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TENDES BOM ANIMO: UM CÂNTICO NA AGONIA "Eu lhes disse essas coisas para que em mim vocês tenham paz. Neste mundo vocês terão aflições; contudo, tenham ânimo! Eu venci o mundo". (João 16:33) Tragédias não escolhem hora, lugar ou pessoas. Simplesmente se abatem sobre nós. Diariamente temos contato ou conhecimento delas. A diferença consiste em como enfrentá-las, contorná-las e vencê-las. Seguindo o exemplo de Cristo, nós como cristãos devemos observar os seus derradeiros atos em nosso meio. Diante das mais terríveis adversidades, Jesus enfrentou-as com extrema paz e fé nas promessas do Pai. UM CÂNTICO NA AGONIA O que você faria hoje, se soubesse que amanhã se encontraria preso a mais terrível e indescritível crise existencial? Se amanhã você se desse conta de que seu melhor e mais íntimo amigo lhe houvesse faltado ao dever humano e fraternal de solidariedade? O que você faria se, de repente, aquela pessoa de quem você nem de longe desconfiara, na qual você tanto investiu e que tanto usufruiu de sua cultura, seus afetos, inclinações e bens maiores o traísse? O que você faria se a religião na qual você foi criado, em meio a qual foi inspirado, dentro da qual foi instruído, subitamente, estabelecesse uma penalidade contra você? Como você reagiria se, de hábito, se visse escarnecido, vilipendiado, com a honra jogada ao chão, a dignidade exposta a uma situação de zombaria, motejo, galhofa e ironia? O que faria se fosse alvo de grave violência física, por exemplo, ou de uma surra absurda? Qual seria a sua atitude se você tivesse certeza absoluta do que lhe aconteceria nos próximos dias? Houve um dia, na vida de Jesus, quando, olhando adiante, ele só conseguia ver coisas absurdas e semelhantes a essas a que acabo de me referir. Seu dia seguinte seria o dia do Getsêmani; dia da depressão, da agonia; dia do encaramujar da alma; dia da vertiginosa descida à região mais abissal; dia do choro, gemido, solidão profunda. O dia seguinte seria aquele no qual faltaria a solidariedade dos amigos. Ele gemeria, choraria, pediria; solicitaria apoio, companhia, mas os amigos estariam dormindo. Voltaria a eles e em vão questionaria: "Não pudestes vigiar comigo? Não pudestes investir em mim sequer alguns minutos? Não conseguistes vencer o sono? Será que a minha dor é menos importante que o conforto e o sossego? Simão, tu dormes? Não pudeste vigiar comigo uma hora? (Marcos 14:37) O dia seguinte também foi dia de traição, dia no qual Judas Iscariotes - discípulo, apóstolo, amigo, amado - o troca por dinheiro. Judas que fora investido de autoridade, aquele a quem se descortina o reino de Deus; alguém aquinhoado com poder divino para realizar curas, prodígios, expulsão de demônios; aquele que vivenciara realidades concretas da chegada e da demonstração do Reino. E justamente ele que, em função de um bom negócio, trai a amizade; é esse Judas que beija e apunhala. É ele que dá um susto - não um susto no coração de quem não sabia o que ocorreria, mas um susto naquele que, mesmo ciente do que iria suceder, reserva-se, ainda assim, o direito de enfrentar cada momento da vida como cada momento da vida é, com seus temores, sonhos e ambigüidades. O dia seguinte é o dia no qual a religião judaica - segundo a qual foi criado, na qual aprendeu a ler (porque naqueles dias aprendia-se a ler nas escolas rabínicas, lendo a Torá, ou Escrituras), sendo instruído desde a mais tenra infância - após o julgamento, o acusa de herético, não recebe sua mensagem, rejeita sua proposta, considera-o demoníaco, expurga-o. O dia seguinte é o dia da negação, negação de um dos melhores amigos, amigo que diante de uma situação pública afirma jamais tê-lo conhecido, não ter com ele a menor relação, não guardar a lembrança de nenhum encontro; não haver história entre eles, hipótese alguma de cumplicidade. Amigo que declara: "Não sei quem é esse homem; jamais o vi, nunca lhe ouvi o nome; tampouco andei com ele." Amigo