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Capítulo 1 - Preconceito linguístico e gêneros textuais: entraves ou desimpedimentos na comunicação?
Adriana Paula da Silva Amorim
Introdução
Você certamente já ouviu falar em preconceito, mas e quanto a expressão “preconceito linguístico”? Será que existe mesmo uma discriminação relacionada ao modo como alguém fala ou escreve? Quantas formas de uso da nossa língua existem?
Para Terra (2008, p. 15), “[...] a língua é nosso principal veículo de comunicação e não conseguimos viver em sociedade sem nos comunicar”. Por isso, a língua é tão importante para as comunidades quanto outros meios de expressão, como gestos e expressões faciais. Afinal, é por meio da língua que exercemos nossa cidadania e podemos colocar em prática nossas ideias, nossos sentimentos e nossas emoções. A língua possui, portanto, uma importante função social. Aliás, também é por conta dela que é realizada a comunicação no mundo profissional, nas modalidades oral e escrita.
Sendo assim, para entendermos melhor quanto a esse assunto, neste primeiro capítulo iremos estudar conceitos essenciais sobre linguística, tais como a linguagem, a língua e a fala; além de discutirmos questões relacionadas aos variados usos que nós, falantes de um determinado idioma, fazemos da língua. Isso porque, embora haja um padrão nos sistemas linguísticos delimitado pela norma culta, existe, também, uma heterogeneidade nos usos práticos da língua por parte de seus usuários, fenômeno conhecido como variação linguística.
Além disso, ao longo de nossos estudos também compreenderemos o conceito de gêneros textuais — por meio dos quais ocorre a comunicação em todas as esferas da sociedade — e de intertextualidade, que é a relação que um texto estabelece com outros textos.
1. Usos linguísticos
Sabemos que, na sociedade contemporânea, existe uma diversidade de práticas sociais, ou seja, comportamentos comuns às culturas humanas. Temos, por exemplo, o cumprimento representado pelo aperto de mãos, gesto que significa cordialidade e confiança.
Nesse contexto, são inúmeras as práticas sociais que se relacionam com a linguagem. Assim, se você precisa se comunicar com o síndico do seu prédio para protestar contra o uso inadequado das áreas comuns aos condôminos por parte de alguns moradores, você possivelmente escreverá uma carta de reclamação. Em contrapartida, se o síndico precisa divulgar aos condôminos alguma alteração na coleta de lixo do prédio, por exemplo, ele provavelmente fixará um aviso em um local de fácil acesso a todos os moradores.
A partir desses exemplos, é possível perceber que fazemos diferentes usos da linguagem para atender às nossas necessidades de comunicação com os outros indivíduos. Além disso, assim como a humanidade é composta por pessoas diferentes em diversos aspectos — sociais, econômicos, geográficos ou históricos — a linguagem utilizada pelas pessoas também pode variar em função da sua posição social, geográfica etc. 
1.1 Linguagem, língua e fala
Embora os termos “linguagem”, “língua” e “fala” sejam comumente utilizados como sinônimos, há uma distinção entre eles, a qual não é percebida na prática por serem três aspectos do mesmo fenômeno: a comunicação humana.
De acordo com Kristeva (1969), a linguagem é tida como a representação do pensamento, mas também é concebida como um instrumento de comunicação, por meio da elaboração de esquemas que ilustram o sistema de comunicação entre um emissor e um receptor.
Contudo, essa concepção foi criticada, principalmente por considerar a comunicação de forma unilateral, ou seja, um indivíduo fala/escreve, enquanto outra pessoa escuta/lê. No entanto, em um diálogo existem intensas trocas entre os participantes, que não se limitam a assumir unicamente a posição de emissor ou receptor da mensagem. Dessa forma, a linguagem passou a ser vista como processo de interação, a partir do qual os falantes usam-na para “[...] realizarem ações, para atuarem sobre o outro, ou seja, é pela linguagem que interagimos com os outros e produzimos sentido numa dada esfera social, histórica e ideológica” (TERRA, 2008, p. 18).
Com isso, podemos concluir que a linguagem é um conceito amplo que engloba quaisquer códigos utilizados pelos sujeitos, a fim de interagirem uns com os outros. Esses códigos, por sua vez, podem ser classificados em verbais e não verbais.
Quadro 1 - A linguagem verbal e a não verbal se distinguem pela natureza dos elementos que as compõem.
Existe, ainda, a linguagem mista, que se manifesta tanto por sinais verbais quanto por sinais não verbais. São exemplos dessa linguagem as histórias em quadrinhos, que reúnem, além das palavras, imagens.
Saiba mais
Foi levantada a ideia da existência de uma linguagem animal, mas essa hipótese foi derrubada pelo fato de que, diferentemente do sistema de comunicação humano, o código utilizado por algumas espécies animais não permite um diálogo e nem a formação de frases de significados diversos, como ocorre com a linguagem humana.
Por conseguinte, a língua é um aspecto da linguagem que utiliza as palavras como código comunicativo e se materializa por meio da fala. A língua é, portanto,
[...] um sistema de natureza gramatical, pertencente a um grupo de indivíduos, formado por um conjunto de sinais e por um conjunto de regras para a combinação deles [...]. É uma instituição social de caráter abstrato, exterior aos indivíduos que a utilizam, que somente se concretiza por meio da fala, o ato individual de vontade e inteligência. (TERRA, 2008, p. 22).
Nessa perspectiva, enquanto a língua possui caráter social e coletivo, a fala é de cunho individual. Esse fato se comprova pelo fato de que um indivíduo não pode alterar as regras da língua, caso queira. A fala, no entanto, pode diferir de um usuário para o outro.
Assim, a língua pertence à comunidade, enquanto que a fala pertence ao indivíduo; a língua é abstrata, enquanto que a fala é concreta. Essa dicotomia entre língua e fala foi desenvolvida pelo linguista Ferdinand de Saussure e seus alunos em 1916, na obra “Curso de Linguística Geral”.
Na prática comunicativa, embora haja restrições no uso da língua pelos falantes — como colocar o substantivo antes do artigo: “menino o pegou bola a” —, é possível haver peculiaridades na forma como esses falantes se expressam, de acordo com a situação comunicativa em que estejam inseridos. É nesse contexto que discutiremos, a seguir, o fenômeno da variação linguística.
1.2 Variação linguística
Assim como a sociedade é dinâmica e sofre modificações, a língua — importante aspecto da sociedade — também sofre alterações.
O primeiro fator de mudança é o próprio tempo. As variações diacrônicas são aquelas que ocorrem por meio da evolução da língua ao longo do tempo. Em uma continuidade histórica, algumas palavras deixam de ser utilizadas, tornando-se arcaicas, enquanto outras palavras novas surgem. De fato, são perceptíveis as mudanças na língua portuguesa. Há muito tempo atrás, havia a expressão “vossa mercê”, que foi se modificando com o uso dos próprios falantes da língua. Assim, em um processo de economia linguística, passou a ser apenas “você”. Essa mudança é chamada de variação histórica.
As demais variações linguísticas são sincrônicas, ou seja, acontecem em um mesmo período histórico, em um recorte de tempo específico. No quadro a seguir, apresentamos cada uma delas, acompanhadas de seu conceito e alguns exemplos.
Quadro 2 - Os tipos de variação linguística são definidos pelos fatores que motivam as mudanças no uso da língua.
Além disso, podemos dizer que as variações da língua podem ser de ordem fonológica (pronúncia), com (organização dos termos na frase) e lexical (de vocabulário).
Vale destacar que, em termos de variações de ordem fonológica, o sotaque, ou o jeito de falar, também possui grande importância em qualquer cultura, especialmente quando nos referimos ao português falado no Brasil.
Este resulta da combinação de várias línguas e sotaques tanto dos próprios portugueses que, ao longo de séculos, colonizaram o País, com milhares de idiomas indígenas e comos falares de imigrantes europeus e africanos, principalmente, o que torna nossa língua-pátria contemporânea bastante diversificada.
São mais de 10 jeitinhos de falar o “português brasileiro”, de acordo com o levantamento publicado pela revista Superinteressante, com base no trabalho de diversos linguistas e no livro Atlas Linguístico do Brasil, cujo destaque está na forma como se construiu a pronúncia de diversas letras como o “R”, o “S”, o “T”, além do “E” e do “O” (abertos ou fechados).
Ainda no contexto da dinamicidade da linguagem, é importante destacar os neologismos, ou seja, novas palavras criadas pelos usuários da língua que, aos poucos, vão sendo incorporadas às práticas de linguagem. São exemplos de neologismos as palavras relacionadas às novas tecnologias, como “deletar” e “viralizar”.
Ademais, temos que toda língua possui uma variedade linguística considerada padrão, também chamada de norma. 
2. Norma
De acordo com o Dicionário de Português Dicio, norma é um “[...] princípio que serve de regra, de lei”. Assim, ao se falar em norma na língua, pensa-se quase que imediatamente na gramática normativa, que busca explicitar como a língua deve ser.
Conforme Terra (2008, p. 52), “[...] funcionando como uma espécie de guia de conduta, de um receituário, as normas têm função de impor um comportamento padrão. [...] Elas são estabelecidas pela sociedade para serem cumpridas”.
Contudo, a real utilização da língua pelos falantes não reflete as normas gramaticais. Isso ocorre porque, conforme vimos anteriormente, os usos linguísticos revelam variações históricas, regionais, sociais e situacionais. A língua — no seu uso prático — é heterogênea, embora haja uma norma geral que padroniza a comunicação formal, como a redação de documentos e textos acadêmicos.
2.1 A norma culta
A norma padrão de uma língua é estabelecida a partir da variedade utilizada pela camada mais culta da comunidade linguística. Por isso, ela também é conhecida como norma culta (GUIMARÃES, 2012).
