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Chile, 1970-1973: Do Socialismo ao Terror de Estado CESAR AUGUSTO BARCELLOS GUAZZELLI 1 Os anos 1970 marcaram quase todos os países da América Latina pela presença contundente de ditaduras civil-militares que tinham como característica fundamental a presença do Terror de Estado. Nesta conjuntura, um dos mais notáveis processos históricos foi a assim chamada “via chilena” para o socialismo, que de 1970 a 1973 embalou os sonhos utópicos de toda uma geração. Isto se deu pela preservação das instituições democrático-burguesas, pelo engajamento dos setores populares ao projeto, pelo boicote permanente dos setores dominantes e do imperialismo, ou pelo final sangrento que inauguraria uma das mais ferozes ditaduras de que se tem notícia. A presença do Chile nas questões políticas do Brasil já aparecera noutros tempos, quando se comemorava o curto período de legalidade do Partido Comunista do Brasil (PCB). 2 O já histórico comunismo chileno se fez presente no famoso Comício do PCB realizado no Estádio Pacaembu em julho de 1945. Nesta ocasião o poeta Pablo Neruda, o mais importante intelectual do Chile, dedicou um poema em homenagem ao líder comunista Luis Carlos Prestes, que em abril do mesmo ano fora libertado após nove anos de prisão. 3 Poucos anos depois, Canto General, a grande obra do futuro Prêmio Nobel aludia a Prestes em mais outro poema, destacando-o entre os grandes Libertadores do continente americano. Em contrapartida, às vésperas do famigerado Quinto Ato Institucional (AI-5) a ultradireita brasileira já manifestava suas enormes preocupações com o futuro do Chile e suas consequências para a América Latina. Mesmo que o governo chileno de então fosse Eduardo Frei, o moderado líder do Partido Demócrata Cristiano, suas ações promovendo uma tímida reforma agrária e um incentivo à construção de imóveis populares preocupavam aqueles setores. A Sociedade Brasileira Da Tradição, Família e Propriedade (TFP), presidida por Plínio Corrêa de Oliveira, em contato com a associação homônima do Chile através de seu presidente Larrain Campbell, 1 Doutor em História Social/ Professor do PPG em História da Universidade Federal do Rio Grande do Sul/UFRGS. cguazza@terra.com.br 2 Só em 1960 o PCB mudaria seu nome para Partido Comunista Brasileiro, mantendo-se alinhado com o Partido Comunista da União Soviética (PCUS). Uma facção mais radical – que aderira ao maoismo – saiu do partido criando uma nova associação, o Partido Comunista do Brasil (PCdoB). 3 NERUDA, Pablo. “Dicho en Pacaembu”. Canto General. Buenos Aires: Losada, 1975, p.143-145. “Prestes del Brasil”, que também seria incorporado à mesma obra editada m 1950. Id: p. 141-143. mailto:cguazza@terra.com.br viabilizaram a publicação do livro Frei, o Kerensky Chileno, de Fábio Vidigal. As direitas do continente antecipavam a possibilidade de um governo esquerdista no Chile, buscando mobilizar as forças mais conservadoras a reagirem ao “perigo vermelho”. 4 Para esta ultradireita – e para a ditadura brasileira também! – o que esperavam de pior para o Chile aconteceu nas eleições presidenciais de 1970, com a vitória do candidato socialista Salvador Allende. Ela deveu-se a uma conjuntura muito específica acontecida ao final do governo do democrata cristão Eduardo Frei. Os grupos dominantes chilenos apresentaram-se divididos no enfrentamento com as forças de esquerda. Havia de um lado o Partido Nacional – resultado da fusão dos tradicionais partidos Conservador e Liberal do século XIX – que defendia as posturas mais conservadoras, representando a oligarquia fundiária, setores financeiros e a burguesia associada ao capital monopólico, tendo penetração nos setores rurais mais atrasados. Noutro campo estava a democracia cristã: originário da Falange Nacional – uma defecção do Partido Conservador, de corte fascista, ocorrida em 1938 – o Partido Demócrata Cristiano se afastara significativamente deste passado retrógrado e