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5 UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE – UNESC CURSO DE PSICOLOGIA LUCAS MIGUEL FRANCO RELATÓRIO DE ESTÁGIO SUPERVISIONADO EM PSICOLOGIA NA EDUCAÇÃO ESTÁGIO A CRICIÚMA 2022 LUCAS MIGUEL FRANCO RELATÓRIO DE ESTÁGIO SUPERVISIONADO EM PSICOLOGIA NA EDUCAÇÃO ESTÁGIO A Relatório de Estágio em Psicologia na Educação solicitado pela professora orientadora Simone Regina dos Reis Nunes do Curso de Psicologia da Universidade do Extremo Sul Catarinense – UNESC. CRICIÚMA 2022 5 UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE – UNESC CURSO DE PSICOLOGIA COORDENAÇÃO DE ESTÁGIOS ÁREA: PSICOLOGIA NA EDUCAÇÃO LOCAL DO ESTÁGIO: E.M.E.B SERAFINA MILIOLI PESCADOR PERÍODO DO ESTÁGIO: MARÇO A JUNHO DE 2022 LUCAS MIGUEL FRANCO ESTAGIÁRIO DE PSICOLOGIA SIMONE REGINA DOS REIS NUNES - CRP 07 / 21184 ORIENTADORA DO ESTÁGIO JOÃO LUIZ BRUNEL – CRP 12 / 364 ASSESSOR DO ESTÁGIO “Adultos não se parecem com adultos por dentro também. Por fora, são grandes e desatenciosos e sempre sabem o que estão fazendo. Por dentro, se parecem com o que sempre foram. A verdade é que não existem adultos. Nenhum, nesse mundo inteiro.” Neil Gaiman “Contos de fadas são a pura verdade; não porque nos contam que dragões e bruxas existem, mas porque nos mostram que eles podem ser vencidos.” G.K. Chesterton SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 6 2 CARACTERIZAÇÃO DO ESTÁGIO ........................................................................ 7 2.1 OBJETIVOS .......................................................................................................... 7 2.1.1 Geral................................................................................................................... 7 2.1.2 Específicos ......................................................................................................... 7 2.2 METODOLOGIA .................................................................................................... 8 2.2.1 Tipo de Estudo ................................................................................................... 8 2.2.2 Clientela ............................................................................................................. 8 2.2.3 Procedimentos ................................................................................................... 8 2.2.4 Instrumentos Utilizados ...................................................................................... 8 3 CARACTERIZAÇÃO DO LOCAL DO ESTÁGIO .................................................... 9 3.1 HISTÓRICO .......................................................................................................... 9 3.2 FILOSOFIA OU MISSÃO DA INSTITUIÇÃO ....................................................... 10 3.3 OBJETIVOS ........................................................................................................ 10 3.4 ORGANOGRAMA ............................................................................................... 11 3.5 RECURSOS DISPONÍVEIS À REALIZAÇÃO DO ESTÁGIO .............................. 12 4 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA ............................................................................. 14 4.1 PSICOLOGIA ESCOLAR EDUCACIONAL: ALÉM DO MODELO CLÍNICO ....... 14 4.2 O PAPEL DO EDUCADOR COM CRIANÇAS NA TERCEIRA INFÂNCIA .......... 17 4.2.1 Aspectos Psicossociais da Terceira Infância .................................................... 17 4.2.1.1 Família ........................................................................................................... 18 4.2.1.2 Amigos .......................................................................................................... 19 4.2.1.3 Identidade ...................................................................................................... 19 4.2.1.4 Autoestima .................................................................................................... 20 4.2.2 A Influência da Figura do Educador ................................................................. 20 4.3 TEMAS E TÉCNICAS PERTINENTES PARA CRIANÇAS NA TERCEIRA INFÂNCIA.................................................................................................................. 23 4.3.1 A Narrativa de Filmes Animados como Introdução de Debates ....................... 24 4.3.1.1 Lilo & Stitch ................................................................................................... 25 4.3.1.2 Irmão Urso ..................................................................................................... 26 4.3.2 Debates e Dinâmicas de Grupo ....................................................................... 28 4.3.3 Respiração Diafragmática para Alívio da Ansiedade em Crianças .................. 30 5 5 DESCRIÇÃO E ANÁLISE DAS ATIVIDADES REALIZADAS ............................... 32 5.1 PERÍODO DE OBSERVAÇÃO ............................................................................ 32 5.2 INTERVENÇÕES E ANÁLISES .......................................................................... 34 5.3 FEEDBACK DOS ALUNOS ................................................................................. 53 6 CONCLUSÃO ........................................................................................................ 55 6.1 AVALIAÇÃO DE ESTÁGIO ................................................................................. 55 6.2 OBSERVAÇÕES ................................................................................................. 56 6.3 SUGESTÕES ...................................................................................................... 56 REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 57 ANEXOS ................................................................................................................... 59 6 1 INTRODUÇÃO O presente trabalho é um requisito para a graduação no Curso de Psicologia da Universidade do Extremo Sul Catarinense – UNESC e representa a disciplina de Estágio A (Educacional e Ética) que tem por objetivo propiciar ao acadêmico uma experiência que relaciona os conhecimentos teóricos obtidos em aula com a prática no âmbito escolar, resultando em uma formação congruente com a realidade vivenciada no cotidiano profissional. As atividades foram realizadas junto à escola E.M.E.B Serafina Milioli Pescador, localizada no município de Criciúma, SC, no período vespertino, entre março e junho de 2022, com a turma de quinta série 2, faixa etária entre 9 e 11 anos, e teve por finalidade identificar, através de observação em sala de aula, demandas que requeriam a necessidade de ações e intervenções do psicólogo escolar para promover o pleno desenvolvimento do aprendizado e bem-estar das relações entre alunos e professores. O trabalho baseou-se na atenção ao desenvolvimento físico, emocional e social dos alunos, bem como aos aspectos de construção de identidade, da autoestima, da disciplina, das relações interpessoais e características da terceira infância, levando em consideração o contexto vivido no cenário atual. Com este projeto, pretendeu-se iniciar um processo de estudo que beneficiará o acadêmico com uma perspectiva dinâmica e reflexiva diante das questões que surgem no ambiente escolar, pondo os instrumentos e técnicas psicológicas à disposição da escola para propiciar um ambiente de desenvolvimentoe aprendizado de qualidade. 7 2 CARACTERIZAÇÃO DO ESTÁGIO 2.1 OBJETIVOS 2.1.1 Geral Desenvolver ações focadas no cotidiano da 5ª série 2 do Ensino Fundamental da Escola Serafina Milioli Pescador, cuja faixa etária está entre 9 e 11 anos, que promovam relações de respeito e cooperação entre alunos e professores, abordando os temas que se mostrarem pertinentes para a realidade da turma. 2.1.2 Específicos ● Identificar demandas que requerem a atenção e intervenção do psicólogo escolar no cotidiano da sala de aula. ● Oferecer aos alunos e professores conteúdos e atividades que facilitem a compreensão de temas como respeito, identidade, disciplina e igualdade para que possam experienciá-los de forma relevante e reflexiva. ● Contribuir no processo de aprendizado dos alunos dentro do espaço escolar. ● Promover uma relação baseada em respeito e empatia entre alunos e professores. ● Realizar apoio, orientação e encaminhamentos quando necessário. ● Difundir a Psicologia Escolar no ambiente educacional para propiciar aos alunos e professores um melhor conhecimento sobre a atuação deste profissional. 8 2.2 METODOLOGIA 2.2.1 Tipo de Estudo Este estudo baseou-se na coleta de dados sobre a realidade do ambiente escolar em seus múltiplos aspectos, para posterior planejamento de intervenções em seu meio. 2.2.2 Clientela Alunos do 5º ano do ensino fundamental da escola E.M.E.B Serafina Milioli Pescador, juntamente com os professores, coordenação e corpo diretivo da escola. 2.2.3 Procedimentos Num primeiro momento realizou-se coleta de dados junto à coordenação pedagógica e observação do cotidiano dos alunos em sala de aula com a finalidade de identificar questões que necessitem da atenção e intervenção do psicólogo escolar. Tais ações abordarão os temas que se mostrarem pertinentes através de recursos que facilitem a compreensão e apropriação dos alunos, como filmes, jogos, atividades educativas, diálogos expositivos, orientações e técnicas psicológicas, que serão utilizadas conforme o surgimento de novas demandas e respeitando o projeto político pedagógico (PPP) da escola. 