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[ANCONA-LOPEZ, S ] Psicodiagnóstico Interventivo - Evolução de uma prática

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Capítulo VI
Colagem: uma prática no psicodiagnóstico
Ligia Corrêa Pinho Lopes
Maria Fernanda Mello Ferreira
Mary Dolores Ewerton Santiago
Imagens são palavras que nos faltaram.
Manoel de Barros
1. Introdução
A prática da avaliação psicológica de crianças, que, por definição, é um processo que se propõe
chegar a uma compreensão de determinado fenômeno, apresentado como “queixa” pelos pais ou
responsáveis que buscam ajuda psicológica para seu filho, coloca o psicólogo diante da tarefa de
encontrar sentido no conjunto de informações que lhe são apresentadas e organizá-las.
Para isso, deve possuir conhecimentos teóricos e dominar procedimentos e práticas com o objetivo
último de que, ao entender determinada situação-problema, possa proporcionar, por meio de
planejamento e uso de intervenções, benefícios às pessoas envolvidas, criança e seu grupo familiar,
promovendo a saúde e o desenvolvimento psíquico.
A avaliação psicológica ocupa um lugar de destaque na história da psicologia, na consolidação da
profissão como campo de conhecimento e prática, e associou-se, inicialmente, ao trabalho médico, que
lhe imprimiu forte influência. Foi:
Com o uso de testes, principalmente junto a crianças, que os psicólogos ganharam maior
autonomia. Nesse trabalho, esforçavam-se por determinar, através dos testes, a capacidade
intelectual das crianças, suas aptidões e dificuldades, assim como sua capacidade escolar (Ancona-
Lopez, 1984, p. 5).
A utilização de testes psicométricos que, por princípio, visavam identificar, classificar e medir
características, foi, e continua sendo, uma prática bastante criticada, uma vez que grande parte das
discussões entre os profissionais das ciências humanas no país está voltada para a preocupação com
processos de exclusão social, ideia subjacente aos métodos classificatórios.
Desde a regulamentação da profissão de psicólogo no Brasil, na década de 1960, a avaliação
psicológica tem sido amplamente debatida, passando por reflexões e modificações no que se refere a
instrumentos e recursos utilizados. Mesmo assim, como apontado na revista Diálogos (Ciência e
Profissão, n. 3, dez. 2005), há diversidade de compreensões, usos e objetivos.
Observamos na experiência e no contato com os supervisores dos Centros de Psicologia Aplicada
da Universidade Paulista (Unip), que trabalham com avaliação psicológica, uma postura comum. Apesar
de partirem de pressupostos e métodos por vezes diferentes para compreender o homem, configurando
uma diversidade de abordagens, prevalece a ideia de que se faz necessária a organização de
conhecimentos que se referem à vida biológica, intrapsíquica e social do cliente, como citado por
Ancona-Lopez (1984), entre outros.
Os encontros e discussões, formais ou informais, visam compartilhar experiências, falar sobre
supostas conquistas e dificuldades do dia a dia no atendimento a crianças e pais. Há uma inquietação que
se origina da constatação de que nossos recursos, teóricos ou instrumentais, são limitados diante das
diferentes demandas psicológicas dos clientes, dadas as múltiplas possibilidades de expressão da
subjetividade.
Dessa forma, entram em jogo questões a respeito da denominação do que fazemos, de qual seria o
melhor termo a empregar: avaliação psicológica, diagnóstico psicológico ou psicodiagnóstico, sendo que,
concretamente, o que buscamos nesse atendimento é chegar a uma compreensão da demanda e à
possibilidade de propiciar ao cliente uma compreensão e mudança, que por sua vez permitam melhor
qualidade de vida aos envolvidos.
Os recursos utilizados, tais como entrevistas com pais (entrevista inicial, entrevista de anamnese,
entrevistas devolutivas), observações lúdicas, testes, visita à escola e visita domiciliar, têm como objetivo
ajudar no processo de investigação e na consequente compreensão da problemática apresentada pelos
pais ou responsáveis pela criança.
