Melo (2009). The results indicate that students had difficulties such as punctuation marks, misuse of letters, graphic accents and modification of the segmental structure of words, but with the intervention of the didactic unit, the numbers of these problems were reduced. Despite this, difficulties remained such as modification of the segmental structure of words, misuse of letters, graphic accentuation, punctuation marks and syntactic problems. In addition, the students demonstrated to be able to appropriate the gender effectively. The results also showed that this didactic unit, aligned with the BNCC, contributed satisfactorily to the development of the expected competencies and skills. Keywords: Discourse genres. Linguistic problems. BNCC. Letter. Linguistic Analysis. LISTA DE FIGURAS Figura 1 – Letra estranha do aluno 03 ...................................................................... 92 Figura 2 – Característica de assinatura do aluno 04 no pré-teste ........................... 103 Figura 3 – Segmentação de palavra do aluno 09 na reescrita ................................ 108 Figura 4 – Palavra com letra “a” maiúscula do aluno 09 no pós-teste ..................... 109 Figura 5 – Exemplo de caligrafia do aluno 12 ......................................................... 123 Figura 6 – Forma estranha ao traçar letras do aluno 12 ......................................... 124 Figura 7 – Forma estranha ao traçar letras do aluno 12 ......................................... 124 Figura 8 – Símbolo utilizado pelo aluno 04 no final de sua carta ............................ 128 Figura 9 – Indicações de desvios linguístico-textuais no pré-teste do aluno 03 ...... 134 LISTA DE QUADROS Quadro 1 – Cronograma de aulas da unidade didática ............................................. 64 Quadro 2 – Adequação ao gênero carta do pré-teste ............................................... 82 Quadro 3 – Desvios linguístico-textuais do pré-teste, separados pelas categorias de Cagliari (1989) ........................................................................................................... 83 Quadro 4 – Adequação ao gênero carta da reescrita .............................................. 101 Quadro 5 – Desvios linguístico-textuais da reescrita, separados pelas categorias de Cagliari (1989) ......................................................................................................... 104 Quadro 6 – Adequação ao gênero carta do pós-teste ............................................. 116 Quadro 7 – Desvios linguístico-textuais do pós-teste, separados pelas categorias de Cagliari (1989) ......................................................................................................... 119 Quadro 8 – Comparação de adequação ao gênero carta ....................................... 132 Quadro 9 – Comparação dos desvios linguístico-textuais dos alunos entre as três produções................................................................................................................ 133 Quadro 10 – Competências específicas de Língua Portuguesa escolhidas para se desenvolver durante a unidade didática .................................................................. 136 Quadro 11 – Competência específica da área de Linguagens escolhida para se desenvolver durante a unidade didática .................................................................. 138 Quadro 12 – Habilidades gerais de Língua Portuguesa escolhidas para desenvolvimento nos alunos ................................................................................... 139 Quadro 13 – Habilidades específicas do 5º ano escolhidas para desenvolvimento nos alunos ...................................................................................................................... 140 SUMÁRIO CAPÍTULO I INTRODUÇÃO ..................................................................................... 14 CAPÍTULO II FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA .......................................................... 19 2.1 AS CONCEPÇÕES DE TEXTO ........................................................................ 19 2.2 OS FATORES DE TEXTUALIDADE ................................................................. 21 2.3 OS GÊNEROS DO DISCURSO ........................................................................ 26 2.3.1 As tipologias textuais .............................................................................. 28 2.3.2 O gênero carta.......................................................................................... 29 2.4 OS DOCUMENTOS OFICIAIS DA EDUCAÇÃO ............................................... 31 2.4.1 A Base Nacional Comum Curricular ...................................................... 32 2.5 A RELAÇÃO ENTRE GRAFIA E O FONEMA ................................................... 43 2.6 AS CATEGORIAS DE ANÁLISE DE CAGLIARI ............................................... 46 2.7 O QUE DIZEM OS ESTUDOS DAS PRODUÇÕES TEXTUAIS DOS ALUNOS DO ENSINO FUNDAMENTAL ANOS INICIAIS ...................................................... 48 CAPÍTULO III METODOLOGIA ................................................................................ 54 3.1 O PRÉ-TRABALHO ANTES DA PRODUÇÃO DOS DADOS ............................ 54 3.2 MODALIDADES DE PESQUISA ...................................................................... 55 3.2.1 Pesquisa-ação .......................................................................................... 55 3.2.2 Pesquisa bibliográfica ............................................................................. 55 3.3 O LOCAL DE PESQUISA ................................................................................. 56 3.2.2 O planejamento das aulas ....................................................................... 57 3.2.3 A escolha do gênero carta ...................................................................... 58 3.4 A UNIDADE DIDÁTICA PARA APLICAÇÃO ..................................................... 61 3.4.1 O planejamento de acordo com a BNCC ............................................... 65 3.4.2 O PLANEJAMENTO E OS PLANOS DE AULA .......................................................... 67 3.4.3 O questionário para a professora regente ............................................. 71 3.5 MÉTODO DE ANÁLISE DOS DADOS .............................................................. 72 3.6 A CONEXÃO ENTRE A BNCC, O GÊNERO CARTA PESSOAL E AS CATEGORIAS DE CAGLIARI ................................................................................ 73 CAPÍTULO IV ANÁLISES......................................................................................... 76 4.1 ANÁLISE DO PRÉ-TESTE ............................................................................... 76 4.1.1 ADEQUAÇÃO AO GÊNERO DO DISCURSO DO PRÉ-TESTE ................ 77 4.1.2 Os desvios linguístico-textuais do pré-teste ......................................... 83 4.1.3 O questionário realizado com a professora regente ............................ 93 4.1.4 Considerações gerais do pré-teste ........................................................ 96 4.2 ANÁLISE DA REESCRITA ............................................................................. 100 4.2.1 Adequação ao gênero da reescrita ...................................................... 100 4.2.2 Os desvios linguístico-textuais da reescrita .......................................104 4.2.3 Considerações gerais da reescrita ....................................................... 113 4.3 ANÁLISE DO PÓS-TESTE ............................................................................. 114 4.3.1 Adequação ao gênero carta no pós-teste ............................................ 115 4.3.2 Os desvios linguístico-textuais do pós-teste ...................................... 119 4.3.3 Considerações gerais sobre o pós-teste ............................................. 131 4.4 CONSIDERAÇÕES SOBRE A BNCC NO DESEMPENHO DOS TEXTOS DOS ALUNOS .............................................................................................................. 136 4.4.1 Competências de Língua Portuguesa utilizadas na unidade didática .......................................................................................................................... 136 4.4.2 Competência da Área de Linguagens utilizada na unidade didática 138 4.4.3 Habilidades gerais de Língua Portuguesa utilizadas na unidade didática ............................................................................................................ 138 4.4.4 Habilidades específicas de Língua Portuguesa para o 5º ano utilizadas na unidade didática ........................................................................................ 