2.2.4 Instrumentos Utilizados Durante o trabalho com os alunos, foram desenvolvidas atividades em que se utilizou materiais de reprodução de vídeo, como computador, TV, projetor e aparelho de som. Para algumas atividades específicas, foi utilizado uma pequena urna de MDF, bem como materiais comuns do ambiente escolar, como papel, caneta, lápis, lápis de cor, tesoura, entre outros. 9 3 CARACTERIZAÇÃO DO LOCAL DO ESTÁGIO 3.1 HISTÓRICO A Escola Municipal de Educação Básica Serafina Milioli Pescador, foi fundada em 1961 com a denominação de Grupo Escolar Engenheiro Ernani Cotrim, localizada no bairro Princesa Izabel, município de Criciúma, SC. Em 28 de março de 1988, o Grupo Escolar foi transformado em Escola Básica, através do decreto municipal nº 267/67, devido à necessidade real de atender um número maior de alunos, que não poderiam deslocar-se para outros locais a fim de concluir o 1º grau. Em 1988 passou a funcionar a 5ª série, em 1989 5ª e 6ª séries, 1990 5ª a 7ª séries e assim sucessivamente. Nesta conquista destaca-se o empenho da comunidade, direção e funcionários da escola. Com o aumento dos alunos, o espaço físico disponível tornou- se pequeno para atender a demanda e a comunidade se mobilizou pela construção de uma nova escola. Em 16 de outubro de 1991, a Escola Básica Engenheiro Ernani Cotrim passou a ser denominada Escola Básica Serafina Milioli Pescador por meio da lei 2.620 entrando em funcionamento em 21 de março de 1992, e mudando-se para Rua Álvaro de Azevedo, bairro Operária Nova. O nome dado foi uma homenagem a senhora Serafina que fez a doação do terreno para a construção da escola. A primeira Gestora foi Carolina Ramos Rodrigues e atualmente está sob a gestão da professora Patrícia Ronchi Bernardino Bitencourt. Professoras que exerceram a função de diretora, nesta escola, desde sua implantação: 1991 –Carolina Ramos Rodrigues 1995 – Arlene Cevelin 1997 - Marli Zeferino Patrício 1999 – Marli Pacheco 2005 - Helenita de Castro Cipriano 2011 – Ines Godoi 2015 – Patrícia Ronchi Bernardino Bitencourt 2017 – Ana Lucia Maciel 10 2019 - Patrícia Ronchi Bernardino Bitencourt Hoje a escola atende 530 alunos subdivididos da seguinte forma: - Manhã: Educação infantil e ensino fundamental anos finais; - Tarde: Educação infantil e ensino fundamental anos iniciais. Fazem parte dos órgãos colegiados da escola o Conselho Escolar, a Associação de Pais e Professores e o Grêmio Estudantil em fase de construção. 3.2 FILOSOFIA OU MISSÃO DA INSTITUIÇÃO Oportunizar um ensino que promova a equidade, relacionando o conhecimento teórico ao prático, desenvolvendo um cidadão reflexivo em relação a sua capacidade de atuar crítica e sustentavelmente na sociedade. 3.3 OBJETIVOS ● Desenvolver a autonomia cidadã e a ciência do que esta implica; ● Aprimorar a percepção quanto ao caminho social a seguir; ● Propiciar métodos práticos para o exercício da responsabilidade social; ● Respeito com a individualidade, coletividade e com o ambiente; ● Instigar a construção da autonomia intelectual, senso crítico dos envolvidos no processo de ensino e aprendizagem; ● Propagar os princípios da autovalorização dos envolvidos no espaço educacional. Assim, a EMEB Serafina Milioli Pescador tem como função social formar cidadão, isto é, construir conhecimentos, atitudes e valores que tornem o estudante solidário, crítico, ético e participativo. Almejamos ainda por uma sociedade leitora, crítica, ética, democrática e inclusiva. Queremos formar uma escola que garanta à criança e ao adolescente os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana sem prejuízo e proteção integral, assegurando oportunidade que lhes faculte o 11 desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social em condições de liberdade e dignidade (art. 3º do ECA). 3.4 ORGANOGRAMA DIREÇÃO Juliana Stecanella Carminatti AUXILIAR DE DIREÇÃO Fátima Victoria Hlebania de Oliveira Raquel Pereira Ferreira SECRETARIA Simone Schueroff Batista ORIENTADORA EDUCACIONAL Analice de Jesus Cizewscki de Aguiar PROFESSORES Adriane Scussel Alexandre Goulate Candido Aliciane Madalena Fogaça Ana Maria Medeiros Andrea Bianchin Bett Andresa Pedro Borges Andresa da Silva Ronsani Ângela da Luz Bernardo Carolina da Silva Fernandes Meurer Cristiane Martins de Carvalho de Souza Débora Monique de Jesus Silva Oliveira Denise Matos da Silva Marcineiro Dorida Machado Elaine do Franco Carvalho Martins Elisângela Bernhardt Moraes Fabiana Pieiri Milanez Felipe Liprandi Minatto Flávia de Jesus Pereira Franciele Teixeira da Silva Francieli Rabelo Goulart Marcolino Graziela da Silva Demetrio Greice Patricio Zeferino de Amorim Iara Bárbara Verdieiri Inês Emília Kremer Janine Felício da Rocha Kethirine Machado de Medeiros Lucilene Firmino Costa Marques Marcos Antônio dos Santos Marilda Nascimento 12 Patricia de Jesus Crescêncio Patricia de Oliveirqa Roberto Zanelato Borges Rosane Santiago Rosângela Ferandes Roseli Ferrarezi Dias Valéria Beltrão de Melo Vanderlei Coelho Fonseca Vera Lúcia Neoti Viviane Pereira Eugênio Wanderléia Marcelino Marques SERVENTES Eliane Elisa Sangaletti Elias Elizabete Machado Alves Fernanda Zanoni Amorim Bernanardo Jucélia de Souza dos Santos Maria Alfina de Souza Vezaro MONITORES Ana Leticia Almeida Fraga Davi Pires da Silva Gislaine Bertan Boaventura Helen Martins Santiago Isadora Berti da Silva Jéssica EstevesKétulin Lynda Joseph Laura Gomes Lemos Maria Clara Pottier da Silva Marlene da Silva Campos Mikaelde Sousa Caetano Simeia 3.5 RECURSOS DISPONÍVEIS À REALIZAÇÃO DO ESTÁGIO A E.M.E.B. Serafina Milioli Pescador, mantida pelo governo municipal, oferece alimentação escolar para os alunos, tem água filtrada, água da rede pública, energia da rede pública, esgoto da rede pública, lixo destinado à coleta periódica, e acesso à internet banda larga. 13 Possui 12 salas de aulas, sala de secretaria, sala de diretoria, sala de orientação pedagógica, sala de professores, laboratório de informática, sala de recursos multifuncionais para atendimento educacional especializado (AEE), biblioteca, cozinha, lavanderia e refeitório. O refeitório é amplo e oferece todas as condições de higiene e estrutura para os alunos, com mesas compridas e bancos. Possui banheiro dentro do prédio, banheiro adequado à educação infantil, banheiro adequado a alunos com deficiência ou mobilidade reduzida, banheiro com chuveiro e banheiro para os professores. A escola conta com um amplo ginásio de esportes onde encontra-se duas salas, uma de educação física e outra de música. Conta também com parque infantil, pátio descoberto, área verde e estacionamento para carros e motos. 14 4 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA 4.1 PSICOLOGIA ESCOLAR EDUCACIONAL: ALÉM DO MODELO CLÍNICO A presença do profissional da psicologia, seja ele formado ou em processo de formação, dentro do ambiente escolar é constantemente vinculada a uma série de expectativas e ideias generalizadas sobre a sua atuação, principalmente no cenário brasileiro, onde, atualmente, a participação de psicólogos nas escolas não possui um caráter tão permanente e consistente quanto em alguns contextos internacionais. Tais expectativas e ideias estão, de modo geral, relacionadas ao modelo clínico que constantemente é associado à figura do psicólogo, fazendo com que professores, orientadores e até mesmo alunos esperem que este profissional atue na escola da mesma forma que atuaria em um contexto clínico e individual. Os motivos por trás desta preconcepção vão desde a ênfase que a formação em psicologia pode dar a este modelo, a já citada falta de presença do psicólogo nesse ambiente, e até mesmo a representação desta profissão nas mídias. Porém, podemos considerar que um dos principais motivos seria o histórico da atuação da psicologia junto à pedagogia. Historicamente, o trabalho de psicólogos no espaço escolar foi (e em alguma medida ainda é) bastante marcado pelo caráter individualizante das intervenções que resolviam os problemas emergentes naquele espaço, psicologizando as questões e culpabilizando principalmente o alunado. O uso de testes para elaboração de psicodiagnósticos dos alunos com problemas de aprendizagem está muitas vezes a serviço (ou presta um desserviço) desse tipo de atuação. Dessa forma, os laudos produzidos a partir desses instrumentos, que buscam atender demandas de toda a equipe escolar por explicações sobre as dificuldades apresentadas por aqueles alunos, contribuem para mascarar os múltiplos vetores que produzem aquele problema, na medida em que o compartimentalizam e o situam no aluno (PATTO, 1997 apud ULUP & BARBOSA, 2012). É comum que estudantes de psicologia também sejam influenciados por esta concepção, algo que muitas vezes pode acabar gerando dificuldades e incertezas quando chegam ao período de estágio educacional na formação. Perguntas como: “Qual é a minha função aqui?”, ou “O que esperam de mim?” e até mesmo “Que postura devo tomar?” são comuns no início desse período. Assim, fica claro a 15 importância das orientações pontuais vindas de profissionais com experiência na área para situar o estudante e ajudá-lo a discernir as diferentes possibilidades de atuação que esse momento pode elucidar. No que diz respeito à identidade do psicólogo escolar, geralmente ela passa pela superação do modelo médico (o que nos remeteria para os fundamentos da psicologia clínica), que estabelece seus parâmetros em torno das dicotomias saúde x doença, normal x anormal, enfatizando-se o papel de educador que este profissional pode assumir quando atua no contexto da escola. (MARTINS, 2003) Para Reger, o psicólogo atuaria como clínico no contexto escolar quando baseia sua intervenção num modelo médico. “Seu interesse gira em torno da saúde e da doença