A escolha da variedade considerada padrão leva em consideração, também, a escrita de textos literários consagrados nacionalmente, geralmente obedientes à escrita gramaticalmente aceita como “correta”. Dessa forma, a norma possui um caráter estático, enquanto que a fala — materialização da língua pelos usuários — é dinâmica, o que permite sua evolução a partir, por exemplo, do contato com outras línguas, das quais surge o que se chama de empréstimos linguísticos. Esse é o caso de palavras como “marketing” e “status”, que são comumente utilizadas pelos falantes da língua portuguesa no Brasil, sem a necessidade de uma tradução. Com o frequente uso dessas expressões, elas acabam sendo incorporadas ao vocabulário da população.
Em contrapartida, quando uma norma ou regra da variedade padrão da língua não é obedecida, costuma-se dizer que há um erro. Mas esse conceito vem sendo discutido e criticado, pois, muitas vezes, a ausência de aplicação de uma regra gramatical não prejudica a comunicação. É o que se pode perceber no poema “Pronominais”, de Oswald de Andrade (2003, p. 167), publicado pela primeira vez em 1925.
Pronominais
Dê-me um cigarro
Diz a gramática
Do professor e do aluno
E do mulato sabido
‍
Mas o bom negro e o bom branco
Da Nação Brasileira
Dizem todos os dias
Deixa disso camarada
Me dá um cigarro
[...]
No poema, o autor apresenta uma crítica à norma gramatical que dita a colocação dos pronomes, enfatizando que os cidadãos brasileiros, no uso cotidiano na língua, não aplicam as regras gramaticais de próclise, mesóclise e ênclise. Embora a norma não revele o uso real da língua pela população, é preciso enfatizar sua importância para que haja padronização no uso formal da língua, em situações como a redação de documentos oficiais, discursos políticos, trabalhos acadêmicos e apresentações de palestras.
2.2 O conceito de erro na língua
Para explicar o conceito de erro em relação à comunicação, tomemos o exemplo apresentado por Terra (2008, p. 96): “qual seria a roupa ‘certa’: paletó e gravata ou camiseta, sandália e bermudas? Evidentemente, a resposta só pode ser: depende”. Ou seja, você escolhe sua vestimenta de acordo com a ocasião. Quanto mais formal a situação for, mais formal sua vestimenta será. Portanto, não existe roupa certa ou errada, existe apenas uma roupa adequada ou inadequada.
Com a linguagem ocorre algo semelhante. Em uma conversa espontânea com amigos e familiares, em um churrasco de domingo, por exemplo, a linguagem utilizada certamente será a informal, também conhecida como linguagem coloquial, sem preocupação com as normas gramaticais. Contudo, não se pode afirmar que, nessa situação, as pessoas estejam falando errado, uma vez que a linguagem está adequada à situação comunicativa em que se encontram.
Se, por outro lado, você é convidado pelo chefe do departamento em que trabalha para palestrar em uma conferência em que estarão diversos representantes de outras empresas, torna-se necessário que a linguagem utilizada seja formal, o mais próximo possível do que ditam as regras da gramática da língua. Não seria adequado, nesse caso, utilizar a linguagem coloquial, pois a situação comunicativa exige um nível de formalidade maior da linguagem, assim como da vestimenta.
Há, ainda, casos em que a norma culta é quebrada de forma intencional, como é comum vermos em poemas, como o “Pronominais”, que lemos anteriormente. Assim, o autor conhece a norma, mas não a obedece com um objetivo específico. No caso de Oswald de Andrade, a ideia é mostrar que, na prática, essa norma nem sempre é utilizada e, portanto, em situações cotidianas informais ela pode ser deixada de lado.
Saiba Mais!
Os Parâmetros Curriculares da Língua Portuguesa, ou PCN, que orientam o ensino de língua portuguesa nas escolas, assinalam a importância de compreender o contexto de comunicação para adequar o registro da fala à situação. Para a compreensão do contexto, é importante considerar o que se fala, para quem e com que objetivo: “A questão não é de erro, mas de adequação às circunstâncias de uso, de utilização adequada da linguagem” (BRASIL, 1998, p. 31).
É necessário, portanto, que sejam consideradas nos estudos da língua as suas diversas formas de utilização pelos falantes. Além disso, ressalta-se a importância da escolarização ou educação formal para que todos os indivíduos de uma comunidade linguística sejam capazes de transitar entre um ou outro nível de linguagem, dependendo da adequação à situação de comunicação.
2.3 Preconceito linguístico
A definição de preconceito linguístico, segundo Bagno (s./d., s./p., grifos do autor), é que:
O termo preconceito designa uma atitude prévia que assumimos diante de uma pessoa (ou de um grupo social), antes de interagirmos com ela ou de conhecê-la, uma atitude que, embora individual, reflete as ideias que circulam na sociedade e na cultura em que vivemos. Assim como uma pessoa pode sofrer preconceito por ser mulher, pobre, negra, indígena, homossexual, nordestina, deficiente física, estrangeira etc., também pode receber avaliações negativas por causa da língua que fala ou do modo como fala sua língua.
Dessa forma, assim como existe o preconceito social, existe, também, o preconceito em relação ao uso que se faz da língua, fruto da comparação entre a norma culta — considerada o modelo ideal de uso da língua — e as diferentes formas de uso da língua, desconsiderando o fenômeno da variação linguística.
Ainda de acordo com Bagno (2008), o preconceito linguístico se manifesta com a rotulação da fala de um determinado grupo social ou regional como “errado” ou “feio”. Um exemplo disso é o que ocorre em relação a ausência da marcação de plural presente, em geral, na fala de pessoas com pouca ou nenhuma escolaridade, como na frase “nós trabalhava nas fábrica”. Essa forma de falar é estigmatizada pelas classes mais favorecidas da sociedade, sendo tachada negativamente e reprovada socialmente.
Uma área da linguística chamada Sociolinguística investiga os processos de variação e mudança da língua, considerandoque existe uma forte relação entre a forma como as pessoas falam e os fatores sociais, como a origem geográfica do falante, o grupo social ao qual pertence ou a idade. Com isso, a Sociolinguística explica que a ausência de marcação nos termos da frase, como no caso acima, ocorre porque, pela marcação do plural em “nós” e em “nas”, intuitivamente o interlocutor conclui o sentido completo da frase. Em situações comunicativas informais, essa fala é considerada adequada. Inclusive, eventualmente, pode ser falada por pessoas de nível de escolaridade alto.
Ainda assim, a variedade padrão da língua é privilegiada nas escolas e apontada como único meio para se conseguir prestígio social. Além disso, muitas vezes, a norma culta da língua tem sido instrumento de dominação social e discriminação de pessoas, seja porque falam o dialeto de uma determinada região do país ou porque não tiveram a oportunidade de estudar (LUCCHESI, 2015). De fato, é importante e necessário aprender a norma culta da língua, visto que ela é utilizada em situações formais, como no mercado de trabalho. No entanto, as outras variantes não devem ser esquecidas e/ou consideradas inferiores.
Com tudo isso, Bagno (2008) afirma que “[...] uma formação docente adequada, com base nos avanços das ciências da linguagem e com vistas à criação de uma sociedade democrática e igualitária, é um passo importante na crítica e na desconstrução desse círculo vicioso”. A saída, para ele, é ensinar as crianças a valorizarem todas as modalidades de registro, mostrando que nenhuma é melhor ou pior do que as outras.
3. Gêneros discursivos
Quando se fala na língua em uso, logo vem à tona os gêneros textuais. Isso porque, ao longo de nossa vida, nos deparamos com textos diversos: histórias em quadrinhos, fábulas, crônicas, poemas, anúncios, piadas, bulas, artigos científicos, entre inúmeros outros.
3.1 Texto e contexto
O texto é considerado uma unidade de sentido por meio da qual interagimos. Ele permeia toda a nossa atividade comunicativa, seja ela falada ou escrita. Assim, não há comunicação sem texto.
Como podemos perceber, o exemplo nos mostra uma campanha publicitária que busca alertar os jovens sobre a importância da vacinação, a fim de prevenir a meningite e o HPV. No material produzido, encontram-se elementos verbais (palavras) e não verbais (imagens, ícones, cores). Além disso, é considerado um texto, uma vez que é uma unidade de sentido, com um propósito comunicativo direcionado a um público específico, em uma determinada situação comunicativa.
Dessa forma, toda interação verbal ocorre por meio de manifestações linguísticas conhecidas como textos.
Beaugrande (1997, p. 10) afirma que o texto é “[...] um evento comunicativo em que convergem ações linguísticas, culturais, sociais e cognitivas”, ou seja, para se produzir e para ler um texto, são necessários mais do que os conhecimentos básicos sobre a língua, visto que eles estão inseridos em algo maior, ou seja, existe um contexto.
Para Koch e Elias (2006, p. 59), o contexto é “[...] tudo aquilo que, de alguma forma, contribui para determinar a construção do sentido”. Sendo assim, o sentido do texto não está nele mesmo, mas é construído ao longo do processo de interação entre autor, texto e leitor. Dessa forma, ao lermos ou produzirmos um texto, sem perceber, ativamos processos sociocognitivos e recorremos a três tipos de conhecimentos armazenados em nossa mente: o linguístico, o enciclopédico e o interacional (CAVALCANTE, 2012).
O conhecimento linguístico diz respeito ao entendimento do código, dos sinais verbais e não verbais utilizados no texto, incluindo ortografia, gramática e vocabulário da língua (KOCH; ELIAS, 2011). Para compreender a campanha do Ministério da Saúde, por exemplo, é necessário que o leitor decodifique o texto escrito, a imagem das crianças e saiba o que significa a sigla “HPV”.
Por conseguinte, o conhecimento enciclopédico, ou conhecimento de mundo, é ativado quando acionamos nosso repertório de informações armazenadas em nossa memória, a partir de vivências e experiências diversas (KOCH; ELIAS, 2011).