Essa prática passa por reformulações e adaptações constantes, tanto em função da demanda
psicológica dos clientes que buscam os Centros de Psicologia Aplicada, quanto em função das
modificações pedagógicas pelas quais o curso de Psicologia passa, tendo em vista as diretrizes do MEC
para o ensino superior.
Além disso, a Resolução n. 002/2003, do Conselho Federal de Psicologia, acerca dos testes
psicológicos, trouxe mais um desafio para aqueles que trabalhavam com avaliação psicológica, visto que
tais instrumentos não poderiam mais ser utilizados antes de passarem por uma revisão. No artigo 16 da
referida Resolução constava: “Será considerada falta ética, conforme disposto na alínea c do art. 1o e na
alínea m do art. 2o do Código de Ética Profissional do Psicólogo, a utilização de testes psicológicos que
não constam na relação de testes aprovados pelo CFP, salvo os casos de pesquisa”.
O reflexo dessa medida na prática clínica pode ser considerado a partir de duas perspectivas. De um
lado, a suspensão dos procedimentos que costumávamos utilizar no processo de avaliação psicológica,
como, por exemplo, alguns testes projetivos infantis como CAT-A, resultava não somente num
empobrecimento de recursos para uma compreensão mais ampla e profunda do cliente, como também
na falta de “mediadores” que pudessem facilitar a comunicação devolutiva com a criança. Vale lembrar
que, no psicodiagnóstico interventivo, os desenhos e as histórias eram frequentemente utilizados como
“facilitadores” do diálogo com a criança. Por outro lado, essa mesma suspensão nos estimulava a revisar
nossa prática clínica e a buscar outros procedimentos que pudessem nos oferecer, de alguma forma, a
possibilidade de lidar com estas faltas.
A atividade de colagem, proposta por Violet Oaklander (1980) como um recurso a ser utilizado no
processo psicoterápico de crianças e adolescentes, despertou nossa curiosidade e interesse. Oaklander,
que trabalha com referencial teórico da Gestalt, considera que: “A colagem é qualquer desenho ou
quadro feito grudando-se ou prendendo-se materiais de qualquer espécie a um fundo plano, tal como
um pedaço de pano ou papel” (1980, p. 99).
Tal descrição remete a uma atividade simples e ao mesmo tempo significativa, dado que “pode ser
utilizado como experiência sensorial, e também como manifestação emocional” (p. 101). É interessante
notar que Oaklander refere-se à colagem com diversas denominações: “atividade de colagem”, “exercício
de colagem”, “técnica de colagem”, “técnica projetiva”. Contudo, é esta última acepção que subjaz a
algumas de suas afirmativas, tais como: “O processo de fazer a colagem ou relato posterior acerca da
mesma pode ser o mais significativo” (idem, ibidem, p. 101; grifo nosso). Ainda no mesmo texto, ela
acres-centa: “Muita coisa é revelada através da seleção de figuras. O estado de espírito revelado pelo
conjunto escolhido pode contar algo sobre o que a criança está sentindo naquele momento, ou na sua
vida em geral” (ibidem, p. 102-3). Parece claro que ela trabalha com a ideia de que a colagem é
representativa do mundo interno da criança, de seus sentimentos e pensamentos.
Ainda segundo a autora, pode se trabalhar com a colagem individual ou em grupo com diferentes
temas e de inúmeras maneiras. Dentre os variados tipos de colagem, Oaklander (1980, p. 100) destaca
que: “Um bom trabalho de colagem pode ser feito simplesmente com figuras de revistas, uma tesoura,
cola, e algum tipo de fundo”.
Foi com essas ideias que começamos a propor aos nossos clientes a realização de uma colagem.
Nossa pretensão inicial era apenas observar como eles (os clientes) se comportavam diante dessa tarefa, se
ficavam motivados ou não, se rejeitavam algumas figuras, quais comentários faziam e qual era sua atitude
com relação ao trabalho realizado, isto é, se queriam ou não levar para casa a colagem feita em uma
cartolina.