mental e do diagnóstico e cura de problemas de comportamento.” (REGER, 1989). Para este autor há um modelo mais apropriado para o psicólogo que deseja atuar no contexto escolar: assumir um papel de educador. Desta forma, seu objetivo seria o de “ajudar a aumentar a qualidade e a eficiência do processo educacional através da aplicação dos conhecimentos psicológicos (...) Ele está nas escolas para ajudar a planejar programas educacionais para as crianças”. (REGER, 1989) Neste processo, o psicólogo, como educador, não deve descartar os fatores que constituem o ser humano e seus problemas, como sua construção histórica, temporal, espacial e sociocultural, ou seja, deve ter a visão de um ser humano que se forja nas relações com seus pares, intimamente conectado com o meio no qual está inserido. Considerando o meio como um fator crucial para entender o ser humano e seus problemas, o psicólogo não deve limitar seu foco apenas nos alunos, mas também na instituição escolar integralmente. Bleger (1992) afirma que o trabalho institucional é voltado para a compreensão do todo, entendendo que qualquer questão que daí emerge deve ser lida considerando as relações mantidas com a unidade maior: “Em psicologia institucional, interessa-nos a instituição como totalidade; podemos nos ocupar de uma parte dela, mas sempre em função da totalidade”. Uma visão que se estende para além da individualização da queixa escolar, capaz de abranger também todo o grupo de alunos, professores e outros profissionais que atuam nesse espaço, possibilita esclarecer a origem do considerado “problema de aprendizado/comportamento” e trabalhá-lo em seu cerne, ao invés de apenas minimizar seu sintoma. 16 A alternativa mais adequada para a intervenção do psicólogo no contexto escolar sugerida por Andaló (1984 apud Martins, 2003) é aquela em que, sem excluir as contribuições da psicologia clínica e acadêmica, o profissional assume o papel de agente de mudanças dentro da instituição escolar (...). Ou seja, em vez de abordar os problemas escolares centrando seu olhar sobre os alunos, o psicólogo atuaria sobre as relações que se estabelecem neste contexto, levando em consideração o meio social em que estas relações estão inseridas e o tipo de clientela que atende, assim como os grupos que a compõem. Considerando que a atuação do psicólogo deve ir além das ações voltadas aos alunos, Ulup & Barbosa (2012) também sugerem que as intervenções precisam estar orientadas a promover reflexão entre os membros da equipe da escola, fazendo com que se questionem acerca do que acreditam ser a verdade única e imutável sobre as coisas. Assim, os psicólogos potencializarão os demais profissionais da instituição para que eles, sim, ao refletir e discutir as questões, possam agir, fazer, conduzir. E é fundamental que ele, psicólogo, para alcançar tais objetivos, também se veja nesse processo de questionamento. Surge, então, o desafio de levar tais reflexões e possibilidades de mudanças para a instituição sem parecer uma imposição invasiva ou impertinente, algo que pode gerar resistência e conflitos. Assim, dentro das medidas cabíveis, abre- se oportunidade para o papel educador do psicólogo, que assume funções semelhantes ao dos professores no manejo com os alunos e passa a usar a si mesmo como protótipo de educador ciente da necessidade de enxergar o processo de aprendizagem com uma perspectiva coletivae holística. Ou seja, o psicólogo, em conjunto com o professor, pode se propor como exemplo desta nova visão reflexiva de educar, pondo em prática o que considera a forma mais efetiva para o aprendizado e colhendo, em primeira mão, seus resultados. Para Reger (1989), (...) o psicólogo escolar é um cientista, um engenheiro educacional ou projetista de planos educacionais que usa das mais modernas metodologias e técnicas. À medida que busca utilizar o sistema educacional tão efetivamente quanto possível para cada criança ou grupos de crianças, tem muito em comum com o administrador educacional e com o professor. Assim como os outros educadores, ele daria mais ênfase ao crescimento e desenvolvimento da criança do que à ‘patologia’. Mas diferencia-se do 17 administrador e do professor conforme visa à aplicação mais consistente do método científico na resolução e problemas educacionais e psicológicos. Machado (2003) afirma a importância de estratégias de intervenção que possam gerar modificações nas demandas e expectativas em relação ao papel do psicólogo escolar e que assim sejam capazes de demonstrar que não cabe à Psicologia a função de diagnosticar indivíduos desconsiderando os diferentes processos de subjetivação. 4.2 O PAPEL DO EDUCADOR COM CRIANÇAS NA TERCEIRA INFÂNCIA Considerando que os alunos que compõem a clientela deste trabalho possuem faixa etária entre 9 e 11 anos e que, segundo Papalia & Olds (2006), esta corresponde à fase do desenvolvimento conhecida como terceira infância, faz-se necessário o conhecimento de alguns aspectos deste período para melhor compreensão sobre o papel e a influência do educador no processo de aprendizado, na formação da identidade e nas relações interpessoais dos alunos. Embora a literatura nos mostre um padrão de características presentes no desenvolvimento da criança na terceira infância, é necessário considerar os diversos fatores que influenciam na concepção do que é considerado um desenvolvimento normal, levando em consideração as variantes relacionadas às diferenças culturais, econômicas e sociais; o que possibilita uma visão de modelo compatível com a realidade. 4.2.1 Aspectos Psicossociais da Terceira Infância Segundo Papalia & Olds (2006) os anos intermediários da infância, aproximadamente dos 6 aos 11 anos, costumam ser chamados de período escolar. A escola é a experiência central durante esse período - um ponto focal de desenvolvimento físico, cognitivo e psicossocial. (...) As crianças tornam-se mais altas, mais pesadas e mais fortes e adquirem as habilidades motoras necessárias para participar de jogos e de esportes organizados. Também ocorrem importantes avanços no pensamento, no julgamento moral, na memória e na capacidade de ler e escrever. 18 As diferenças individuais tornam-se mais evidentes, e as necessidades especiais mais importantes, pois as competências influenciam o êxito na escola. Ainda segundo Papália & Olds (2006) as competências também influenciam a autoestima e a popularidade (...). Embora os pais continuem sendo importantes, o grupo de amigos é mais influente do que antes. As crianças desenvolvem-se física, cognitiva e emocionalmente - e também socialmente - através do contato com outras crianças. 4.2.1.1 Família Neste período a criança ainda tem na família uma grande base de apoio e influência, apesar da importância de os companheiros aumentarem consideravelmente. Como a família ainda é a parte mais importante do mundo na criança em idade escolar, torna-se importante o estudo do ambiente familiar. Conforme elaboração feita por Papalia & Olds (2000), o ambiente familiar divide-se em estrutura familiar (a estruturação da família a partir de seus componentes) e atmosfera econômica, social e psicológica. As famílias atualmente podem configurar-se de várias maneiras. Com o aumento do número de divórcios, podemos perceber composições familiares diferenciadas do formato “tradicional” de família (pai, mãe e filhos), entre elas as famílias com apenas um dos pais, crianças que vivem em meio ao segundo casamento dos pais, crianças com pais homossexuais, entre outros. Considera-se que independente do contexto, os pais, mesmo em situações de estrutura familiar não tradicional, necessitam criar um ambiente com figuras de autoridade e apoio para a criança, além de evitar ao máximo que problemas de relacionamento conjugal afetem seus filhos. O relacionamento com irmãos durante a terceira infância é marcado por muitos desentendimentos, o que torna este tipo de relacionamento “um laboratório para resolver conflitos” (PAPALIA & OLDS, 2000). Os irmãos mais velhos geralmente começam a ter funções de responsabilidade, como cuidar dos irmãos mais novos ou ajudar em tarefas domésticas. Esse tipo de responsabilidade é mais visível em sociedades não industrializadas. 19 4.2.1.2 Amigos Constitui-se nesta fase uma maior centralização do grupo de companheiros e esta nova constituição significa também um fator de superação do egocentrismo apresentado pela criança até por volta dos 6 anos (PIAGET, 1973). Para transpor esta fase egocêntrica é necessário que o sujeito apresente maturidade cognitiva, no sentido de reversibilidade, ou seja, descentralizar, tentar compreender a perspectiva, o pensamento do outro desvinculado de seu próprio pensar, de sua lógica pessoal. Piaget (1973) ressalta ainda que existem graus de socialização – e não uma criança social ou não, para ele a socialização se dá de acordo com a fase de desenvolvimento na qual sejam possíveis as trocas intelectuais, a socialização do pensamento. 