Voltando ao exemplo da campanha, ainda podemos dizer que, para seu entendimento, deve fazer parte do conhecimento de mundo dos leitores informações sobre meningite (infecção que afeta as meninges que envolvem a medula espinhal e o encéfalo) e HPV (vírus causador de problemas de ordem cutânea, que, se não for tratado, pode causar câncer de colo do útero). Assim, alguém que, por ventura, não possua esses conhecimentos prévios, certamente terá dificuldades em interpretar efetivamente o texto.
Por fim, com o conhecimento interacional, recorremos ao que sabemos sobre as práticas interacionais. Consideramos, portanto, quem são os interlocutores (quem produziu o texto e para quem), o objetivo do texto, o nível de formalidade da linguagem empregada e a organização das informações no texto (KOCH; ELIAS, 2006). No exemplo que estamos analisando, o texto — composto por elementos verbais e não verbais, organizados de forma clara e objetiva com uma linguagem simples — é direcionado para jovens em fase de pré-adolescência e, indiretamente, a seus pais; tendo como objetivo alertá-los sobre o risco de contaminação por essas doenças e orientar a solicitação do exame para diagnóstico.
Nessa perspectiva, percebemos que, para que um texto seja plenamente compreendido, é necessário considerar mais do que está dito. Afinal, estão envolvidos em um texto fatores contextuais, de ordem social, histórica e cognitiva, que norteiam as práticas de linguagem.
3.2 Gêneros textuais
Certamente você, quando era criança, ouvia muitos contos de fadas e fábulas. No entanto, à medida que foi crescendo, seu interesse passou para as histórias em quadrinhos, os contos e os poemas. Hoje, já na fase adulta, provavelmente acrescentou às suas leituras muitas notícias, cartazes, anúncios e piadas. Esses e outros textos fazem parte do seu cotidiano.
Nessa perspectiva, como você sabe que uma fábula é uma fábula? Ou que uma notícia é uma notícia, de fato?
De acordo com Koch e Elias (2006, p. 101), sabemos dessas características porque esses textos possuem “[...] formas padrão e relativamente estáveis de estruturação”. Assim, por exemplo, toda fábula se constitui de uma narrativa em que os animais são personificados, ou seja, agem como seres humanos: pensam, raciocinam e falam. Embora uma ou outra possua características divergentes, todas seguem esse padrão para serem consideradas fábulas.
Bakhtin (1992, p. 301-302, grifos do autor), por sua vez, afirma que, Bakhtin (1992, p. 301-302, grifos do autor), por sua vez, afirma que,
Para falar, utilizamo-nos sempre dos gêneros do discurso, em outras palavras, todos os nossos enunciados dispõem de uma forma padrão e relativamente estável de estruturação de um todo. Possuímos um rico repertório dos gêneros do discurso orais (e escritos). Na prática, usamo-los com segurança e destreza, mas podemos ignorar totalmente a sua existência teórica.
Portanto, toda a nossa comunicação escrita ou oral se baseia em formas padrão, as quais denominamos gêneros textuais, ainda que não saibamos da existência desses enunciados. Bakhtin (1992) menciona que eles são apenas relativamente estáveis, porque, assim como a comunicação é dinâmica, os gêneros textuais também são maleáveis e passíveis de mudanças.
Além disso, novos gêneros surgem a cada dia, enquanto que outros deixam de ser utilizados pelos indivíduos. Não é raro vermos pessoas enviando mensagens instantâneas de seus smartphones ou tablets, mas não vemos mais ninguém enviando telegramas. Ou seja, enquanto as mensagens instantâneas são um gênero textual emergente, o telegrama não faz mais parte das práticas comunicativas da atualidade.
De acordo com os pensamentos de Maingueneau (2004), os gêneros se configuram como fator de economia e praticidade da comunicação. Assim, quando desejamos nos comunicar, dependendo do nosso propósito comunicativo, selecionamos o gênero textual mais adequado. Contudo, se não houvessem esses padrões, ficaríamosperdidos em meio à variedade de práticas comunicativas possíveis na interação humana. Então, se alguém deseja compartilhar seu conhecimento sobre o preparo de um prato culinário, por exemplo, certamente produzirá uma receita, composta pelas seções: ingredientes e modo de preparo. Se uma empresa deseja divulgar seu produto e atrair o público consumidor, por outro lado, produzirá um anúncio, que pode ser transmitido de forma impressa, por áudio ou por vídeo.
Outro aspecto importante na definição dos gêneros textuais é o suporte. De acordo com Marcuschi (2003, p. 08, grifo do autor), “[...] o suporte é o locus físico ou virtual com formato específico que serve de base ou ambiente de fixação do gênero materializado como texto”. Nesse sentido, são exemplos de suporte o outdoor, o jornal, a tela de um computador, a revista, o livro, o muro, entre tantos outros. Existem, ainda, alguns suportes pouco convencionais, como as paradas de ônibus, que se tornam suporte para anúncios; ou o próprio corpo, que se torna suporte para textos tatuados na pele.
3.3 Sequências textuais
Adam (2008) defende que todo texto é formado de sequências, que são esquemas linguísticos que constituem os diversos gêneros. Em outras palavras, as sequências compõem os gêneros textuais, sendo elas:
1. Narração;
2. Descrição;
3. Injunção;
4. Explicação ou exposição;
5. Argumentação.
A sequência narrativa apresenta uma sucessão de fatos ou eventos ao longo de um tempo. Há predominância do uso de verbos de ação e, às vezes, diálogo. São exemplos de gêneros predominantemente narrativos o conto, a fábula e o romance.
A sequência descritiva, por sua vez, apresenta a caracterização de algo, de alguém ou de algum lugar, por meio da utilização de verbos de estado e adjetivos. É comum haver descrição em anúncios, por exemplo, em que o produtor enfatiza as qualidades do produto anunciado.
Já a sequência injuntiva apresenta uma orientação, uma ordem, um pedido ou um conselho, por meio de verbos no imperativo. Um anúncio, um tutorial e uma bula de remédio são textos que contêm injunção.
A sequência explicativa ou expositiva responde uma pergunta, objetivando informar sobre algo, com o uso predominante de verbos no presente do indicativo. Essa sequência é bastante utilizada nos artigos de divulgação científica, nas aulas expositivas e nos documentários de televisão.
Por fim, a argumentação apresenta argumentos e contra-argumentos em defesa de um ponto de vista, buscando convencer o leitor/ouvinte acerca de um posicionamento. São exemplos de gêneros tipicamente argumentativos os artigos de opinião e os debates.
É importante destacar que os gêneros não são determinados pelas sequências, tendo em vista que o mesmo gênero textual pode conter mais de uma sequência textual. É o caso da receita culinária, que possui descrição na seção de ingredientes e injunção na seção de como se prepara o prato.
De fato, toda a atividade comunicativa humana ocorre por meio dos gêneros textuais, que são estruturados pelas sequências textuais. Eles não são contrários, mas se complementam na constituição da organização textual.
Para Bakhtin, a identificação dos gêneros passa, essencialmente, pelo conhecimento de seu enunciado, pois é onde se identificam os objetivos e as condições em que o texto é produzido, sobretudo em relação ao diálogo cotidiano.
Por isso, vale ressaltar a necessidade de se considerar as diferenças entre a comunicação escrita e a oral, particularmente no que se refere a interferências não previstas nas normas e que podem modificar o sentido, o gênero e as sequências textuais do discurso.
Como exemplo, as pausas ou outras inflexões, a linguagem corporal e o próprio objetivo da comunicação (enunciado), e que irão variar, também, em função da reação de quem recebe a comunicação.
“as pausas, enquanto fatos gramaticais, calculadas e deliberadas, só são possíveis no interior do discurso de um único locutor, ou seja, dentro de um único enunciado; a pausa entre os enunciados é um fato real e não um fato gramatical, e este tipo de pausa — que se prende à psicologia ou a alguma circunstância externa — pode introduzir uma ruptura no todo do enunciado; é uma pausa que, nos gêneros secundários, provém de um cálculo do artista, do diretor, do ator, e distingue-se, por princípio, tanto da pausa gramatical como da pausa estilística, tal como ocorre, por exemplo, entre os sintagmas, dentro de um enunciado”. (Bakhtin (1997 – página 297)
4. Intertextualidade
A intertextualidade é um fenômeno linguístico bastante estudado. Ele diz respeito à relação que existe entre os textos. Segundo Kristeva (1969), todo texto é um mosaico de outros que o antecederam e lhe deram origem. Mais especificamente, existem em muitos textos menções a outros textos já proferidos anteriormente.
Dessa forma, a identificação e a compreensão do processo intertextual dependem dos conhecimentos de outros textos por parte dos interlocutores. Vejamos o exemplo dos versos da segunda parte do Hino Nacional Brasileiro (ESTRADA, 1831):
Do que a terra mais garrida
Teus risonhos, lindos campos têm mais flores;
"Nossos bosques têm mais vida", "Nossa vida"
no teu seio "mais amores".
Ó Pátria amada,
Idolatrada,
Salve! Salve!
Você conseguiu identificar com qual texto o Hino Nacional possui uma relação de intertextualidade? Acertou se pensou no poema “Canção do Exílio”, publicado em 1843, por Gonçalves Dias, cuja primeira estrofe é:
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá;
As aves, que aqui gorjeiam,
Não gorjeiam como lá.
Nosso céu tem mais estrelas,
Nossas várzeas têm mais flores,
Nossos bosques têm mais vida,
Nossa vida mais amores.
Como percebemos, “[...] conhecer o texto-fonte [...] é condição necessária para a construção de sentido” (KOCH; ELIAS, 2006, p. 85). Além disso, é interessante notar que a retomada de outros textos, em novas situações comunicativas, por meio da intertextualidade, pode gerar a construção de novos sentidos.
