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92 AA SSEEGGUUNNDDAA GGUUEERRRRAA MMUUNNDDIIAALL –– CCOONNFFLLIITTOO EE VVIIOOLLÊÊNNCCIIAA THE SECOND WORLD WAR - CONFLICT AND VIOLENCE Prof. Dr. Osvaldo Coggiola 1 RESUMO Diversos autores postularam, em tempos recentes, a hipótese de que a Europa padeceu, no século XX, uma ―Segunda Guerra dos Trinta Anos‖, entre 1914 e 1945: 2 a Segunda Guerra Mundial teria sido, essencialmente, a continuidade da Primeira, com motivos e protagonistas basicamente semelhantes (inclusive nas suas alianças internacionais), e com uma breve trégua entre ambas, uma espécie de ―paz armada‖ no entre guerras, pontuada pela ―grande depressão‖ econômica da década de 1930. Tratou-se, porém, para além dos elementos de continuidade, em especial da prática de massacres em massa, de conflitos de caráter diverso, até qualitativamente diferentes, diferença caracterizada, justamente, pela crise econômica mundial e a existência (sobrevivência) da URSS, incluído seu fortalecimento econômico e militar na década de 1930. Na Segunda Guerra Mundial houve sessenta milhões de homens em armas, entre 45 e 50 milhões de mortes (pela primeira vez num conflito bélico, a maioria delas na população civil) como resultado direto dos combates, ou oitenta milhões de pessoas, se forem contadas também as vítimas que morreram por fome, epidemias e doenças como resultado indireto da guerra — oito vezes mais vítimas do que na Primeira Guerra Mundial: 3 ao todo, aproximadamente 4% da população mundial da época, e tudo em escassos seis anos. Foi, em primeiro lugar, o conflito militar mais sangrento do todos os tempos. Ele envolveu as mais longínquas regiões do planeta, nos mares e na terra, na neve e no sol escaldante do deserto. PALAVRAS CHAVE: Guerras Mundiais, Segunda Guerra Mudial, Conflitos e Violência SUMMARY Several authors posit, in recent times, the hypothesis that Europe suffered in the twentieth century a "Second Thirty Years War" between 1914 and 1945: World War II would have been essentially the continuation of the First, with reasons and basically similar protagonists (including in its international alliances), and a brief truce between the two, a sort of "armed peace" in the interwar, punctuated by the "great depression" of the 1930s economic it was, however, beyond the elements of continuity, particularly the practice of mass massacres, diverse character of conflicts, even qualitatively different, characterized difference precisely by the global economic crisis and the existence (survival) of the USSR, including its economic and military strengthening in decade 1930. in World War II there were sixty million men under arms, between 45 and 50 million deaths (for the first time in a military 1 Professor titular da Universidade de São Paulo – USP. 2 Por exemplo: Charles Van Doren. Uma Breve História do Conhecimento. Rio de Janeiro, Casa da Palavra, 2012. Henri Michel negou que a Segunda Guerra Mundial fosse apenas a simples ―revanche‖ (uma espécie de segundo turno) ou a continuidade da Primeira, mas limitou as diferenças à ―extensão‖ (geográfica) da guerra, e à ―totalidade‖ dos recursos materiais e humanos envolvidos (La Seconda Guerra Mondiale. Roma, Newton & Compton, 1995). 3 Ernest Mandel. O Significado da Segunda Guerra Mundial. São Paulo, Ática, 1982. 93 conflict, most of the civilian population) as a direct result of the fighting, or eighty million people, if they are also counted the victims who died from starvation, epidemics and disease as an indirect result of the war - eight times more victims than in the First World war: in all, about 4% of the world population of the time, and all in only six years. It was, first, the bloodiest military conflict of all time. It involved the most remote regions of the planet, in the seas and on land, snow and scorching desert sun. KEYWORDS: World Wars, Monday World War, Conflict and Violence, Introdução O adiamento da resolução dos conflitos que levaram à Primeira Guerra Mundial, e da revolução socialista que ela originou, no primeiro pós-guerra, foi desse modo pago com um preço inédito em vidas humanas, especialmente forte nos países que estiveram no centro desses problemas: vinte milhões de mortos, pelo menos, na União Soviética, treze milhões na Alemanha, sem contar a ―qualidade‖ das mortes, que incluíram cenários de degradação humana nunca vistos na história, nos campos de concentração nazistas, nas câmaras de gás, nas políticas de ―extermínio total‖ de judeus, ciganos, homossexuais, deficientes mentais e outros, além dos morticínios em massa das ―limpezas étnicas‖ promovidas, durante e imediatamente depois da guerra, especialmente nos redesenhados países da Europa oriental que, pela primeira vez na era moderna e contemporânea, tenderam a se transformar em Estados ―étnicamente homogêneos‖, inclusive em regiões que haviam sido, até então, verdadeiros carrefours étnicos, linguísticos, nacionais e culturais, em especial os países bálticos e partes importantes da Polônia e da Ucrânia. As novas (supostas) ―fronteiras étnicas‖ dos Estados europeus foram traçadas sobre montanhas de cadáveres insepultos e com base em políticas objetivamente (quando não subjetivamente, como no caso dos judeus) exterministas, que conseguiram, em medida enorme, apagar os motivos e mecanismos objetivos (históricos e políticos) dos enfrentamentos e da guerra. Diversos autores postularam, em tempos recentes, a hipótese de que Europa padeceu, no século XX, uma ―Segunda Guerra dos Trinta Anos‖, entre 1914 e 1945: 4 a Segunda Guerra Mundial teria sido, essencialmente, a continuidade da Primeira, com motivos e protagonistas basicamente semelhantes (inclusive nas suas alianças internacionais), e com uma breve trégua entre ambas, uma espécie de ―paz armada‖ no entre guerras, pontuada pela ―grande depressão‖ econômica da década de 1930. Tratou-se, porém, para além dos elementos de continuidade, em especial da prática de massacres em massa, de conflitos de caráter diverso, até qualitativamente diferentes, diferença caracterizada, justamente, pela crise econômica mundial e a existência 4 Por exemplo: Charles Van Doren. Uma Breve História do Conhecimento. Rio de Janeiro, Casa da Palavra, 2012. Henri Michel negou que a Segunda Guerra Mundial fosse apenas a simples “revanche” (uma espécie de segundo turno) ou a continuidade da Primeira, mas limitou as diferenças à “extensão” (geográfica) da guerra, e à “totalidade” dos recursos materiais e humanos envolvidos (La Seconda Guerra Mondiale. Roma, Newton & Compton, 1995). 94 (sobrevivência) da URSS, incluído seu fortalecimento econômico e militar na década de 1930. Na Segunda Guerra Mundial houve sessenta milhões de homens em armas, entre 45 e 50 milhões de mortes (pela primeira vez num conflito bélico, a maioria delas na população civil) como resultado direto dos combates, ou oitenta milhões de pessoas, se forem contadas também as vítimas que morreram por fome, epidemias e doenças como resultado indireto da guerra — oito vezes mais vítimas do que na Primeira Guerra Mundial: 5 ao todo, aproximadamente 4% da população mundial da época, e tudo em escassos seis anos. Foi, em primeiro lugar, o conflito militar mais sangrento do todos os tempos. Ele envolveu as mais longínquas regiões do planeta, nos mares e na terra, na neve e no sol escaldante do deserto. Guerras mundiais – conflitos e violência O adiamento da resolução dos conflitos que levaram à Primeira Guerra Mundial, e da revolução socialista que ela originou, no primeiro pós-guerra, foi desse modo pago com um preço inédito em vidas humanas, especialmente forte nos países que estiveramno centro desses problemas: vinte milhões de mortos, pelo menos, na União Soviética, treze milhões na Alemanha, sem contar a ―qualidade‖ das mortes, que incluíram cenários de degradação humana nunca vistos na história, nos campos de concentração nazistas, nas câmaras de gás, nas políticas de ―extermínio total‖ de judeus, ciganos, homossexuais, deficientes mentais e outros, além dos morticínios em massa das ―limpezas étnicas‖ promovidas, durante e imediatamente depois da guerra, especialmente nos redesenhados países da Europa oriental que, pela primeira vez na era moderna e contemporânea, tenderam a se transformar em Estados ―étnicamente homogêneos‖, inclusive em regiões que haviam sido, até então, verdadeiros carrefours étnicos, linguísticos, nacionais e culturais, em especial os países bálticos e partes importantes da Polônia e da Ucrânia. As novas (supostas) ―fronteiras étnicas‖ dos Estados europeus foram traçadas sobre montanhas de cadáveres insepultos e com base em políticas objetivamente (quando não subjetivamente, como no caso dos judeus) exterministas, que conseguiram, em medida enorme, apagar os motivos e mecanismos objetivos (históricos e políticos) dos enfrentamentos e da guerra. A maioria dos cenários inicialmente bélicos da Europa se transformaram, no decorrer e no desfecho da guerra, cenários da luta sem limites de qualquer espécie pela simples sobrevivência física de soldados e civis. 6 Os grandes massacres, porém, precederam à guerra propriamente dita, em especial na ―terra de sangue (que) se estende do centro da Polônia até o Oeste da Rússia, passando pela Ucrânia, Bielorrússia e os Estados bálticos. Durante a consolidação do 5 Ernest Mandel. O Significado da Segunda Guerra Mundial. São Paulo, Ática, 1982. 