4.2.1.3 Identidade Segundo os estudos de Bee (1997) sobre o desenvolvimento do conceito de self, neste período a criança já tem uma percepção mais elaborada e profunda de si mesma, e dos outros. Utiliza em suas descrições de si mesma e dos colegas cada vez mais sentimentos e características da personalidade, em detrimento das características físicas. O estudo de fenômenos de popularidade e rejeição na população infantil possui importância real, já que esses tendem a acompanhar o indivíduo até a adolescência, além de ser grande fonte de sofrimento, de transtornos de conduta e depressão. As crianças percebidas como rejeitadas assim o são devido a características físicas (como exemplo: obesidade, baixa estatura) e comportamentais, geralmente ligadas à falta de habilidades sociais (agressividade, não-cooperação, entre outros). Durante toda a infância, é comum verificarmos algum tipo de estigma social criado sobre determinados indivíduos de um grupo, principalmente na terceira infância, quando as crianças, ao desenvolverem sua identidade, sentem a necessidade de rotularem a si mesmas e aos colegas. Porém, um estigma pode se tornar negativo e influente o suficiente para interferir nas relações entre as crianças. O estigma acaba por dissolver a identidade do outro, substituindo-a e classificando-a num modelo imposto e reconhecido pelo social. A partir do momento 20 que se prevê algum atributo ou comportamento, está se estimulando o preconceito através de estereótipos que discriminam e diminuem o sujeito (SOARES, 2004). Dessa forma, cabe à escola tomar ações para minimizar este efeito e tomar o cuidado para não o reforçar. 4.2.1.4 Autoestima A autoestima caracteriza-se por ser o conjunto de juízos e valores que um indivíduo atribui a aspectos de sua personalidade, de suas habilidades e de sua imagem pessoal (MUSSEN, 1995). A autoestima começa a se formar na infância, a partir de como as outras pessoas nos tratam. Ou seja, as experiências do passado exercem influência significativa na autoestima quando adultos. Perde-se a autoestima quando se passa por muitas decepções, frustrações, em situações de perda, ou quando não se é reconhecidopor nada do que se faz. O que abala não é só a falta de reconhecimento por parte de alguém, mas principalmente a falta de reconhecimento por si próprio. Um importante determinante da autoestima é a ideia que as crianças têm de sua capacidade para o trabalho produtivo. A questão a ser resolvida na crise da terceira infância é de produtividade versus inferioridade. A "virtude" que se desenvolve com o êxito na resolução dessa crise é a competência, a ideia de si mesmo como capaz de dominar habilidades e de concluir tarefas. (ERIKSON, 1982, apud PAPALIA & OLDS, 2006). 4.2.2 A Influência da Figura do Educador Percebemos, então, o quanto o processo de desenvolvimento das crianças se constitui e se adapta de acordo com suas relações com os outros, sejam estes seus pais, seus colegas, seus amigos e – em destaque - seus educadores e professores. Ao propor o papel do psicólogo escolar como educador, é necessário entender a influência que a relação dessa figura com o aluno pode exercer em seu aspecto emocional e, consequentemente, em seu processo de desenvolvimento. Para Belotti e Faria (2010), “todo educador apresenta-se como uma referência para a formação dos educandos e, é muito importante a maneira como se relaciona com eles. A forma de contato é fundamental para que se sintam inteligentes 21 e capazes.” Dessa forma percebe-se o quanto a qualidade deste vínculo é capaz de interferir na autoestima do aluno. Baker (2006) destaca que a relação professor-aluno é necessária para o engajamento das crianças na aprendizagem; é, também, a base para o desenvolvimento de crenças adaptativas sobre si mesmo e sobre o mundo social, e para a aquisição de comportamentos e competências autorreguladoras e socioemocionais, essenciais no ambiente escolar. A relação com um adulto, se positiva, constitui por si mesma um fator de proteção e, ainda, promove fatores protetores, tais como autoeficácia, autoestima e desenvolvimento moral. O educador deve ser um suporte e guia para a aprendizagem, bem como um potencial mediador e moderador de um processo motivacional significativo (apud BARBOSA; CAMPOS; VALENTIM, 2011). Para Baker (2006), a qualidade da relação professor-aluno é um forte indicador de adaptação escolar, especialmente para crianças que apresentam problemas comportamentais em sala de aula. Birch e Ladd (1997) também consideram que o relacionamento dos discentes com os docentes é consideravelmente associado a um positivo ajustamento escolar. Segundo Baker (2006), essa relação, quando positiva, está associada a uma variedade de consequências escolares importantes, como o sucesso escolar e a confiança dos alunos em relação a suas capacidades, atitudes e motivações escolares. Birch e Ladd (1997) acrescentam que crianças que apresentam uma relação mais próxima com o professor podem perceber o ambiente escolar como um apoio/suporte, desenvolvendo atitudes positivas quanto à escola; podem expressar seus sentimentos e preocupações e, por essa razão, solicitar apropriadamente ajuda e orientação em sua tentativa de adaptar-se ao ambiente escolar. Essa relação de apoio entre professor e aluno pode, portanto, habilitar as crianças para se tornarem autodirigidas e participantes responsáveis na sala de aula (apud BARBOSA; CAMPOS; VALENTIM, 2011). Uma relação positiva com os alunos pode prevenir problemas disciplinares no ambiente escolar e, ainda, o stress do professor e o burnout, bem como fomentar o desenvolvimento profissional do docente (Fraser & Walberg, 2005; Wubbels, 2005, apud BARBOSA; CAMPOS; VALENTIM, 2011). Quando negativa, a relação professor-aluno pode se associar à pobreza acadêmica e social, à evasão escolar, a uma menor cooperação em sala de aula, a atitudes escolares negativas, a um comportamento menos autodirigido, ao isolamento social, a sentimentos de 22 solidão e a um menor engajamento (BAKER, 2006; BIRCH & LADD, 1997, apud BARBOSA; CAMPOS; VALENTIM, 2011). Desse modo, no processo de formação deste vínculo, é importante considerarmos a empatia como elemento indispensável na relação educando/educador, conforme aponta Brolezzi (2014), a empatia seria uma atividade por parte do professor, ao considerar a influência do seu próprio ego na relação com o aluno, mas também seria uma atividade fundamental por parte do aluno. O aluno, por meio da educação da empatia, poderia mobilizar-se para o universo exterior, e deixar-se adentrar na mente do professor e partilhar dos seus conhecimentos. Empatia então se torna uma porta de acesso ao universo exterior e os conhecimentos que transcendem o sujeito, em uma espécie de oposição ao egocentrismo cognitivo. Nesse sentido, o autor aponta que através da empatia é possível criar janelas de comunicação, que seriam momentos de sintonia entre as pessoas, de um entrar no universo do outro, de troca de pensamentos. Também é um momento em que as pessoas estão mais sensíveis, para aprender, para ensinar, para perguntar. O clima, nessa hora, é afetivamente promissor. O medo não permite a abertura de janelas de comunicação. Liberdade, respeito, dar o tempo certo para cada um, o olhar sobre o nível de desenvolvimento e sobre a adequação dos procedimentos ao grupo, são fundamentais para que a linguagem da empatia funcione (BROLEZZI, 2014). Sobre esta prática educativa na qual se dá importância ao relacionamento entre educadores e educandos, Belotti e Faria (2010, p. 5) esclarecem que sua finalidade seria a de “criar condições para que os alunos se tornem pessoas que pensem bem, e busquem conhecimento por si próprios”. Nesse contexto, torna-se necessário que o psicólogo escolar, principalmente aqueles em formação e que estejam passando pelo período de estágio educacional, tomem consciência que em sua prática o educador também aprende com o aluno. Para Freire (1996, p. 124), “a capacidade do educador de conhecer o objeto refaz-se, a cada vez, através da própria capacidade de conhecer dos alunos, do desenvolvimento de sua compreensão crítica”. Assim sendo, fica claro o potencial que a relação do psicólogo escolar como educador pode gerar no desenvolvimento de crianças na terceira infância, pois além de promover a qualidade da autoestima, da empatia, e do respeito, também possibilita uma melhor assimilação dos conteúdos propostos, assim, para Belotti e 23 Faria (2010), o importante é que o aluno consiga compreender aquilo que o professor transmite, que pense, e que, com isso, consiga criar, questionar e, principalmente, se pronunciar, seja contra ou a favor daquilo que lhe é exposto. 4.3 TEMAS E TÉCNICAS PERTINENTES PARA CRIANÇAS NA TERCEIRA INFÂNCIA Estabelecido um vínculo de qualidade com os alunos, cria-se um ambiente propício para o ensino e a aprendizagem, assim, o próximo passo para propiciar uma educação reflexiva e congruente seria encontrar temas que se mostrem relevantes para a realidade dos alunos. É comum pensarmos na escola como mero reprodutor do conhecimento técnico/científico através de disciplinas como português, matemática, ciências etc. Entretanto, sem desconsiderar a importância do saber tradicional e tendo em mente os diversos aspectos psicossociais envolvidos no processo de aprendizado, bem como o papel social da escola em formar cidadãos autônomos, críticos e conscientes, fica clara a importância de se trabalhar questões alternativas relacionadas ao cotidiano escolar, envolvendo temas como família, empatia, identidade, respeito, entre outros. Para que os conteúdos trabalhados com as crianças sejam compreendidos e capazes de proporcionar mudanças significativas, é necessário estar atento a dois fatores: o tema que está sendo apresentado e a forma com que ele é exposto. No que diz respeito ao tema, ele precisa estar em sintonia com as vivências e as questões que aparecem no dia a dia da sala de aula,sejam questões que provoquem curiosidade, conflitos, dificuldades, ou até mesmo questões que se mostrem inconscientes para o grupo, mas que acabam exercendo algum tipo de influência no comportamento das crianças. Ao trazer à tona essas questões e promover o debate e a reflexão, o educador torna-se capaz de orientar e dar autonomia para que os próprios educandos lidem com elas de maneira sadia e em conjunto. No que diz respeito a forma com que o tema é exposto, refere-se, principalmente, a linguagem utilizada na apresentação do conteúdo, assim, considerando a faixa etária da terceira infância, é fundamental a utilização de uma linguagem de fácil compreensão (até mesmo lúdica e intimista) em detrimento de uma linguagem técnica. Para Belotti e Faria (2010), 24 é necessário que o educador proponha situações didáticas com objetivos claros, para que os alunos possam tomar decisões. Deve-se conhecer o aluno a fim de poder oferecer atividades que estejam de acordo com o seu desenvolvimento, ou seja, não se pode trabalhar com graus muito elevados ou muito baixos de complexidade, pois isso pode não contribuir para a reflexão e o debate. Os educandos devem poder realizar as atividades em uma situação desafiadora. A seguir serão apresentadas algumas técnicas e temas utilizados durante este trabalho. 