tivera um expressivo crescimento nos anos 60, representando a burguesia industrial e comercial, pequena burguesia, grupos médios urbanos, setores do operariado e dos camponeses, e até mesmo alguns latifundiários. Essa composição mais heterogênea e policlassista levara o governo Frei, que se encerrava, a algumas medidas de cunho social, controle mais rigoroso do setor financeira, ampliação do mercado interno e uma tímida reforma agrária, o que fazia a democracia cristã irreconciliável com o Partido Nacional. Esta cisão entre os grupos não esquerdistas se expressou em candidaturas separadas nas eleições presidenciais: de um lado Jorge Alessandri, do Partido Nacional, de outro Radomiro Tomic, do Partido Demócrata Cristiano. Já a Unidad Popular era um amplo leque de alianças de grande coesão interna. A presença hegemônica do proletariado se representava pelos partidos Comunista e Socialista, de larga trajetória na política do Chile. Os comunistas tinham, desde a fundação em 1912 com o nome de Partido Operário Socialista, uma grande adesão dos trabalhadores urbanos chilenos. Já os socialistas, organizados partidariamente desde 1929, também representavam importantes setores do operariado além de inserções em 4 SILVEIRA, Fábio Vidigal Xavier. Frei, o Kerensky Chileno. Editora Vera Cruz, 1967. setores médios. Estes dois partidos estavam habituados a formarem alianças: a Frente Popular de 1938 elegeu Cerda presidente; em 1958, outra aliança entre comunistas e socialistas ficou a meros trinta mil votos da vitória. Além deles, outras associações compuseram a Unidad Popular: o Partido Radical, que representava essencialmente setores médios urbanos e médios proprietários, e o Movimiento de Acción Popular Unitaria (MAPU), uma facção da democracia cristã que se radicalizara. Ainda no campo progressista havia o Movimento de Izquierda Revolucionária (MIR), que defendia o assalto revolucionário ao poder por operários e camponeses. O MIR via com ceticismo a Unidad Popular, e mais tarde partiria para ações diretas mais radicalizadas. Com esta coesão da esquerda e aquela já apontada divisão entre o Partido Nacional e os democratas cristãos, aconteceu a vitória de Unidad Popular: em 4 de setembro de 1970, com 36,6% dos votos, venceu o socialista Salvador Allende; Alessandri obteve 34,9 % e Tomic apenas 27,8%. Os opositores mais extremados esperavam atitudes golpistas das Forças Armadas que, entretanto, desde os anos 30 não intervinham nos rumos políticos do país. Mas postura legalista do general René Schneider, Comandante-em-Chefe das Forças Armadas, defendia a obediência à Constituição do país, criando a chamada Doutrina Schneider que promovia a exclusão das forças armadas da política nacional. 5 Esta postura levaria ao seu assassinato em 25 de outubro pelos terroristas da organização Patria y Libertad, um grupo de extrema direita de corte fascista. É possível que este complô tenha sido armado pela Central Intelligence Agency (CIA) dos Esyados Unidos: presumivelmente autorizada pelo chanceler estadunidense Henry Kissinger, o afastamento de Schneider seria uma condição para impedir a posse de Allende. 6 No entanto, além da grande comoção popular que havia causado o atentado, o presidente Eduardo Frei agiu com energia, e nomeou para o cargo o general Carlos Prats, que 5 Afirmara Schneider ainda em maio de 1970: “vamos garantizar la normalidad del proceso elecccionario y dar seguridad de que asuma el Poder Ejecutivo quien resulte electo.” AYLWIN, Mariana & al. Chile en el Siglo XX. Santiago: Planeta, 1999. 230-232. 