140 CAPÍTULO V CONCLUSÕES ................................................................................ 143 5.1 CONCLUSÕES SOBRE A ADEQUAÇÃO AO GÊNERO ................................ 143 5.2 CONCLUSÕES SOBRE OS DESVIOS LINGUÍSTICO-TEXTUAIS ................ 145 5.2.1 Sinais de pontuação .............................................................................. 146 5.2.2 Problemas sintáticos ............................................................................. 147 5.2.3 Acentos gráficos .................................................................................... 148 5.2.4 Uso indevido de letras maiúsculas e minúsculas ............................... 149 5.2.5 Forma estranha ao traçar letras ........................................................... 150 5.2.6 Modificação da estrutura segmental das palavras ............................. 151 5.2.7 Uso indevido de letras ........................................................................... 151 5.2.8 Transcrição fonética .............................................................................. 152 5.2.9 Forma morfológica diferente ................................................................ 152 5.2.10 Juntura intervocabular e segmentação ............................................. 153 5.2.11 Hipercorreção....................................................................................... 153 5.3 CONCLUSÕES SOBRE A UNIDADE DIDÁTICA CONSTRUÍDA DE ACORDO COM A BNCC....................................................................................................... 154 5.3.1 Conclusões sobre as competências estabelecidas pela BNCC ........ 154 5.3.2 Conclusões sobre as habilidades estabelecidas pela BNCC ............ 155 5.3.3 Conclusões gerais sobre a unidade didática ...................................... 156 5.4 CONCLUSÕES FINAIS .................................................................................. 157 5.5 REFLEXÕES DO PROFESSOR-PESQUISADOR ......................................... 159 REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 161 APÊNDICES ........................................................................................................... 165 ANEXOS ................................................................................................................. 175 14 CAPÍTULO I INTRODUÇÃO A língua escrita é uma das capacidades de linguagem utilizadas pelos sujeitos para expressar mensagens. Segundo Casagrande (2010), ela é mais bem-elaborada que a língua falada, pois mantém a unidade linguística de um povo e faz seus pensamentos atravessar o espaço e o tempo. Ao utilizar uma língua escrita, é necessário obedecer ao conjunto de regras que cada língua possui, assim a interação entre os atores sociais pode ser concretizada. No período da escolarização dos estudantes, a escrita é, nesse sentido, uma das principais capacidades a serem aprendidas. Cagliari (1989) afirma que o mundo da escrita é bastante normal para os adultos, porém, é complexo e caótico para as crianças. Presente durante os treze anos da formação escolar desde o ensino básico, suas técnicas são aprimoradas gradativamente ao passo que os alunos são alfabetizados nos Anos Iniciais1 e chegarem ao final do Ensino Médio com a expectativa de terem apropriado a língua escrita de forma satisfatória depois de tantos anos. O ato de escrever nas escolas, mais precisamente na sala de aula, está principalmente associado à produção de textos de diferentes gêneros do discurso, sendo que o ensino e aprendizagem desses gêneros tem por finalidade ampliar constantemente as capacidades de linguagem dos alunos. Dessa forma, o ensino de aprendizagem de gêneros permite aos alunos se apropriarem de práticas comunicativas em sociedade. Compreende-se que há várias práticas de ensino, relacionadas ao ensino da escrita para alunos do Ensino Fundamental. E cada vez mais, aos olhos dos pesquisadores, existe a atenção por estudar os resultados dessas práticas de ensino, pois conforme atestam os dados das avaliações realizadas pelo Governo Federal2, os índices de desempenho são aquém do esperado para a série escolar. 1 A Base Nacional Comum Curricular utiliza Anos Iniciais e Anos Finais como nomenclatura para se referir de 1º ao 5º ano e do 6º ao 9º ano respectivamente. Apesar dos termos “Fundamental I e II” ainda serem muito utilizados, a base traz a nomenclatura mais atual. Para tanto, nesta pesquisa, os termos utilizados vão de acordo com o padrão estabelecido pela Base Nacional Comum Curricular. 2 Exames como o Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB) Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) avaliam o desempenho dos estudantes de Ensino Fundamental e Médio. Os resultados podem ser consultados no site oficial do O Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP): http://portal.inep.gov.br/. 15 Devido a esse fato, houve interesse por parte do pesquisador em realizar uma pesquisa-ação, cuja intervenção, após o diagnóstico inicial, dar-se-ia pelo desenvolvimento e aplicação de uma unidade didática. Essa unidade didática focou- se em dois itens: o primeiro foi no ensino das características textuais-discursivas do gênero carta, enquanto o segundo foi na categorização e análise dos desvios3 linguístico-textuais dos alunos a partir das categorias de análise propostas por Cagliari (1989). A aplicação da unidade didática foi pensada para alunos do 5º ano do Ensino Fundamental Anos Iniciais de uma escola pública da cidade de Pato Branco. O 5º ano foi escolhido por ser a última etapa antes da transição para os Anos Finais do Ensino Fundamental e compreende tudo o que o aluno adquiriu no processo de alfabetização e letramento dos anos anteriores. Quanto aos métodos de produção de dados, esta pesquisa utilizou-se de instrumentos similares a uma unidade didática, sua composição organiza-se pela aplicação de um pré-teste, seguido de exercícios relacionados as dificuldades textuais-discursivas dos alunos assim como a adequação ao gênero utilizado, uma reescrita do pré-teste e uma produção final do mesmo gênero com nova temática. Vale ressaltar que a produção de dados teve semelhanças com a de Grando (2017), a qual, o autor em questão gerou os dados a partir do ensino do gênero relato pessoal para um grupo de imigrantes haitianos em um contexto de aquisição de segunda língua. Para esta pesquisa, tanto o desenvolvimento como a aplicação da proposta foram baseadosnas determinações da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), documento homologado em 2017 que visa a determinar os conhecimentos essenciais para a educação básica no Brasil. Além da importância de estudar o ensino da escrita nos Anos Iniciais, esta pesquisa justifica-se também pela própria experiência do pesquisador, o qual, após ter lecionado em todos os anos do Ensino Fundamental (desde o 1º até o 9º ano), e também no Ensino Médio, percebe que as dificuldades para produções de texto aumentam ao invés de diminuírem conforme o avanço escolar. 3 Esta pesquisa utiliza os termos “desvios” e “dificuldades” para se referir aos problemas com a norma padrão que os alunos demonstraram em seus textos com o objetivo de não utilizar a palavra “erro”, a qual pode ser vista como negativa e causar desconforto durante a leitura. 16 A BNCC determina com maior clareza os objetivos que devem ser focados no ensino da Língua Portuguesa durante os anos escolares da Educação Básica. O documento estabelece as competências gerais da educação e também as competências específicas para cada área. Algumas das competências de “Linguagens” e “Língua Portuguesa” foram itens principais para o desenvolvimento da unidade didática bem como a seção eixos de integração de Língua Portuguesa que também colaboraram para a elaboração da proposta. Para a área de Linguagens, a BNCC diz enfaticamente que é permitido aos alunos apropriarem-se das especificidades de cada linguagem, sem perder a visão do todo no qual elas estão inseridas. Além disso, é relevante que os alunos compreendam que as linguagens são dinâmicas, e que todos participam desse processo de constante transformação (BNCC, 2017). Além das competências gerais e específicas das áreas Linguagens e Língua Portuguesa da BNCC, o desenvolvimento da unidade didática utilizada para esta pesquisa levou em conta as práticas de linguagem (oralidade, leitura/escuta, produção [escrita e multissemiótica] e análise linguística/semiótica), as quais são separadas em quatros eixos de integração no documento, sendo esses eixos nomeados de Eixo Leitura, Eixo Oralidade, Eixo Análise Linguística/Semiótica e Eixo Produção de Textos. A proposta apresentada nesta dissertação foi desenvolvida