4.3.1 A Narrativa de Filmes Animados como Introdução de Debates Por apresentarem uma linguagem familiar e de fácil compreensão para as crianças, a utilização de filmes animados pode se mostrar uma ferramenta valiosa na introdução dos debates sobre questões relevantes no contexto escolar, pois além de despertar o interesse pelo conteúdo, sua narrativa permite que a criança se identifique com o que está sendo apresentado. Em artigo sobre a utilização de filmes nas escolas, Kern & Ribeiro (2020), apontam que a criança pode se sentir compreendida e, inclusive, aliviada de seus sofrimentos, na medida em que as histórias ou desenhos animados se apresentam como um dispositivo auxiliar a reconhecer o material psíquico como sendo seu. Dessa forma, nas figuras de monstros, bruxas, abandonos etc. a criança sente que “isso fala de algo que conheço bem, mas nunca tinha pensado” (CASTRO, 2009 apud KERN & RIBEIRO, 2020). Assim sendo, ocorre que, ao ser dado um nome a um conhecido não pensado, se torna um alento, pois ele pode ser reconhecido e pensado, abrindo caminho para cadeias associativas (Castro, 2009 apud KERN & RIBEIRO, 2020). Para Castro (2009) as narrativas são capazes de produzir uma sucessão de mecanismos psicológicos que são baseados principalmente nas identificações, projeções, introjeções, sublimações e busca da solução dos conflitos. As histórias permitem ver a vida através de uma nova perspectiva, dão suporte para novos aprendizados, como por exemplo, em uma história com dragões e monstros os quais 25 engolem pessoas, a criança pode tomar contato com sua agressividade, voracidade, sadismo oral (Castro, 2009 apud KERN & RIBEIRO, 2020). Ao elegermos as narrativas do cinema como um mote inicial para que os jovens possam tomar a palavra, falar das imagens, das narrativas e dos personagens, oferecemos a eles uma oportunidade de colocar na dimensão da palavra as suas vivências, percepções e olhares que dirigem ao que assistem na tela. Não se trata de terem de falar de si, necessariamente, mas, na medida em que se inquietam e que são convidados a falar em um espaço no qual há uma escuta, torna-se possível a criação de novos textos. (UMPIERRE, GURSKI & CHAVES, 2012). Durante este trabalho, dois filmes foram utilizados na introdução de debates com as crianças, sendo apresentados a seguir. 4.3.1.1 Lilo & Stitch No enredo de Lilo & Stitch, criado por Chris Sanders (2002), Lilo e Nani são duas irmãs jovens e recentemente órfãs que vivem no Havaí, ambas vivem em uma relação de brigas e conflitos, mas de inegável afeto e amor fraterno. Enquanto Nani, de 19 anos, tenta provar à assistência social que está apta para cuidar da irmã caçula; Lilo, de 5 anos, vive uma realidade de rejeição por parte das crianças da vizinhança. Mas tudo fica ainda mais complicado quando Lilo adota o alienígena Stitch pensando se tratar de um cachorro diferente, este, por sua vez, se trata de uma experiência genética foragida cuja criação possui o único objetivo de destruir tudo o que toca. A princípio, Stitch usa Lilo como refém, sem que ela saiba, para não ser capturado pelos outros alienígenas que vieram a Terra para prendê-lo. Mas conforme a relação dos dois se desenvolve, Stitch descobre o valor de ser tratado com respeito, afeto, e, principalmente, como um membro da família. Assim, o comportamento antes agressivo e destrutivo de Stitch dá lugar à amizade e ao companheirismo que aprendeu com Lilo. Percebendo essa mudança, os alienígenas permitem que Stitch continue na Terra com sua nova família. Este filme, então, propicia um campo fértil para debater questões como família, amizade, comportamento e estigma social. Sobre a respectiva obra, Moreira (2009, apud KERN & RIBEIRO, 2020) aponta que 26 aparecem aspectos interessantes para trabalhar com as crianças que assistem ao desenho. Dentre eles, o tema da composição da família, de que não existe um modelo único (pai, mãe e filhos), nem um modelo que seja melhor ou pior, mas sim, diferente. Desse modo, abre a oportunidade para as crianças lidarem com possíveis dificuldades em relação à sua condição familiar. No que diz respeito à possibilidade de identificação com Stitch, no que tange à sua apresentação inicial no desenho, ele poderia ser um representante, seja na escola ou dentro de sua própria família, daquela criança que, muitas vezes, é deixada de lado, incompreendida, aquela que não tem jeito. Contudo, felizmente, nessa história, a criança encontra alguém que lhe propicia um olhar e intervenções empáticas. Apesar das diferenças, Stitch foi acolhido, aceito e amado e, com a convivência, reorganizou profundamente seu mundo interno (KERN & RIBEIRO, 2020). Ainda segundo Kern & Ribeiro, na perspectiva da Psicanálise, o filme também faz alusões a alguns parâmetros relacionados ao desenvolvimento infantil, como os efeitos da narcisização à criança, a importância do ambiente familiar tolerante e afetivo, o potencial de reorganização psíquica mediante os cuidados do outro, a esperança de encontrar um lugar que ofereça escuta e acolhimento (KERN & RIBEIRO, 2020). Os temas presentes na narrativa do filme se mostraram pertinentes para abrir um espaço de diálogo com a clientela, da qual demonstravam grande interesse em compartilhar e discutir sobre suas condições familiares, bem como um instrumento facilitador para conscientizar sobre estigma social, algo também presente no seu dia a dia. 4.3.1.2 Irmão Urso Na narrativa de Irmão Urso, criada por Aaron Blaise e Robert Walker (2003), seguimos a trajetória do jovem indígena Kenai e seus dois irmãos mais velhos, Denahi e Sitka. No contexto da comunidade em que vivem, as pessoas tornam-se adultas a partir do momento em que recebem um totem, representado por um colar com pingente de pedra, que traz o símbolo de um animal e uma qualidade que deve ser seguida para alcançar a maturidade. Todas as pessoas da aldeia de Kenai 27 recebem um totem específico, que é concedido pelo xamã da tribo através dos Grandes Espíritos. Quando Kenai recebe o totem do Urso do Amor, fica extremamente desapontado e foca sua determinação em se tornar um adulto e deixar a marca de sua mão na parede da caverna onde acontece as cerimônias de sua tribo, como o fizeram todos aqueles que foram considerados maduros. Para fins de contextualização deste trabalho, é necessário citar que os totens dos irmãos mais velhos de Kenai, Sitka e Denahi, eram, respectivamente, a Águia da Orientaçãoe o Lobo da Sabedoria. O primeiro justificado pelo papel de “mentor” que Sitka precisava exercer sobre os irmãos, e o segundo pela natureza imatura e zombeteira que Denahi precisava superar. O desapontamento de Kenai cresce ao perceber que os peixes que ele devia ter guardado para a cerimônia de revelação do seu totem tinham sido comidos por um urso. Sem assumir sua responsabilidade pelos peixes, Kenai parte para se vingar do suposto “ladrão”. Mas ao encontrá-lo, o urso revida sua agressão, e como consequência, seu irmão mais velho, Sitka, se sacrifica para impedir que o urso ataque seus irmãos, caindo, junto com o animal, do alto de uma geleira. Agora, também culpando o urso pela morte do irmão, Kenai ignora os conselhos de Denahi, e parte mais uma vez para caçá-lo, conseguindo alcançar o objetivo de tirar a vida do animal. Desapontado com a atitude do irmão, o espírito de Sitka aparece e transforma Kenai em um urso. Literalmente na pele de um urso pardo, Kenai precisa chegar até a montanha onde as luzes tocam o chão para convencer os espíritos a lhe transformarem novamente em humano. Mas, no caminho, ele acaba sendo perseguido por Denahi, que acredita que o urso na sua frente é o mesmo que “matou seus irmãos”. Durante a jornada, Kenai também faz amizade com um filhote de urso chamado Koda, que se perdeu da mãe e precisa chegar até o rio onde vivem os outros ursos. Kenai só aceita ajudá-lo porque esse rio também fica próximo das montanhas aonde precisa chegar, porém, no caminho, acaba formando um vínculo genuinamente fraterno com Koda e, dessa vez, Kenai é quem está no papel de irmão mais velho e precisa aprender a ter paciência com o caçula. Contra todas a suas expectativas, Kenai é muito bem recebido pelos outros ursos, percebendo que eles também possuem senso de comunidade. É nesse momento que Kenai descobre que o urso que havia tirado a vida no início do filme era, na verdade, a mãe de Koda. Finalmente percebendo a magnitude de seus erros, que se iniciaram quando não se 28 responsabilizou pelos peixes que deviam ter sido adequadamente guardados para a cerimônia, Kenai conta a verdade para Koda e pede perdão. No clímax do filme, Denahi consegue encurralar Kenai, ainda como urso, e está prestes a repetir a história, matando-o, quando