Com o decorrer do tempo, percebemos que a atividade de colagem se revelava cada vez mais como
um recurso riquíssimo, tanto para o conhecimento do cliente quanto para aplicação de intervenções.
2. Utilização da colagem
Descreveremos a seguir o nosso modo de trabalharcom a colagem.
Material utilizado: figuras de revistas, tesouras, colas, cartolinas para serem usadas como fundo,
incluindo lápis preto e de cor, cane-tinhas e/ou giz de cera, caso haja interesse em complementar a
atividade com desenhos ou escrita.
As figuras que são oferecidas na ocasião da utilização da colagem são previamente recortadas pelos
estagiários e supervisores, e devem abordar diversos temas, como pessoas, situações, animais, objetos,
alimentos, transportes, móveis, ambientes etc., em quantidade suficiente para permitir que haja uma
escolha por parte do cliente.
Por se tratar de figuras recortadas de revistas, deve-se prestar atenção ao verso das figuras
selecionadas, pois estas podem apresentar imagens também interessantes e que por vezes acabam sendo
escolhidas pelo examinando, ou imagens que podem ter uma conotação imprópria, como nus ou
insinuações de sexo. Evita-se usar imagens de artistas e personagens, pois estas podem carregar um
significado cultural restrito, limitando a análise e as associações do cliente.
Na nossa prática, os estagiários chamam esta parte do trabalho de “recortagem”. Ela costuma ser
proveitosa para todos, pois o exercício desenvolve a capacidade de associações entre as imagens que
selecionam e as diferentes representações possíveis.
A atividade de colagem pode ser proposta em qualquer momento do processo psicodiagnóstico,
mas, quando ocorre após alguns atendimentos e procedimentos, deve-se tomar cuidado para que as
figuras selecionadas pelos estagiários não sejam apenas de imagens associadas a aspectos já revelados
pela criança ou família. Portanto, é preciso verificar a quantidade de figuras selecionadas e a variedade de
temas antes de utilizá-las com a criança.
Em grupo ou individualmente, é proposto um tema para o trabalho das crianças considerando
aspectos a ser avaliados, tais como: autoimagem, percepção de situações internas, pensamentos e
sentimentos. Assim, pedimos que façam uma colagem representando aquilo de que gostam ou não
gostam em si mesmos, ou escolham figuras que indiquem do que têm medo e quais são as suas
preocupações. Outro tema proposto com frequência é o “Álbum de família”, que convida a criança a
utilizar o material disponível para representar as pessoas de sua família. Outras vezes, apenas
disponibiliza-se o material sem propor um tema. Neste caso, a criança trabalha livremente e ao final dá
um título a sua produção.
Para a realização da colagem, as figuras recortadas são dispostas de modo aleatório, são escolhidas
pelo cliente e coladas em uma cartolina. Durante a escolha, observa-se a forma de exploração, falas,
figuras que parecem chamar a atenção, mas não são escolhidas etc. É possível que a criança utilize o
material oferecido, por exemplo, canetinhas e tesouras, para complementar ou modificar as figuras.
Depois de concluída a colagem, pede-se para que atribua um significado a ela, ou que apresente o seu
cartaz o grupo de estagiários e para as outras crianças, o que pode variar, dependendo da relação
estabelecida no grupo.
Com a prática, notamos que as crianças queriam mostrar para os pais ou para os responsáveis as
suas produções. Passamos então a perguntar para as crianças se gostariam que o resultado desta
atividade fosse apresentado para eles na presença delas e, em caso afirmativo, ao final do atendimento
convidávamos os responsáveis presentes na clínica a entrar na sala para ver os trabalhos. Nessas ocasiões,
algumas crianças começaram a sugerir um tipo de “jogo” de adivinhação, que consistia em apresentar
aos pais as cartolinas de todas as crianças, questionando-os se identificavam qual era a produção de seus
filhos.
Nessas situações, os pais se veem diante de uma mensagem simbólica que precisam decifrar, dar um
significado, e mostrar ali, diante de todos, o conhecimento que têm do filho. Quando esta estratégia é
adotada, muitas vezes são necessárias a discussão e a compreensão conjunta dos “acertos” ou “erros”
por parte dos pais e das manifestações de felicidade ou frustração por parte das crianças.