6 É famosa uma frase de Kissinger sobre a eleição de Allende: "Não vejo porque precisamos ficar parados e assistir um país tornar-se comunista por causa da irresponsabilidadedo seu povo. As questões são muito importantes para deixarmos os eleitores chilenos decidirem por si mesmos.” FAGEN, Richard R. The United States and Chile: Roots and Branches. Foreign Affairs. New York (USA): Council of Foreign Relations, jan. 1975. (O jornalista esclarece que a frase pode ser apócrifa, o que não retira o caráter imperialista da política externa americana em relação à América Latina e a ameaça que o Chile representava.) compartilhava a defesa da ordem legal. Ele foi mantido no cargo por Salvador Allende, e mais tarde seria Ministro da Defesa, do Interior e Vice-Presidente. Mas restava ainda uma questão política: por não ter maioria absoluta de votos, a eleição necessitava de confirmação no Congresso Nacional, majoritariamente contrário à Unidad Popular. Aqui uma vez mais a Democracia Cristã manteve uma posição coerente com as urnas, e Allende obteve 78.4 % dos votos dos congressistas, legitimando-se como presidente. Parecia a concretização de uma utopia socialista, uma revolução “desarmada” que buscava – a partir da Unidad Popular eleita nos marcos de uma democracia burguesa – profundas transformações sociais nos termos constitucionais e sem uso da força. O governo Allende já em seu primeiro ano tomou medidas de grande impacto político e social. Das mais significativas foi a nacionalização das riquezas minerais, em especial o cobre, principal produto de exportação do Chile. O Congresso, com representação majoritária dos partidos conservadores, foi constrangido a autorizar as alterações constitucionais que permitiam a nacionalização devido à grande repercussão popular que tinha a questão dos enclaves mineiros desde o início do século XX. A intervenção no setor fundiário também foi forte, tendo em poucos meses sido desapropriadas dez vezes mais terras do que em todo o período Frei. Houve ainda a estatização de alguns bancos e setores industriais. Ou seja, se havia intervenção nas empresas estrangeiras, nos latifúndios e no capital financeiro, o governo de Allende afiançava uma proposta ao mesmo tempo anti-imperialista, antioligárquica e antiburguesa. A construção dessas bases para uma transição socialista provocou retaliação imediata por parte dos grupos conservadores, com um acentuado desabastecimento de produtos, gerador de mercado negro e pressões inflacionárias. Ainda em 1971 o governo Allende iniciava o enfrentamento com os bloqueios ao seu programa no Congresso e no Judiciário, que tendia a desequilibrar-se desfavoravelmente ao governo na medida em que esse fosse perdendo o apoio de grupos sociais não proletários; aqui os partidários da democracia cristã faziam valer seu papel anunciado de vigilante da legalidade dos atos do Executivo, tornando-se porta-voz de um discurso em prol das “liberdades democráticas”, tratando de incorporar dissidências da Unidade Popular. Além da ação parlamentar, a direita chilena fomentava manifestações de rua, atraindo grupos médios urbanos diretamente atingidos pelo desabastecimento e influenciados pela propaganda contra a “desordem” e o “caos”; tornaram-se comuns as “marchas das caçarolas” patrocinadas pelas donas-de-casa, mas já infiltradas por militantes de ultradireita. Por outro lado, a Unidad Popular enfrentava também problemas com os esquerdistas mais radicalizados que faziam parte do MIR. Este desde o início tecera críticas ao governo Allende, negando-lhe o caráter socialista; apesar de reconhecer e apoiar as medidas antioligárquicas e anti-imperialistas que haviam sido tomadas, o MIR as caracterizava como reformistas, cujo alcance não ultrapassaria a concepção que tinham de “capitalismo de Estado”. Constituído basicamente por estudantes – tinha pouca representação na Central Única dos Trabalhadores –, o MIR criticava o pluralismo da Unidad Popular, defendendo práticas “revolucionárias”, como ocupação de terrenos e expropriações, atingindo interesses e bens de pequenos e médios proprietários, que se tornavam assim sensíveis à propaganda direitista de “caos social”. Mas já no ano seguinte apareceram e recrudesceram as ações de enfrentamento e sabotagens – internas e externas – ao governo Allende. As dificuldades em manter as relações comerciais pelo declínio do preço do cobre somaram-se