6 R. A. C. Parker. Struggle for Survival. The history of the Second World War. Nova York, Oxford University Press, 1989. E também: Max Hastings. Inferno. O mundo em guerra 1939-1945. Rio de Janeiro, Intrínseca, 2012: “Quase tudo que os povos civilizados consideram garantido em tempos de paz foi posto de lado, especialmente a expectativa de receber proteção contra a violência... Na sitiada Leningrado, pessoas famintas comiam umas às outras... A explosão da prostituição foi um trágico fenômeno global, que merece seu próprio livro [até hoje não escrito]... Era fundamental que somente um número ínfimo de líderes e comandantes nacionais soubesse muito o que se passava além de seu campo de visão (na que) foi a maior e mais terrível das experiências humanas” (do mesmo autor: Armaggedon. The battle for Germany 1944-1945. Nova York, Alfred A. Knopf, 2004). 95 nacional-socialismo e do stalinismo (1933-1938), a ocupação conjunta da Polônia pelas forças alemãs e soviéticas (1939-1941) e, em seguida, durante a guerra entre a Alemanha e a União Soviética (1941-1945), a violência em massa de um modo jamais visto na história se abateu sobre essa região. As vítimas foram basicamente judeus, bielorrussos, ucranianos, poloneses, russos e bálticos, os povos nativos dessas terras. Catorze milhões foram mortos em um período de somente doze anos, entre 1933 e 1945, enquanto Hitler e Stalin estavam no poder. Embora suas pátrias tenham sido palco de batalhas na metade desse período, essas pessoas foram vítimas de uma política assassina, não de contingências de guerra. A Segunda Guerra Mundial foi o conflito mais letal da história, aproximadamente metade dos soldados que morreram em todos os campos de batalha de todo o mundo pereceu nessa região, nessas terras de sangue. Ainda assim, dos catorze milhões de pessoas assassinadas, não havia um soldado sequer na ativa. A maioria era composta de mulheres, crianças e idosos; nenhuma carregava armas; muitas foram despojadas de seus bens, incluindo as roupas‖. 7 Os números das vítimas refletem a quantidade inédita dos massacres de população civil, inclusive os reconhecidamente desnecessários do ponto de vista militar, levados adiante por todos os protagonistas principais da guerra, inclusive pelos aliados, como o inútil bombardeio e destruição da cidade alemã de Dresden (quando a capitulação da Alemanha já era questão de horas), 8 ou as bombas atômicas lançadas sobre Hiroshima e Nagasaki, com suas centenas de milhares de mortos civis e seus efeitos ainda décadas depois, isto em condições em que, segundo de Winston Churchill, ―seria um erro supor que o destino do Japão foi decidido pela bomba atômica. A derrota do Celeste Império já estava assegurada antes de ser lançada a primeira bomba‖: 9 ―Se a primeira bomba, pelo seu efeito de terror, podia ter o objetivo de desalentar os japoneses e evitar aos Estados Unidos a lenta reconquista e o meio milhão de homens que talvez teria custado, a segunda teve um caráter de experimento científico às custas de cem mil vidas. Não acredito que a bomba atômica tenha justificativas (...) a eleição do Japão para o lançamento da bomba me parece racista: em circunstâncias semelhantes às existentes no Japão, os norte-americanos não teriam ousado lançá-la sobre uma cidade alemã‖. 10 O racismo não foi patrimônio exclusivo dos nazistas, assim como as experiências científica do Dr. Mengele em Auschwitz (ou de seu equivalente japonês, a Unidade 731 do norte da China). Os Estados Unidos reconheceram ter submetido a provas nucleares a mais de 600 pessoas no seu próprio território durante a Segunda Guerra, incluindo 18 norte-americanos que morreram depois de ter recebido injeções de plutônio. O racismo e a barbárie foram multi-direcionais. O assassinato em massa de civis foi política sistemática da parte de todas as potências envolvidas. Uma guerra dessas características era qualitativamente diferente das anteriores. Para explicar suas causas (e seu desfecho) não basta referir-se aos objetivos estratégicos nacionais dos países ou blocos envolvidos: ―A guerra não é um domínio das 7 Timothy Snyder. Terras de Sangue. A Europa entre Hitler e Stalin. Rio de Janeiro, Record, 2012, p. 10. 8 Frederick Taylor. Dresden. Terça-feira, 13 de fevereiro de 1945. Rio de Janeiro, Record, 2011. Kurt Vonnegut, soldado norte-americano de origem alemã capturado pelas tropas do Reich, deixou um testemunho literário da espantosa destruição desssa cidade, que carecia de quaisquer objetivos bélicos de qualquer natureza (militar, econômico, administrativo, político, o que fosse) (Matadouro 4. Porto Alegre, L&PM, 2009). 9 In: Guilherme Olympio. União Soviética & USA. Rio de Janeiro, Prado, 1955, p. 107. Cf. também: Heitor B. Caillaraux. Hiroshima 45. O grande golpe. Rio de Janeiro, Lucerna, 2005. 10 Jean Lacotoure. In: José Peirats. História Mundial desde 1939. Barcelona, Salvat, 1973, p. 10. 96 artes ou das ciências, mas um elemento do tecido social. Constitui um conflito de grandes interesses solucionado de maneira sangrenta, o que a diferencia de todos os outros conflitos. Antes de comparar a guerra com uma arte qualquer, caberia fazê-lo com o comércio, que é também um conflito de atividades e interesses humanos, e inclusive se assemelha muito à política, que por sua vez pode ser considerada como uma espécie de comércio em grande escala. A política é a matriz em que se desenvolve a guerra‖. 11 Vejamos, pois, essa matriz, no caso da Segunda Guerra Mundial. Do ponto de vista dos interesses estratégicos em jogo, no quadro do sistema imperialista, não era difícil caracterizar as causas da Segunda Guerra Mundial como ―a rivalidade entre os impérios coloniais velhos e ricos: a Grã-Bretanha e a França, e os bandidos imperialistas atrasados: Alemanha e Itália (...) A contradição econômica mais forte que conduziu à guerra de 1914-1918 foi a rivalidade entre a Grã-Bretanha e a Alemanha. A participação dos Estados Unidos na guerra foi uma medida preventiva‖.Os EUA entraram na guerrana sua fase final. Nessa visão, era uma mentira ―a palavra de ordem de uma guerra da democracia contra o fascismo. Como se os operários tivessem esquecido que foi o governo britânico que ajudou Hitler e seu bando de carrascos a se apropriar do poder! As democracias imperialistas são na realidade as maiores aristocracias da história. A Inglaterra, a França, a Holanda, a Bélgica, repousam sobre a submissão dos povos coloniais. A democracia americana repousa sobre o domínio das riquezas enormes de todo um continente‖. 12 No período prévio à guerra, a ambiguidade com relação às tentativas alemãs de revisar a Paz de Versalhes e, em geral, com relação à toda política do eixo nazi-fascista, tinha sido marcante da parte das potências ―democráticas‖ da Europa. A política de ―apaziguamento‖ remontava à tolerância com a invasão japonesa da Manchúria em 1931, passou pela vista grossa com a invasão italiana da Etiópia em 1935, atingiu a vergonha com a política de ―não-intervenção‖ na guerra civil espanhola de 1936-1939 (quando a ajuda nazi-fascista ao campo franquista foi fundamental para o desfecho do conflito), e teve seu ponto culminante com a Conferência de Munique de 1938 (Alemanha, Itália, Grã-Bretanha, França) e sua consequência imediata, o desmembramento da Tchecoslováquia pela Alemanha nazista (invasão dos Sudetos). A Alemanha não tinha matérias primas suficientes para sustentar uma guerra de longa duração. Daí a necessidade de invadir e conquistar regiões ricas em petróleo e minerais, como a dos Países Baixos, com suas fontes de minerais nobres, como o tungstênio, ou o Norte da África e as planícies do Cáucaso, regiões ricas em petróleo. As ações alemãs inicialmente vitoriosas na Europa foram resultado da reconstrução de seu Exército sob as barbas da Liga das Nações. A política de apaziguamento foi comumente analisada como ―cegueira‖ dos governos democráticos acerca das verdadeiras intenções do Terceiro Reich. Sua raiz, porém, está na própria natureza do conflito mundial. O fato novo era que na sua tentativa de revisão da Paz de Versalhes, a Alemanha de Hitler se beneficiava indiretamente da existência da União Soviética, e que os governos ocidentais consideraram sempre seriamente a possibilidade de desviar em direção à União Soviética o expansionismo 11 Karl Von Clausewitz. De la Guerra. Barcelona, Labor, 1984, p. 17. 12 La guerre impérialiste et la révolution prolétarienne mondiale. In: Les Congrès de la Quatrième Internationale. Paris, La Brèche, 1978, pp. 337-377. 97 alemão, em benefício de todos eles, o que explicaria uma política de outro modo incompreensível. A Segunda Guerra Mundial constituiu a continuidade tanto da Primeira Guerra quanto da tentativa dos imperialismos coligados de destruir a revolução nos países europeus, destruindo militarmente a Revolução Russa pela intervenção armada através da guerra civil. A Segunda Guerra foi simultaneamente um conflito interimperialista e contrarrevolucionário, em que a destruição da União Soviética visava interromper de vez o processo revolucionário iniciado em 1917, já abalado pelo isolamento da revolução soviética (e sua principal consequência, a emergência do stalinismo) e pela vitória do nazismo na Alemanha, com a consequente derrota histórica do mais importante proletariado ocidental. Os ―democratas‖ ocidentais não se caracterizaram pela lucidez com relação ao nazismo, mas estavam dispostos a dele se servir, sem o menor preconceito ideológico, contra a União Soviética (isto é, contra as bases econômicas e sociais remanescentes da revolução) e contra o movimento operário do Leste e do Oeste. Ainda em 1940, o presidente norte-americano Roosevelt esperava que ―a Alemanha atacaria o hemisfério ocidental, provavelmente primeiro na América Latina‖. 13 Já em 1931, antes da chegada ao poder de Hitler, Trotsky havia predito que se o nazismo assumisse o poder desencadearia inevitavelmente uma guerra contra a União Soviética. 