Discute-se a compreensão que a atividade lhes proporcionou, observando-se a construção de um
significado conjunto, o que permite algumas ressignificações. Nota-se que essa atividade de colagem
compartilhada com os pais permite maior aproximação afetiva e reconhecimento por parte dos pais a
respeito dos sentimentos e da problemática de seus filhos, além de facilitar a elaboração da avaliação e
sua compreensão por parte dos avaliados.
A colagem também pode ser proposta para os pais ou responsáveis na presença dos filhos. Neste
caso, a instrução dada costuma ser a de representar o “Álbum de família” sem explicitar se devem fazê-
lo em conjunto ou individualmente, o que é observado e discutido ao término da atividade. Após o
registro (fotos, relatório descritivo e análise) das produções realizadas, as cartolinas são devolvidas para
os clientes. Por vezes, ao serem observadas em outro momento, pelos pais e crianças, promovem mais
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reflexões.
3. Análise
De modo geral, consideram-se:
Tempo de reação.
Postura e modo de reação — observação a distância, ou impulsividade, descuido etc.
Figuras escolhidas, figuras coladas, figuras abandonadas.
Tema preferido.
Tamanhos das figuras.
Uso do espaço da cartolina.
Uso do verso da cartolina.
Localização das figuras na cartolina, coladas de forma aleatória ou ligadas, apresentando uma
organização ou aglutinação.
Sentimentos expressos, impressões que a colagem causa ao ser observada.
Figura central e/ou localização
Recortar a figura já cortada — para caber na cartolina, ou para separar, excluir elementos.
Associações, explicações, falas durante a atividade.
Uso do lápis de cor, canetinhas — para molduras, ligações, complementos, abandono da colagem
para fazer desenhos.
Modo de utilização da cola — em excesso, colocada cuidadosamente, pouca quantidade.
Quando a colagem é realizada por pais e filhos, no momento da análise levamos em conta todos os
aspectos anteriormente descritos, sendo o mais importante aquele que se refere à interação entre pais e
crianças e as significações dadas por eles às figuras escolhidas. Citamos dois exemplos esclarecedores.
A colagem de “tema livre” realizada por pai e filho adolescente de 12 anos, que apresentava mau
comportamento em casa e na escola, mostrou aspectos significativos da interação entre ambos. Apesar
de previamente à realização da tarefa terem combinado que dividiriam igualmente o espaço disponível e
que cada um deles realizaria a atividade que quisesse, o pai, no decorrer do trabalho, foi gradativamente
ampliando “sua área”, restando ao filho apenas um pequeno espaço na cartolina para colar as suas
figuras. A atitude do pai contribuiu para maior compreensão da problemática do adolescente, uma vez
que ele não respeitava os limites acordados com o filho.
Outra colagem conjunta realizada por mãe e filha também resultou muito interessante. A criança de
8 anos foi levada a atendimento psicológico por apresentar dificuldades de aprendizagem e atitude de
dependência em relação à mãe. Durante a colagem com “tema livre” cada escolha da criança era
acompanhada de um comentário da mãe: “Não, essa é feia”, “Nossa! Muito triste”, “Não, essa não” etc.
Ao final, nenhuma figura inicialmente escolhida pela criança foi incluída, mas somente aquelas
aprovadas pela mãe. Desse modo, apesar de a mãe ter mostrado disposição para colaborar com a filha no
desempenho da tarefa, ela não permitiu que a criança realmente se expressasse. Ficou evidente que o
comportamento da mãe intensificava a atitude de dependência da filha com relação a ela.
A observação da qualidade da interação entre pais e filhos possibilita tanto uma maior compreensão
diagnóstica das dificuldades de ambos, quanto nos permite fazer intervenções que ampliem o
entendimento que cada integrante do grupo familiar tem sobre elas.
A seguir apresentaremos outros exemplos, acompanhados de imagens.
Menina, 9 anos de idade
Figura 1. Autorretrato.Figura 2. Álbum de família.