em sete aulas de, aproximadamente, 60 minutos cada uma. A primeira atividade foi a elaboração de um texto do gênero carta pelos alunos participantes da pesquisa. Esse texto foi denominado “pré-teste”. Nele foram identificadas as principais dificuldades textuais e discursivas apresentadas pelos alunos. Dessa forma, os resultados da produção linguístico-discursiva desse primeiro texto guiaram a elaboração e a aplicação das demais atividades que constituem a unidade didática. Ao final da aplicação das atividades, os alunos elaboraram novamente um novo texto do gênero carta para que fosse possível constatar se houve a apropriação das características estilísticas do gênero. Além disso, o novo texto também serviu para poder verificar se houve a compreensão e a aprendizagem das questões textuais mais problemáticas identificadas por ocasião da análise da primeira versão do texto dos alunos, ou seja, do “pré-teste”. Fundamentada nas orientações da BNCC, a aplicação da unidade didática teve a finalidade de contribuir com aprendizado dos alunos, minimizando suas dificuldades 17 na escrita, além de analisar e categorizar os desvios linguístico-textuais dos alunos no pré-teste do gênero carta, a partir de Cagliari (1989), bem como a adequação do gênero por meio da presença de suas características, e, a partir disso, propor atividades para promover o conhecimento dos elementos textuais constitutivos do gênero carta. Assim, esta dissertação teve por objetivo geral testar estratégias para qualificar a escrita de um grupo de alunos do 5º ano do Ensino Fundamental Anos Iniciais de uma escola pública. Para tanto, teve como meio da aplicação de uma unidade didática que envolve o gênero discursivo carta, seguindo os direcionamentos propostos na Base Nacional Comum Curricular. As perguntas norteadoras que problematizam a pesquisa são: Conforme as categorias propostas por Cagliari (1989), quais as principais dificuldades linguístico-textuais identificadas nas produções textuais de alunos do 5º ano do Ensino Fundamental de uma escola pública? Quais são as dificuldades discursivas relacionadas ao gênero carta? Uma unidade didática baseada nas determinações da BNCC contribui para a minimização das dificuldades de ordem linguístico-textuais? O objetivo geral e os questionamentos feitos implicam nos seguintes objetivos específicos: a) afinar as variáveis de estudo após a investigação teórica e empírica do objeto de estudo; b) aplicar o pré-teste aos sujeitos de investigação para depreender como as variáveis em estudo estão sendo selecionadas; c) com base nos resultados do pré-teste, elaborar uma unidade didática que envolva as variáveis em estudo; d) aplicar a unidade didática como atividade de intervenção; d) aplicar pós-teste, fazendo uso do mesmo instrumento selecionado para o pré-teste; e) comparar se houve qualificação na realização das variáveis em estudo entre os dois diagnósticos. Para responder a essas indagações, foi realizada esta pesquisa-ação no ano de 2019 em uma escola da rede pública de ensino, situada no município de Pato Branco, no estado do Paraná. Por se tratar de um estabelecimento público, foi obtida a autorização para realizar a pesquisa tanto pela escola escolhida quanto pela secretaria municipal de educação. Também foi solicitada a autorização dos responsáveis dos alunos, uma vez que os participantes são menores de idade. A pesquisa também apresentou um projeto ao comitê de ética por meio da Plataforma Brasil e obteve-se sua aprovação. Além dos dados obtidos com as produções textuais dos textos dos alunos, foi realizado um questionário com a professora regente da turma. O objetivo foi conhecer 18 sua percepção sobre as dificuldades de produção escrita de seus alunos e sobre como seu trabalho tem sido realizado para que isso seja minimizado. As análises pretendidas nesta pesquisa possuem como bases teóricas estudos sobre as concepções de texto (KOCH, 2009; BEAUGRANDE e DRESSLER, 1983), o gênero carta (GOMES, 2002; MELO, 2009), os documentos oficiais da educação, como a própria Base Nacional Comum Curricular (BRASIL, 2017), autores que discorrem e embasam sobre produções textuais de alunos no Ensino Fundamental (HERREIRA, 2000; SILVA e COSTA 2013; ROCHA, 1998), autores que discorrem sobre a relação da grafia com o som (SILVA, 2007; ABAURRE, 1997; MORAIS, 2000). E, para a categoria de análise utilizada nesta pesquisa, sobre as dificuldades linguísticas dos alunos, CAGLIARI (1989). Por meio de seus propósitos, esta pesquisa está inserida na área da Psicolinguística, de base Sociocognitivista e alinhada com a linguística de texto e da teoria grafo-fonêmica de Cagliari (1989). As principais propriedades desta pesquisa se enquadram como uma pesquisa-ação (THIOLLENT, 1986) e revisão bibliográfica (GIANNASI-KAIMEN et al., 2008), com método de procedimento qualitativa- interpretativista (BORTONI-RICARDO, 2008), Esta dissertação está dividida em outras quatro capítulos além desta introdução. O segundo capítulo trata da a fundamentação teórica a qual embasa teoricamente por meio de diversos autores assuntos como a concepção de texto, os gêneros do discurso e as dificuldades linguístico-textuais dos alunos. No capítulo seguinte (Capitulo III), encontra-se a metodologia, esta abrange assuntos sobre o local da pesquisa e desenvolvimento das aulas para aplicação da proposta. O quarto capítulo é dedicado às análises dos dados, sendo dividida entre análises dos desvios apresentados pelos alunos e adequação ao gênero carta. Por fim, o último capítulo corresponde às conclusões e resultados do estudo.19 CAPÍTULO II FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA O capítulo de fundamentação teórica está organizado em seções para melhor entendimento e organização do trabalho. Primeiramente, em 2.1 abordam-se as concepções de texto; Em seguida, em 2.2 são trazidos os fatores de textualidade; Os gêneros do discurso são discutidos na sequência (seção 2.3) e, então, os documentos oficiais da educação são explorados em 2.4; As teorias sobre a grafia, fonética e fonologia são abordadas em 2.5 e em 2.6 há as categorias realizadas por Cagliari (1989), estas contribuem significativamente para as análises das produções textuais. Por fim, na última seção do capítulo, a seção 2.7, encontram os estudos das produções textuais de alunos do Ensino Fundamental. 2.1 AS CONCEPÇÕES DE TEXTO Como o corpus de análise desta pesquisa são textos do gênero carta elaborados por alunos, fica, então, evidente a necessidade de compreender o que é exatamente um texto e o que teóricos tratam sobre esse conceito. Com o passar dos anos, a definição de texto foi discutida por diversos autores que o definiam de formas variadas em perspectivas diversas. Koch (2009), comentando sobre as preocupações da Linguística Textual na sua fase inicial, a fase transfrástica, faz um pequeno apanhado de autores e suas concepções de texto comentando que os estudos seguiam orientações bastante heterogêneas, de cunho por vezes estruturalista ou gerativista, ora funcionalista. Koch (2009) relata, a partir de vários autores, que o texto era então idealizado como uma “frase complexa”, “signo linguístico primário” (HARTMANN, 1968), uma “cadeia de pronominalizações ininterruptas” (HARWEG, 1968), “sequência coerente de enunciados” (ISENBERG, 1971), ou então uma “cadeia de pressuposições” (BELLERT, 1970). Ainda segundo Koch (2009), nesta mesma fase da Linguística Textual, surgiu a preocupação de construir gramáticas textuais da ideia de que o texto era simplesmente a unidade linguística mais alta, sendo superior à sentença. Silva e Rocha (2017) reforçam essa fase da linguística textual, alegando que em épocas não tão longínquas, a gramática da frase era tida como o centro dos estudos, mas que os estudiosos não se davam conta que o falante se comunica através do texto e não da frase. 