14 A aliança Alemanha-Itália-Japão configurada na década de 1930 (que foi um dos blocos do conflito mundial) denominou-se ―Pacto Anti-Komintern‖, isto é, estava explicitamente dirigido a conter a ―expansão mundial do comunismo‖ (da revolução soviética). O outro aspecto está em que a economia armamentista da década prévia à guerra (em primeiro lugar nas potências ―totalitárias‖, Alemanha, Japão e Itália) e, posteriormente, a própria economia de guerra, foram a única via de saída para a crise da economia capitalista mundial pós-1929. Daniel Guérin ilustrou pioneiramente esse processo para a Alemanha, 15 depois estudado por Charles Bettelheim, 16 e, sobretudo, por Adam Tooze. 17 A economia de armamentos foi, sobretudo, o meio para conjurar a nova crise do capitalismo norte-americano, depois do craque inédito de 1929, produzida a partir de 1937, depois da infrutífera relance com a política rooseveltiana dos anos precedentes. O índice de produção industrial, de 110 em 1929, tinha caído para 58 em 1932. Com sua política inflacionária, Roosevelt fomentou a recuperação: o índice pulou para 87 em 1935, para 103 em 1936, 13 Robert E. Sherwood. Roosevelt and Hopkins. Nova York, McGraw Hill, 1950, p. 290. 14 Leon Trotsky. Revolução e Contrarrevolução na Alemanha. São Paulo, Ciências Humanas, 1979. 15 Daniel Guérin. Fascisme & Grand Capital. Paris, Syllepse, 1999. 16 Charles Bettelheim. L’Économie Allemande sous le Nazisme. Paris, François Maspéro, 1978. 17 Adam Tooze. Le Salaire de la Destruction. Formation et ruine de l’économie nazie. Paris, Les Belles Lettres, 2012: “A virada cultural e ideológica do estudo do fascismo remodelou definitivamente nossa compreensão de Hitler e de seu regime... Enquanto nossa compreensão das políticas raciais e dos mecanismos interiores da sociedade alemã sob o nazismo foi transformada nos últimos anos, a história econômica do regime progrediu pouco... Marcas como Krupp, IG Farben, Siemens deram corpo ao mito da invencibilidade industrial alemã (mas) a economia alemã nos anos 1930 diferia pouco da média europeia: sua renda per capita estava dentro da média europeia, comparável à dos atuais Irã ou África do Sul. O consumo da maioria dos alemães era modesto e situado por trás daquele da maioria de seus vizinhos da Europa ocidental. A Alemanha de Hitler era uma sociedade ainda parcialmente modernizada, onde mais de quinze milhões de habitantes viviam ainda do artesanato ou da agricultura tradicionais... É possível [portanto] racionalizar agressividade do regime hitleriano como uma resposta inteligível às tensões nascidas do desenvolvimento desigual do capitalismo mundial, tensões que, bem entendido, estão ainda presentes” (grifo nosso). 98 para 113 em 1937. Mas, a partir de agosto desse ano, a recessão econômica reapareceu nos EUA: a produção caiu 27% em quatro meses. Por esse motivo, basicamente, na Segunda Guerra Mundial a participação dos Estados Unidos não foi, como na Primeira, preventiva, mas central (por isso o conflito foi chamado, logo de cara, de ―mundial‖, ao contrário da precedente ―guerra europeia‖) e se produziu já no início do conflito, inclusive antes dele (na China invadida pelo Japão), embora existisse uma forte corrente ―isolacionista‖ dentro da classe dominante americana até dezembro de 1941 (ataque japonês a Pearl Harbor), que marcou seu ingresso na guerra. Em 1941, a Alemanha mandou tropas para ajudar a combalida Itália a manter suas linhas na Grécia e no norte da África contra os ingleses. A batalha pela ilha de Creta causou grandes baixas aos alemães. Enviado ao Egito, o Afrikakorps alemão fez o que pôde para dominar o estratégico porto de Tobruk e os campos de petróleo da região, até ser repelido pelos ingleses, em novembro de 1942. Pouco depois, os Estados Unidos entraram no conflito, mandandosuas primeiras tropas para o Mediterrâneo. As bases aéreas americanas em território brasileiro, no caminho para o Norte da África, foram um exemplo de como todas as áreas do planeta estavam mobilizadas numa luta global. Até esse momento, a política americana com relação ao Japão era ambígua, e o mesmo poder-se-ia dizer com relação à Alemanha hitleriana, isto ao ponto de Hitler ter como um de seus objetivos centrais, já em plena guerra, manter a neutralidade dos Estados Unidos: ―Impedir o ingresso na guerra dos Estados Unidos virou, a partir do verão de 1940, um dos objetivos essenciais da estratégia e da política do Reich‖. 18 Essa tentativa estava condenada de antemão ao fracasso, pois como já o analisara (antes da guerra) a IV Internacional, ―os fundamentos da potência imperialista americana têm uma envergadura mundial. Seus interesses econômicos na própria Europa são muito importantes... será impossível para os Estados Unidos ficar fora da próxima guerra mundial. Não somente participará como beligerante, mas é possível prever que entrará nela muito mais rapidamente do que na última guerra mundial‖. No começo da guerra no Extremo Oriente, as forças japonesas estavam em ascensão, dominando quase todo o Pacífico. Antes de Pearl Harbour, muitas áreas do extenso território chinês já estavam em guerra, com as colônias inglesas combatendo os japoneses. O Japão invadiu a China no começo dos anos 1930, cometendo inúmeras atrocidades contra a população, como na ocupação de Nanquin, com 300 mil mortos ou na instauração de um laboratório de armas bacteriológicas na área, responsável pela morte de mais de 10 mil prisioneiros de guerra, usados como cobaias. Como o Japão era aliado da Alemanha, o território da Indochina - então colônia francesa - foi ocupado por forças japonesas. Leon Trotsky já tinha analisado que a emergência dos Estados Unidos como principal potência capitalista mundial tinha sido a principal consequência da Primeira Guerra Mundial. 19 A China já tinha o apoio explícito e material dos Estados Unidos antes de sua entrada no conflito, recebendo treinamento e equipamento militares americanos na sua luta contra o Japão, que invadira o Celeste Império já em 1931, ocupando a Manchúria. Uma ponte aérea para levar suprimentos foi estabelecida pelos americanos entre a Índia, a 18 Saul Friedlander. Hitler et les États-Unis 1939-1941. Paris, Seuil, 1966, p. 297. Cf. também: Richad J. Evans. O Terceiro Reich em Guerra. São Paulo, Planeta, 2012. 19 Leon Trotsky. Adonde va Inglaterra. Europa y América. Buenos Aires, El Yunque, 1975. 99 Burma e a China. Os aviões sobrevoavam as montanhas do Himalaia, levando suprimentos aos chineses, mantendo assim um grande número de tropas japonesas ocupadas. Depois do ataque japonês a Pearl Harbour, os Estados Unidos declararam guerra ao Japão, que havia assinado o Tratado Tripartite com a Alemanha e Itália em 1940, formando o ―Eixo‖. Na esperança de que o Japão também atacasse a URSS - o que seria bom para a Alemanha em termos militares estratégicos -, Hitler adiantou-se em declarar guerra aos EUA. Mas o Império japonês já estava ocupado em sua luta no Pacífico contra os EUA, não queria confrontar a União Soviética, acrescentando uma ―segunda frente‖ cujas tropas e suprimentos bélicos não conseguiriam sustentar. A situação de crise econômica nos EUA só foi superada com a Segunda Guerra Mundial e com a aprovação do maior orçamento de defesa de sua história em tempos de paz: só a guerra deu, portanto, um fim à crise econômica iniciada em 1929. Os desempregados, de 10 milhões (em 1934-35) passaram para oito milhões (em 1936-37), mas já superavam novamente 11 milhões em 1938, e ainda eram 10 milhões em 1940. O quadro só foi revertido em 1942, depois do ataque japonês a Pearl Harbor, quando a máquina bélica norte-americana começou a funcionar a todo vapor. Em 1940, Roosevelt se apresentou novamente como candidato presidencial (já fora eleito em 1932 e 1936). A Segunda Guerra Mundial fez com que sua reeleição fosse bem sucedida, mais do que o ―êxito‖ (duvidoso) da política do New Deal. O apoio popular no país à guerra era muito grande, à diferença do que ocorreu na Primeira Guerra Mundial, e apesar da existência de líderes sindicalistas como John L. Lewis que se opunham à entrada na guerra dos EUA. A figura de Hitler, e o ódio que despertava na opinião pública, devido à sua política interna hiper-reacionária, foi decisiva para essa mudança. Roosevelt isolou e reduziu o espaço dos principais líderes de esquerda do CIO (Congress of Industrial Organizations, a ala combativa do sindicalismo norte-americano, surgida em meados da década de 1930) antes de iniciar o rearmamento de 1940-1941. Com a ―normalização‖ da CIO, uma vez consolidada a nova central sindical (com 3.727.000 filiados em 1937, contra 3.440.000 da AFL) iniciou-se um movimento de reaproximação com seus antigos ―inimigos‖: John Lewis, rompendo com a AFL em 1936, tinha dado um passo adiante em relação ao ―gompersismo‖, mas ―os fundadores da CIO - Lewis, Hillman, Dubinsky - não fizeram senão pôr um casaco de força num movimento novo e de esquerda que já se desenvolvia. Não tiveram sucesso total, pois um número importante de revolucionários, com o consentimento daqueles, penetraram a nova organização, e nela construíram trincheiras tão sólidas que depois foi impossível desalojá- los. Mas atingiram seu objetivo essencial: criar uma nova AFL de tendência moderada e evitar a formação de uma nova central sindical combativa e vermelha‖. 20 Em novembro de 1937, John Lewis e Homer Martin intervieram contra os grevistas da Pontiac: a grande imprensa chamou então Lewis de Labor Stateman. Em 1940, Murray declarou que raramente apoiava as sit-down strikes, enquanto Walter Reuther, na General Motors, chamou a ―aceitar o pior dos acordos, pelo bem do país.