ao desabastecimento generalizado provocado por atacadistas, comerciantes e setores de transportes. Havia ainda uma insólita mobilização de setores das classes dominantes, os moradores dos “barrios altos” protestando contra a situação política e econômica do Chile. Estes graves problemas foram amplamente noticiados pela imprensa nacional e agências estrangeiras, constituindo-se em forte propaganda contrarrevolucionária. Ao longo de 1972 o acirramento das contradições conduzira a uma polarização do cenário político: apesar de algumas defecções, como o caso do Partido Radical, a Unidad Popular consolidava-se como bloco de apoio ao governo, atraindo também outros setores, Izquierda Cristiana, formada por democratas cristãos dissidentes. Mas no outro campo, o Partido Demócrata Cristiano aparava suas arestas com o Partido Nacional e solidificava a oposição a Salvador Allende. Se a situação política era tensa, a crise econômica também se agravava: o capital monopólico punha em cheque a situação do Chile, criando dificuldades imensas na negociação da dívida externa, suspendendo o envio de insumos e, em especial, produzindo a queda do preço internacional do cobre, provocando uma importante redução nas reservas cambiais do país. Por outro lado, os estrangulamentos e desequilíbrios provocados na produção primária tornavam crônicos a falta de bens de consumo e o mercado negro, apesar do país ainda manter-se em crescimento econômico. As Juntas de Abastecimento e Preço criadas pelo governo foram declaradas ilegais; tinham lugar, entretanto, as greves patronais e lockouts, que recebiam a adesão da pequena burguesia, pequenos proprietários e profissionais liberais. A mobilização do proletariado e dos estudantes precisou ser intensa para impedir uma completa paralisação do país. Assim, os setores conservadores mantinham forte expectativa de que as eleições legislativas de 1973 trouxessem a maioria de dois terços, o que permitiria a destituição do presidente pelo Congresso, não vendo ainda a necessidade de usar a força. De outra parte, as Forças Armadas, ainda controladas por militares constitucionalistas, aceitavam um papel “arbitral” nos conflitos, passando seu comandante, o general Prats, a integrar o gabinete de Salvador Allende. Essa periclitante estabilidade das instituições não sobreviveria muitos meses à vitória da Unidad Popular, que arrematou 44% dos votos e com isso, paradoxalmente, encaminhou sua própria ruína. Os grupos dominantes chilenos, seus partidos, mais o capital monopólico, abandonaram quaisquer veleidades legais que tivessem para retomar o poder; a sinalização de que, apesar dos boicotes, cada vez mais se afirmava o programa popular, conduziu a direita chilena a intensificar suas estratégias de combate ao governo Allende, ao mesmo tempo em que surdamente preparava-se para a solução ditatorial. Deste processo fez parte o levante de 29 de junho conhecido como Tancazo ou Tanquetazo, quando uma coluna de 16 carros de combate invadiu o centro de Santiago e cercou o Palacio de La Moneda, da presidência. A sublevação foi dominada pelas tropas leais comandadas pelo general Prats, mas trouxeram alento aos opositores do regime, dentro e fora do Chile. 7 Na ocasião, especula-se que Prats teria alertado ao presidente sobre a necessidade de endurecer o regime, enquanto ainda contava com o apoio da maior parte das Forças Armadas. Fiel ao seu compromisso de respeitar os preceitos constitucionais, Allende recusou a proposta, Dois meses depois, Prats renunciou ao ministério da Defesa, substituído por Augusto Pinochet, um militar da inteira confiança do presidente.7 Durante o Tancazo, jornalista argentino Leonardo Henrichsen filmava as ações quando foi alvejado por um cabo das forças golpistas; as imagens do cinegrafista “documentando a própria morte” causaram impacto mundialmente, o que não impediu a propaganda anticomunista contra o governo de Allende. Em 11 de setembro viria o esperado golpe militar, uma ação