20 Na fase seguinte, a fase semântica, os autores passaram a preocupar-se com o componente semântico das gramáticas. Segundo Acosta Pereira (2010), a partir de estudos de Koch (2004), o texto era visto como uma “expansão tematicamente centrada de macroestruturas”, ou seja, uma cadeia de enunciados. Nesta fase, ainda segundo Acosta Pereira (2010), o conceito de coesão e coerência começam a diferenciarem-se. Acosta Pereira (2010) também comenta que o texto, durante a fase pragmática, era definido como unidade básica de comunicação e interação humana. Nesta mesma fase, de acordo com Koch (2009), os textos passaram a serem vistos de outra forma, pois a Linguística Textual havia ganhado uma nova dimensão ao não se pesquisar mais a língua como um sistema autônomo. A autora complementa ao citar Heinemann (1982) que os textos deixaram de ser vistos como produtos acabados e, sim, a serem considerados elementos construtivos de uma atividade complexa, como instrumentos de realização de intenções comunicativas e sociais do falante. Logo em seguida, na década de 80, o texto passa a ser estudado a partir do viés sociocognitivista, fazendo com que os estudos tenham se voltado para o aspecto cognitivo do indivíduo, definindo o texto como resultado de processos mentais de saberes acumulados devido às atividades da vida social (KOCH, 2009). Koch e Elias (2009) reforçam a questão sociocognitivista do processamento textual ao exemplificar que, durante a leitura de um texto, faz-se pequenos cortes que funcionam como entradas e a partir dessas entradas são elaboradas hipóteses de interpretação. Os autores também discorrem que para o processamento textual são recorridos a três sistemas de conhecimento, são eles: o conhecimento linguístico, o enciclopédico e o interacional. Para o conhecimento linguístico, Koch e Elias (2009) comentam que neste sistema são abrangidas questões gramaticais e lexicais, como o uso dos meios coesivos do texto, organização do material linguístico para sequenciação textual. Em relação ao conhecimento enciclopédico ou conhecimento de mundo, como também é chamado por Koch e Elias (2009), trata-se dos conhecimentos gerais sobre o mundo e vivências pessoais as quais produzem sentido nos textos. Por fim, o conhecimento interacional, como o próprio nome diz, refere-se às formas de interação por meio da linguagem para dar sentido ao texto, seja através do propósito do produtor, da quantidade de informação, da aceitação e também do conhecimento por gêneros discursivos. 21 Com várias fases e várias concepções de texto nos estudos da Linguística Textual, Koch (2009, p. 12) resume em oito itens as concepções de texto, as quais são: a. texto como frase complexa ou signo linguístico mais alto na hierarquia do sistema linguístico (concepção de base gramatical); b. texto como signo complexo (concepção de base semiótica); c. texto como expansão tematicamente centrada de macroestruturas (concepção semântica); d. texto como ato de fala complexo (concepção de base pragmática); e. texto como discurso “congelado”, como produto acabado de uma ação discursiva (concepção de base discursiva); f. texto como meio específico de realização da comunicação verbal (concepção de base comunicativa); g. texto como processo que mobiliza operações e processos cognitivos (concepção de base cognitivista); h. texto como lugar de interação entre atores sociais e de construção interacional de sentidos (concepção de base sociocognitiva-interacional). Silva (2018) ressalta que essas concepções que Koch (2009) resume são imbricadas, ou seja, que não é possível afirmar precisamente em que momentos uma concepção passou a ser utilizada em relação à anterior. O autor ainda comenta que de modo geral, no Brasil, a concepção de textos que tem fundamentado as pesquisas atualmente é a sócio-cognitiva-interacional. Ainda sobre as concepções de texto, é imprescindível citar os estudos de Beaugrande e Dressler (1983). Os autores comentam sobre uma de suas concepções abordando o texto como uma ocorrência comunicativa que atenda a sete fatores (seven standards no original em língua inglesa), os quais são, coesão, coerência, aceitabilidade, informatividade, situacionalidade, intencionalidade e intertextualidade. Para os autores, se algum desses fatores não são considerados satisfatórios, o texto não será considerado comunicativo e, então, o produto final produzido, segundo eles, é tratado como um não-texto. Na subseção seguinte serão abordados de forma mais ampla os fatores que fazem os enunciados serem considerados de fato textos. 2.2 OS FATORES DE TEXTUALIDADE Iniciando pela coesão, a qual é um dos fatores mais importantes a ser destacados junto com a coerência, ela pode ser entendida como um fator que faz o texto ter uma sequência aceitável, ao mesmo tempo que constrói ligações e transições entre palavras e frases. Beaugrande e Dressler (1983) comentam que esse fator 22 compreende as dependências gramaticais como frases, sentenças e também seu tempo verbal. Koch (2009) também discorre sobre a coesão, comentando que ela ocorre quando um texto possui elementos que ligam sentenças umas com as outras, sendo que elas podem ocorrer de várias formas durante o processo de produção. Um dos elementos que a autora comenta é a coesão referencial e pode ser visto no seguinte trecho: Chamo, pois, de coesão referencial aquela em que um componente da superfície do texto faz remissão a outro(s) elemento(s) nela presentes ou inferíveis a partir do universo textual. Ao primeiro, denomino forma referencial ou remissiva e aosegundo, elemento de referência ou referente textual (KOCH, 2009, p, 31). Em outras palavras, no texto, quando há referência a um elemento anterior, Koch (2009) chama o trecho ou palavra referida de remissiva e a parte que se refere a ele de referente. Cavalcante (2003) cita Halliday e Hasan (1976) sobre a existência de cinco formas de coesão, as quais são: a referência, sendo que esta ocorre quando um elemento do texto remete a outro elemento necessário para sua interpretação; a substituição, que é nada mais do que quando um elemento é trocado por outro, evitando a sua repetição; a elipse, que ocorre quando o elemento é substituído por zero; a conjunção, elemento que estabelece relações semânticas com outras partes do texto, e a coesão lexical, a qual se dá pela substituição por outra unidade lexical de mesma semântica, a fim de evitar também a repetição. Ainda sobre a coesão, Koch (2009) comenta sobre a coesão sequencial, a qual diz respeito aos procedimentos linguísticos que estabelecem diversos tipos de relações semânticas e/ou pragmático-discursivas à medida que o texto progride. Em outras palavras, a partir do que a autora argumenta, pode ser entendido que a coesão textual trata da sensação de sequência que o texto possui. O próximo fator de textualidade, a coerência, também precisa ser destacado. A coerência nada mais é do que a união de todos os elementos textuais que tornam possível estabelecer sentido ao texto. Koch (2009), a partir de estudos de Beaugrande e Dressler (1981), comenta que a coerência diz respeito ao modo como os elementos subjacentes da superfície do texto entram em uma configuração veiculadora de sentidos. 23 Outro autor que comenta sobre a coerência é Ludovico (2015), o qual comenta que esse fator de textualidade pode ser considerado como princípio de interpretabilidade decorrente de uma multiplicidade de fatores que ocorrem na interação do produtor e do receptor. Ludovico (2015) também faz a ligação entre a coerência com a coesão, argumentando que a coerência é global e só há sentido no texto se ele também é coerente. Seguindo com a intencionalidade, como o nome expressa, esse fator trata da intenção do sujeito que ao produzir o texto tem determinado objetivo. Koch (2009) refere-se à intencionalidade como diversos modos em que os sujeitos usam textos para realizar suas intenções comunicativas, utilizando os recursos adequados para sua concretização. Para Beaugrande e Dressler (1983), a intencionalidade seria o terceiro fator de textualidade, sendo que até então, a coesão e a coerência poderiam ser consideradas metas operacionais as quais são obrigatórias em um texto. A partir do que os autores afirmam, é possível entender que os fatores de coesão e coerência encontram-se como obrigatórios, mas também neutros, diferente do terceiro fator, a intencionalidade, a qual expressa intenção por parte do emissor do texto, podendo ser perceptível pelo seu eixo paradigmático. A aceitabilidade, por sua vez, pode ser vista como a reação do interlocutor com o texto, sendo que o texto é produzido por um emissor para um ou vários receptores. Esse fator está relacionado à aceitação da manifestação linguística do emissor, de forma coesa e coerente. Mesmo que o texto possua incoerências ou pareça de princípio incoerente, o leitor/ouvinte tentará atribuir-lhe sentido (KOCH, 2009). Beaugrande e Dressler (1983) são bem específicos sobre a aceitabilidade, os autores comentam que esse fator é o julgamento de sentenças, as relações entre aceitabilidade e gramaticalidade e aceitação de planos e metas. Sobre o fator da informatividade, este pode ser entendido como a forma das informações são transmitidas pelo texto. Beaugrande e Dressler (1983) comentam que a informatividade diz respeito à extensão em que as informações do texto apresentado são conhecidas e desconhecidas. Koch (2009), por sua vez, afirma que a informatividade está ligada à distribuição da informação no texto, o grau de previsibilidade e redundância em que ela é veiculada. A autora comenta que um texto que contém apenas informações já