‖ Os ―progressistas‖ não protestaram: Reuther abandonou o SPA para apoiar o governador Murphy para o Senado; Philipp Murray convidou para o congresso da SWOC o prefeito de Chicago (Kelly) - autor 20 Daniel Guérin. Estados Unidos 1880-1950. Movimiento obrero y campesino. Buenos Aires, CEAL, 1972, p. 89. 100 do ―Massacre do Memorial Day‖ de 1937 - no quadro do apoio à terceira eleição de Roosevelt Do ponto de vista das relações políticas de classe internas nos EUA, a Segunda Guerra Mundial trouxe modificações decisivas: ―O período entre 1941 e 1945, dominado pelo esforço bélico, foi tão importante para a configuração definitiva da nova estrutura de gestão trabalhista quanto o havia sido o período entre 1936 e 1940. Do ponto de vista empresarial, as companhias fizeram grandes progressos durante a guerra, progressos que seriam críticos em anos posteriores. Após 1941, muitos patrões utilizaram a disciplina de tempo de guerra para tentar recuperar parte da iniciativa e controle que haviam entregue aos sindicatos industriais no final da depressão. Promoveram a arbitragem de muitos conflitos por reivindicações, confiando em tirar da fábrica a nova maquinaria dos procedimentos de reivindicações. Aumentaram tremendamente o número do pessoal de supervisão, esperando contrabalançar as novas prerrogativas sindicais quanto a reivindicações e antiguidade com uma maior intensidade na direção e no controle exercidos sobre a mão-de-obra. Muitos patrões utilizaram a oportunidade concedida pela War Time Labor Distributes Act (Lei de Conflitos Trabalhistas em Tempo de Guerra) e pela War Labor Board (Junta Trabalhista de Guerra) para centralizar a maquinaria legal que mediava os conflitos que se produziam no âmbito produtivo entre empresas e sindicatos, de forma que muitas empresas incrementaram seu ritmo de produção aproveitando-se do esforço de guerra para justificar a aceleração‖. 21Assim, com a guerra, produziu-se uma mudança decisiva nas relações de classe nos EUA. Ao resolver favoravelmente aos seus interesses o agudo conflito de classe que havia percorrido à sociedade norte-americana durante o meio século precedente, a burguesia dos EUA criou as bases para a passagem da hegemonia econômica mundial, que já possuía antes da guerra, para a hegemonia política mundial sobre o mundo capitalista, que se expressou nas instituições políticas e econômicas (principalmente o FMI e o BIRD, em que, a diferença da ONU, a hegemonia norte-americana é explicita e estatutária) supra-nacionais, criadas depois do segundo conflito mundial. A economia dos Estados Unidos atingiu um estágio que a tornou dependente da demanda armamentista estatal: a produção industrial duplicou em cinco anos, perfazendo entre 40% e 45% do total da produção, período no qual o ―setor civil‖ não variou em valor absoluto. Os empregos industriais passaram de 10 para 17 milhões entre 1939 e 1943, o total de empregos de 47 a 54 milhões no mesmo período. Se o PIB aumentou de 150%, a concentração econômica espantosa determinou a feição definitiva do capital monopolista nos Estados Unidos - 250 sociedades industriais passam a controlar 66,5% da produção total, uma percentagem equivalente àquela controlada por 75 mil empresas antes da guerra. 22 As exportações dos Estados Unidos passaram de pouco mais de 5 bilhões de dólares em 1941, para quase 14,5 bilhões em 1944. No período 1938-1944, a produção de guerra passou de 2 para 100, nos Estados Unidos; de 4 para 100, na Inglaterra; de 16 para 21 David M. Gordon. Trabajo Segmentado, Trabajadores Divididos. Madri, Ministerio de Trabajo y Seguridad Social, 1986, p. 236. 22 Alan S. Milward. La Segunda Guerra Mundial 1939-1945. Barcelona, Crítica, 1986. Ver também: Osvaldo Coggiola (ed.). Segunda Guerra Mundial. Um balanço histórico. São Paulo, Xamã, 1995. 101 100, na Alemanha; de 8 para 100, no Japão. 23 A transformação das economias capitalistas em economias de guerra, e os diversos pontos de partida para atingir tal objetivo, determinam, em última instância, a superioridade aliada: Fritz Stenberg calculou em 80 bilhões de dólares o valor do material de guerra produzido pelos Estados Unidos, a Inglaterra e o Canadá no período prévio ao desembarque de 6 de junho de 1944. 24 No mesmo período, a Alemanha e seus aliados tiveram uma produção equivalente a US$ 15 bilhões, isto é, uma superioridade de mais de cinco para um em favor dos Aliados, do ponto de vista dos recursos econômicos consagrados ao esforço bélico. 25 A.J.P.Taylor foi unilateral, no entanto, ao concluir que Hitler era menos um demônio histérico do que um dirigente preocupado com a sorte de seu país e que, na verdade, carecia da intenção de deflagrar um conflito mundial (teria se conformado com um Lebensraum alemão na Europa). 26 Segundo Taylor, o conflito mundial teria sido ―imposto‖ pelas potências aliadas, inclusive no que diz respeito ao Japão, o qual, após o embargo imposto pelos Estados Unidos em agosto de 1941, “estava fadado a render-se ou ir à guerra”. É perfeitamente possível estar de acordo e, ao mesmo tempo, reconhecer que o caráter das contradições às quais estava submetido o imperialismo alemão (do qual Hitler e o nazismo eram a consciência mística e plebeia/pequeno-burguesa, racista, ultrarreacionária e exterminista) obrigavam-no a envolver-se numa disputa de alcance mundial, devido ao choque inevitável com o imperialismo norte-americano, tal qual foi analisado por Trotsky no seu último documento dado a público em vida, o Manifesto de Emergência da IV Internacional: ―Se a guerra é levada até o fim, se o exército alemão obtém vitórias, se o espectro da dominação alemã sobre a Europa surgir como um perigo real, o governo dos Estados Unidos deverá tomar uma decisão: permanecer à margem, permitindo a Hitler assimilar as novas conquistas, multiplicar a técnica alemã, transformando as matérias primas das colônias conquistadas, e preparar o domínio alemão sobre todo o planeta, ou, ao contrário, intervir no desenrolar da guerra para contribuir a cortar as asas do imperialismo alemão‖. Para Ernst Nolte, a objetividade do segundo conflito mundial está determinada pela ―perspectiva mais adequada na qual o bolchevismo e a União Soviética e o nacional- socialismo e o Terceiro Reich devem ser considerados, que é a de uma guerra civil europeia ‖. 27 A força do enfoque ―revisionista‖ desse autor (acusado de legitimar historicamente o nazismo) - a procura das causas da Segunda Guerra Mundial não apenas nos conflitos interestatais, mas no processo internacional de revolução-contrarrevolução - se esvai ao considerar apenas a Europa como cenário dessa hipotética guerra civil, excluindo, por exemplo, o Extremo-Oriente, desde o início da revolução chinesa de 1919, protagonista central tanto do conflito de classe interno à China (a revolução chinesa) quanto do conflito internacional (guerra China-Japão), e sem considerar as mudanças da política externa da URSS de Lenin-Trotsky e a Revolução de Outubro até o messianismo nacionalista da direção stalinista. 23 Marcel Roncayolo. Le Monde Contemporain de la Seconde Guerre Mondiale à nos Jours. Paris, Robert Laffont, 1985, pp. 52 e 68. 24 Fritz Sternberg. El Imperialismo. México, Siglo XXI, 1978. 25 Richard Overy. Porqué Ganaron los Aliados. Buenos Aires, Tusquets, 2011. 26 A.J.P. Taylor. A Segunda Guerra Mundial. Rio de Janeiro, Zahar, 1979. 27 Ernst Nolte. Nazionalsocialismo e Bolscevismo. La guerra civile europea 1917-1945. Firenze, Sansoni, 1988. 102 É o caráter socialmente contrarrevolucionário do conflito mundial o que ilumina o seu aspecto mais atroz: o assassinato (genocídio) de seis milhões de judeus na Europa. Arno Mayer situou a ―solução final‖ dentro da lógica de guerra do nazismo: ―O limite que separa a expulsão, o encerramento nos guettos, as deportações e os assassinatos esporádicos, do massacre e da destruição sistemáticas, não foi ultrapassado senão um certo tempo depois da invasão nazista da União Soviética, em 22 de junho e 1941 (...) Só em 20 de janeiro de 1942, na conferência de Wanssee, foram tomadas as medidas para a ―solução final‖, que implicava a tortura e o aniquilamento dos judeus de toda a Europa ocupada e controlada pelos nazistas‖: 28 ―A guerra para destruir a União Soviética se tornara uma guerra para liquidar os judeus‖. 29 O nazismo levou até o fim uma tendência presente na lógica da guerra imperialista. A perspectiva do massacre dos judeus fora denunciada pela IV Internacional desde, pelo menos, 1938: ―Antes de esgotar a humanidade ou de a afogar no sangue, o capitalismo envenena a atmosfera mundial com os vapores deletérios do ódio nacional ou racial. O antissemitismo é uma das piores convulsões da agonia do capitalismo‖, chamando a ―denunciar implacavelmente todos os preconceitos de raça e todas as formas e nuances da arrogância nacional e do chauvinismo, em especial o antissemitismo‖. 30 Cabe creditar a Trotsky e à IV Internacional não só o prognóstico do Holocausto, mas o de ter sido a única tendência política mundial que chamou a lutar contra ele - isto é, não só contra o antissemitismo em geral, mas contra a perspectiva do extermínio do povo judeu: ―O capitalismo em ascensão tinha libertado o povo judeu do ghetto e feito dele um instrumento da sua expansão comercial. Agora, a sociedade capitalista em declínio se esforça para exprimir como um limão o povo judeu por todos os seus poros: vinte milhões de indivíduos para uma população mundial de dois bilhões, isto é 1%, não tem mais lugar sobre o nosso planeta‖. O nazismo realizou essa sombria perspectiva. Os Estados Unidos e o Vaticano tinham conhecimento do genocídio que estavasendo posto em prática, pelo menos desde 1942, fatos e conhecimentos diante dos quais se omitiram (em que pesem todas as explicações e desculpas posteriores). 