Assim, existem dois tipos de intertextualidade: a intertextualidade explícita e a intertextualidade implícita, que exige do interlocutor um conhecimento mais aguçado do texto-fonte. A seguir, discutiremos esses dois tipos de intertextualidade, bem como a intergenericidade, que ocorre entre gêneros textuais.
4.1 Intertextualidade explícita
A intertextualidade explícita ocorre quando a fonte do intertexto é citada ou existe a presença de fragmentos desse texto anteriormente produzido. É o caso da citação, bastante utilizada na escrita acadêmica. É um exemplo desse tipo de intertextualidade a relação existente entre o Hino Nacional Brasileiro e o poema “Canção do Exílio”, uma vez que um trecho do poema, inclusive marcado pela presença de aspas, encontra-se explícito na letra do Hino Nacional.
A função da intertextualidade explícita na escrita acadêmica é atribuir ao novo texto um argumento de autoridade, que fundamenta os conceitos abordados por outros estudiosos e pesquisadores. Na escrita literária, por sua vez, a intertextualidade contribui para o processo criativo de construção dos sentidos no texto.
4.2 Intertextualidade implícita
A intertextualidade implícita ocorre quando não há a citação expressa da fonte ou de um trecho do texto- fonte. Nesse caso, é necessário apelar para a memória, a fim de recuperar informações sobre o intertexto e construir o sentido. Quando essa recuperação não ocorre, ou quando há o desconhecimento do texto-fonte, a construção dos sentidos do texto pelo interlocutor fica prejudicada.
Com a intertextualidade implícita, ocorre a apropriação do texto-fonte, que sofre modificações, seja com acréscimos, supressões ou substituições, que podem preservar ou subverter o sentido do texto original. A paráfrase, por exemplo, — interpretação de um texto com as próprias palavras — em que não há citação do texto-fonte, temos a intertextualidade implícita presente. As paráfrases são bastante utilizadas por professores em aulas expositivas, já que procuram explicar os conteúdos de forma simplificada para os alunos. Analogamente, quando vocêprecisa apresentar um seminário sobre um tema específico, faz as leituras prévias e, oralmente, por meio de paráfrases, expõe aos colegas e ao avaliador as ideias e informações com suas próprias palavras, não é?
Além das paráfrases, as paródias são comumente conhecidas como músicas que passam por transformações na letra, causando efeito de humor e/ou de ironia. No entanto, no campo da linguagem, a paródia “[...] é um recurso bastante criativo que se constrói a partir de um texto-fonte retrabalhado [...] com o intuito de atingir outros propósitos comunicativos, não só humorísticos, mas também críticos, poéticos, etc.” (CAVALCANTE, 2012, p. 154).
Ao se valer da intertextualidade implícita, o autor não pretende esconder o texto-fonte, mas pressupõe que o interlocutor identificará o intertexto e os novos sentidos provocados pelas transformações dos textos-fonte e pelos propósitos comunicativos dos novos textos.
Ademais, há textos que apresentam características de gêneros textuais distintos, o que chamamos de intergenericidade.
4.3 Intergenericidade
A intertextualidade entre gêneros textuais ocorre quando um gênero assume a forma de outro, em função de um propósito comunicativo. A hibridização, intergenericidade ou, ainda, intertextualidade intergêneros, pode ser bastante perceptível em anúncios, tirinhas e charges.
Como podemos observar na figura, estruturalmente, o texto parece uma questão de prova, com a presença de opções para o suposto aluno marcar. No entanto, considerando o contexto de produção desse texto, logo chegamos à conclusão de que não se trata de uma questão de prova, mas, sim, de um anúncio publicitário de um programa educativo do Detran.
Em síntese, o que, de fato, determina a classificação do gênero textual em casos de intergenericidade é o seu propósito comunicativo, e não a sua estrutura. Não há, portanto, alteração da função desse texto, uma vez que ele continua divulgando o programa educativo por meio do processo criativo da intertextualidade intergêneros.
A intertextualidade pressupõe que a comunicação (diálogo, linguagem) aconteça, sempre, envolvendo dois indivíduos – o emissor e o(s) receptor (es), e está ligada ao tempo, ao espaço, à posição diante do mundo; com o perfil do interlocutor e o domínio dos códigos e dos signos. Portanto, um conjunto de fatores que se interagem para que o objetivo de se transmitir uma ideia, uma informação ou uma mensagem seja conseguido, sempre considerando a existência do outro na escolha do enunciado.
CAPÍTULO 2 – COMO EVITAR A FALTA DE COERÊNCIA TEXTUAL
A comunicação efetiva ocorre por meio de gêneros textuais. Cada situação comunicativa exige a utilização de um gênero textual específico. As notícias, por exemplo, são produzidas para informar a população sobre fatos ocorridos; enquanto que os anúncios, por sua vez, são elaborados com a finalidade de divulgar produtos e serviços para um público específico.
Nesse contexto, é preciso se atentar para alguns aspectos relevantes na produção textual: a adequação ao meio em que o texto é veiculado, a coesão e a coerência. Afinal, com o advento da internet, surgiram novas formas de linguagem e novos gêneros textuais. A tela como suporte de textos digitais propicia maior dinamicidade na comunicação virtual e possibilita a composição dos textos a partir de elementos verbais e não verbais, como imagens, sons, vídeos, cores, ícones, entre outros.
Além da adequação ao suporte, é imprescindível que os textos possuam coerência e coesão, a fim de que cumpram plenamente seu propósito comunicativo. A coerência diz respeito ao sentido: um texto coerente é um texto que possui sentido. Para tanto, é necessário que as informações apresentadas na superfície textual estejam coerentes entre si e coerentes com o mundo que nos cerca. A coesão, por sua vez, é a conexão entre as ideias apresentadas em um texto, contribuindo substancialmente para a manutenção da coerência.
2.1 Gênero e tecnologia
Com o advento das tecnologias digitais, a sociedade passou por substanciais transformações. A comunicação se tornou consideravelmente mais ágil e as distâncias foram encurtadas com o uso da internet como meio de transmissão de mensagens. Isso acarretou no surgimento do hipertexto, “[...] forma híbrida, dinâmica e flexível de linguagem que dialoga com outras interfaces semióticas,
adiciona e acondiciona à sua superfície formas outras de textualidade” (XAVIER, 2000, p. 171).
Como efeito, podemos exemplificar o hipertexto pelas mensagens instantâneas enviadas e recebidas através de sites de relacionamentos, como o Facebook e o Twitter; ou de softwares e aplicativos de comunicação, como o WhatsApp e o Telegram.
Dessa forma, surgem novos gêneros textuais, propiciados pela emergência das tecnologias digitais, caracterizados por duas características: a hipertextualidade e a multimodalidade.
2.1.1 Gêneros discursivos digitais
O advento e a evolução das tecnologias digitais propiciaram o surgimento de novas formas de construir os textos, a partir da utilização de elementos visuais e sonoros além da escrita, o que não é possível no texto impresso. São exemplos de gêneros textuais digitais o e-mail, o blog, as mensagens instantâneas, o fórum, a homepage e tantos outros que permitem, com a tecnologia de que dispõem, agilidade e eficiência na comunicação.
Há alguns anos, era comum que as empresas utilizassem a carta como forma de comunicação interinstitucional. No entanto, esse cenário começou a mudar.
Atualmente, utiliza-se muito mais o e-mail com essa finalidade. Por outro lado, a comunicação interna das empresas passou a ocorrer também por meio de aplicativos de mensagens instantâneas. Esse tipo de comunicação, além de ser ágil, permite o compartilhamento de imagens, vídeos, documentos, links e ícones que complementam a linguagem verbal.
Outras áreas da sociedade também aderiram à tecnologia e adequaram seu conteúdo e os recursos textuais ao chamado mundo virtual. De fato, atualmente, as grandes empresas de jornalismo possuem páginas na internet, sendo que, a partir delas, veiculam notícias. Contudo, além de texto escrito e das imagens, essas notícias em meio digital também ganham links, vídeos e áudios. O mesmo ocorre com outros textos, como os anúncios publicitários, que antes eram produzidos somente para divulgação impressa, mas que, hoje, são desenvolvidos para a mídia digital, explorando recursos de imagem e som.
Diante dessa realidade, é possível perceber o quanto nós, enquanto cidadãos da sociedade da informação, estamos habituados a convivermos com gêneros textuais tão diversos. Utilizamos as tecnologias de informação e comunicação diariamente para estudar, trabalhar, nos comunicar com familiares e amigos, nos informar e nos entreter. Por isso, é comum utilizarmos os gêneros digitais,
como o e-mail, as mensagens instantâneas, o bate-papo, a vídeo chamada, o vídeo tutorial, entre tantos outros exemplos de textos produzidos e veiculados digitalmente.
Essa gama de possibilidades da virtualidade é conhecida como hipertextualidade.
2.1.2 Hipertextualidade
A virtualidade propicia a produção de uma linguagem mista e híbrida que une a linguagem verbal escrita a outros recursos, como sons, imagens estáticas e com movimento e links. As páginas de internet que costumamos acessar possuem propriedades específicas e mesclam gêneros textuais diversos em um mesmo ambiente. Em um site cujo assunto principal é o mundo automobilístico, por exemplo, encontramos notícias, reportagens, anúncios, infográficos, vídeos, tutoriais, resenhas e muitos outros textos referentes ao tema central. Com efeito, a tela do computador, do tablet e do smartphone possibilitam essa heterogeneidade de informações ao alcance do usuário. Assim, “A
hipertextualidade seria, então, um conjunto multienunciativo de hipertextos, em razão de sua heterogeneidade” (CAVALCANTE, 2012, p. 56).