conhecidas pelo interlocutor caminha em círculos e pode ser inócuo, por outro lado, Koch (2009) também argumenta sobre a questão da previsibilidade, constatando que há graus de informatividade no texto. Em outras 24 palavras, um texto que possua informação apresentada de forma previsível terá baixo grau de informatividade, do contrário, um texto com maior grau de informatividade torna-se menos previsível. Em relação à situacionalidade, ela pode ser interpretada de duas formas, do texto para a situação e da situação para o texto. Koch (2009) aborda que no primeiro caso, a situacionalidade refere-se a um conjunto de fatores que tornam o texto relevante para a situação comunicativa no contexto imediato, além da interação sócio- político-cultural que está inserido. No segundo caso, Koch (2009) comenta sobre os reflexos do texto em relação à situação, a qual também há dois pontos de vista, o primeiro é onde o sujeito que produz o texto reconstrói o mundo de acordo com suas experiências, objetivos, crenças e propósitos, o segundo é o inverso, onde o interlocutor faz sua interpretação por meio de suas experiências, propósitos, convicções e crenças. Por fim, o último fator de textualidade a ser comentado é a intertextualidade. De grosso modo, a intertextualidade é a relação entre o texto produzido pelo sujeito com outros textos. Beaugrande e Dressler (1983) definem intertextualidade como o fator que torna o uso de um texto dependente do conhecimento de um ou mais textos previamente encontrados. Koch (2009) comenta de forma similar sobre intertextualidade dizendo que esta compreende as diversas maneiras pelas quais a produção ou recepção de um determinado texto depende de outros textos por parte dos interlocutores. Antes de passar para a seção seguinte, restou apenas trazer as concepções de texto de acordo com os documentos da educação, tanto dos PCNs de Língua Portuguesa, como também da BNCC. Os PCNs4, como documento anterior à BNCC, mostram o que era entendido como texto, antes da homologação da Base em 2017. Além disso, a própria BNCC deixa explicito que “O componente Língua Portuguesa da BNCC dialoga com documentos e orientações curriculares produzidos nas últimas décadas buscando atualizá-los” (BRASIL, 2018, p. 67). Para os PCNs, há a seguinte concepção: O discurso, quando produzido, manifesta-se lingüisticamente por meio de textos. Assim, pode-se afirmar que texto é o produto da atividade discursiva 4 Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) foram substituídos pela Base Nacional Comum Curricular desde a sua homologação, porém, os documentos ainda estão disponíveis de forma online e podem ser utilizados para consultas e estudos. Para esta pesquisa, recorresse aos PCNs como comparação ao que dizia o documento anterior e ao atual (BNCC). 25 oral ou escrita que forma um todo significativo e acabado, qualquer que seja sua extensão. É uma seqüência verbal constituída por um conjunto de relações que se estabelecem a partir da coesão8 e da coerência. Esse conjunto de relações tem sido chamado de textualidade. Dessa forma, um texto só é um texto quando pode ser compreendido como unidade significativa global, quando possui textualidade. Caso contrário, não passa de um amontoado aleatório de enunciados. (BRASIL, 1997, p.23) Os PCNs também relacionam sua concepção de texto com os gêneros do discurso ao argumentar que todo texto se organiza dentro de um determinado gênero discursivo. Além disso, os vários gêneros existentes, por sua vez, constituem formas relativamente estáveis de enunciados, disponíveis na cultura, caracterizados por três elementos: conteúdo temático, estilo e construção composicional. (BRASIL, 1997, p, 23). Deste modo, estão de acordo com a concepção de textosociocognitivista, onde os alunos realizam seus textos utilizando-se dos três sistemas de conhecimento, o conhecimento linguístico, o enciclopédico e o interacional ao apropriar-se de um gênero do discurso para expressar-se de forma verbal ou não verbal. Do mesmo modo, a Base Nacional Comum Curricular, o atual documento em vigor, mantém a ideia dos PCNs e aborda o texto de forma similar. A base compreende como forma material da língua, sendo que em relação à linguagem verbal oral e escrita, as formas de composição dos textos dizem respeito à coesão, coerência e organização da progressão temática dos textos, influenciadas pela organização típica (construção composicional) do gênero em questão (BRASIL, 2017). Ao realizar um comparativo entre a concepção de autores na área da linguística com o que diz um dos documentos oficiais da educação no Brasil, em todos os casos vão ao encontro de uma concepção de texto com características semelhantes, pois todos concordam que há uma intenção comunicativa e que se faz necessário seguir fatores para que as produções sejam de fato consideradas textos. Estes fatores também estão vinculados aos gêneros do discurso dentro das esferas sociais da atividade humana. A própria BNCC caracteriza sua concepção de texto como enunciativo-discursivo ao ressaltar que: Tal proposta assume a centralidade do texto como unidade de trabalho e as perspectivas enunciativo-discursivas na abordagem, de forma a sempre relacionar os textos a seus contextos de produção e o desenvolvimento de habilidades ao uso significativo da linguagem em atividades de leitura, escuta e produção de textos em várias mídias e semioses. (BRASIL, 2017, p. 67). Deste modo, é possível entender que a BNCC traz sua concepção de texto para a fase mais recente dos estudos de texto, a sociocognitivista-interacionista, uma vez 26 que elas são realizadas dentro de um contexto de produção e também seguem demais orientações da base, sempre trazendo as práticas de linguagem voltadas para as atividades sociais. Para esta pesquisa, utiliza-se a concepção de texto da BNCC, a sociocognitivista-discursiva, uma vez que a unidade didática foi fundamentada a partir dela. Além disso, essa concepção é a mais recente, deste modo, ela está vinculada também com os estudos de texto atuais. Uma vez compreendido sobre as concepções de texto e qual delas é abordada pela BNCC, discute-se a seguir sobre os gêneros do discurso, meios pelos quais ocorrem as práticas de linguagem. 2.3 OS GÊNEROS DO DISCURSO Como esta pesquisa procura analisar produções textuais de alunos de um 5º ano de escola pública, foi escolhido trabalhar com um dos gêneros do discurso uma vez que eles são a teoria mais bem aceita no ensino de línguas, além de que, por meio deles, os alunos aprendem sobre suas possibilidades pessoais, desenvolvem habilidades comunicativas e compreendem melhor o mundo que estão inseridos (MARTINS, 2013). Desse modo, nessa subseção abordam-se a origem dos estudos dos gêneros, teóricos que dialogam sobre esse ramo de estudos, bem como o gênero carta em específico. Sobre os gêneros do discurso, os primeiros registros de estudos ocorreram por meio do Círculo de Bakhtin, no século XX. Para Bakhtin (1997), a utilização da língua é por meio de enunciados orais e escritos. Esses enunciados refletem condições específicas e atendem às finalidades de determinadas esferas que circulam. Isso pode ser melhor visto no seguinte trecho: A utilização da língua efetua-se em forma de enunciados (orais e escritos), concretos e únicos, que emanam dos integrantes duma ou doutra esfera da atividade humana. O enunciado reflete as condições específicas e as finalidades de cada uma dessas esferas, não só por seu conteúdo (temático) e por seu estilo verbal, ou seja, pela seleção operada nos recursos da língua — recursos lexicais, fraseológicos e gramaticais —, mas também, e sobretudo, por sua construção composicional. Estes três elementos (conteúdo temático, estilo e construção composicional) fundem-se indissoluvelmente no todo do enunciado, e todos eles são marcados pela especificidade de uma esfera de comunicação. Qualquer enunciado considerado isoladamente é, claro, individual, mas cada esfera de utilização da língua elabora seus tipos relativamente estáveis de enunciados, sendo isso que denominamos gêneros do discurso. (BAKHTIN, 1997, p. 280) 27 Sobre os três elementos comentados por Bakhtin (1997), o conteúdo temático é entendido como o conteúdo que o gênero aborda, já o estilo, este acontece a partir dos recursos para construções de sentenças e sentidos que o enunciador aplica no gênero, e, a construção composicional nada mais é do que a estrutura que o gênero possui. Gritti (2010) por meio do que comenta Bakhtin (2000), argumenta que o conteúdo temático, o estilo e a construção composicional do enunciado se fundem no “todo” do enunciado, marcados pela especificidade da esfera de comunicação. Gritti (2010) também afirma que dentro das especificidades de cada gênero, alguns