31 28 Arno J. Mayer. La “Solution Finale” dans l'Histoire. Paris, La Découverte, 1990, pp. 506-507. 29 Timothy Snyder. Op. Cit., p. 233. Disse Zygmunt Bauman: “(O Holocausto) foi o enésimo episódio da longa série de homicídios em massa tentados, e da série não muito menor daqueles de fato realizados. Mas apresenta também características que não condivide com nenhum dos casos precedentes de genocídio, (características que) têm um sabor claramente moderno. Sua presença sugere que a modernidade contribuiu para o Holocausto de modo mais direto que o da sua fraqueza e desorientação. Sugere que o papel da civilização moderna na deflagração e na execução do Holocausto foi ativo, não passivo. Sugere que o Holocausto foi, na mesma medida, produto e falência da civilização moderna” (Modernità e Olocausto. Bolonha, Il Mulino, 1992, p. 131). Uma coisa é afirmar que o Holocausto (diversamente dos genocídios ameríndio ou africano, que não se basearam em políticas de extermínio completo das populações afetadas, como no caso dos judeus da Europa) foi executado com métodos industriais (“modernos”), daí sua espantosa e macabra eficiência. Outra, completamente diferente, é responsabilizar genericamente uma “modernidade” pelo crime que, como todo crime e mais do que qualquer outro crime, teve executores e cúmplices bem concretos e identificáveis, em graus diversos de responsabilidade (todos, porém, criminais), e também causas e mecanismos (econômicos, sociais, político, culturais e ideológicos) que, além de identificáveis, continuam bem vivas e presentes, não só na Alemanha e na Europa. Pensar de outro modo é condenar-se à resignação, talvez esperando de modo fatalista pela próxima “falência”(“posmoderna”?). 30 Leon Trotsky. Programa de Transição. Porto Alegre, Combate Socialista, s.d.p., p. 28. 31 Walter Laqueur. O Terrível Segredo. Rio de Janeiro, Zahar, 1981; Saul Friedlander. Pio XII et le IIIe Reich. Paris, Seuil, 1965. 103 Sublinhar o caráter contrarrevolucionário do segundo conflito mundial e dos preparativos que levaram ao mesmo, não significa justificar a política stalinista para manter afastada a URSS da guerra, mas apontar para o seu caráter ilusório e contrarrevolucionário que acabaria custando 20 milhões de mortos à União Soviética (o preço mais alto pago por qualquer um dos beligerantes). Do pacto Laval-Stalin em 1935, que desarmou o proletariado francês para lutar contra o militarismo da sua burguesia, até o pacto União Soviética-Japão de 1941 (nas vésperas da invasão pelo exército nazista), passando pelo pacto Hitler-Stalin, de 23 de agosto de 1939 (que deu o sinal verde para a invasão da Polônia pela Alemanha) - a política externa da União Soviética foi o complemento da política que, no plano interno, levou, nos ―Processos de Moscou‖ de 1936-1938, à aniquilação de tudo o que restava da ―velha guarda‖ bolchevique e inclusive, em 1937, à decapitação do Exército Vermelho. Os processos sobre o Exército Vermelho se abateram não só ao nível da cúpula, mas até dos comandos médios. Foram promovidos a partir de falsas acusações fabricadas pelos serviços secretos nazistas. Uma vez realizados tais expurgos Hitler proclamou ―neutralizamos a Rússia por dez anos‖, o que lhe permitiu preparar a conquista da Tchecoslováquia e a guerra na frente ocidental. A Marinha alemã estava subdimensionada para a guerra desde o início, mas se saiu bem em ações até 1940, quando sofreu fortes reveses na invasão da Noruega. Daí em diante, concentrou suas ações no uso de submarinos, afundando comboios americanos no Atlântico Norte, que abasteciam a Inglaterra com armas e mantimentos. A ocupação da França pelos alemães, em 1940, abriu o acesso ao Atlântico para os U-boats, que passaram a operar de bases no litoral francês. O pacto Ribbentrop-Molotov (Hitler-Stalin) foi sido selado com o sangue dos comunistas alemães refugiados na União Soviética, que foram entregues à Gestapo pelas autoridades soviéticas. O pacto foi cuidadosamente oculto nas versões soviéticas acerca da Segunda Guerra Mundial, 32 chegando-se ao extremo de Deborin definir a guerra como ―inter- imperialista‖ entre 1939 e 1941, e como ―guerra de libertação‖ a partir da invasão da União Soviética pela Alemanha (22 de junho de 1941). 33 Um pacto que levou a imprensa dos ―partidos comunistas‖ do mundo inteiro a abrir generosas páginas para as longas litanias e tiradas anti-britânicas de... Joseph Goebbels. Um pacto que levou o ministro alemão Ribbentrop a propor à União Soviética o ingresso... no Pacto Anti-Komintern. Um pacto que levou o PC francês a solicitar a publicação legal de seu jornal L'Humanité às tropas nazistas de ocupação da França. Um pacto que permitiu a preparação da máquina alemã de guerra (parte da qual era treinada na própria União Soviética) para a guerra em toda Europa. Um pacto através do qual, segundo o depoimento de um ajudante direto de Stalin, a União Soviética fornecia ―trigo, grãos, petróleo, minerais estratégicos e também borracha, látex, soja, que vinham do sudeste asiático, transportados pela União Soviética para abastecer a Alemanha (...) O último trem com nosso fornecimento cruzou a fronteira uma hora antes da invasão (da União Soviética pela Alemanha)‖. 34 Como ficar surpreendido, nesse quadro, de que Stalin se recusasse a acreditar na iminência da invasão nazista, que lhe fora anunciada pelos chefes da espionagem soviética 32 Oleg A. Rzheschvski. La Segunda Guerra Mundial. Mito y realidad. Moscou, Progresso, 1985. 33 G. A Deborin. Segunda Guerra Mundial. São Paulo, Fulgor, 1966. 34 Valentin Bereshcov. Amor a Hitler cegou União Soviética. Folha de S. Paulo, 22 de junho de 1991. 104 no Ocidente (Leopold Trepper) e no Oriente (Richard Sorge) — segundo relatado nas memórias do primeiro, O Grande Jogo — e que, inclusive, se recusasse a acreditar nela até depois da invasão começada, o que teve um custo enorme em vidas, material bélico e vantagens estratégicas para a União Soviética? 35 Como atribuir isto às limitações pessoais do próprio Stalin - como fez Kruschev no seu ―relatório secreto‖ ao XX Congresso dos PCUS, em 1956 - e não à política estratégica de toda a camada dirigente da União Soviética? Logo depois do Acordo de Munique entre as potências ―democráticas‖ e as ―totalitárias‖, Trotsky tinha publicado um artigo, em 7 de outubro de 1938, titulado ―Após Munique, Stalin procurará um acordo com Hitler‖, onde se lia: ―Teria Hitler enganado a confiança ingênua de Stalin? Mas se assim fosse, Stalin teria podido reparar imediatamento o seu erro. Na realidade, o Soviet Supremo ratificou o pacto no mesmo momento em que o exército alemão transpunha a fronteira polaca. Stalin sabia bem o que fazia. Para atacar a Polônia e levar à guerra contra a Inglaterra e a França, Hitler tem necessidade da neutralidade benevolente da União Soviética e também das matérias primas soviéticas. Os tratados políticos e comerciais asseguram ambas as coisas a Hitler‖. 36 A consciência do caráter contrarrevolucionário da guerra estava em ambos os lados. No início da mesma, o jornal francês Le Temps relatava que, no último encontro que o embaixador francês Coulondre tivera com Hitler para evitar a invasão da França, apelou para um argumento desesperado (o único com o qual Hitler concordou, segundo relato das próprias memórias de Coulondre, publicadas depois da guerra): o de que o maior perigo de uma nova guerra mundial estava na possibilidade dela sair vitorioso ―monsieur Trotsky‖. Ou seja, que agissem novamente os mecanismos políticos que, no fim da Primeira Guerra Mundial, tinham possibilitado a Revolução de Outubrode 1917. Ai reside o significado da decisão tomada por Stalin, no quadro da vigência do pacto germano-soviético, de assassinar Trotsky. Segundo Pável Sudoplatov (dirigente do aparelho de segurança da URSS) durante um encontro da cúpula do KGB (polícia política da URSS) com Stalin na primavera de 1939, o líder se pronunciou de maneira clara: ―A guerra se aproxima. O trotskismo tornou- se um cúmplice do fascismo. É preciso desferir um golpe contra a IV Internacional. Como? Decapitá-la‖... 37 Depois de várias tentativas, um agente da KGB conseguiu assassinar Trotsky a 20 de agosto de 1940, quase exatamente um ano depois do pacto Hitler-Stalin, e provavelmente como o produto político mais importante desse pacto. ―É meia-noite no século‖, proclamou Victor Serge. Em 1940, Viacheslav Molotov - chanceler da URSS - proclamava ainda que “é criminoso fazer passar esta guerra como uma luta pela destruição do hitlerismo, sob a falsa bandeira de uma batalha pela democracia”. 38 O desastre bélico da União Soviética durante a primeira metade da guerra não precisou esperar até a invasão da União Soviética pelo exército de Hitler. Já na invasão à Finlândia, consequência do pacto germano-soviético, em 1940, a União Soviética perdeu 200 mil homens (quase a metade do que os Estados Unidos e a Inglaterra perderam em toda a 35 Constantine Pleshakov. A Loucura de Stalin. Os trágicos dez dias iniciais da Segunda Guerra Mundial no front oriental. Rio de Janeiro, Difel, 2008. 36 Leon Trotsky. O pacto germano-soviético. Socialist Appeal, Nova York, 4 de setembro de 1939. 37 Pável Sudoplátov e Anatoli Sudoplátov. Operaciones Especiales. Barcelona, Plaza & Janés, 1994, p. 105. 38 Paolo Spriano. O movimento comunista entre a guerra e a pós-guerra: 1938-1947. In: E. J. Hobsbawm. História do Marxismo. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1987, vol. X, p. 149. 105 guerra) porque as suas tropas estavam, depois da decapitação do Exército Vermelho em 1937, dirigidas, segundo Gerhard L. Weinberg, por ―incompetentes aterrorizados‖. 