Os pais, embora separados, compareceram juntos para a primeira entrevista, preocupados com o
fato de a filha de 9 anos apresentar falta de apetite. Ela foi encaminhada para o atendimento psicológico
pela Unifesp — Ambulatório de Distúrbios do Apetite —, pois fazia acompanhamento no local há um
ano. Apesar de não comer adequadamente, o seu desenvolvimento decorreu dentro do que era esperado,
em termos de idade, peso e altura. Apresentava somente problemas intestinais. A mãe enfatizou sua
preocupação com a alimentação e o pai relatou que observava dificuldades gerais, dando como exemplos
a determinação da filha na escolha de roupas, a teimosia e o fato de não ceder facilmente. Ela residia
com a mãe e a irmã de 17 anos de idade, e as meninas ficavam com o pai a cada 15 dias.
Quanto à alimentação, a mãe contou que costumava oferecer refeições variadas, como torta de
ricota com espinafre, berinjela à parmegiana e saladas, buscando todas as formas para que as filhas se
alimentassem bem. Acrescentou que a menina não demonstrava interesse por qualquer tipo de alimento,
nem mesmo por doces. Na atividade de colagem, pudemos constatar junto com os pais alguns dos
desejos e interesses da menina que não eram reconhecidos por eles, como, por exemplo, gosto por doces,
preocupação com a aparência, desejo de ver os pais juntos etc.
Menina, 11 anos de idade
Figura 3. Autorretrato.
Figura 4. Álbum de família.
Os pais procuraram atendimento psicológico por indicação da escola em função do comportamento
da filha descrito por eles, que era diferente do das outras crianças da sua idade. Contaram que ela era
muito quieta, introvertida e sem iniciativa. Disseram também que ela apresentou desenvolvimento geral
mais lento, quando comparado com o desenvolvimento do filho mais velho, de 17 anos de idade.
Na ocasião da atividade de colagem, a menina revelou interesses variados relacionados a artes,
pinturas, relação com a mãe, atividades físicas etc. O resultado final, bastante colorido e diversificado,
quando apresentado junto com os trabalhos das outras crianças do grupo, com o consentimento delas,
foi reconhecido pela mãe, porém não pelo pai, que parecia não conseguir percebê-la com tal capacidade
de expressão.
Quando solicitamos aos pais e à criança que realizassem a ativi-dade de colagem do “Álbum de
família”, a postura da menina chamou atenção. Na presença dos pais, ela mostrou-se assustada,
afastando-se deles e se aproximando de uma das estagiárias, como se quisesse evitar ser exposta ou
questionada. Percebemos que não houve uma atitude autoritária ou exigente explícita por parte dos pais
naquela situação, mas parecia haver um tratamento de cobrança sútil, implícito, como se ela não pudesse
“errar” ao responder aos questionamentos deles relativos a quem era quem na família de figuras coladas.
Ela se comportava como se tivesse algum tipo de “retardo”.
Figura 5. Álbum de família dos pais.
Menino, 13 anos de idade
Figura 6. Autorretrato.
Figura 7. Álbum de família.
A mãe procurou atendimento psicológico por encaminhamento da escola, pois o filho apresentava
dificuldades de aprendizagem. Apesar de a criança ter feito anteriormente uma avaliação
psicopedagógica, os pais não compreendiam o que acontecia em relação à aprendizagem. De acordo com
a mãe, o filho não era uma criança agitada ou agressiva, e sim dispersa; não demonstrava interesse e não
prestava atenção nas aulas, e também não fazia suas tarefas. Parecia estar sempre “no mundo da lua”, não
respondendo aos questionamentos dos professores. A mãe referiu-se a ele como “cabeção”.
Na atividade de colagem, o menino mostrou dificuldade para escolher as figuras que o
representassem, sendo que o resultado final evidenciava um vazio na cartolina. A figura do avô apareceu
como sendo de grande importância para ele, e, na representação da família, projetou a situação para o
futuro, indicando desejar crescer logo. Na presença da mãe, permaneceu calado, e ela aparentemente não
reconheceu o trabalho realizado por ele, ou por não percebê-lo, ou por não querer aceitá-lo como se
mostrava. O menino não expressou sentimentos, demonstrando também uma autoimagem empobrecida,
pois não soube falar de si e de suas próprias características.