cruenta levada a cabo por todas as Forças Armadas chilenas, comandadas pelo próprio ministro Pinochet da Defesa. O bombardeio Palacio de La Moneda foi televisionado para o mundo inteiro, e recebido com regozijo por todos oposicionistas, dentro e fora do Chile. Mesmo a imagem de uma sede de governo sendo alvejada e incendiada, com o presidente Allende morrendo durante o bombardeio recebeu qualquer contrariedade por parte dos governantes do continente. Sabe-se que houve aberta atuação dos Estados Unidos em prol do golpe, inclusive com sua armada a postos para intervir, assim como a participação da diplomacia brasileira, do Itamaraty até sua representação no Chile. 8 Ao incêndio do Palácio de la Moneda e assassinato de Salvador Allende, seguiu- se a instauração da ditadura, com a suspensão das liberdades democráticas, do estado de direito e do sistema representativo, antes tão incensados pela direita. O banho de sangue, do qual até hoje se desconhecem as proporções, impediu qualquer reação dos setores populares, destruindo todas as formas de organização política. A mão do Estado alcançou também os refugiados da diáspora chilena, como nos casos exemplares dos assassinatos de Carlos Prats, na Argentina, e do antigo Chanceler Orlando Letelier, nos Estados Unidos; mais tarde, os militares chilenos articulariam com os demais serviços de segurança dos países do Cone Sul a famigerada operação Condor, visando uma eficiente repressão em dimensões continentais. Na cruzada contra o “perigo vermelho” foram subordinados o Parlamento e o Judiciário, houve intervenção nas comunicações e no ensino, e foram proscritos os partidos de esquerda, bem como os sindicatos e suas federações. Tornaram-se sem efeito as nacionalizações e desapropriações realizadas por Allende, com o pagamento de polpudas indenizações aos antigos proprietários. Houve em pouco tempo uma redução dos salários reais à quase metade dos valores anteriores, com aumento do desemprego e deslocamento das atividades assalariadas para as independentes. A drástica diminuição dos serviços públicos colocou na miséria amplos contingentes populacionais e que já enfrentavam a desocupação e os baixos ganhos. 8 Um fato pitoresco: o primeiro testemunho ocular do golpe de 11 de setembro foi dado em Porto Alegre pelo presidente da Federação Gaúcha de Futebol, Rubens Freire Hoffmeister. Ele se encontrava em Santiago no comando de uma seleção de jogadores de clubes do interior do Rio Grande do Sul que disputaria um jogo contra a Seleção do Chile. Quando aconteceu o bombardeio do palácio de governo, a delegação estava em um hotel localizado nas proximidades. Tendo ligações políticas com a ARENA, Hoffmeister defendeu a versão oficial dos golpistas, a defesa da “democracia ocidental” contra o avanço do “comunismo” na América Latina. Como era um homem muito caricato e alvo de ditos jocosos pela imprensa, seu testemunho de certa forma desmoralizou as razões que justificavam o golpe de Estado. Foram muitas as explicações dadas por intelectuais de esquerda para o fracasso do Chile. Agustín Cueva defendeu que a causa do golpe se deu pelo caráter revolucionário da Unidad Popular, onde o Estado era a “institución encargada de regular las contradicciones sociales, ahora más bien las reproducía ampliamente en su seno, convertido en uno de los puntos nodales de la lucha de clases.” Neste sentido, a luta de clases se expressaria “como una contradicción entre las prácticas gubernamentales orientadas hacia la transformación del modo de producción dominante y la superestructura jurídico-política encargada de perpetuarlo.” 9 Para Cueva a atuação do MIR foi um fator de agravamento da crise, comprometendo um programa levado a cabo por representantes do proletariado, caracterizando-se como “radicalismo pequeño-burguês”. Já para Éder Sader, a Unidad Popular partia da ocupação de apenas uma parte do poder para iniciar a transição: “Foi no Chile também aonde mais longe chegaram os trabalhadores na constituição, sob um Estado capitalista, de organismos próprios, expressivos de sua própria vocação ao poder.” 