39 Depois da invasão nazista, para a União Soviética, ―os três meses e meio iniciais, constituíram uma desgraça sem lenitivo. A maior parte da força aérea russa desapareceu em poucos dias. Milhares de tanques foram destruídos. Milhões de soldados russos aprisionados numa série de cercos espetaculares durante a primeira quinzena de luta. Na segunda semana de julho, os generais alemães davam a guerra como ganha‖. 40 No ano seguinte (1942), porém, a guerra começaria sua reviravolta. Na visão retrospectiva norte-americana ela coincide com as primeiras vitórias norte-americanas na guerra do Pacífico contra o Japão, em especial a batalha de Midway. Em junho de 1942, os japoneses conquistaram algumas das Ilhas Aleutas, no extremo norte do Pacífico, parte do território americano do Alasca, um pequeno grupamento de ilhas do Cinturão de Fogo, nas fronteiras do Polo Norte. O receio de que os japoneses pudessem atacar o território americano daquele ponto motivou a construção de uma longa estrada e de um oleoduto, que atravessou vários estados americanos até a região do Alasca, mobilizando o home front na defesa das fronteiras norte-americanas. 1942 marcou a virada, nos EUA, em direção ao esforço pela ―guerra total‖. Mas, no cenário mundial, o ponto de virada bélica foi a primeira derrota do exército de Hitler em Stalingrado (novembro de 1942) com a morte de mais de cem mil homens (quase metade dos efetivos envolvidos na batalha), derrota que iniciou a contagem regressiva do poderio militar alemão, até então invicto. Em julho do ano seguinte, os soviéticos derrotaram os alemães em Kursk, na maior batalha de tanques da história. Em fevereiro de 1943, Joseph Goebbels, ministro da Propaganda de Hitler, conclamara os alemães para uma ―guerra total‖ (total krieg). Esse foi o cenário decisivo da guerra, pois foi o exército soviético que infringiu 75% das baixas ao exército do Terceiro Reich na guerra. As melhores tropas alemãs estavam na frente Leste, não na ocidental. Quando algumas divisões da frente Leste foram redirecionadas por Hitler para as Ardenas, na frente ocidental, após o desembarque aliado em Normandia (junho de 1944) a derrota que impuseram às tropas aliadas motivou um pedido de Churchill a Stalin de abertura de novas frentes no Leste, sob risco de nova inflexão no destino da guerra. Churchill foi rapidamente atendido, a diferença do que tinha acontecido com os insistentes pedidos anteriores de Stalin de abertura de uma ―segunda frente‖, quando todo o esforço da guerra contra o Eixo na Europa estava nas costas da União Soviética. A reviravolta bélica não esteve determinada pela inércia devida ao peso econômico e demográfico dos aliados. Ela refletiu também o aguçamento, em condições extremas, do embate entre revolução e contrarrevolução, e a vigência das relações de produção criadas pela Revolução de Outubro na União Soviética: ―Talvez o fato básico fosse que as convulsões da guerra tivessem tornado possível uma retomada da expansão comunista, contida desde 1919‖, 41 não se referindo o autor apenas ao avanço avassalador dos exércitos soviéticos a partir de 1943, mas também ao desenvolvimento de uma ampla resistência classista, presente na Europa inteira, 42 e até no próprio centro do campo 39 Gerhard L. Weinberg. A Global History of World War II. Nova York, Cambridge University Press, 1993. 40 Alexander Werth. A Rússia na Guerra 1941-1945. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1966, p. 157. 41 David Thomson. Pequena História do Mundo Contemporâneo. Rio de Janeiro, Zahar, 1973, p. 166. 42 Giorgio Vaccarino. Storia della Resistenza in Europa 1938-1945. Milão, Feltrinelli, 1981. 106 ―aliado‖, os EUA. Já em 1941, os mineiros franceses fizeram greve em Nord Pas-de-Calais, apesar da ocupação alemã. Após as greves, alguns jovens requisitados para o STO (Serviço de Trabalho Obrigatório) na Alemanha prennent le maquis, ou seja, iniciaram uma resistência armada que seria encampada e dirigida pelo PC francês, no sentido de uma aliança com o representante da (nessa altura fantasmagôrica) burguesia anti-nazista, o general de Gaulle (refugiado na Inglaterra). 43 Desde 1942, as greves também explodiram na Grécia ocupada pelos nazistas. Na Itália, o movimento grevista foi explosivo em 1943, ameaçando criar uma situação de duplo poder, 44 e é o pano de fundo do movimento dos partigiani e do golpe de estado do Conselho Fascista que derrubou Mussolini nesse mesmo ano (a abertura da ―segunda frente‖ na Itália se deveu mais a considerações políticas do que estratégico-militares). Nos Estados Unidos, houve greves dos mineiros, dirigidas por John L. Lewis, em maio e novembro de 1943; e greve dos ferroviários no mesmo ano. Apesar da legislação anti- grevista, em 1944 houve 224 greves não-autorizadas, com 388 mil grevistas. 45 Na própria Alemanha o atentado contra Hitler de julho de 1944 foi preparado junto com uma possível greve geral, organizada pela resistência socialdemocrata clandestina. 46 Na Iugoslávia ocupada, os partisans já eram 300 mil em 1943 e em outubro do ano seguinte, o líder comunista Tito entrou em Belgrado. Como não situar nessa perspectiva a luta mais heroica da guerra, o levantamento do ghetto de Varsóvia, dirigido pelas organizações judias de esquerda sobreviventes, após enfrentamento e destituição prévias da direção (Judenrat) judaica conciliadora? 47 Durante a guerra, a derrota inicial da França e o enfraquecimento do colonialismo inglês possibilitaram o avanço da revolta anticolonial, culminando na vitória dos japoneses sobre os ingleses no Pacífico. Ela deu ensejo para a sublevação das massas das Filipinas, de Cingapura, do Oriente Médio, ainda durante a guerra mundial. Nesse marcou houveram asublevação da Índia, da China, do Norte da África,e até algumas revoltas na América Latina. Os EUA, para invadir o Norte da África, compactuaram com um declarado fascista francês, o general Darlan que, quando precisou da ajuda americana, tornou-se um ―democrata‖. No dia da libertação de Paris - festejado em todo o mundo - na Argélia e em Madagascar, as tropas francesas reprimiam em massa às populações locais. Do ponto de vista militar, foi decisiva a derrota do exército nazista na União Soviética. Mas esta derrota não foi alheia aos fatores apontados acima. No início da guerra, o ódio contra a burocracia na URSS era tão grande que “as tropas alemãs eram recebidas como libertadoras na Ucrânia, até começarem a queimar as aldeias, expulsar as mulheres e crianças e executar os homens”. 48 Quando ficou claro que os planos de Hitler eram ―naturalizar‖ (sic) a Rússia, transformá-la num vasto celeiro com o trabalho escravo dos russos, a mobilização patriótica foi imensa. Mas esta pouco teria conseguido sem ―o 43 Cf. André Bendjebbar. Libérations Rêvées, Libérations Vécues. Paris, Hachette, 1994. Sobre o trabalho dos estrangeiros na Alemaha nazista: Edward L. Homze. Foreign Labor in Nazi Germany. Nova Jersey, Princeton University Press, 1967. 44 Umberto Massola. Gil Scioperi del '43. Roma, Riuniti, 1973. 45 Daniel Guérin. Op. Cit. 46 Ernest Mandel. O papel do indivíduo na História: o caso da II Guerra Mundial. Ensaio 17/18, São Paulo, 1989. 47 Roney Cytrynowicz. Memória da Barbárie. A história do genocídio dos judeus na Segunda Guerra Mundial. São Paulo, Edusp/Nova Stella, 1990, p. 142. 48 Bem Abraham. Segunda Guerra Mundial. São Paulo, Sherip Hapleita, 1985, p. 40. 107 transplante da indústria na segunda metade de 1941 e no começo de 1942, e a sua reconstrução no Leste (que) deve figurar entre as mais estupendas realizações de um trabalho organizado pela União Soviética durante a última guerra. O crescimento rápido da produção bélica e sua reorganização sobre novas bases, dependia da urgente transferência da indústria pesada das zonas ocidentais e centrais da Rússia europeia e da Ucrânia para a retaguarda longínqua, fora do alcance do exército alemão e da aviação‖. 49 Tal feito teria sido impossível num país onde existisse propriedade privada da grande indústria. Na França ocupada pelos nazistas, o grande patronato industrial colaborou quase na sua totalidade com o exército de ocupação. Depois da derrota inicial, que dizimou parte substancial do exército soviético, a recomposição da força militar da União Soviética foi um tour de force econômico-social. A nova indústria militar soviética, reconstituída nas regiões não ocupadas pelas tropas alemãs, produziu 800 mil tanques entre 1941 e 1945, 400 mil aviões só em 1944. Baste dizer que na Inglaterra não invadida, e que ―ganhou a guerra nos ares‖, essa cifra corresponde à produção total da guerra. Foram mobilizados, na União Soviética, todos os recursos naturais e humanos, inclusive, e de modo especial, o trabalho forçado nos campos de trabalho que abrigavam milhões de prisioneiros, provocando, aqui também, uma mortandade em massa. 