Menino, 12 anos de idade
Figura 8. Autorretrato.
Figura 9. Álbum de família.
A mãe procurou atendimento psicológico por indicação da escola, com a queixa de dificuldade de
aprendizagem. Na ocasião, contou que o filho sempre foi uma criança “atrasada em tudo”, que aprendeu
a andar no “último prazo”, falou com quase três anos, junto com sua irmã de dois anos. Embora fosse
descrito pelos professores como uma criança inteligente, entregava sempre as provas “em branco”, mas
em prova oral respondia a tudo. Sua caligrafia era feia e escrevia em letra bastão.
Na atividade de colagem com o tema “Autorretrato”, notou-se que o menino representou a si
mesmo com uma grande quantidade de figuras de objetos de seu interesse, indicando possivelmente
carência afetiva revertida em característica consumista. A única representação humana foi por meio da
figura de um exército, que poderia simbolizar a falta de identidade somada a aspectos de repressão e de
controle. Fez posteriormente “Álbum de família” utilizando muitas figuras de prédios, que refletia a sua
vivência familiar, visto que a mãe como arquiteta desenvolvia seus projetos em casa; além disso, a
ausência de figuras humanas remetia, mais uma vez, a dificuldades afetivas. Quando a produção da
criança foi apresentada à mãe, o menino ficou aparentemente amedrontado com a decepção que ela
mostrou em relação ao seu trabalho.
Outras análises
Alguns comentários poderiam ser acrescentados com a finalidade de ressaltar a riqueza expressiva
da colagem.
Como nos referimos anteriormente, o uso do espaço também é um indicador importante. Algumas
vezes, a criança utiliza todo o espaço, ou cola as figuras umas sobre as outras, resultando em uma
produção caótica que pode refletir tanto aspectos emocionais como comprometimentos de outra ordem.
Outras vezes, a imagem escolhida tem maior significado, dependendo da posição que ocupa na cartolina,
central ou não, invertida ou não. Um exemplo curioso deste fato ocorreu na colagem de um menino de 8
anos de idade, que apresentou refluxo no início da vida e, por vomitar na perua escolar, foi apelidado de
“mister vômito” por seus colegas. A primeira figura escolhida por ele foi de uma mãe amamentando um
bebê colocada de ponta-cabeça no centro da cartolina.
A escolha de figuras para realização da colagem também pode ser utilizada pela criança para
revelação de segredos familiares, tais como situações que envolvem uso de drogas, prisão e alcoolismo
por parte de algum membro da família. Tais imagens oferecem a possibilidade de incluir esses assuntos
nas intervenções a serem realizadas, tanto com as crianças, quanto com os pais.
Outra conduta da criança que merece destaque é a de recortar uma figura já cortada com o objetivo
de separar ou excluir alguns de seus elementos ou, simplesmente, para fazê-la caber na cartolina. A
imagem fica destituída então de uma parte, o que indica que a criança não quer aceitar o significado a ela
atribuído. Por exemplo, excluir um dos membros da figura de uma família, sendo que, no material
oferecido, constam diversos tipos de configurações familiares. O ato de recortar, excluindo ou dividindo
as partes constitutivas do todo de uma figura, parece obedecer à necessidade da criança de explicitar seu
desejo.
Raramente ocorre de a criança abandonar a colagem para fazer desenhos utilizando o material
gráfico oferecido. Tal comportamento pode ser entendido como uma oposição ao psicólogo ou como
uma resistência em realizar a tarefa, que, na concepção de Oaklander (1980), a colagem remete a criança
a experiências sensoriais primitivas baseadas no tato e na visão. Vale lembrar que desenhar ou escrever,
como também ocorre às vezes, são habilidades que surgem em etapas posteriores do desenvolvimento da
criança.Menos frequente ainda é a criança assinar ou escrever o seu nome ao término da colagem. Exceções
ocorrem quando ela teme que sua produção não seja identificada pelos pais no “Jogo de adivinhação”,
anteriormente mencionado, ou quando ela tem necessidade de reafirmar sua identidade.