que nega a fraternidade, o compromisso, a paixão e o sonho comum. O dia seguinte seria dia de preterição, de troca: "Que preferes, a Jesus, chamado Cristo, ou ao ladrão?" Seria dia no qual o poder público faria opção pelo corrupto, em vez do justo; pela devassidão, e não pela integridade. Seria dia no qual os sistemas e a máquina governamental, por questões políticas, entregariam o inocente para ser condenado e libertariam - com todas as condições de libertação e seus privilégios - o assassino. Dia, pois, de ser trocado de maneira vil; de ser escarnecido - soldados lhe poriam uma coroa de espinhos na cabeça para brincar com a sua realeza (realeza, sim, mas de dor). Colocar-lhe-iam na mão um caniço quebrável, como a dizer que o seu cetro é o cetro da fraqueza. Vesti-lo-iam com um manto aparatoso, para significar que tipo de rei era ele: rei-momo; rei-palhaço; rei do festival; debochariam dele expondo-o a cenas ridículas. Para honrá-lo, cuspir-lhe-iam. A fim de declararem sua sapiência profética, fechar-lhe-iam os olhos para lhe perguntar: "Quem foi que te bateu?" Sarcasmo, ironia. O dia seguinte é o dia da cruz. Dia da violação. Dia da profanação física. Dia da agressão. Dia de ser trespassado. Dia de ser objeto. O que você faria, se soubesse que os três próximos dias da sua vida seriam dessa qualidade? O que você faria, se soubesse que o que o aguarda é a depressão, a facada, a traição, o agravo, a perfídia, a barganha, o julgamento, a exclusão da instituição, o desprezo, a rejeição, a falta de solidariedade e ingratidão dos que se afirmavam amigos? O que você faria se nos próximos dias você perdesse o emprego, ou lhe roubassem a posição em favor do maior corrupto, de pessoas mais convenientes àquela posição? O que faria você, se amanhã fosse o dia do escárnio, do desdém, da injúria, do descrédito, do enodoamento do seu nome, de sua imagem e do seu caráter? O que você faria, se amanhã, ao entrar no uber, onibus, fosse vítima de um ato sádico, um assalto pavoroso, um seqüestro? Ou fosse dia no qual seu marido chegasse bêbado a casa, e tomado pelo machismo arrebentasse seu rosto, esmurrasse-a, atirasse-a ao chão, enchendo-a de hematomas, ferindo-lhe os ouvidos com palavrões e impropérios? Se uma perseguição ocorrece no trabalho. Os dias são dificeis, a vida não é uma mar de rosas, não existem principe encantado, conto de fadas; Noao se você passa por isso, mas eu passo, tem dias e semans que exaustivas, a ponto de voce querer ir para longe, chutar o balde, mas não podemos, temos que é luta mais para ter algo melhor. Ai vem a religião e opreme você, crucifica você. Ela tem o poder imenso de fazer isso com as pessoas, fazer com que elas vivam uma vida dicotomisada. Há muito “crente” superticioso, mistico, com suas mangias e simpatias. E com isso constroem uma angustia diabólica com suas auto-penitencias. Tenho certeza de que não estou sendo irreal, nem estou falando de coisas que não lhe digam respeito. Porque todos nós, de um modo ou de outro, corremos sempre o risco de estarmos na iminência de sofrer algo desse tipo. Viver é correr o risco de tragédia. Estar vivo é estar assistindo à possibilidade de conflito, traição, preterimento, negação, fraude, injustiça, roubo, desonra, calúnia, violência, depressão e "ilhamento". Hoje, não sabemos o que nos pode acontecer amanhã ou depois. Mas o Cristo ao qual me refiro conhecia o futuro – porém tal atributo não o impediu de do direito e o privilégio de rir e de chorar, de alegrar-se ou de sofrer a cada instante. É o mistério que só se explica em Deus: saber tudo, e, no entanto, viver tudo com a surpresa da chegada de cada coisa. E qual a atitude de Jesus na véspera do tudo mal? Na véspera do trágico? Na véspera do tudo-nada? Marcos conta, no cap. 14, v.22 e 23 que, partindo o pão, ele disse: "Isto é o meu corpo"; e tomando o cálice, acrescenta: "Isto é o meu sangue" - prova de queestava plenamente consciente do que o aguardava. O v.26 diz mais: "Tendo cantado um