elementos se sobressaem. Bakhtin (2003), sobre a vasta variedade de gêneros do discurso e sua riqueza, comenta que a variedade virtual da atividade humana é inesgotável, sendo que cada esfera dessa atividade comporta um repertório de gêneros que se amplia e diversifica- se à medida que se desenvolve. Desse modo, é possível entender que os gêneros do discurso ocorrem através de enunciados aos quais possuem características relativamente estáveis. Essas características podem ser um dos fatores que diferenciam os gêneros uns dos outros e situam o leitor a perceber que determinado texto é de determinado gênero. Assim como Bakhtin, autor que tem como foco os gêneros por meio do fenômeno sociodiscursivo, Marcuschi (2008) também comenta sobre os gêneros aplicados nas interações sociais, mais precisamente na questão sociointerativa. O autor relata o seguinte: Entre o discurso e o texto está o gênero, que é aqui visto como prática social e prática textual-discursiva. Ele opera como a ponte entre o discurso como uma atividade mais universal e o texto enquanto a peça empírica particularizada e configurada numa determinada composição observável. Gêneros são modelos correspondentes a formas sociais reconhecíveis nas situações de comunicação em que ocorrem. Sua estabilidade é relativa ao momento histórico-social em que surge e circula (MARCUSCHI, 2008, p. 84). Deste modo, tanto Bakhtin (2003) quanto Marcuschi (2008) possuem entendimento que os gêneros estão ligados à produção de textos nas relações sociais. Os gêneros, por sua vez, regulam suas interações e discursos por modelos estáveis na sociedade. Antes de adentrar ao gênero carta, é realizado na seção seguinte uma discussão sobre as tipologias textuais, as quais são muito exploradas nas escolas, principalmente nos anos iniciais, e para cada época escolar são trabalhados alguns tipos de textos específicos. 28 2.3.1 As tipologias textuais Uma das características específicas de cada gênero são as tipologias textuais que são utilizadas pelos gêneros. Aqui, trata-se de tipos de texto narrativo, descritivo, argumentativo, explicativo e dialógico, tipologias textuais cunhadas por Adam (1993). Todo gênero do discurso está vinculado a uma prática social e, deste modo, possui uma tipologia predominante como uma de suas características. Gêneros como carta, romance e resumo possuem sequência mais narrativa, enquanto gêneros textuais como artigo de opinião e review de produtos (gênero textual oral ou escrito amplamente difundido na internet o qual faz análise de algum produto ou serviço) tendem a serem voltados para a tipologia argumentativa. No que diz respeito à tipologia narrativa, ela pode ser vista como um conjunto de enunciados que estabelecem de forma sucessiva acontecimentos. Cunha (2006) reforça essa ideia comentando que a tipologianarrativa só pode ser entendida deste modo se a organização é sustentada por um processo de intriga, o qual consiste na seleção e organização dos acontecimentos para formar um todo completo, com início, meio e fim. Essa tipologia textual é bastante comum nas leituras e produções textuais e faz uma boa relação com gêneros com contos de fadas, crônicas e história em quadrinhos. Sobre a tipologia descritiva, Cunha (2006) afirma que ela é composta de frases que não se organizam em uma ordem linear obrigatória, mas que são combinadas em uma ordem hierárquica. Um exemplo disso pode ser percebido com uma atividade de descrição de uma figura ou pintura de paisagem, onde cada aluno irá descrever utilizando seu próprio critério, os quais podem começar por posição na imagem, elementos que foram identificados primeiros e assim por diante. Os mesmos elementos da imagem podem estar nos textos dos alunos, porém, em ordem totalmente diferente ao serem comparados. A autora reforça dizendo que a descrição tem como objetivo guiar o olhar do destinatário ao ressaltar detalhes do objeto do discurso. A tipologia argumentativa, como o próprio nome diz, trata-se de textos os quais trazem argumentos para sustentar ideias em um texto. Cunha (2006) comenta que a tipologia argumentativa implica na existência de uma tese e um determinado tema, sendo que a conclusão tirada por ela é apoiada por justificações e suportes. 29 Para a tipologia explicativa, Cunha (2006) argumenta que o raciocínio explicativo se origina na construção de um fenômeno incontestável, mas, de um acontecimento natural ou de ação humana de modo inicial incompleto e que requer o desenvolvimento destinado a responder as questões com o objetivo de esclarecer o fenômeno. Em outras palavras, durante a produção de um texto, há um fenômeno presente nele que é explicado até que seja totalmente compreendido. Em relação à última tipologia proposta por Adam (1993), a tipologia dialógica, ela compreende discursos realizados por meio de turnos da fala e estabelece o diálogo. Cunha (2006) reforça complementa ao mencionar que essa tipologia só pode ser realizada em segmentos de discursos interativos, os quais são estruturados em turnos de fala. Uma vez explorado os gêneros do discurso e também as tipologias textuais, na seção seguinte, aborda-se o gênero específico utilizado nesta pesquisa, o gênero carta. 2.3.2 O gênero carta Como esta pesquisa foi pensada e elaborada para trabalhar com o gênero carta em uma turma de 5º ano do Ensino Fundamental, entender esse gênero específico, suas características, meio de circulação e função torna-se bastante pertinente. Vale ressaltar que a escolha do gênero carta deu-se por este se tratar de um gênero discursivo mais descritivo e compatível com a idade e ano escolar dos alunos. O gênero carta é um dos gêneros mais utilizados no mundo. Basicamente a carte tem como objetivo principal estabelecer comunicação entre um ou mais sujeitos ao enviar uma mensagem escrita para uma ou várias pessoas. O gênero carta circula majoritariamente através de serviços de correspondências que recebem ou coletam envelopes ou pacotes que contenham a carta e entregam no lugar desejado para a(s) pessoa(s) destinada(s). Embora ainda seja muito utilizada, a carta tem caído em desuso devido à migração para outro gênero, o e-mail. O gênero e-mail surgiu por meio da ideia da carta, porém, de forma digital, afinal, Mail significa nada menos do que correspondência ou ato de enviar em português, enquanto o prefixo “e” vem de electronic (eletrônico). Retornando ao gênero carta, os dois principais motivos que fazem este gênero estar em desuso é que no decorrer dos anos de desenvolvimento das tecnologias e da conexão em rede de computadores através da internet, a interação gratuita através de aplicativos e a 30 instantaneidade do envio e recebimento fizeram com que o gênero carta fosse deixado aos poucos “de lado”, sendo substituído pelo e-mail. Em muitos países, principalmente no Brasil, ainda existem empresas que estabelecem comunicação com seus clientes por meio de cartas, porém, dado o custo disso, somado com o tempo de envio até a chegada ao destino, o e-mail passou a ser mais prático, econômico e rápido. Uma vez que o gênero carta ainda permanece circulando na esfera da comunicação na sociedade, mesmo com o gênero e-mail passando a tomar o seu lugar, reconhecer as características desse gênero torna-se bastante pertinente para estudos os quais possuem este gênero como produção de dados, além disso, é um gênero de fácil aceitação, que circula nas práticas sociais dos alunos e tem como sequência principal a tipologia narrativa, a qual é de fácil domínio por alunos de 5º ano. Como mencionado acima, os gêneros do discurso possuem características estáveis que os diferenciam uns dos outros. Com o gênero carta não é diferente e mesmo possuindo vários subgêneros como carta ao leitor, carta anônima, carta de reclamação, suas características são praticamente as mesmas. Gomes (2002, p. 37) lista as seguintes características do gênero carta: • local e data - têm o papel de situar o destinatário no processo de produção da informação. É uma forma de recuperar a situação natural de diálogo face a face; • a saudação inicial – como parte facultativa, tem em geral ou uma função fática ou complementar ao ‘pacto’; • o corpo – tem a função de realizar o(s) propósito(s) principal(is) do autor da carta; • a saudação final – também tem uma função fática, porém, em função do propósito, pode assumir alguma função argumentativa; • a assinatura – tem o papel de identificar o remetente com a possibilidade de confirmar o grau de aproximação apresentado no início; • pós-escrito – tem a função de preencher as lacunas informacionais do corpo ou de enfatizar o(s) propósito(s). Essas características podem ser reforçadas ao se comparar com as que Melo (2009, p. 74) aborda em um subgênero, a carta de reclamação. Eis: 1– abertura do evento: cabeçalho, vocativo e saudação; 2– corpo da carta: constatação inicial, argumentação + problematização, resolução e/ou reivindicação e conclusão-avaliação. 