Alguns indícios de criatividade podem ser observados quando a criança integra em um todo
harmônico o uso dos materiais disponíveis, completando com desenhos as imagens escolhidas.
Sakamoto e Bacchereti (2007) abordam a utilização da técnica de recorte-colagem na psicoterapia,
orientação profissional e psicodiagnóstico de adolescentes e de adultos, porém não trazem detalhes de
suas experiências clínicas. Enfatizam, contudo, sua importância para viabilizar a expressão de pacientes
muitos ansiosos ou com dificuldades de comunicação.
4. Considerações finais
Notamos que a realização da colagem é, de modo geral, de fácil aceitação por parte do cliente, seja
criança, seja adolescente, ou dos pais. Enfim, pessoas de diferentes faixas etárias e de diferentes
condições socioeconômicas costumam realizar tranquilamente a tarefa proposta, por se tratar de uma
atividade conhecida por todos que um dia frequentaram a escola.
Do ponto de vista psicológico, consideramos que a atividade de colagem tem um caráter projetivo
na medida em que expressa sentimentos e conflitos, ou seja, aspectos do mundo interno das crianças e
também de seus pais que são desconhecidos para eles.
Naquele momento em que nos vimos sem a possibilidade de utilizar os testes projetivos antes
usados nos psicodiagnósticos de crianças, a colagem foi introduzida como um novo recurso e tem-se
mostrado muito valiosa para a observação e compreensão não só dos aspectos intrapsíquicos, como
também das interações familiares quando a tarefa é conjunta.
Constatamos com a prática que as intervenções do psicólogo durante o psicodiagnóstico
interventivo são facilitadas por meio da colagem. O aspecto lúdico dessa atividade parece também atuar
como motivação para sua realização e para compreensão de aspectos subjetivos, expressos de forma
simbólica.
Concluímos que o uso da colagem como material expressivo na clínica de crianças contribui
sobremaneira para a compreensão diagnóstica que ultrapassa a individualidade da criança e oferece
efetivamente material de intervenção que está além dos limites de uma comunicação verbal.
Referências bibliográficas
ANCONA-LOPEZ, M. Contexto geral do diagnóstico psicológico In: TRINCA, Walter (Org.).
Diagnóstico psicológico: a prática clínica. São Paulo: EPU, 1984.
DIÁLOGOS CIÊNCIA E PROFISSÃO, n. 3, dez. 2005.
OAKLANDER, V. Descobrindo crianças: abordagem gestáltica com crianças e adolescentes. Tradução de
George Schlesinger; revisão científica da editora e direção da coleção de Paulo Eliezer Ferri de Barros.
São Paulo: Summus, 1980.
	Sobre os Autores
	Apresentação
	I. Psicodiagnóstico fenomenológico-existencial: focalizando os aspectos saudáveis
	II. Psicodiagnóstico Interventivo fenomenológico-existencial
	III. O psicodiagnóstico interventivo sob o enfoque da narrativa
	IV. Movimentos transferenciais no psicodiagnóstico interventivo
	V. A compreensão da religiosidade do cliente no psicodiagnóstico interventivo fenomenológico-existencial
	VI. Colagem: uma prática no psicodiagnóstico
	VII. Interlocuções entre a clínica psicológica e a escola no psicodiagnóstico interventivo
	VIII. Visita domiciliar: a dimensão psicológica do espaço habitado
	IX. A importância da interdisciplinaridade no psicodiagnóstico infantil: a colaboração entre a Psiquiatria e a Psicologia
	X. Metáfora e devolução: O livro de história no processo de psicodiagnóstico interventivo
	XI. A elaboração de relatos de atendimento em psicodiagnóstico interventivo: sua importância na formação do aluno-estagiário
	XII. Desafios no psicodiagnóstico infantil

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