Ao abrirmos uma homepage no navegador de internet, são apresentados múltiplos caminhos que podemos acessar com a ajuda dos links. Da mesma forma, quando utilizamos os meios tecnológicospara estudar, outras possibilidades estão ao nosso dispor, a fim de que possamos explorar, navegar e adquirir conhecimento.
Sobre a definição de hipertexto, Koch (2007, p. 25) afirma que se trata de uma escrita “[...] não-sequencial e não-linear, que se ramifica de modo a permitir ao leitor virtual o acesso praticamente ilimitado a outros textos, na medida em que procede a escolhas locais e sucessivas em tempo real”. Em linha com a autora, o leitor, conhecido como navegador, torna-se coautor do texto, visto que, diante das inúmeras possibilidades de acesso e de leituras que a internet lhe proporciona, segue os links de seu interesse e se aprofunda nos temas que atraírem a sua atenção.
Você mesmo, enquanto estudante de uma disciplina cursada a distância, tem nas mãos o poder de, autonomamente, construir o conhecimento a partir da busca por informações em diversas fontes disponíveis na rede. Sabemos, no entanto, que se faz necessário filtrar essas fontes para que as informações obtidas sejam confiáveis e úteis aos seus objetivos de estudo.
Outra característica marcante do texto da era digital é a multimodalidade.
2.1.3 Multimodalidade
Você já parou para pensar na evolução da linguagem ao longo dos tempos? Já analisou como, atualmente, estamos nos comunicando muito mais pelo meio digital em detrimento do meio impresso? Notou como o texto digital permite novas possibilidades de composição dos textos que a escrita no papel não possibilitava?
A multimodalidade é um conceito desenvolvido por Kress e Van Leeuwen (1996) para descrever os diversos modos ou modalidades semióticas pelos quais os textos são compostos. São exemplos de elementos multimodais o som, a imagem (estática ou em movimento), o texto escrito, o gesto, o uso das cores, entre outros. Cada uma dessas modalidades possui potencial para a construção
do sentido no texto.
Em relação ao hipertexto, facilmente percebemos a presença da multimodalidade nos gêneros digitais. Um exemplo disso são os emoticons, ícones utilizados em conversas on-line para transmitir a emoção dos indivíduos.
O uso dos emoticons complementa as informações verbais digitadas e expressa a informação de forma singular. Alguns, por exemplo, não teriam o mesmo sentido se fossem descritos com a linguagem verbal. O mesmo ocorre com o uso de outros recursos multimodais. Em síntese, esses ícones possuem valor complementar à escrita, já que, nos dias atuais, os recursos visuais têm ganhado relevância na comunicação.
Assim, a hipertextualidade permite a exploração de recursos multimodais em textos conhecidos antes mesmo da internet, como notícias, anúncios e tutoriais. Xavier (2002) chama a atenção para o fato de que, no texto digital, os recursos multimodais coexistem — ou seja, som, imagem, texto escrito e outros recursos disponíveis se sobrepõem e podem ser acessados de qualquer lugar a qualquer momento —, desde que haja as condições técnicas necessárias, como a conexão com a internet.
Note que os anúncios digitais, por exemplo, são compostos por uma gama de cores, sons e imagens em movimento, mas organizados em um determinado layout (design, esquema e arranjo), contribuem para a produção de significados.
A escolha e a organização desses recursos na composição do texto não ocorrem por acaso. O produtor do texto seleciona os recursos para atender seus objetivos comunicativos e os organiza em um layout que atraia a atenção do público-alvo. Nos anúncios da figura acima, o produto anunciado (ou algo que o represente) aparece no centro, em posição de ênfase, enquanto que as informações verbais geralmente aparecem nas bordas. Além disso, informações importantes — como os nomes das marcas — aparecem em destaque, com fontes em tamanho e cores de evidência.
No entanto, vale ressaltar que isso só é possível com a coerência textual, competência extremamente relevante para a comunicação verbal.
2.2 Coerência textual
O texto é a unidade básica da comunicação. Ao nos comunicarmos, o fazemos por meio de textos, seja um requerimento, um pedido, uma prece, um bilhete, um anúncio, um relatório ou um artigo científico. Nesse contexto, quando nos comunicamos, desejamos nos fazer entender pelos textos orais ou escritos que produzimos. Da mesma forma, quem escuta ou lê um texto, qualquer que seja, procura nele um sentido.
Análise de texto:
Tomaremos como objeto de análise o texto escrito por Carlos (26 anos, ensino superior), informante do corpus Discurso & Gramática da cidade de Natal (CUNHA, 1993, p. 13), ao narrar uma experiência pessoal:
Eu ia para Pium em um jipe sem capota, aqueles de praia, com o meu irmão, meu pai, a empregada, que ia grávida, e o motorista. Fui pela manhã e quando cheguei lá o pessoal tomou umas cervejas o dia todo, quando foi à tarde, quase à noite nós saímos de Pium e quando vínhamos na BR 101 próximo à fábrica Soriedem aconteceu o acidente. Nós vínhamos à esquerda da BR e um ônibus da empresa Nordeste pediu para ultrapassar, porque as ultrapassagens são feitas pela esquerda, mas o motorista não, passou pela direita, então o ônibus passou pela direita e trancou a gente e jogou todo mundo na estrada. Ficou todo mundo espalhado pela BR 101, a sorte da gente foi que não passou nenhum carro na hora, apesar de ser um horário de muito trânsito. Passaram alguns carros e nos socorreram na hora. Meu pai teve escoriações leves pelo corpo, meu irmão, a empregada e o motorista também, apesar do motorista ter sofrido um corte na testa de leve. A empregada que estava grávida mais tarde teve o menino lá em casa, nasceu vivo e depois morreu no hospital, devido o susto que tomou. Eu fui o único que ficou internado no hospital Valfredo Gurgel com escoriações e pancadas na cabeça, tive que fazer uma cirurgia plástica no rosto que ficou aparecendo os ossos e as raízes dos dentes, no braço esquerdo também fiz uma plástica porque arrastou no chão e comeu a carne. Passei mais ou menos um mês internado, só recebia visitas uma vez por semana, eu ficava de um lado do prédio e os meus pais do outro sem poder se tocar. Fiquei em cadeiras de rodas, porque pensava que não podia andar. Depois comecei a andar normalmente.
2.2.1 O que é coerência?
A coerência diz respeito à construção dos sentidos no texto, à sua interpretabilidade. Segundo Koch e Travaglia (2009), embora existam textos com problemas de coerência, não existem textos totalmente incoerentes, visto que, logicamente, todos desejam ser compreendidos. Portanto, essas
incoerências localizadas podem ser superadas por meio da reescrita. Na fala, esse processo pode ser realizado com a correção verbal, como quando explicamos uma informação mal interpretada usando outras palavras, de forma a deixá-la mais clara.
Assim, a coerência é composta pelo domínio linguístico, que define a coerência interna do texto; e os domínios pragmático e extralinguístico, que determinam a coerência externa no texto.
No domínio linguístico, é possível perceber no texto do informante Carlos o uso coerente de recursos gramaticais e a seleção adequada de palavras e expressões, a fim de esclarecer sobre o ocorrido, não havendo contradição em nenhum momento. Além disso, o texto progride com novas informações sendo acrescentadas, o que contribuiu para a progressão textual e, consequentemente, para a coerência textual.
Já o domínio pragmático diz respeito à interação: o contexto, o tipo de ato de fala, os valores e as crenças dos interlocutores. Assim, o texto de Carlos é coerente, visto que atende ao que é solicitado (uma narrativa de experiência pessoal), e é adequado à situação comunicativa em questão.
Por conseguinte, o domínio extralinguístico se relaciona ao conhecimento de mundo dos interlocutores e ao conhecimento partilhado entre eles, o que confere sentido completo ao texto. Esse domínio também é chamado de coerência externa, pois diz respeito à veracidade das informações, se elas condizem com o mundo exterior ao qual pertence.
Desse ponto de vista, o texto produzido pelo informante é coerente, pois não contradiz o mundo real.
Marcuschi (2008) considera que,sendo o texto um evento comunicativo, três aspectos se articulam para a produção de sentidos: aspectos linguísticos, aspectos sociais (o contexto sócio-histórico) e aspectos cognitivos (conhecimentos armazenados na memória dos participantes da comunicação).
2.2.2 Fatores de coerência
A construção da coerência ocorre pela consonância de fatores linguísticos e extralinguísticos. Os principais desses fatores são os elementos linguísticos, o conhecimento de mundo, o conhecimento compartilhado e a inferência.
Sem dúvida, os elementos linguísticos são importantes para o desenvolvimento da coerência em um texto. A seleção das palavras, sua organização sintática (em frases) e sua relação com outras palavras são pistas que conduzem o leitor à plena interpretação dos sentidos do texto. Assim, para que possamos interpretar a escrita com qualidade, o primeiro passo é conhecer o significado das palavras utilizadas e compreender a organização das informações na superfície textual.
No entanto, é preciso reconhecer que o componente linguístico está apenas na superficialidade do texto, e que a construção dos sentidos é um processo bem mais profundo, que ocorre na ativação do nosso conhecimento de mundo. É quase impossível construir o sentido de um texto que trate de um assunto o qual desconheçamos completamente. Para a maioria de nós, compreender um relatório técnico de viagem espacial, por exemplo, constitui-se em uma tarefa muito complexa, pois esse tipo de experiência não faz parte de nosso conhecimento de mundo.
Além disso, esse conhecimento de mundo ou repertório é adquirido ao longo de nossas vivências e de nossas leituras. Essas experiências ficam arquivadas na memória e são resgatadas quando, ao nos depararmos com um texto, procuramos sentido nas palavras a partir da semelhança do que é dito com o que já vivenciamos. No texto em análise, Carlos relata uma ultrapassagem de carro que causou um acidente na estrada. Assim, se tivermos o conhecimento de que toda ultrapassagem deve acontecer pela esquerda, inferimos que a ultrapassagem forçada pela direita causou o acidente.