10 Na medida em que era uma aliança que buscava o socialismo pelas vias institucionais criadas para detê-lo, a contradição se dava também no próprio Estado: “Ou seja, um centro vital do aparato criado para a preservação da ordem burguesa era ocupado por uma coalizão que pretendia destruí- la.” 11 O programa da Unidad Popular, portanto, não propunha mais que “capitalismo de Estado”, e sucumbira pelas contradições internas, incapaz de conduzir um processo revolucionário. Semelhante é a explicação de Aggio, afirmando que o processo chileno foi uma “revolução passiva”, onde “o Chile tinha na função moderna desempenhada pelo Estado seu referencial de “racional absoluto”, cabendo a ele implementar “do alto” as transformações clamadas pela sociedade em seu conjunto”. 12 Para Agustín Cueva, genericamente as ditaduras civil-militares instauradas na América Latina tinham uma orientação econômica voltada para os interesses do capital monopólico. O autor procurou analisar alguns compromissos básicos deste processo: a desnacionalização da economia, o desmantelamento do capitalismo de Estado, a redução das responsabilidades do Estado com o bem-estar social, a promoção da 9 CUEVA, Agustín. Teoria Social y Procesos Políticos em América Latina. México: Edicol, 1979, p.119. 10 SADER, Eder. Um Rumor de Botas. A militarização do estado na América Latina. São Paulo: Polis, 1982 p.75 11 Id Ibid. p.91-92. 12 AGGIO, Alberto. Frente Popular, radicalismo e revolução passiva no Chile. São Paulo: Annablume / FAPESP, 1999, p. 210. concentração de capitais, orientação pró-monopólica do setor agrário, e a pauperização da classe operária. 13 Todos os países submetidos às ditaduras cumpriram – com as especificidades de cada caso – estas tarefas; no Chile este papel foi seguido à risca pelo governo de Pinochet: doutrinas neoliberais, defendidas por Hayek, Friedmann e Popper desde 1947, e que se impunham progressivamente entre os países capitalistas. Favorecer os empreendimentos transnacionais no Chile e liquidar com a intervenção do Estado na economia foram tarefas cumpridas pela ditadura. Mas existem outros aspectos importantes além deste retrocesso no plano econômico. Em uma obra recente, o historiador chileno Miguel Rojas Mix elenca uma série de medidas que a ditadura civil-militar assumiu no Chile, de resto semelhante a outras aparecidas na América Latina. 14 O Terror de Estado foi um corolário da Doutrina de Segurança Nacional (DSN), desenvolvida nos Estados Unidos e propalada para a América Latina; para garantir a integridade dos países americanos, deve-se promover uma guerra contra os “inimigos internos”, justificando-se todos os meios para isto. 15 Deriva daí um caráter religioso que aproxima o golpe chileno do falangismo da Guerra Civil Espanhola; o “banho de sangue” para lavar o país, resgatando o “nacional- catolicismo” e a hispanidad do povo chileno da conspurcação pretendida pelo Comunismo, internacional e ateu. A civilização se confunde com o Catolicismo. Também as Forças Armadas do Chile retomaram o papel histórico de defensoras do país desde os tempos da Conquista; o golpe de Estado coloca-as como a representação máxima do nacionalismo chileno. De defensor dos valores políticos ameaçados pela Unidad Popular, o governoPinochet deu uma guinada na defesa de suas medidas de força, que deram fim também aos projetos daquelas organizações políticas que apoiaram o golpe. Assim, a democracia e a “degeneração” dos costumes eram sinais inequívocos da “decadência” do Ocidente. Spengler e Toynbee foram alguns dos autores que inspiraram estas ideias: as civilizações passam sempre por um processo de “despertar, ascensão e queda”, necessitando de “minorias criadoras” capazes de regenerarem as nações. 13 CUEVA, Agustín, op. cit. p.154-163. 14 ROJAS MIX, Miguel. El dios de Pinochet. Fisionomía del fascismo iberoamericano. Buenos Aires: Prometeo, 2007, p.13-18. 