3 – encerramento do contato: pré-encerramento, despedida e assinatura. De forma mais resumida, Melo (2009) lista três grandes itens com várias características em cada um deles, itens os quais se assemelham as características listadas por Gomes (2002). Ambos os autores também trazem as características listadas na mesma ordem que o gênero carta é estruturado. Para esta pesquisa, a 31 partir dos dois teóricos citados, o gênero carta utilizado para desenvolver os textos com os alunos teve como características estabelecidas o cabeçalho, vocativo, corpo, despedida e assinatura. Apesar os autores não comentarem, a carta possui também como elemento a sequência narrativa de fatos. A sequência narrativa encontra-se em conjunto com a característica do corpo da carta. Uma vez entendido as características do gênero carta, faz-se, então, um paralelo com os fatores de textualidade, propostos por Beaugrande e Dressler (1983). É possível perceber claramente que o gênero carta pode, sim, ser considerado um texto, pois há nele todos os fatores de textualidade. Verificando de forma breve, logo na primeira característica do gênero, o cabeçalho, está presente o fator da situacionalidade ao estabelecer ao leitor o contexto de quando e onde aquele texto foi produzido. Segue-se, então, com a característica principal da carta, o corpo, onde aborda-se os assuntos dela, o que se trata do fator da informatividade em conjunto com a intencionalidade, os quais podem ser identificados pelo motivo que a carta está sendo escrita, o qual pode ser implícito ou explícito. Ainda no corpo (e nas demais características também) há os fatores de coesão e coerência, pois, sem esses dois fatores, seria impossível estabelecercomunicação. A aceitabilidade, a qual também pode ser conferida no corpo do texto através de uma escrita coesa, coerente e que segue a norma padrão ou até mesmo no cabeçalho e na assinatura, uma vez que o leitor pode ler de onde vem a carta e quem a produz, então simplesmente opta por não a ler. Por fim, o fator da intertextualidade pode ser considerado o mais difícil de se localizar, porém, pode ser entendido por meio de um exemplo, como em uma carta de resposta, o corpo da carta pode conter trechos que remete à outra ou outra(s) carta(s) anterior(es). Uma vez explorados, os gêneros do discurso e especificamente o gênero carta, na subseção seguinte será aprofundado o ensino da língua nos documentos oficiais da educação, pois estes estabelecem de forma legal o ensino nas escolas do Brasil, onde houve a produção dos dados para a análise desta pesquisa. 2.4 OS DOCUMENTOS OFICIAIS DA EDUCAÇÃO Por se tratar de uma pesquisa a qual analisa textos de alunos do 5º ano do Ensino Fundamental Anos Iniciais, é imprescindível abordar o que dizem os documentos oficiais da educação em relação às capacidades linguístico-discursiva dos alunos e os conteúdos abordados por esses documentos. 32 Atualmente, há vários os documentos que normatizam a educação no Brasil. Dentre eles, é importante ressaltar as Leis de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN), conhecida como lei 9394 de 20 de dezembro de 1996 e que estabelece o seguinte em seu artigo primeiro: Art. 1º A educação abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais. § 1º Esta Lei disciplina a educação escolar, que se desenvolve, predominantemente, por meio do ensino, em instituições próprias. 2º A educação escolar deverá vincular-se ao mundo do trabalho e à prática social. (BRASIL, 1996) Outros documentos que normatizavam a educação no Brasil foram as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Básica (DCNs), as quais orientavam o planejamento curricular da educação e foram estabelecidas a partir da lei 9394; Os Parâmetros Curriculares Nacionais, conhecidos como PCNs, foram desenvolvidos em 1998 para o Ensino Fundamental e em 2000 para o Ensino Médio, os quais, apesar de serem substituídos pela BNCC, ainda são fonte para consulta; Há também, como documento da educação, o Plano Nacional de Educação, que foi estabelecido em 2014, o qual também conta com diretrizes, estratégias e metas para a educação; E, por fim, mais recentemente aprovada depois de muitos estudos na área e por meio de várias sugestões de profissionais envolvidos na educação que tiveram acesso por meio de consulta pública, a Base Nacional Comum Curricular, conhecida pela sigla BNCC e que foi homologada em 2017. Vale ressaltar por ordem de importância desses documentos que no Brasil consta primeiramente a constituição, seguido pelas LDBs e então a BNCC, a qual será abordada em seguida. 2.4.1 A Base Nacional Comum Curricular Muito discutida recentemente, a Base Nacional Comum Curricular, chamada pela abreviatura de BNCC, pode ser entendida como o conjunto de conhecimentos que os alunos devem aprender desde a Educação Infantil até o Ensino Médio. A proposta da base é uniformizar a educação no Brasil além de estabelecer o que espera que os alunos aprendam ano a ano de forma mais detalhada, enquanto os Parâmetros Curriculares Nacionais traziam de forma geral. A questão que justifica a criação do documento da BNCC demonstrava ser mais relevante do que a sua necessidade de o criar. O cenário da Educação no Brasil já 33 evidenciava cada vez mais perspectivas nada satisfatórias e que estas seriam cada vez piores, uma vez que a educação mantinha o status de precariada e com os profissionais da educação cada vez mais desvalorizados. Os Índices de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB), apesar de mostrarem avanço lento, demonstravam estar longe de chegar na média 6,0, a qual é considerada ideal para que o Brasil se encaixe no grupo de países nas melhores colocações do mundo. Em 20175, o país atingiu médias de 5,8 para os Anos Iniciais do Ensino Fundamental, 4,7 para os Anos Finais e 3.8 para o Ensino Médio, sendo a única média que alcançou a meta foi a dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental. Diante do fato de que o Brasil tinha desempenhos insatisfatórias com a educação, a BNCC foi criada como documento vindo para estabelecer e unificar a educação em todo o território brasileiro. Os documentos anteriores como PCNs e DCNs tinham caráter normativo de recomendações para a Educação Básica, por sua vez, a BNCC vem como determinação para todas as escolas públicas e privadas da educação no Brasil. Os currículos escolares não foram impostos pela BNCC, sendo que cada estado deve construir seus próprios currículos e estabelecer o diálogo entre eles e a Base. O diferencial da Base Nacional Comum Curricular perante os PCNs encontra no fato dela ser determinante e não recomendada, ou seja, ele impõe o que deve ser realizado na educação ao invés de sugerir como fazia o documento anterior. Além disso, outra diferença é que a Base também se encontra na sua especificidade, sendo muito mais detalhada do que os documentos predecessores. Além disso, a BNCC também foi construída de modo que valorize a situação da sociedade na era digital e que forme os alunos também em diferentes mídias. Segundo a própria BNCC, sua definição é a seguinte: A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) é um documento de caráter normativo que define o conjunto orgânico e progressivo de aprendizagens essenciais que todos os alunos devem desenvolver ao longo das etapas e modalidades da Educação Básica, de modo a que tenham assegurados seus direitos de aprendizagem e desenvolvimento, em conformidade com o que preceitua o Plano Nacional de Educação (PNE). (BRASIL, 2017) Desde a sua idealização até a sua homologação em 2017, a BNNC passou por diversas discussões as quais várias escolas por todo o Brasil puderam se mobilizar para que o documento fosse construído. Assim que a segunda versão da base foi 5 Dados coletados no site do IDEP (http://ideb.inep.gov.br/resultado/). 34 disponibilizada em 2016, ocorreu também além das discussões com as escolas, seminários com professores e especialistas até que então a terceira versão fosse homologada pelo, até então, ministro da educação, Mendonça Filho em 2017. No início de 2019, os materiais didáticos já estavam alinhados com as orientações da BNCC e presentes tanto em escolas da rede pública como da rede privada. Um aspecto bastante discutido que é utilizado pela BNCC são as questões de competências e habilidades a serem desenvolvidas pelos alunos durante o período de educação. Assim como já havia nos documentos anteriores, como os PCNs, a BNCC se orienta por meio de competências, sendo as competências gerais da educação básica listadas logo no seu início. Elas são: 1. Valorizar e utilizar os conhecimentos historicamente construídos sobre o mundo físico, social, cultural e digital para entender e explicar a realidade, continuar aprendendo e colaborar para a construção de uma sociedade justa, democrática e inclusiva. 