Dessa forma, podemos entender que o conhecimento compartilhado diz respeito ao conhecimento de mundo comum ao produtor e ao receptor de um texto. Os participantes envolvidos em uma situação comunicativa precisam ter o máximo de conhecimento compartilhado, a fim de que os dois se compreendam mutuamente. No depoimento de Carlos, ele afirma que foi para Pium, sem apresentar mais nenhuma explicação sobre esse termo. Isso significa que o seu interlocutor, nesse caso um entrevistador, partilha com ele o conhecimento sobre o município de Pium, que fica na região metropolitana de Natal. Sem esse conhecimento compartilhado, a compreensão do texto poderia ser prejudicada, pois o leitor teria dúvidas sobre seu significado (embora linguisticamente ele saiba que se trata de nome próprio, ou seja, possivelmente pertencente a uma pessoa ou a um lugar).
A inferência, por outro lado, é uma operação dedutiva por meio da qual o leitor chega a conclusões que não estão explícitas no texto, mas que podem indicar um caminho para o que está implícito. Ao produzir um texto, oral ou escrito, omitimos algumas informações que julgamos desnecessárias por considerarmos que o interlocutor será capaz de realizar as inferências. No depoimento de Carlos, após narrar o acontecimento do acidente, ele afirma que os feridos foram socorridos e faz uma espécie de salto para explicar o estado hospitalar de cada um. Ele não explicita, por exemplo, como ocorreu o resgate: será que uma ambulância foi acionada ou as próprias pessoas que passavam pelo local colocaram os feridos nos seus carros e os levaram para suas respectivas casas? Essa informação não está explícita, mas é possível inferir, com base nas pistas que o texto nos dá, que os feridos foram encaminhados ao hospital, menos a empregada, que deu à luz em casa.
Segundo Koch e Travaglia (2009, p. 79), “[...] todo texto assemelha-se a um iceberg – o que fica à tona, isto é, o que é explicitado no texto, é apenas uma pequena parte daquilo que fica submerso, ou seja, implicitado”, por isso, a coerência é considerada bem mais como um processo cognitivo do que linguístico.
2.3 Coesão textual
A coesão é a propriedade de articulação das ideias no texto. É “[...] o conjunto de estratégias de sequencialização responsável pelas ligações linguísticas relevantes entre os constituintes articulados no texto” (OLIVEIRA, 2017, p. 195).
Em outras palavras, é o que faz do texto uma unidade, a fim de que não seja apenas um grande emaranhado de informações desconexas.
2.3.1 O que é coesão?
Como dito anteriormente, a coesão é a conexão existente entre as ideias. Ela se manifesta por meio de elementos linguísticos utilizados para relacionar as ideias, de forma a contribuir para a coerência textual. É o caso do uso de conectivos, como preposições e conjunções, para articular as partes de um texto.
É a coesão que confere harmonia ao texto, que deixa de ser uma sequência de informações soltas e passa a formar uma unidade de sentido. Para Koch e Travaglia (2009, p. 14), “[...] a coesão textual, mas não só ela, revela a importância do conhecimento linguístico (dos elementos da língua, seus valores e usos) para a produção do texto e sua compreensão e, portanto, para o estabelecimento da coerência”.
2.3.2 Estratégias de coesão
Halliday e Hasan (1976) elencam cinco estratégias de coesão. São elas: a referência, a substituição, a elisão, a conjunção e a coesão lexical.
A referência é o processo de retomada ou antecipação de referentes no texto. No trecho “Eu ia para Pium em um jipe sem capota, aqueles de praia”, o pronome “aqueles” retoma o referente citado anteriormente pela expressão “jipe sem capota”. Esse procedimento é chamado de anáfora. A anáfora também pode ser indireta, quando não retoma o referente em sua totalidade, mas parcialmente, como ocorre no trecho “[...] um ônibus da empresa Nordeste pediu para ultrapassar [...], mas [...] o motorista passou pela direita e trancou a gente e jogou todo mundo na estrada”, em que a palavra “motorista”, que retoma o referente “ônibus da empresa Nordeste”, ainda que apenas
parcialmente.
Já no trecho “[...] na BR 101 próximo à fábrica Soriedem aconteceu o acidente”, o termo “acidente” antecipa todo o relato posterior que descreverá o ocorrido, configurando-se como uma catáfora.
A referência é importante para o texto na medida em que contribui para sua manutenção temática e para a sequenciação de ideias, evitando repetições excessivas e desnecessárias.
A substituição também é um recurso eficaz na progressão textual, pois, ao substituir uma palavra ou expressão já citada no texto, não ocorre somente a troca de um vocábulo por outro, mas novos sentidos podem surgir e contribuir para a composição textual. No excerto “[...] então o ônibus passou pela direita e trancou a gente e jogou todo mundo na estrada. Ficou todo mundo espalhado
pela BR 101”, a expressão “BR 101” substitui a palavra “estrada”, e – mais do que isso – especifica a informação dada anteriormente.
A elisão, ou elipse, é um processo linguístico interessante que consiste na recuperação de um referente sem citá-lo. Esse fenômeno também é chamado de anáfora zero. Quando o informante diz que “[...] o ônibus passou pela direita e trancou a gente e jogou todo mundo na estrada”, não se faz necessário repetir o sujeito das ações, que é “o ônibus”, antes de cada um desses verbos. Na
verdade, essa informação está clara, apesar das omissões, evitando redundâncias.
A conjunção, por sua vez, ocorre pela utilização de mecanismos coesivos que estabelecem vínculos entre frases, sejam eles vínculos de tempo, causa, consequência, alternância, oposição, condição, finalidade, entre outros. No trecho “[...] no braço esquerdo também fiz uma plástica porque arrastou no chão”, a palavra “porque” estabelece uma relação de causa e consequência entre essas frases, sendo a segunda a causa da primeira.
Por fim, a coesão lexical ocorre de forma mais sutil, pois se tratada seleção e do uso de palavras que se relacionam entre si, articulando as ideias de maneira que a forma e o conteúdo do texto estejam harmoniosamente organizados. Veja o trecho:
Eu fui o único que ficou internado no hospital Valfredo Gurgel com escoriações e pancadas na cabeça, tive que fazer uma cirurgia plástica no rosto que ficou aparecendo os ossos e as raízes dos dentes, no braço esquerdo também fiz uma plástica porque arrastou no chão e comeu a carne [...]
Nele, percebemos que as informações (hospital, escoriações, pancadas, cirurgia, ossos, dentes e braço) estão organizadas de forma a produzir na mente do interlocutor uma produção eficiente dos sentidos.
A escrita, em relação à fala, é mais propícia à utilização dos elementos linguísticos de coesão, visto que é possível reler e alterar a forma textual, enquanto que na dinamicidade da fala a coesão nem sempre está explícita pelos elementos linguísticos, mas por elementos extratextuais. Ou seja, quando conversamos oralmente com alguém, espontaneamente deixamos algumas frases soltas, mudamos de assunto sem relacionar explicitamente um com o outro. Contudo, essas relações ficam claras por meio do conhecimento partilhado entre os interlocutores e por outros elementos próprios da conversação, como gestos, expressões, pausas e entonação.
2.4 Princípios da coerência e coesão textual
Quando lemos um texto, não decodificamos e interpretamos cada parte isoladamente, mas apreendemos o seu sentido global. Dessa forma, ainda que não haja marcas linguísticas explícitas de coesão, é possível que a conexão entre as ideias ocorra intuitivamente por parte do leitor. É o que se pode perceber na leitura de um trecho do conto “Circuito fechado”, de Ricardo Ramos (2012, p. 13):
Chinelos, vaso, descarga. Pia, sabonete. Água. Escova, creme dental, água, espuma, creme de barbear, pincel, espuma, gilete, água, cortina, sabonete, água fria, água quente, toalha. Creme para cabelo, pente. Cueca, camisa, abotoaduras, calça, meias, sapatos, gravata, paletó. Carteira, níqueis, documentos, caneta, chaves, lenço. Relógio, maço de cigarros, caixa de fósforos, jornal. Mesa, cadeiras, xícara e pires, prato, bule, talheres, guardanapos. Quadros. Pasta, carro. [...] Televisor, poltrona. Cigarro e fósforo. Abotoaduras, camisa, sapatos, meias, calça, cueca, pijama, espuma, água. Chinelos. Coberta, cama, travesseiro.
O que você entendeu do texto que leu? É apenas uma sequência aleatória de palavras e expressões? Trata-se de um texto sem coesão e sem coerência? 
No conto de Ramos (2012), há poucos elementos linguísticos de coesão, além de apenas algumas preposições e conjunções, como “de” e “e”, respectivamente. Não há uma relação explícita entre as palavras no texto. No entanto, por meio de um processo cognitivo, conseguimos compreender o sentido global do texto e a relação existente entre as partes. O conhecimento linguístico nos permite decodificar o vocabulário utilizado pelo autor e perceber a relação de significado que se estabelece entre essas palavras.
Por conseguinte, o conhecimento de mundo partilhado entre o autor e nós, leitores, permite-nos reconhecer que a narrativa apresenta um dia comum na vida de um homem de negócios. A coerência não está no texto em si, ela não pode ser destacada ou apontada na superfície textual. Na verdade, ela é construída na interação entre os participantes da situação comunicativa. Os processos de coesão e coerência, portanto, ocorrem de forma simultânea na mente do leitor.
“O texto de Ricardo Ramos é uma prova de que a coesão superficial do texto não é necessária para a textualidade. Contudo, isto não significa que ela seja irrelevante [...] Aqui, a coesão é inferida a partir da coerência” (MARCUSCHI, 2008, p. 106). 