15 A DSN tinha uma versão latino-americana realizada pelo general Golbery do Couto e Silva na escola Superior de Guerra do Brasil. SILVA, Golbery do Couto e. Geopolítica do Brasil. Rio de Janeiro: Jospe Olympio, 1967. O calendário das medidas ditatoriais mostrado por Sader é impressionante: em 13 de setembro foi fechado o Congresso, e em 14 foram suspensos todos os órgãos de imprensa, exceto os jornais reacionários El Mercurio e La Tercera; os direitos sindicais foram extintos em 18, um dia após a Corte Suprema reconhecer o novo governo; no dia 24 foi fechada a CUT, em 29 todas as universidades passaram para a direção de militares, e em 30 foram suspensos aqueles acordos que haviam aumentado os salários no início do governo Allende; em 10 de outubro começaram as indenizações das companhias estrangeiras que exploravam o cobre e haviam sido nacionalizadas, em 13 foi aumentada a jornada de trabalho dos operários, e em 15 iniciou a restituição das terras e empresas que tinham sido estatizadas. 16 Nos anos seguintes a ditadura protagonizou a eliminação de antigos membros do governo Allende. Para tanto, havia criado em 1974 a Dirección de Inteligencia Nacional (DINA), uma polícia secreta treinada por agentes da CIA na Escola das Américas, na Zona do Canal do Panamá, encarregada de fomentar a contrainsurgência nos países americanos. Já em 30 de setembro de 1974, realizou o atentado a bomba que resultou na morte do general Carlos Prats, exilado em Buenos Aires. O maior protagonismo externo do Chile foi a liderança do Plan Condor, criado pela DINA em 25 de novembro de 1975, em aliança com os serviços secretos das ditaduras da Bolívia, do Brasil, do Paraguai e do Uruguai; a Argentina – que sob o governo de Isabelita Perón caíra sob domínio dos setores direitistas do peronismo, comandados pelo ministro López Rega – também participou. Em 21 de setembro de 1976 foi a vitimado Orlando Letelier, que tinha sido embaixador do Chile nos Estados Unidos e depois Ministro de Relações Exteriores, Interior e defesa; em seu exílio nos Estados Unidos, ele movia forte campanha contra o governo de Pinochet, quando foi morto pela ação conjunta entre a DINA, a CIA e imigrados cubanos de ultradireita. A Junta militar, que ainda se apregoava como provisória, recebeu total apoio do Partido Nacional e das organizações paramilitares fascistas, mas já preocupava os líderes do Partido Demócrata Cristiano, ansiosos pela volta às liberdades democráticas depois de afastado o perigo “totalitário” atribuído à Unidade Popular. Em 13 de novembro estas veleidades são interrompidas pelo anúncio por Pinochet de que o governo militar não seria transitório, mas viera para assegurar um novo ordenamento, 16 SADER, Eder. op. cit, p.117-118. que poderia ser comprometido se fosse afastado da política de “linha dura” que aquele general queria imprimir. Já no início de 1974, alguns setores que haviam apoiado entusiasticamente o golpe militar passaram a sentir o peso da ditadura, com as prisões de comerciantes que ocultavam mercadorias e a edição de decretos contra a especulação financeira. Diversos setores empresariais começaram a sentir os malefícios da recessão, e sucederam-se as quebras de casas comerciais e de indústrias nacionais. As reações esboçadas pela Democracia Cristã foram rebatidas pelos militares e pelos setores mais conservadores, que atribuíam ao governo Frei o clima que permitira a ascensão da Unidade Popular ao poder. O isolamento da Junta Militar em relação aos políticos se ampliou, mas a ditadura impôs pela força seus propósitos, realizando ainda um profundo enxugamento no aparelho de Estado, demitindo milhares de funcionários públicos. O campo estava aberto para a implementação das medidas econômicas neoliberais preconizadas pela Escola de Chicago. 