hino, saíram para o Monte das Oliveiras". O que esperava por Jesus era o ser ele partido, rasgado, moído, ultrajado, usado. No entanto, ele canta um hino! E que hino era esse? Era justamente o hino que o judeu cantava na Páscoa, o Salmo 115, que afirma o amparo de Deus; salmo que admoesta: "Não confieis em ídolos. Têm boca e não falam; têm olhos e não vêem; têm ouvidos e não ouvem; têm nariz e não cheiram. Suas mãos não apalpam; seus pés não andam; som nenhum lhes sai da garganta". Ele exorta a que se confie no Senhor, em quem há amparo, refúgio, conforto, segurança. Parece ironia cantar um hino desses à véspera do que Cristo sabia ser a moenda da sua alma, o trilhar do seu corpo, o lacerar e escalpelar da sua carne. Sim, Jesus foi neste planeta o único homem que soube crer no que Paulo articularia teologicamente mais tarde: "Sabemos que todas as coisas cooperam para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles que são chamados segundo o seu propósito" (Rm 8:28). Jesus de Nazaré cantou antes da agonia; cantou louvores no gemido. E diga-se: em Cristo, o cantar, antes de tudo, equivale a cantar depois. Porque ele canta não antes da surpresa absoluta, mas sabendo o que está por vir. O que significa terminar a cruz em louvor. O que o chicotear, o deprimir, o esmagar, o humilhar, o tripudecer, o caluniar, o escarnecer, o decepcionar, o desacreditar, o roubar, o espatifar de ilusões estarão criando em nós? Será que os gestos, jeitos, modos, palavras e tudo mais que acontece nesse mundo, não estariam gerando em nosso ser uma alma desértica, um coração duro, frio, incapaz do amor, da dádiva, da troca, do sossego e da paz? Será que não teria arrancado de nós a capacidade de sonhar, de crer, de renunciar e de ser grato? Será que os fatos e as ocorrências do dia estão gerando em nós a idéia de que Deus tem o braço encolhido? Que ele é um Deus impotente, inoperante e alienado; um Deus-ídolo? E não aquele que sabe todas as coisas. Ou será que, por sua graça, seremos capazes de enfrentar o que vier, chorando e gemendo com louvor, com gratidão, na certeza de que aquilo que dói em nós, magoa e fere fundo; aquilo que nos embaraça e tonteia pelo impacto; que nos surpreende, decepciona e assusta, de maneira nenhuma revela e retrata a inoperância e pouco-caso de Deus. Ao contrário, espelha a certeza de que, por trás do que se pode chamar bueiro da dor, da decepção, negrume da solidão, haverá finalmente a estrada em direção ao único Pai - o único Amigo - e à única vitória e certeza. Certeza que nos capacita a viver apesar do desamor e abandono, da aflição da perda irrecuperável; apesar do horror do amigo traiçoeiro e traidor, apesar da tristeza. Cristo canta a ressurreição. Ele canta a intervenção, celebra a vitória antes dela. Tende bom animo, o Espírito do Senhor nos ajude a cantar um hino e sair... Sair para lutar! Sair para batalhar. Sair, enfim, para viver a própria vida! Faça a vida a careta que fizer, use contra nós as armas que usar, empunhe em nossa direção as foices traiçoeiras e devastadoras que quiser. Pois, apoiados ao muro da esperança, em Deus, iremos de peito aberto contra todo choque e toda cilada, celebrando de antemão a vitória, a interferência e o amparo do Todo-Poderoso, em meio à agonia. TENTES BOM ANIMO. Se você tivesse certeza absoluta do que lhe aconteceria nos próximos dias, qual seria a sua atitude? Qual foi a atitude de Jesus Cristo antes de sua crucificação, já sabendo o que O esperava no dia seguinte? Participou da Ceia com os apóstolos e depois cantou um hino de louvor. Tribulações irão surgir, quase que diariamente, mas saiba manter-se tranqüilo ao ponto de poder cantar um hino de louvor, Um Cântico na Agonia. Saia para glorificar o nome de Jesus, cantando antes, durante e depois! "Eu lhes disse essas coisas para que em mim vocês tenham paz. Neste mundo vocês terão aflições; contudo, tenham ânimo! Eu venci o mundo". (João 16:33)
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