Desse modo, a coesão é gramatical, mas também é semântica, pois, em muitos casos, a relação entre as partes do texto se dá com a percepção dos significados e da interação entre os interlocutores. Como podemos perceber, então, existe uma forte relação entre a coesão e a coerência, visto que aquela contribui para esta.
Como vimos, não são necessariamente os processos gramaticais que contribuem para a construção de sentidos no texto, mas os processos cognitivos. “Isto quer dizer que a coerência seria uma espécie de princípio global de interpretação” (MARCUSCHI, 2008, p. 125). Assim, ainda que um texto não seja completamente incoerente, é preciso considerar que alguns textos podem apresentar quebras de coerência em pontos localizados. Esses eventuais problemas de coerência podem ser resolvidos com uma boa correção textual, com base nos princípios ou metarregras de coerência, formuladas por Charroles(1988) e divulgadas por Costa Val (1999).
Segundo Charroles (1988) e Fonseca (1992), os princípios básicos da coerência são a continuidade, a progressão, a não contradição e a articulação.
A continuidade é a retomada de elementos e ideias no decorrer do texto. A coesão realizada por meio da referência é, pois, uma estratégia de continuidade. Na prática, todo texto precisa tratar de um tópico central, ou seja, um assunto global mantido ao longo de todo o texto com retomadas. Isso se aplica facilmente a textos escritos, porém, no diálogo cotidiano oral, é possível perceber que geralmente há muitos tópicos discursivos envolvidos na conversa sem que, no entanto, a conversa perca sua coerência.
Além disso, para que a coerência de um texto seja mantida, é necessário que haja continuidade dos tópicos ou assuntos abordados. No entanto, para que o texto não se torne um grande círculo em que as informações giram e se repetem de forma redundante, é necessário que haja a progressão, manifesta pelas novas informações que são acrescentadas ao tópico central, fazendo-o progredir. Em outras palavras, é preciso que o texto possua um eixo central e que surjam novas informações relacionadas a ele para que as ideias possam fluir.
Segundo o dicionário on-line de português, Dicio, a tautologia consiste na repetição de uma mesma ideia por meio de palavras diferentes. Esse artifício também é conhecido como redundância ou pleonasmo. A redundância pode ter sentido enfático, ser utilizada de forma planejada, mas quando as ideias são apresentadas repetidamente de forma desnecessária, ocorrem problemas de coerência, prejudicando a interpretabilidade do texto. Por isso, na produção de textos, a revisão textual é relevante para que sejam corrigidos possíveis casos de tautologia e, consequentemente, a falta de progressão textual.
Temos, ainda, que o texto deve ser coerente interna e externamente. Isso quer dizer que as partes do texto não podem se contradizer entre si e que precisa haver uma lógica compatível. Em um texto argumentativo, por exemplo, é contraditório defender um ponto de vista no início do texto e, posteriormente, assumir outro posicionamento.
A coerência externa quer dizer que “[...] o texto não pode contradizer o mundo a que se refere, seja este mundo real ou fictício” (CAVALCANTE, 2012, p. 36). Uma fábula, por exemplo, não é um texto incoerente por apresentar animais que atuam, falam e pensam como pessoas, pois essa realidade textual é compatível com o mundo a que ela se refere (o mundo fictício). Se, no entanto, essa característica fosse dada a animais reais, em uma notícia de jornal, haveria uma grave contradição com os fatos do mundo real, o que provocaria um estranhamento. Por último, temos a articulação, que é o princípio da coerência que mantém relação estreita com a coesão textual. Para haver articulação em um texto, é necessário que as ideias apresentadas mantenham um encadeamento lógico e uma organização. Além disso, é preciso que as relações estabelecidas entre as informações estejam claras, a fim de propiciar a fluidez da leitura. A estratégia de articulação mais utilizada é o uso de conectivos, como “além disso”, “porém”, “no entanto”, “portanto”, “assim”, “então”, entre outros. A escolha do conectivo se dará em função da relação que se deseja enfatizar. Essa relação, por sua vez, pode ser de conformidade, adversidade, complementação,conclusão e outras.
Em síntese, os princípios ou metarregras de coerência, segundo Charroles (1988), podem ser vistos na figura a seguir.
Vejamos o exemplo de um texto que poderia ser postado em uma rede social:
“Ao receber esta mensagem, beije alguém que você ama muito, porque ela veio trazer sorte. Passe a mensagem para nove contatos. A felicidade não tem preço. Se você compartilhar terá muita sorte e ganhará muito dinheiro. Não guarde a mensagem, envie!”. 
Nesse caso, o texto contém algumas quebras de coerência localizadas, a saber:
• Quebra de continuidade: no início, é sugerido que se beije alguém, mas essa informação não é retomada ao longo do texto.
• Quebra de progressão: o argumento supersticioso de que o texto não pode ficar parado nas mãos de alguém é repetido desnecessariamente.
• Contradição: o texto afirma que a felicidade não tem preço, mas, em seguida, menciona que, ao compartilhar a mensagem, a pessoa ganhará muito dinheiro.
• Quebra de articulação: a relação entre algumas ideias não está clara por falta de conectivos adequados que estabeleçam essa relação. Passa-se de uma ideia para outra sem que haja uma lógica entre elas.
Com efeito, as falhas localizadas de coerência interferem na interpretação do texto, mas podem ser corrigidas por meio da leitura e de sua reescrita. Na fala, a correção não ocorre de forma sistemática, mas é possível retomar o que foi dito desfazendo as contradições, por exemplo.
Estrutura texto:
Unidade: organização das ideias
Organicidade: introdução, desenvolvimento e fechamento tenham lógica e coerência
Forma: narração, dissertação ou descrição
Conteúdo: ideias claras e condizentes com o tema
1. Comunicação escrita e oral
As demandas da sociedade atual requerem de nós a capacidade de leitura e de produção textual. Mas, afinal, o que seria um bom texto? Certamente é aquele que cumpre satisfatoriamente seu objetivo comunicativo, está adequado ao contexto no qual se insere e se apresenta bem organizado, com coesão e coerência. Por exemplo, uma receita que demonstra de forma clara, detalhada e eficiente como preparar um prato culinário, pode ser considerada um bom texto. Ao contrário, um tutorial que apresenta informações confusas, desorganizadas ou que se alonga demais em determinados tópicos que não sejam tão importantes para o desenvolvimento da tarefa, não pode ser considerado um texto eficiente, visto que não cumpre seu objetivo, e os usuários poderão encontrar dificuldades em compreendê-lo.
1.1 O texto escrito
Ainda que estejamos imersos na sociedade da informação, em que os elementos visuais ganham cada vez mais relevância na comunicação — especialmente no suporte digital —, a escrita não perdeu seu status de importância na interação humana. De fato, a modalidade escrita da língua ainda é muito valorizada no contexto profissional e acadêmico. No meio profissional, por exemplo, mesmo que muitas decisões sejam tomadas por meio de conversas orais, presencialmente ou a distância, precisam ser formalizadas em documentos escritos para que sejam consideradas oficiais. Assim, a escrita é tida como um meio mais seguro de se comunicar.
Por conseguinte, embora no contexto acadêmico o texto oral seja utilizado em seminários, palestras, debates e exposições orais, são muitas as atividades que ocorrem a partir do texto escrito, inclusive a obtenção de títulos acadêmicos, seja com os Trabalhos de Conclusão de Curso (TCC) ou monografias, seja com as dissertações e teses. Com efeito, é importante nos atentarmos para aspectos relevantes da escrita, como os conceitos de frase, oração, período, parágrafo e texto, bem como os conceitos de coesão e coerência, inerentes ao processo de escrita.
Certamente, você já sabe que toda comunicação ocorre a partir de textos, que podem ser essencialmente verbais (utilizando apenas palavras), não verbais (utilizando gestos, imagens, sons ou outros sinais) ou mistos (articulando palavras e sinais não verbais). Nesse sentido, para que um texto seja compreensível para o leitor, é necessário que todas as ideias que o compõem estejam relacionadas logicamente, formando uma unidade de sentido. É o que chamamos de coesão. A coesão contribui significativamente para a coerência do texto, ou seja, a construção de sentidos que decorre da interação entre o autor, o leitor e o próprio texto.
Partindo para noções mais específicas em relação à escrita, Guimarães (2012) menciona que “[...] decisões adequadas para a composição de frases e dos parágrafos são meio caminho andado para compor um bom texto”. Assim, a unidade textual possui qualidade quando suas partes estão bem construídas. É por isso que precisamos trabalhar com as unidades menores do texto: a frase, a oração, o período e o parágrafo.
A frase é um enunciado de sentido completo, independentemente de sua extensão. Dessa forma, se um gerente diz para a sua equipe de vendas: “Vamos aumentar o índice de vendas neste mês!” ou, simplesmente, “Avante, equipe!”, nas duas situações temos exemplos de frases. Ela pode ser nominal, quando não contém um verbo em sua composição; ou verbal, quando contém verbo. A frase verbal é chamada de oração: “Cada segmento de um período organizado em torno de um verbo ou locução verbal chama-se oração” (GUIMARÃES, 2012, p. 132).
Quadro 1 - A frase é marcada por uma pontuação, que designa sua função declarativa, exclamativa ou interrogativa.
Observe que toda frase termina com uma pontuação específica, que marca se ela apresenta uma constatação, uma pergunta ou uma exclamação. Na fala, essa pontuação se manifesta pela entonação da voz. Ademais, note, ainda, que há frases verbais em que há um único verbo, enquanto outras contém mais de um. Nesse contexto, as frases “Vamos aumentar o índice de vendas neste mês!”, “Você quer silêncio?” e “Sim, aceito!” constituem um período simples, pois cada uma contém apenas um verbo ou uma locução verbal (a expressão “vamos aumentar” é uma locução verbal composta pelo verbo auxiliar “vamos”, mais o verbo principal “aumentar”), ou seja, apenas uma oração. Enquanto isso, a frase “Tenha um bom dia e se recupere logo” é um período composto, pois contém mais de um verbo (“tenha” e “recupere”), ou seja, há duas orações em sua composição. Assim, em um período composto, podemos ter duas ou mais orações, quais sejam: “tenha um bom dia” e “se recupere logo”. Outro exemplo de período composto é o provérbio “Quem tem boca vai à Roma”, que contém os verbos “tem” e “vai”.