50 A ajuda aliada não cobriu 10% da produção soviética. A derrota do Terceiro Reich na União Soviética livrou a humanidade da ameaça militar nazista, a maior máquina de guerra da história humana até então. A consciência da necessidade de evitar uma queda revolucionária (internacional) do nazismo determinou que as bases da ordem mundial do pós-guerra começassem a ser lançadas pelos EUA e a Inglaterra já em 1942 (com a ―Carta do Atlântico‖): também em janeiro de 1942, os Estados Unidos convocam a Conferência Pan- Americana do Rio de Janeiro, com vistas a alinhar bélica e politicamente a America Latina (chegou-se a utilizar a ameaça de invasão militar contra as renitentes Argentina e Chile, que não declararam guerra ao Eixo). A partir de 1943 se sucederam as cúpulas dos aliados, nas quais procurou-se associar claramente à burocracia stalinista à ordem mundial do pós- guerra: novembro de 1943, em El Cairo; dezembro de 1943, em Teerã; fevereiro de 1945, em Yalta; agosto de 1945, em Potsdam, quando se estabeleceu que a União Soviética conservaria os territórios concedidos à URSS pelo pacto Hitler-Stalin (basicamente, os países bálticos). Outros elementos desmentem o caráter ―antifascista‖ da guerra ―aliada": nas suas memórias, por exemplo, Churchill afirmou que Mussolini teria sido bem recebido pelos aliados (durante a guerra) se ele tivesse oferecido a estes a paz. A colaboração URSS-aliados ocidentais foi decisiva para que a derrota nazista não levasse ao início da revolução na Alemanha, peça-chave da revolução europeia. A política nacional- revanchista levada adiante pelo exército da União Soviética levou a que as tropas alemãs defendessem até o último quarteirão de Berlim, inclusive quando toda resistência já era absurda. A concordância com os imperialismos ―aliados‖ em ocupar e dividir militarmente a Alemanha fez pender uma espada de Dâmocles sobre a cabeça da classe operária alemã, que foi a arma principal para reconstituir o Estado na Alemanha depois da degringolada 49 Alexander Werth. Op. Cit., p. 244. 50 Chris Bellamy. Absolute War. Soviet Russia in the Second World War. Londres, Macmillan, 2007; Richard Overy. Russia in Guerra 1941-1945. Milão, Il Saggiatore, 2011; Edwin Bacon. The Gulag at War. Londres, Macmillan, 1996. 108 nazista (permitindo inclusive a reciclagem de numerosos quadros nazistas na nova ordem). A ação e a autoridade da URSS pesaram para combater a tendência objetiva para a unidade e a revolução operária na Alemanha, que teve inúmeras manifestações: criação de um ―partido dos trabalhadores‖ unindo ex-prisioneiros socialistas e comunistas na Turíngia, em abril de 1945; de um ―partido socialista unificado‖ em Brunswick; de um ―comitê de unidade‖ socialista-comunista no campo de concentração de Buchenwald. Se foram as tropas inglesas as que dissolveram, em Hamburgo, o ―Comitê de Ação‖ socialista-comunista, 51 foi a direção militar soviética a responsável pela dissolução dos Comitês Antifascistas no país todo. A mola-mestra da reconstituição da II Internacional, neste período, foi o SPD alemão. Este conheceu uma grave crise logo após a queda de Hitler e a derrota alemã, quando os resistentes antinazistas do SPD iniciaram uma dinâmica unitária com os comunistas ("Unidade! Nunca mais divisão e luta fratricida'', foram as palavras de ordem lançadas) e outras organizações de esquerda, em que se colocavam as bases de uma frente única operária. Em Turíngia (baluarte histórico do SPD) chegou-se a criar um Partido dos Trabalhadores, unificando socialistas e comunistas. Os Estados Maiores dos exércitos ocupantes intervieram para bloquear essa perspectiva. Ao leste alemão, o SPD consentiu na sua absorção pelo partido stalinista (PC), que criaria as bases do poder burocrático na RDA. No oeste, o SPD foi reorganizado com base na interdição do Partido Comunista Alemão e com participação dos serviços de informações norte- americanos. Sobre essa base foi reconstituída, no Oeste da Alemanha, a socialdemocracia, com a colaboração das tropas de ocupação anglo-americanas, para criar uma peça-chave para a reconstituição do Estado na Alemanha Ocidental: ―Foi no contexto desse medo universal que a estratégia e a tática a serem aplicadas na Alemanha foram decididas em comum entre os imperialistas aliados e a burocracia stalinista, com vistas à destruição de toda possibilidade de uma revolução alemã (...) No plano econômico, isto manifestou-se no infame plano Morgenthau, que propunha o desmembramento da Alemanha, a destruição da sua base econômica e sua ruralização (...) Todos lembram do ditado de (Ilya) Ehrenburg, ‗o único alemãobom é o alemão morto‘, que foi repetido um milhão de vezes pelos meios de comunicação (...) A classificação de todo alemão como pária constituía a política contrarrevolucionária comum para garantir que não haveria revolução alemã. Ainda depois de finda a guerra, continuavam vigentes as ordens que proibiam às tropas aliadas qualquer confraternização com a população alemã (...) Stalin levou adiante uma política deliberada quando, depois da ocupação de uma região alemã, substituia as tropas de assalto por unidades vindas das regiões mais atrasadas (da União Soviética), com as consequentes de pilhagens, violações, assassinatos, etc. A política de capitulação incondicional atingiu seu objetivo, a destruição de toda possibilidade de revolução na Alemanha, uma política em cuja formulação Stalin teve um papel capital‖. 52 Para além dos conflitos localizados, a colaboração da burocracia stalinista com os imperialismos ―aliados‖ foi decisiva para desarmar os elementos da guerra civil com que o segundo conflito mundial culminou em vários países da Europa ocidental, que possuiam um 51 Françoise Foret. La réconstruction du SPD après da 2ème Guerre Mondiale. Le Mouvement Social nº 95, Paris, abril de 1976. 52 Sam Levy. A nouveau sur la politique militaire prolétarienne. Cahiers Léon Trotsky nº 43, Paris, setembro de 1990. 109 potencial suscetível de envolver todo o continente. 53 Foi ela que permitiu o desarmamento dos partigiani italianos, que tinham participado de modo decisivo da derrubada da ditadura de Mussolini. Na Grécia também, a resistência antinazista se desdobrou em guerra civil: ―A revolução grega de dezembro de 1944, apesar do controle total do país pelas tropas da ELAS, foi esmagada pela intervenção das tropas britânicas, depois da capitulação dos dirigentes stalinistas da ELAS que devolveram as armas, aplicando as diretivas de Stalin de unificação das forças patrióticas numa Frente Nacional‖. 54 A Grécia se viu envolvida numa longa e sangrenta guerra civil, que culminou com a derrota das forças irregulares por volta de 1949, 55 forças que enfrentaram uma coalizão político-militar de todas as forças vencedoras da guerra mundial, o que levou Winston Churchill a declarar na Câmara dos Comuns: ―Acredito que o trotskismo defina melhor o comunismo grego e de outras seitas do que o termo habitual. E tem a vantagem de ser também repudiado na Rússia (risos prolongados)‖. Na França, essa política atingiu dois objetivos: 1) o desarmamento das forças armadas irregulares, como um aspecto da reconstituição do Estado imperialista francês, e 2) a liquidação de toda possibilidade de um levantamento de classe como desdobramento final da luta anti-nazista: ―(Em 1945) nas minas do norte, por exemplo, foi necessária toda a autoridade do PCF para impedir que as múltiplas paralisações `degenerassem' em uma greve geral que teria coberto todo o território (...) é indubitável o caráter espontâneo da maioria das greves (...) os dirigentes sindicais não vacilaram em apelar a sanções do Estado contra os grevistas contrários às suas diretivas‖. 56 No que diz respeito ao primeiro aspecto, ―o general de Gaulle decidiu a integração das FFI e dos FTP (Forças Francesas do Interior e Franco-Atiradores e Partisanos) no exército regular. Em outubro de 1944, decretou a dissolução das Milícias Patrióticas. O PCF protestou inicialmente com violência contra essa medida. Mas terminou por aceitá-la diante das ordens de Maurice Thorez, seu secretário-geral, que voltou da Rússia em novembro de 1944, depois de anistiado da acusação de deserção. Diversos historiadores concordam em que existia um projeto insurrecional da resistência comunista interior, mas que ele foi combatido por Stalin, mais interessado na absorção da Europa Oriental‖. 57 Stalin estava ―mais interessado‖ em um acordo com os ―aliados‖, o que incluía, claro, um ―cordão de segurança‖ para a União Soviética na Europa Oriental (que os EUA tentaram furar com o Plano Marshall, o que motivou a descida da ―cortina de ferro‖ e o início da ―guerra fria") mas, sobretudo, a desativação da ―bomba‖ revolucionária nos países capitalistas mais importantes, os da Europa Ocidental. De Gaulle carecia de base social e política sólida e própria para reconstituir o Estado (a quase totalidade da burguesia francesa fora colaboracionista). O PCF lhe forneceu essa base. Em consequência disso, por um lado, 53 Em dezembro de 1944, o subsecretário de Estado dos EUA, Dean Acheson, em visita à Grécia, advertia seu governo que “esse cenário se desenvolvia já na Iugosláva e na Grécia; Acheson temia que a agitação se multiplicasse de um extremo a outro da Europa, engendrando uma guerra civil geral na Europa. Algumas semanas depois da vitória aliada, o papa Pio XII alertava também sobre a fragilidade da paz recentemente restaurada” (Keith Lowe. L’Europe Barbare 1945- 1950. Paris, Perrin, 2013, p. 90). 54 Cermtri. Documents sur la révolution grecque de décembre 1994. Les Cahiers du Cermtri nº 60, Paris, março de 1991. 55 Miguel Etchegoyen. Grecia: el Movimiento Guerrillero de Liberación en la Posguerra. Buenos Aires, CEAL, 1973. 56 Grégoire Madjarian. Conflits, Pouvoirs et Societé à la Libération. Paris, UGE, 1980, p. 337. 57 Serge Bernstein e Pierre Milza. Histoire du Vingtième Siècle 1939-1953. Paris, Hatier, 1985, p. 93. cf. também François Fonvielle-Alquier. El Gran Miedo de la Posguerra 1946-1953. Barcelona, Dopesa, 1974. 110 colaborou com a reconstituição do imperialismo francês, praticamente desfeito durante a guerra, tomando parte nos massacres de Sétif e de Guelma (na África do Norte), ao mesmo tempo em que, em nome da luta contra o ―imperialismo japonês‖, encorajou os ex-FTP integrados no exército do general Leclerc a participar da retomada da Indochina ―francesa‖, chamando a preservar o ―quadro‖ da União Francesa, isto é, a apoiar a guerra colonial do imperialismo francês contra o Vietnã. Isto permitiu não apenas a reconstituição do Estado, mas a reciclagem, dentro do mesmo, dos funcionários do regime colaboracionista de Vichy, alguns dos quais foram transformados em ―heróis da resistência‖: ―contrariamente ao que se pensa habitualmente, os altos funcionários de Vichy não tiveram maiores problemas em se integrar na IV República‖. 