2. Exercitar a curiosidade intelectual e recorrer à abordagem própria das ciências, incluindo a investigação, a reflexão, a análise crítica, a imaginação e a criatividade, para investigar causas, elaborar e testar hipóteses, formular e resolver problemas e criar soluções (inclusive tecnológicas) com base nos conhecimentos das diferentes áreas. 3. Valorizar e fruir as diversas manifestações artísticas e culturais, das locais às mundiais, e também participar de práticas diversificadas da produção artístico-cultural. 4. Utilizar diferentes linguagens – verbal (oral ou visual-motora, comoLibras, e escrita), corporal, visual, sonora e digital –, bem como conhecimentos das linguagens artística, matemática e científica, para se expressar e partilhar informações, experiências, ideias e sentimentos em diferentes contextos e produzir sentidos que levem ao entendimento mútuo. 5. Compreender, utilizar e criar tecnologias digitais de informação e comunicação de forma crítica, significativa, reflexiva e ética nas diversas práticas sociais (incluindo as escolares) para se comunicar, acessar e disseminar informações, produzir conhecimentos, resolver problemas e exercer protagonismo e autoria na vida pessoal e coletiva. 6. Valorizar a diversidade de saberes e vivências culturais e apropriar-se de conhecimentos e experiências que lhe possibilitem entender as relações próprias do mundo do trabalho e fazer escolhas alinhadas ao exercício da cidadania e ao seu projeto de vida, com liberdade, autonomia, consciência crítica e responsabilidade. 7. Argumentar com base em fatos, dados e informações confiáveis, para formular, negociar e defender ideias, pontos de vista e decisões comuns que respeitem e promovam os direitos humanos, a consciência socioambiental e o consumo responsável em âmbito local, regional e global, com posicionamento ético em relação ao cuidado de si mesmo, dos outros e do planeta. 8. Conhecer-se, apreciar-se e cuidar de sua saúde física e emocional, compreendendo-se na diversidade humana e reconhecendo suas emoções e as dos outros, com autocrítica e capacidade para lidar com elas. 9. Exercitar a empatia, o diálogo, a resolução de conflitos e a cooperação, fazendo-se respeitar e promovendo o respeito ao outro e aos direitos 35 humanos, com acolhimento e valorização da diversidade de indivíduos e de grupos sociais, seus saberes, identidades, culturas e potencialidades, sem preconceitos de qualquer natureza. 10. Agir pessoal e coletivamente com autonomia, responsabilidade, flexibilidade, resiliência e determinação, tomando decisões com base em princípios éticos, democráticos, inclusivos, sustentáveis e solidários. A BNCC também é construída por meio de habilidades. Essas habilidades referem-se mais especificamente ao que cada área busca estabelecer de aprendizado para os alunos. Um fato válido a ser mencionado é que o termo “disciplina” parece ser omitido propositalmente no documento da BNCC, utilizando, por exemplo, área de Linguagens ou componente curricular de Língua Portuguesa ao invés de disciplina de Língua Portuguesa, o mesmo acontece nos PCNs. 2.4.1.1 A Área de Linguagens da BNCC Assim como nos PCNs de Língua Portuguesa, a BNCC traz separada a Área de Linguagens do componente de Língua Portuguesa, afinal, como a própria Base afirma, a Área de Linguagens é composta por diversos componentes curriculares, como Língua Portuguesa, Arte, Educação Física e a Língua Inglesa nos Anos Finais do Ensino Fundamental e todo o Ensino Médio (BRASIL, 2017). A BNCC também apresenta que a as linguagens humanas realizam-se nas práticas sociais, mediadas por diferentes linguagens: verbal (oral ou visual-motora, como Libras e escrita), corporal, visual, sonora e, nos últimos anos, de forma digital. Essa afirmação entra em concordância com a diferenciação sobre a língua e linguagem, sendo que a linguagem pode ser exercida através de várias formas, não apenas por textos orais e escritos, mas também de forma visual e corporal. Outro ponto importante a ser ressaltado sobre a Área de Linguagens da BNCC é que para os Anos Iniciais do Ensino Fundamental, os dois primeiros anos da ação pedagógica são voltados para a alfabetização e enfatiza que ao aprender a ler e escrever são ampliadas as possibilidades de construir conhecimentos nos diferentes componentes (BRASIL, 2017). Apesar de haver 10 competências gerais para toda a BNCC, a base também aborda competências específicas de cada área. Para a área de Linguagens do Ensino Fundamental há seis competências, as quais são as seguintes: 1. Compreender as linguagens como construção humana, histórica, social e cultural, de natureza dinâmica, reconhecendo-as e valorizando-as como formas de significação da realidade e expressão de subjetividades e identidades sociais e culturais. 36 2. Conhecer e explorar diversas práticas de linguagem (artísticas, corporais e linguísticas) em diferentes campos da atividade humana para continuar aprendendo, ampliar suas possibilidades de participação na vida social e colaborar para a construção de uma sociedade mais justa, democrática e inclusiva. 3. Utilizar diferentes linguagens – verbal (oral ou visual-motora, como Libras, e escrita), corporal, visual, sonora e digital –, para se expressar e partilhar informações, experiências, ideias e sentimentos em diferentes contextos e produzir sentidos que levem ao diálogo, à resolução de conflitos e à cooperação. 4. Utilizar diferentes linguagens para defender pontos de vista que respeitem o outro e promovam os direitos humanos, a consciência socioambiental e o consumo responsável em âmbito local, regional e global, atuando criticamente frente a questões do mundo contemporâneo. 5. Desenvolver o senso estético para reconhecer, fruir e respeitar as diversas manifestações artísticas e culturais, das locais às mundiais, inclusive aquelas pertencentes ao patrimônio cultural da humanidade, bem como participar de práticas diversificadas, individuais e coletivas, da produção artístico-cultural, com respeito à diversidade de saberes, identidades e culturas. 6. Compreender e utilizar tecnologias digitais de informação e comunicação de forma crítica, significativa, reflexiva e ética nas diversas práticas sociais (incluindo as escolares), para se comunicar por meio das diferentes linguagens e mídias, produzir conhecimentos, resolver problemas e desenvolver projetos autorais e coletivos. (BRASIL, 2017) Após verificar as seis competências específicas que a BNCC estabelece para a Área de Linguagens, é possível perceber que essas competências incentivam que a ação pedagógica realizada pelo professor seja na pluralidade e que também seja nítido o envolvimento cultural e social dessa prática. Outro ponto a se destacar é que a Base Nacional Comum Curricular reforça bastante a questão digital, trazendo esse formato para que ele seja trabalhado na educação em sala de aula e que os alunos manifestem suas capacidades de linguagem através desse formato que até muito tempo era malvisto por muitos profissionais da educação, considerando-o como um inimigo ao invés de um aliado o qual poderia auxiliar no aprendizado. 2.4.1.2 O componente curricular de Língua Portuguesa na BNCC Como foi comentado acima, a Área de Linguagens é uma área separada no documento da BNCC com o componente de Língua Portuguesa, possuindo suas próprias competências descritas que buscam desenvolver no aluno a capacidade de linguagem em diferentes âmbitos e formas. Seguindo o mesmo viés, o componente de Língua Portuguesa também possui suas próprias competências específicas. Para o Ensino Fundamental, há no total de dez competências específicas as quais podem ser conferidas logo abaixo: 37 1. Compreender a língua como fenômeno cultural, histórico, social, variável, heterogêneo e sensível aos contextos de uso, reconhecendo-a como meio de construção de identidades de seus usuários e da comunidade a que pertencem. 2. Apropriar-se da linguagem escrita, reconhecendo-a como forma de interação nos diferentes campos de atuação da vida social e utilizando-a para ampliar suas possibilidades de participar da cultura letrada, de construir conhecimentos (inclusive escolares) e de se envolver com maior autonomia e protagonismo na vida social. 3. Ler, escutar e produzir textos orais, escritos e multissemióticos que circulam em diferentes campos de atuação e mídias, com compreensão, autonomia, fluência e criticidade, de modo a se expressar e partilhar informações,
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