É importante destacar que no período composto podem ser utilizadas, para interligar orações, as conjunções ou locuções conjuntivas, como “porque”, “por isso”, “portanto”, “mas”, “assim”, entre outras. Essas conjunções exercem um importante papel coesivo, auxiliando, portanto, na manutenção das relações de sentido entre as partes de um texto.
No período composto, as orações possuem uma relação de coordenação ou subordinação. As orações coordenadas são independentes e uma não é mais importante do que a outra. Por exemplo, na frase “Senti-me mal e fui embora”, temos duas orações que podem ser ditas separadamente. Em contrapartida, as orações subordinadas possuem uma relação de dependência e não podem ser compreendidas separadamente. É o caso da frase “Amar você me faz feliz”, em que a oração “amar você” completa o sentido de “me faz feliz”, funcionando como sujeito. Nesse caso, “amar você” é subordinada de “me faz feliz”.
Na prática, “[...] quando queremos deixar nosso texto mais ágil e conciso, é melhor apostarmos nas frases nominais e nos períodos simples” (GUIMARÃES, 2012, p. 140).
Encontramos esse tipo de organização frasal nas bulas dos medicamentos, por exemplo, que apresentam as informações em um texto claro e objetivo. Além disso, hoje em dia, “[...] as frases curtas são as mais indicadas na maioria dos contextos comunicativos. Elas são as preferidas na comunicação empresarial, no jornalismo e na publicidade, por exemplo” (GUIMARÃES, 2012, p. 141). As frases longas e de estrutura mais complexa, por sua vez, são mais utilizadas no texto acadêmico e científico,com período composto por coordenação e subordinação.
Por conseguinte, as frases compõem o parágrafo, que é construído em torno de um tópico frasal. O tópico frasal é constituído por um ou dois períodos que concentram a principal ideia do parágrafo. Assim, cada parágrafo de um texto desenvolve uma ideia central e, às vezes, a conclui. Quando se deseja tratar de um novo tópico frasal, passa-se a escrever um novo parágrafo. Veja o exemplo do texto a seguir: a notícia foi escrita para informar a população sobre um importante evento da esfera estudantil e científica, a Olimpíada Brasileira de Astronomia. É fácil, nesse caso, identificar os tópicos frasais de cada parágrafo, que aparecem destacados abaixo:
Inscrições para Olimpíada Brasileira de Astronomia vão até o próximo sábado
As inscrições para a Olimpíada Brasileira de Astronomia e Astronáutica estão abertas até o próximo sábado (31). Escolas interessadas em inscrever alunos devem fazer o cadastro pela internet. O evento ocorre no dia 18 de maio. Podem participar estudantes de instituições públicas e privadas.
“O objetivo é levar a maior quantidade de informações sobre as ciências espaciais para a sala de aula, despertando o interesse nos jovens”, diz João Batista Garcia Canalle, professor de astronomia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e coordenador nacional do evento.
A prova é composta por dez questões, sendo sete de astronomia e três de astronáutica, a maioria delas de raciocínio lógico. Os melhores classificados na OBA vão representar o País, no próximo ano, na Olimpíada Internacional de Astronomia e Astrofísica e na Olimpíada Latino-Americana de Astronomia e Astronáutica.
É relevante destacar que, por se tratar de um texto informativo e, portanto, objetivo e direto, todas as informações apresentadas ao longo dos parágrafos possuem importância na construção textual. Assim, o tópico frasal não é a ideia mais importante, mas a ideia central na discussão realizada em cada parágrafo, a partir da qual outras surgem e se desenvolvem.
Além das características da comunicação escrita, é interessante que analisemos a comunicação oral, considerando suas particularidades e a relação existente entre oralidade e escrita, vistas como diferentes modalidades de um mesmo código: a língua.
1.2 O texto oral
Você deve estar se preguntando: mas o texto oral difere do texto escrito?
Suponha que temos uma notícia muito chocante para dar a uma pessoa a quem estimamos. Porém, essa pessoa está distante e precisaremos escrever a ela para contar o tal fato. Nesse caso, é necessário pensar bem nas palavras que iremos utilizar e na organização das informações do texto, aplicando as noções de coesão e de coerência que já estudamos, a fim de que a mensagem seja satisfatoriamente compreendida pelo seu interlocutor.
Agora, imagine que devemos transmitir essa notícia pessoalmente. Considerando que estaremos face a face com seu interlocutor, precisamos utilizar a linguagem oral, valendo-se da entonação e das pausas necessárias, além de empregarmos expressões faciais e gestos que auxiliarão na difícil tarefa de transmitir uma notícia impactante.
A comunicação oral, então, não difere totalmente da comunicação escrita. Segundo Koch (1998, p. 61), oralidade e escrita são “[...] duas modalidades distintas de uso da língua”. Em outras palavras, são duas faces de uma mesma moeda, pois, embora apresentem características diferentes, utilizam-se do mesmo sistema linguístico. Uma divergência marcante entre a oralidade e a escrita é que a oralidade é dependente do contexto. Percebe-se isso quando alguém passa por um amigo na rua e diz “E aí, como estão as coisas?”. Para a plena compreensão dessa frase, ou seja, para saber a que coisas essa pessoa se refere, é necessário conhecer o contexto em que essa comunicação está inserida.
A escrita, por outro lado, não depende obrigatoriamente desse contexto situacional, visto que as informações necessárias para a interpretação textual devem estar, explícita ou implicitamente, no próprio texto. Uma exceção a esse aspecto da escrita é a comunicação híbrida que ocorre por meio de sites ou aplicativos que simulam a interação face a face, por meio de mensagens instantâneas, permitindo o uso da linguagem escrita e oral, com gravação de vídeo e mensagem de voz.
Essa semelhança ou associação entre a escrita virtual e a oralidade é conhecida como “internetês” e divide opiniões na sociedade de forma geral. Nesse sentido, destacamos a importância de ser respeitado o nível de formalidade da comunicação, seja ela escrita ou oral. Dessa maneira, em uma conversa virtual entre familiares ou amigos, é possível escrever e falar informalmente, enquanto que em uma conversa profissional deve ser mantida a formalidade, seja com a escrita ou com a oralidade.
Outra distinção entre a oralidade e a escrita é o seu planejamento e elaboração. Enquanto que a escrita tende a ser mais elaborada e planejada, a oralidade tende a ser mais espontânea e interativa. No texto escrito, caso cometamos algum desvio ou desejemos alterar o que escrevemos, é possível apagar e reescrever. Na oralidade, isso não é possível, uma vez que, caso algo inadequado seja dito, não há como apagar, o que se pode fazer é se desculpar pelo equívoco.
Além disso, o texto oral espontâneo costuma ser simples, com uso de frases curtas e com pouca densidade informacional, já que os turnos de fala costumam ser interrompidos pelo interlocutor, mas não podemos esquecer que essas características não ocorrem em 100% dos textos produzidos. Existem textos orais complexos, como discursos acadêmicos e políticos, assim como há textos escritos bastante simples. Existem falas planejadas e escritas espontâneas. Nesse ínterim, oralidade e escrita, conforme Marcuschi (2001), configuram-se como um continuum, ou seja, não são conceitos estanques e excludentes.
O discurso político, por exemplo, é um texto de expressão oral que tem como base o texto escrito. O mesmo ocorre com um poema que é escrito para ser declamado diante do público. Isso demonstra a relação estreita que existe entre a oralidade e a escrita.
O diálogo entre familiares é um exemplo do uso espontâneo e simples da linguagem oral. Nesse caso, não há um planejamento do que se vai falar, da ordenação das palavras nas frases, nem das frases nos períodos, e assim sucessivamente. Há, apenas, a preocupação de ser compreendido e de ter seus objetivos comunicativos atingidos.
Por outro lado, em uma entrevista de emprego, ainda que a comunicação seja oral, a linguagem tende a ser mais monitorada e elaborada por meio de orações completas e palavras cuidadosamente selecionadas. Assim, a entonação vocal, a gesticulação e as expressões faciais devem confirmar a segurança e a autoconfiança do candidato. Dizer com voz trêmula e/ou esfregando as mãos que você é o profissional de que a empresa necessita, provavelmente, não convencerá seu possível empregador. Além disso, “O texto falado não é absolutamente caótico, desestruturado, rudimentar. Ao contrário, ele tem uma estruturação que lhe é própria, ditada pelas circunstâncias sociocognitivas de sua produção e à luz dela deve ser descrito e avaliado” (KOCH, 1998, p. 64).
2. Estratégias de comunicação escrita e oral
A argumentação e a retórica devem permear toda comunicação, pois é com elas que conseguimos persuadir o público. Ademais, como vimos anteriormente, nosso corpo fala através das expressões faciais e corporais, e o que ele expressa precisa estar alinhado com as palavras que pronunciamos.
2.1 Argumentação e retórica
De acordo com Blikstein (2016), todo ato comunicativo possui a necessidade de persuadir alguém. A persuasão se refere não apenas ao ato de convencer alguém, seja a comprar algo ou a realizar determinada ação, por exemplo; mas ao ato de envolver, de ser aceito pelo público e obter dele um retorno. Um professor precisa persuadir seus estudantes quanto a importância do tema tratado em sua aula, a fim de que o estudem com dedicação, sabendo que, futuramente, necessitarão desse conhecimento.

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