58 Preservados os quadros fundamentais do Estado, foram livradas à ―vingança popular‖ algumas mulheres (as ―tondues‖, raspadas) que tinham dormido com soldados alemães... Os acordos de Yalta e Potsdam tiveram por objetivo fundamental fornecer o quadro legal para essa política, continuidade ―legal e pacífica‖ do caráter contrarrevolucionário das hostilidades militares e do horror bélico. A ―desnazificação‖ foi cuidadosamente planejada para ser suscetível de tornar ―populares‖ os acordos contrarrevolucionários. Dos mais de cinco mil alemães pertencentes ao alto escalão nazista, em 1951 apenas cinquenta permaneciam presos. No total, de mais de 13 milhões de alemães ―questionados‖, em 1949 havia apenas 300 presos; em contraste: ―Dos 11.500 juízes em atividade na Alemanha do pós-guerra, 5.000 haviam atuado nas cortes nazistas‖. 59 A execução dos carrascos julgados em Nüremberg foi a cortina de fumaça da preservação da coluna vertebral do Estado alemão. Os conflitos entre a URSS e o imperialismo ocidental, posteriores a esses acordos, chegaram a ser muito agudos, sem no entanto comprometer os acordos que deram continuidade ao caráter contrarrevolucionário da Segunda Guerra Mundial. A CIA e outras agências dos EUA usaram ao menos mil ex nazistas como espiões e informantes depois do fim da guerra. A intervenção norte-americana na Segunda Guerra Mundial foi gradual: sendo o país economicamente mais poderoso, interessava-se pelo enfraquecimento das forças em combate na Europapara entrar somente no final da guerra, como já fizera na Primeira Guerra, quando os EUA ficaram com os espólios dos demais países. O fato da Segunda Guerra Mundial ter sido a única solução possível para a crise econômica marca uma diferença importante em relação à Primeira Guerra, na qual a questão principal era a redistribuição do mundo entre as potências imperialistas e não, para todos os protagonistas, a anexação à máquina capitalista enguiçada, de um motor artificial (a economia armamentista e, posteriormente, a economia de guerra) que seria doravante peça essencial para o funcionamento da economia capitalista mundial. O delineamento de uma ―nova ordem econômica mundial‖ precedeu, durante a guerra, o estabelecimento da ordem política internacional, realizado na Conferência de San Francisco (1945) que deu origem às Nações Unidas. A conferência de Bretton Woods estabeleceu, em julho de 1944, regras para as relações comerciais e financeiras entre os países capitalistas industrializados. O presidente da conferência foi o norte-americano Henry Morgenthau, autor do um projeto de ―ruralização‖ da Alemanha. A confiança do 58 Philippe Bourdrel. L'Epuration Sauvage. Paris, Perrin, 2002. 59 Roney Cytrynowicz. Op. Cit., p. 150. 111 Reino Unido e dos EUA em sua vitória na Segunda Guerra Mundial era completa. A conferência estabeleceu uma ordem monetária internacional ―totalmente negociada‖, ―negociação‖, no entanto, realizada sob a presença implícita de exércitos ainda em pé de guerra. Para reconstruir as relações econômicas mundiais enquanto a guerra ainda grassava, 730 delegados de 44 nações se encontraram em New Hampshire para a conferência monetária e financeira das (ainda formalmente inexistentes) Nações Unidas (oficialmente, no entanto, a conferência foi chamada de United Nations Monetary and Financial Conference). Os delegados deliberaram e assinaram o Acordo de Bretton Woods (Bretton Woods Agreement), definindo um sistema de regras, instituições e procedimentos para regular a política econômica internacional, criando o Banco Internacional para a Reconstrução e Desenvolvimento (International Bank for Reconstruction and Development, ou BIRD) (mais tarde dividido entre o Banco Mundial e o "Banco para investimentos internacionais") e o Fundo Monetário Internacional (FMI). Essas organizações começaram a funcionar em 1946, depois que um número suficiente de países ratificou o acordo. No mesmo ano, 23 países, denominados ―fundadores‖, iniciaram negociações tarifárias, o que resultou em 45.000 concessões comerciais e alfandegárias. A ―Organização Internacional do Comércio‖ planejada, no entanto, não saiu do papel, e foi substituída em 1947 pelo GATT (General Agreement on Tariffs and Trade, Acordo Geral Sobre Tarifas e Comércio). O arranjo estabelecido em Bretton Woods refletiu a ascensão dos EUA como potência hegemônica, e o declínio da Inglaterra. Ao final da guerra os EUA foram os grandes vitoriosos não apenas no plano militar, mas principalmente no econômico. Os países do Eixo - Alemanha, Itália e Japão - foram derrotados militarmente e terminaram com suas economias arrasadas; os principais países aliados europeus, Inglaterra e França, embora vitoriosos, tiveram como saldo de guerra além dos danos humanos e materiais, forte perda de reservas e endividamento junto aos EUA, decorrentes das compras de armamentos e provisões de guerra. Abria-se uma etapa em que os EUA, no papel de potência hegemônica no mundo ocidental, cumpririam, simultaneamente, o papel de fonte autônoma de demanda efetiva e a função de ―emprestador de última instância‖ ou ―prestamista internacional‖, através da atuação de seu banco central, o Federal Reserve, FED, com o papel de regulador da liquidez internacional do sistema. Exemplo claro foi o empréstimo feito pelos EUA à Inglaterra em dezembro de 1945, US$ 3,75 bilhões, reembolsáveis em cinquenta anos à taxa de juros anual de 2%. Esta operação destinou-se a dar cobertura ao Banco Central inglês, que, exaurido pelo dispêndio militar, teve um crescimento dramático em seu estoque de ativos financeiros estrangeiros em libras esterlinas, que ao longo da guerra passou de 600 milhões para 3,6 bilhões. A Inglaterra não poderia fazer frente a uma conversão desses títulos em libras, moeda forte ou ouro, e portanto não poderia garantir a conversibilidade de sua moeda: não lhe restava alternativa senão recorrer ao crédito norte americano e ceder às suas exigências. Para John Maynard Keynes, a conferência de Bretton Woods pretendia terminar com a "era da mendicância": a sucessão de guerras comerciais, protecionismo, desemprego, hiperinflações e miséria nas décadas de 1920 e de 1930. Na plateia estavam os futuros ministros dos governos militares brasileiros Roberto Campos e Octavio Gouvêa de Bulhões, o economista Eugenio Gudin e o ministro da Fazenda de Getúlio Vargas, Artur de Souza Costa. O Brasil 112 foi signatário do acordo. A União Soviética também assinou o acordo, mas jamais o ratificou. A Segunda Guerra Mundial foi o método capitalista para encontrar uma saída à depressão econômica mundial da década de 1930, originada na crise de 1929, em termos capitalistas: a destruição das forças produtivas, do potencial produtivo da humanidade. A ordem de pós-guerra começou a ser delineada pela ―Carta do Atlântico‖, esboçada em agosto de 1941 em encontro do presidente norte-americano Roosevelt com o primeiro- ministro britânico Winston Churchill, com vistas a "estabelecer um amplo e permanente sistema de segurança geral". A guerra, porém, concluiu com explosões sociais revolucionárias em vários países, e com o literal afundamento do capitalismo em territórios (Leste europeu, Bálcãs, China) que abrigavam mais de um quinto da população mundial, o que aconteceu no breve lapso de quatro anos (final de 1945 – final de 1949). No carro-chefe da economia mundial capitalista, os EUA, somente após 1942, com a entrada na Segunda Guerra Mundial, o país conseguiu sair de fato da crise da década de 1930. Através de uma economia de guerra, toda a capacidade produtiva foi posta em funcionamento. Os EUA emergiram da Segunda Guerra Mundial como a mais forte economia capitalista do mundo, com rápido crescimento industrial, forte acumulação de capital e alto grau de monopolização. Já no final da Primeira Guerra Mundial, os EUA haviam se tornado o maior credor do mundo e, ao final da década de 1920, o país respondia por mais de 42% da produção industrial global (França, Inglaterra e Alemanha juntas detinham 28%). 60 Condições necessárias para a ulterior supremacia internacional do dólar já existiam: a acumulação nos EUA de uma parte considerável da reserva mundial de ouro, e a unificação da moeda nacional, emitida por uma só autoridade com poder para atuar como ―garantidor de última instância‖. Depois da crise de 1929, no entanto, a única época em que nos EUA houve emprego e ―prosperidade econômica‖ totais foi durante a Segunda Guerra Mundial, pois o socorro do New Deal à indústria fora só emergencial; e em 1939 existiam ainda 9,5 milhões de desempregados nos EUA, ou 17,2% da PEA. Na guerra, por outro lado, os EUA não sofreram destruições em seu território, e enriqueceram vendendo armas e emprestando dinheiro aos países aliados; a produção industrial dos EUA em 1945 era mais do que o dobro da produção anual da década precedente. A guerra mundial obrigara à criação de novas áreas de produção, que exigiram a construção de centenas de novas fábricas, financiadas pelo governo, e vendidas ao final do conflito aos gigantes industriais a preços nominais. Para dirigir o Departamento de Produção de Guerra (War Production Board), sucessor do Escritório de Direção da Produção (Office of Production Management) comandado por William Knudsen, ex presidente da General Motors,
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