o espírito de Sitka interfere e transforma Kenai novamente em humano, esclarecendo tudo. Por fim, o protagonista decide permanecer em sua forma de urso para cuidar de Koda e, assim, alcança a maturidade, deixando a marca de sua mão na parede da caverna de seus ancestrais. Irmão Urso é um filme sobre responsabilidade, sobre fraternidade, sobre senso de pertencimento e, acima de tudo, sobre empatia. Trabalhar estes temas com as crianças são de extrema importância, pois, muitas vezes, os conflitos que aparecem no cotidiano escolar estão relacionados justamente a falta dessas qualidades. O enredo ainda traz uma visão sobre a cultura indígena – mesmo que norte-americana – que apesar de ser discutida em disciplinas como História no contexto brasileiro, acaba tendo seu significado passado de forma batida e insossa. Também é relevante o quanto a questão da espiritualidade apresentada no filme pode ser assimilada de forma inconsciente como uma forma alternativa de entender esse aspecto da vida, uma vez que, na sociedade majoritariamente cristã em que vivemos, existem casos em que a rigidez e conceitos morais impostos por essa religião podem afetar emocionalmente as crianças. Os temas presentes nesse filme, como empatia e senso de pertencimento, se mostraram relevantes para o contexto da clientela deste trabalho, pois conflitos relacionados à falta deles estavam presentes em comportamentos de culpabilização e isenção de responsabilidades. 4.3.2 Debates e Dinâmicas de Grupo Todo debate, quando realizado de forma expositiva e democrática, tem como objetivo permitir que o indivíduo expresse o que compreende sobre o conteúdo debatido e permitir a tomada de consciência das diferentes perspectivas que os outros têm sobre o mesmo assunto. Ao propor esse tipo de diálogo com crianças, o papel do educador é o de conduzir o debate para que os temas abordados alcancem a realidade da turma, garantir o respeito e a possibilidade de que cada um poderá expressar sua opinião. É importante que o educador tenha o cuidado de – no mínimo – tentar não demonstrar julgamentos perante as falas dos alunos e, ao invés disso, 29 promover a reflexão, provocando e questionando o que pode ser considerado correto ou incorreto (e o que há entre essa dicotomia) nas diferentes maneiras de ver as coisas e como elas afetam a vivência do grupo. Para Belotti e Faria (2010), pode-se considerar que o diálogo é fundamental para qualquer tipo de relacionamento. No caso do ensino e aprendizagem é fundamental que o educador se volte ao educando, de forma que o enxergue como um sujeito que vem já com muitos saberes, mas no seu contexto de vida. Ainda para esses autores, o diálogo professor-aluno torna-se fundamental na mediação dos conhecimentos, pois essa proposta não se baseia em comandos e em repetições mecânicas. O professor deve envolver-se na mediação dos conhecimentos, não se limitando a uma simples troca de ideias, pois as relações sociais incidem sobre o processo de ensino-aprendizagem (BELOTTI & FARIA, 2010). Além de enriquecer as relações entre os alunos, essa prática também é capaz de favorecer a autonomia das crianças, Rocha (2004) acredita que em uma educação dialógica o papel principal do educador é ser o facilitador da aprendizagem, dialogando e desafiando o aluno a pensar, a criar, a fazer conexões significativas entre os conteúdos disciplinares estudados e as suas experiências de vida (apud BELOTTI & FARIA, 2010). Outra prática capaz de gerar reflexões e mudanças são as dinâmicas de grupo. Estas também podem servir de introdução para os debates e, semelhante a eles, o papel do educador também seria o de conduzir as dinâmicas para alcançar objetivos relevantes para a realidade do grupo, esclarecendo-os desde o início. Andrade (2005) traz um conceito sucinto e claro sobre o assunto, para ela, a dinâmica de grupo é uma técnica que significa colocar um grupo de pessoas em movimento através de jogos, brincadeiras, exercícios, quando são vivenciadas situações simuladas, proporcionando sensações da vida real, nas quais participantes poderão agir com autenticidade, buscando aperfeiçoamento de sua conduta, em situação de autoavaliação. Ou seja, o propósito dessas atividades seria o de proporcionar ao participante uma experiência prática – porém hipotética – capaz de fazê-lo pensar na sua relação com os outros e consigo mesmo, elucidando questões que podem não estar muito claras para si e para o grupo, mas que, ainda assim, influenciam no comportamento coletivo. As dinâmicas e diálogos se mostraram um importante momento para o grupo ao qual este trabalho é direcionado, pois possibilitou abrir um espaço em que 30 as necessidades de escuta e atenção pudessem ser supridas de forma igual e sem qualquer tipo de discriminação. 4.3.3 Respiração Diafragmática para Alívio da Ansiedade em Crianças A ansiedade é um sintoma comum a todo ser humano, sem ele as pessoas seriam incapazes de se preparar para as diversas situações que o dia a dia nos apresenta. Ela se caracteriza como um sentimento de preocupação, medo ou nervosismo perante as possibilidades futuras e, no que se refere às crianças, que estão no início da vida, possibilidades futuras são o que não faltam, logo, elas são muito mais suscetíveis a sentirem ansiedade do que os adultos. Segundo Rosen & Schulkin (1998 apud BORGES et al., 2008) a ansiedade é uma característica normal das crianças e facilita a adaptação frente a novas e diferentes situações. O problema aparece quando essa ansiedade seintensifica podendo tornar-se crônica e disfuncional do ponto de vista do desenvolvimento socioemocional (FONSECA 1998 apud BORGES et al., 2008). Desse modo, com o propósito de amenizar os sintomas da ansiedade e usar seus efeitos para o objetivo natural de preparo e adaptação, torna-se conveniente ensinar às crianças técnicas que as auxiliem nesse sentido, uma delas seria a respiração diafragmática que constitui uma técnica de relaxamento que visa à diminuição da ansiedade. Nessa técnica, pede-se que o indivíduo preste atenção em sua própria respiração e identifique os movimentos de inspirar e expirar colocando a mão sobre o abdômen e a região peitoral. Em seguida, pede-se que respire lenta e pausadamente, inspirando por três segundos, segurando a respiração por mais três segundos e soltando a respiração pela boca por seis segundos. Essa respiração impede a hiperventilação e diminui os sintomas autonômicos e a tensão muscular (Oliveira e Duarte, 2004; Neto, 1998). Por sua simplicidade e eficácia comprovada, a respiração diafragmática pode ser uma aliada em diversas situações, pois, além de aliviar a ansiedade, é possível que também auxilie em momentos em que as crianças estejam muito agitadas e com dificuldade de manter a atenção, como era comum acontecer nas aulas após o recreio escolar da clientela deste trabalho. Estimular este exercício, além 31 de benéfico para o corpo, é um bom momento para promover o relaxamento em conjunto e o sentimento de comunhão entre os alunos. 32 5 DESCRIÇÃO E ANÁLISE DAS ATIVIDADES REALIZADAS Em conformidade com os objetivos deste trabalho, todas as atividades realizadas foram propostas com foco no cotidiano da turma de 5º ano 2 da escola Serafina Milioli Pescador. Dessa forma, foram sendo planejadas, desenvolvidas e adaptadas conforme as observações em sala de aula e os resultados obtidos nas atividades que iam sendo aplicadas, assim, conforme as questões e demandas que surgiam, novas possibilidades de intervenções eram preparadas pelo estagiário, ajustadas com o amparo da orientadora e aprovadas previamente pelos professores e orientadores da escola. 5.1 PERÍODO DE OBSERVAÇÃO (10/03/22 à 31/03/22) Durante conversa com a orientadora pedagógica da escola, foi dado ao estagiário plena liberdade para decidir a forma como gostaria de realizar o trabalho, assim, conforme sua preferência, foi determinado que suas atividades focariam em uma única turma de quinta série (como havia duas, a orientadora indicou a que mais necessitava de atenção). No primeiro dia, o estagiário se apresentou diante da turma de 5º2, explicando que era aluno de Psicologia, precisava realizar um trabalho relacionado à matéria de Estágio e perguntou às crianças se elas o ajudariam; a reação das crianças foi mista, algumas se expressaram de forma um pouco contida, enquanto outras, empolgadas com a ideia, confirmaram prontamente, inclusive comemorando. No período de um mês de observação, algumas questões importantes foram observadas. Os perfis das crianças eram bastante diversificados, havendo 11 meninos e 11 meninas, a princípio, e uma variedade de aspectos físicos e de comportamento. Alguns alunos apresentavam mais agitação do que outros, principalmente quando não estavam em aula com a professora regente. Essa agitação ficava ainda mais evidente ao comparar com o comportamento introvertido de outras crianças. Havia também um contraste entre alunos que se comprometiam em realizar as atividades e tarefas, e outros que muitas vezes se confundiam e nem mesmo traziam os materiais corretos para a aula, nesse sentido, a questão de introversão/extroversão era independente à questão de responsabilidade, ou seja, 33 havia os alunos introvertidos que se comprometiam e os que não se comprometiam com as tarefas, idem para os extrovertidos. Esses momentos de contraste também se mostravam explícitos nas atividades em que os alunos eram chamados na frente da turma para apresentar o livro que haviam lido (atividade que era realizada quase toda semana), enquanto alguns mostravam grande desenvoltura para expor sua compreensão, outros demonstravam muita timidez e nervosismo, alguns justificados por não terem lido o livro completamente, assim, era comum que nesses casos ocorriam períodos de silêncio constrangido, bem como somatização do nervosismo para enjoos e dores no estômago. Ocorria também um comportamento diferenciado em relação a alguns alunos, tanto por parte das outras crianças quanto dos profissionais da escola. Havia, de certa forma, uma expectativa de comportamento para determinadas crianças na turma, tais expectativas estavam relacionadas ao mau comportamento, como agressão e xingamentos (justificados pelo histórico de conflitos que persistiam mesmo durante o período do estágio), mas também expectativas relacionadas à dificuldade de aprendizado (alguns justificados por diagnósticos neurológicos), e até mesmo relacionados à falta de responsabilidade. Esses estigmas influenciavam a maneira como as crianças se relacionavam, pois, mesmo quando nenhum conflito ocorria, as crianças já esperavam que “aquele(a)” colega criaria algum tipo de desordem, ou quando subestimavam a capacidade intelectual ou duvidavam da responsabilidade para com as tarefas escolares de colegas específicos. Esse fenômeno ocorria de tal forma que mesmo alunos novos que entravam na turma durante o período letivo eram capazes de identificar os indivíduos estigmatizados e adotavam o mesmo comportamento de discriminação. Alguns alunos, inclusive, demonstravam satisfação ao verem colegas sendo advertidos e punidos pelo mau comportamento. Dessa maneira, havia nessas expectativas uma influência que nada ajudava na superação desses comportamentos ou promoviam uma percepção de igualdade entre os alunos. Em algumas ocasiões durante as aulas os alunos mais extrovertidos procuravam oportunidades para conversar sobre assuntos pessoais, como suas famílias e suas relações com seus responsáveis e irmãos, seus sentimentos (algumas emoções e sentimentos eram estigmatizados como específicos de determinadas crianças na turma), mas quando o assunto chegava em eventos de conflitos passados relacionados ao mau comportamento de alguns alunos, o assunto era prontamente interrompido pelos professores e visto como um tipo de tabu para o grupo (talvez para 34 impedir que o estigma se reforçasse). Nesses momentos ficava evidente a necessidade de atenção e de aceitação que as crianças direcionavam aos professores. Também eram nesses momentos que ficava claro a grande variedade de configurações familiares que as crianças apresentavam e que, em alguns casos, influenciavam na carência de atenção e afeto que elas demonstravam. No período de observação, o estagiário procurou criar vínculos com os alunos, utilizando de diversas estratégias para isso, como interagir com eles durante o intervalo, às vezes brincando ou conversando sobre assuntos do cotidiano, como as tarefas, as apresentações dos livros, suas relações com os colegas, e até mesmo sobre as cartas de Pokémon que eram fonte de grande interesse para eles. Muitas vezes essas interações eram iniciadas pelas próprias crianças. Tendo em vista a evidente carência emocional que apresentavam, não houve resistência para estabelecimento de vínculo e logo o estagiário foi acolhido e considerado como um integrante – embora diferente – da turma. Cabe ressaltar que durante todas as interações no período deste trabalho, o estagiário procurou adotar uma postura ética, demonstrando respeito pelas crianças e buscando tratá-las com consideração e igualdade. 5.2 INTERVENÇÕES E ANÁLISES Atividade 1 – Filme Lilo & Stitch (08/04/22) Tema: Utilização de narrativa de filme para introdução de diálogos. Objetivo: Assistir ao filme de animação “Lilo & Stitch”.Material utilizado: Computador e TV (disponíveis na sala Maker da escola). Desenvolvimento e considerações: Os alunos reagiram com grande contentamento ao serem informados que assistiriam ao filme, menos da metade já havia assistido e os que já o haviam feito não lembravam do enredo. Durante a exibição, fizeram silêncio e prestaram muita atenção. Receberam pipoca levada pelo estagiário e preparada pelas merendeiras da escola. É importante destacar alguns momentos: No filme há uma cena em que, após Lilo e sua irmã brigarem e gritarem ofensas uma para a outra, numa tentativa de fazer as pazes, Nani vai ao quarto de Lilo e, agora numa conversa mais afetuosa, a irmã mais nova verbaliza sua aflição, dizendo “somos uma família incompleta, não é, Nani?”, no que a mais velha nega a princípio, mas depois concorda que são diferentes. Nesse momento, uma das crianças lançou ao estagiário 35 um olhar de significativa comoção, como se visse ali uma identificação para suas próprias aflições. Em outras duas cenas várias crianças se emocionaram, na primeira delas Stitch, após arruinar o dia na praia com seu comportamento agressivo, está no quarto com Lilo durante a noite. Ele olha uma foto dos pais falecidos da menina, no que ela explica: “É a minha família (...), o que aconteceu com a sua? Já te ouvi chorar à noite... Sonha com a sua família? É por isso que estraga as coisas? Que me provoca?”. Stitch, sentindo que seu comportamento estava atrapalhando, pega o livro do patinho feio e sai pela janela para buscar sua família, mas não antes que Lilo diga que se ele ficasse, seria tratado com carinho, mas se quisesse ir, tudo bem, ela o guardaria no coração como todos que já foram embora, então ela guarda a foto dos pais embaixo do travesseiro e Stitch parte. Em outra cena que causou comoção: após ajudar a resgatar Lilo de um comandante alienígena, Stitch é capturado e, antes de ser levado embora na nave, ao ser mencionado como uma experiência genética, ele diz que agora tem um nome e pergunta se pode se despedir de Lilo e Nani, no que a grande conselheira alienígena concorda e, perplexa, pergunta quem são aquelas pessoas, e Stitch responde: “Esta é a minha família, eu que achei, sozinho, eu que achei.”. Ao término do filme, uma das crianças chegou para o estagiário e prontamente falou: “Eu aprendi que família significa NUNCA abandonar!”. Atividade 2 – Diálogo sobre o filme e apresentação da “Caixa dos Pensamentos” (08/04/22) Tema: Família, estigma social e sentimentos. Objetivo: Dialogar sobre os temas citados usando o filme Lilo & Stitch como apoio e apresentar o instrumento “Caixa dos Pensamentos”. Material utilizado: Urna de madeira com cadeado personalizada, papel e caneta/lápis. Desenvolvimento e considerações: Após o intervalo, as crianças voltaram para a sala e iniciou-se um diálogo sobre os temas que haviam sido transmitidos pelo filme. O estagiário começou dizendo que havia assistido aquele desenho pela primeira vez quando tinha a idade deles e que havia aprendido algumas coisas importantes, dentre elas, estava o fato de compreender que nem sempre as famílias eram compostas pelo modelo de pai/mãe/filhos, e que era comum termos famílias com formatos diferentes, alguns exemplos foram citados, inclusive a família do filme, que era composta por 36 duas irmãs biológicas e um irmão adotivo. Para garantir que cada um pudesse se expressar, o estagiário pediu para que quem quisesse falar levantasse a mão, assim, as crianças viram nesse momento uma oportunidade de falar – e serem ouvidas – sobre suas famílias e de como algumas eram diferentes do padrão. Enfatizou-se o fato de que não havia famílias certas ou erradas, mas únicas e diferentes. Após isso, o estagiário procurou trabalhar com o tema de estigma social usando o filme como referência e de uma forma que as crianças pudessem entender, desse modo, ele perguntou se as crianças tinham achado a Lilo e o Stitch parecidos um com o outro, então os alunos confirmaram dizendo que eles “eram rejeitados”: Lilo era rejeitada pelas outras crianças, enquanto Stitch era rejeitado pelos alienígenas. O estagiário pontuou que Stitch era tratado como alguém que só sabia “destruir as coisas” enquanto Lilo era tratada como “louca ou estranha”, ambos reagiam a esse tratamento com agressões, logo, eles se tornavam exatamente aquilo que as pessoas falavam que eles eram. Assim, fez-se o questionamento: “Percebem como é difícil mudar nosso comportamento quando todos nos tratam como se não fossemos capazes de mudar?”. Em seguida questionou-se o que teria acontecido aos personagens se a Lilo tivesse tratado o Stitch da mesma forma que todos o tratavam. Erguendo as mãos, as crianças foram respondendo que provavelmente a Lilo iria para um orfanato devido às questões envolvendo a assistência social e o Stitch seria levado para a prisão dos alienígenas. O estagiário conduziu a conversa para que as crianças percebessem que muitas vezes era esse tipo de coisa que acontecia na sala de aula também. Mas, no filme, não foi o que aconteceu, pois Lilo deu ao Stitch duas coisas muito importantes que fizeram seu comportamento mudar para melhor, quando questionados sobre o que seriam essas duas coisas, os alunos falaram sentimentos como “amor”, “carinho” e “respeito”, que foi confirmada e sintetizada pelo estagiário como “amizade” e “afeto”, pontuando que todos eles precisavam dessas duas coisas para ter um bom comportamento, e sugeriu a possibilidade de cada um ofertar esses sentimentos para os colegas. Em seguida foi apresentado aos alunos a “caixa dos pensamentos”, uma pequena urna de madeira com um adesivo do filme, e todos foram convidados a escrever em um pedaço de papel o que eles sentiram enquanto assistiam ao filme e por qual motivo eles acreditavam terem sentido tal emoção. Não sendo necessário se identificar. Naquele momento, o objetivo da caixa seria receber um feedback sobre como o filme e os temas foram assimilados por cada aluno. Após colocarem os papéis 37 na caixa, todos puderam personalizá-la com desenhos e adesivos, pois, a partir daquele momento, a caixa pertenceria a eles e seria usada coletivamente pela turma. Quanto ao conteúdo dos “pensamentos” na caixa, as crianças expressaram estarem extremamente felizes com a experiência, relatando que se emocionaram e se identificaram com a Lilo, com o Stitch e até mesmo com a Nani. Algumas ainda relataram sentimentos como medo, preocupação, raiva e tristeza durante o filme, mas ficaram aliviadas por tudo terminar bem no final. Em destaque alguns “pensamentos” que diziam que aquele tinha sido “o melhor dia da sua vida”, outros que se identificavam com a rejeição sofrida pelos personagens, bem como outros que se identificaram com cenas bem específicas envolvendo a assistência social. Atividade 3 – Dinâmica da “Caixa dos Pensamentos” (14/04/22) Tema: Expressão de sentimentos. Objetivo: Apresentar a caixa como uma nova forma de se expressar. Material utilizado: Urna de madeira com cadeado personalizada. Desenvolvimento e considerações: Nesse dia o estagiário trouxe novamente a “caixa dos pensamentos”, apresentando-a para os alunos que haviam faltado na atividade do filme e para a nova aluna da turma, relembrando-os o que tinham feito Figura 1 – “Caixa dos Pensamentos” Figura 2 – “Caixa dos Pensamentos” Fonte: arquivo pessoal Fonte: arquivo pessoal 38 naquele dia. Foi informado que a partir daquele dia a caixa ficaria no armário da sala, e que eles poderiam usá-la para colocar seus “pensamentos” nela. Porém, os pensamentos precisariam consistir no que eles estavam sentindo naquele dia e o motivo pelo qual acreditavam sentir aquela emoção, ou seja, precisavam seguir o modelo: Hoje estou me sentindo [sentimento] porque [motivo]. Sendo a identificação do autor opcional.Alguns exemplos foram citados, como “hoje estou me sentindo feliz pois fiz a tarefa e recebi um elogio da professora”, ou “hoje estou me sentindo ansioso(a) por algo pessoal que aconteceu em casa”. O estagiário explicou que aquela seria uma forma diferente para eles se expressarem, pois “nem sempre encontramos momentos convenientes para expressar nossos sentimentos, além disso, quando expressamos um sentimento ruim, de alguma forma isso nos ajuda a aliviá-lo”. Outra justificativa foi o fato de que, quando pensamos em nossos sentimentos, isso nos ajuda a nos conhecer melhor e nos impede de tomar atitudes equivocadas. Por estar cadeado, havia a segurança de que ninguém abriria a caixa com exceção do estagiário, que se comprometeu a não mostrar os “pensamentos” para ninguém e garantir o anonimato dos alunos mesmo que tivesse seu nome escrito. Os alunos se mostraram muito empolgados com a ideia e perguntaram se poderiam escrever mais de uma vez na semana, o que foi confirmado. Foi proposto, então, que de acordo com o conteúdo da caixa, seriam planejadas novas atividades e diálogos com a turma. Na semana seguinte, a caixa encontrava-se com um grande volume de “pensamentos”, com uma variedade de sentimentos e entre eles alguns se repetiam, como sentimento de felicidade justificado por motivos pessoais ou relacionadas à escola (mais de um citava o lanche do recreio), nervosismo com relação às provas e apresentações, tristeza por terem esquecido os materiais ou de fazer tarefas. Chamou a atenção a ênfase dada a sentimentos de raiva, solidão e preocupação, relacionados tanto à vida familiar quanto escolar, destacou-se um em que a criança, mesmo se sentindo triste e preocupada com as coisas que aconteciam em casa, procurava sorrir para não preocupar os colegas. Tendo em vista que esse comportamento é muito comum vindo de indivíduos mais introvertidos, fica claro que, mesmo aquelas crianças mais quietas, consideradas como “bem-comportadas”, possuem questões importantes que as afligem e nem sempre encontram maneiras de expressá-las. Alguns citavam a palavra “constrangimento” quando a turma era advertida pelo mau comportamento, alguns sentimentos de culpa eram mencionados 39 como “pecado” e outros expressavam suas aflições relacionadas à sua timidez ou sexualidade e, em meio a todos esses sentimentos, a ansiedade se mostrou um tempero frequentemente utilizado na expressão de sensações tanto positivas quanto negativas. Alguns expressavam grande desejo de serem escolhidos no sorteio de “ajudante do dia” para auxiliar a professora regente, evidenciando sua carência de atenção e necessidade de provação e aceitação pelos adultos. Nesse sentido, a “caixa dos pensamentos” se mostrou um importante instrumento para entender questões íntimas e profundas que afetavam o grupo, bem como indispensável para o planejamento de intervenções futuras. Atividade 4 – Diálogo sobre sentimentos e técnica de respiração diafragmática (28/04/22) Tema: Sentimentos, ansiedade e respiração diafragmática. Objetivo: Dialogar sobre o conteúdo da “caixa dos pensamentos”, sobre ansiedade, e apresentar a técnica de respiração diafragmática. Desenvolvimento e considerações: Na frente da sala, o estagiário procurou dialogar sobre alguns sentimentos que haviam aparecido na “caixa dos pensamentos” começando pelos sentimentos de felicidade e alegria que havia aparecido diversas vezes e cujos motivos eram muito variados, alguns relacionados a atividades legais realizadas com familiares, outros pela satisfação de terem conseguido realizar as tarefas e atividades da escola, e alguns relacionados ao lanche da hora do recreio. Depois mencionou-se alguns sentimentos ruins, como preocupação e tristeza. O estagiário citou o fato de que alguns colegas tentavam não demonstrar esses sentimentos para não preocupar os colegas, algo que pareceu causar grande impacto na turma. Em seguida, mencionou-se o sentimento de ansiedade, que apareceu em muitos “pensamentos”, o estagiário pediu para levantar a mão quem soubesse dizer o que era ansiedade, no que as crianças responderam como “um sentimento de quando não conseguimos esperar por alguma coisa” ou “quando não conseguimos lidar com todas as possibilidades do futuro”. Parabenizando as respostas, o estagiário começou explicando que a ansiedade era exatamente aquilo que haviam respondido e que, apesar de tudo, era muito normal que nos sentíssemos ansiosos às vezes, pois a ansiedade servia para nos preparar para nossos deveres e compromissos. Foi mencionado que a ansiedade era como “um sinal que o cérebro nos manda para nos lembrar de que precisamos nos preparar para alguma coisa ou que, no mínimo, 40 devíamos ter nos preparado”. Como exemplo foi citado a ansiedade que sentimos quando esperamos por uma prova (precisamos nos preparar para ela), ou quando esquecemos de fazer uma tarefa importante da escola (devíamos ter nos preparado realizando-a). Porém, às vezes a ansiedade é tão grande que nem conseguimos nos preparar para o que precisamos, por isso uma técnica de respiração seria ensinada para aliviar esse sintoma. O estagiário se sentou em uma carteira na frente da turma, e começou a instruir as crianças para que corrigissem a postura e fizessem o movimento de inspirar somente pelo nariz por 4 segundos, expandindo a barriga para liberar espaço para o oxigênio entrar e mantendo o ar dentro dos pulmões por 2 segundos, expirando o ar, em seguida, por 6 segundos e repetindo esse exercício para fixá-lo. O estagiário erguia as mãos durante o período de inspiração e as abaixava no momento da expiração para conduzir o tempo necessário. Um vídeo didático foi compartilhado com os alunos em que um peixe realiza a respiração enquanto sobe e desce, indicando o tempo de expirar e inspirar semelhante ao movimento que o estagiário fez. O vídeo pode ser acessado no link a seguir: < https://www.youtube.com/watch?v=5DlULOx-4ds&ab_channel=BrincaYoga > É importante destacar que, no início da explicação da técnica, uma das crianças demonstrou profunda comoção com a fala de que alguns alunos procuravam não demonstrar suas tristezas e preocupações, precisando sair da sala com a professora para se acalmar. Depois, ambas voltaram e participaram do exercício de respiração. Mais tarde, o estagiário foi informado pela professora que a criança estava passando por alguns conflitos familiares envolvendo questões morais ligadas à religião. Nas semanas que se seguiram, os alunos relataram que a técnica de respiração tinha ajudado com os sintomas de ansiedade, mas também em outras ocasiões, como em momentos de raiva ou de insônia, alegando que inclusive tinham ensinado para os familiares. O estagiário propôs realizar a técnica junto com eles após os intervalos e antes das aulas de educação física, que eram momentos marcados por muita agitação e barulho. Atividade 5 – Diálogo sobre sentimentos (06/05/22) Tema: Sentimentos e solidão. Objetivo: Mostrar que todos são capazes de sentirem os mesmos sentimentos e dialogar sobre solidão. https://www.youtube.com/watch?v=5DlULOx-4ds&ab_channel=BrincaYoga 41 Material utilizado: Urna de madeira: “caixa dos pensamentos”. Desenvolvimento e considerações: Levando em conta as queixas de solidão e exclusão que apareciam na caixa e que os responsáveis por esses sentimentos, em geral, eram sempre os outros (os colegas), e nunca fruto do comportamento do próprio indivíduo que se sentia sozinho, o estagiário procurou fazer um exercício utilizando a “caixa dos pensamentos”. Após ser autorizado a falar em voz alta os pensamentos que estavam na caixa naquela semana, sem citar os autores ou os motivos específicos para os sentimentos, o estagiário disse que tinha percebido algo interessante no conteúdo dos “pensamentos” e que gostaria que os alunos percebessem também. Antes de começar
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