17 O governo militar favorecia cada vez mais o grande capital monopólico e sacrificava os empresários, acentuando a recessão econômica, com redução drástica da produção industrial e do consumo, quebra generalizada das empresas de capital nacional e aumento do desemprego. A política econômica liberal, totalmente voltada para as “leis de mercado”, condenava quaisquer medidas protecionistas que protegessem da falência os setores que necessitavam de subsídios, considerados “artificiais” pelos economistas da Escola de Chicago. Assim, apenas aqueles setores que suplantassem a competição internacional sobreviveriam neste cenário de “racionalização” das atividades econômicas. Além disto, os mesmos critérios orientaram a privatização das empresas públicas, responsáveis pelo “estado de bem-estar social”, afastando a ingerência do Estado em áreas como saúde, previdência e ensino. A atração de capitais internacionais permitiu um período de crescimento econômico, traduzido na concentração das empresas e no aumento de consumo de artigos importados pelas camadas favorecidas da sociedade; por outro lado, a contínua repressão levada a cabo pelo governo militar impedia a manifestação dos trabalhadores. No plebiscito de 1980, Pinochet conseguiu aval para mais oito anos de mandato, mas teria que enfrentar uma nova fase de recessão econômica a partir de 1981. Neste quadro, reapareceu o sindicalismo no Chile, apesar da ação sempre brutal da ditadura contra a 17 Id. Ibid., p.120-121. organização dos trabalhadores. Isto se somava a uma grande rede de associações autônomas que se haviam formado em anos anteriores, e que em princípio não tinham caráter político: trabalho comunitário, desempregados urbanos, círculos de saúde e de educação, ligas femininas, centros de mães, juntas de vizinhos, que foram embriões de futuras mobilizações populares. A partir de 1983, reapareceram os protestos de massa nas ruas, protagonizando enormes passeatas e cacerolazos, unindo associações operárias, camponense, estudantes, defensores dos direitos humanos, familiares de presos. Aos setores populares somava-se a oposição de políticos moderados que haviam sido alijados da cena pelos militares, como era o caso dos democratas cristãos, e de muitos setores da Igreja Católica, que também fora apoiadora do golpe militar no Chile. O resultado foi a derrota da Junta no plebiscito realizado em 1988, que condicionou a retirada dos militares do poder. Não sem antes estabelecer uma série de garantias, como o cargo vitalício de senador que Pinochet fez aprovar para si. Ainda nos dias atuais o país está marcado pelos anos em que a violência e o terror de Estado destruíram o projeto da Unidade Popular. Os acontecimentos recentes, que quase culminaram na extradição e julgamento do decrépito general Pinochet por tribunais espanhóis, mostrou uma sociedade dividida, quase irreconciliável, entre aqueles vitimados pela ditadura militar, e outros que apoiaram e ainda sentem orgulho pelo “banho de sangue que lavou o país” do perigo socialista. Por outro lado, o apregoado salto rumo ao desenvolvimento que previam os Chicago Boys não se cumpriu, e o liberalismo levou o país, assim como tantos outros, à bancarrota. É importanteque se façam algumas referências às repercussões do golpe militar e a ditadura no Chile entre aqueles que desde nosso país – também sob o poder de uma ditadura de Terror de Estado – acompanhavam os desdobramentos do processo chileno. Eram candentes as notícias que vinham do próprio Chile, a maior parte delas por pessoas que haviam conseguido refúgio em outros países. Além da Europa, o México foi um lugar de eleição por muitos destes fugitivos, assim como a Argentina no breve interregno democrático entre 1973 e 1976. O Estadio de Chile 18 foi transformado em campo de concentração para centenas de prisioneiros, dos quais muitos seriam “desaparecidos” ou executados. É emblemático desta tragédia o assassinato do grande compositor Victor Jara, o mais famoso artista chileno destes anos; ainda preso no estádio, compôs o poema Somos cinco mil, também chamado de Estadio de Chile, que foi memorizado e reproduzido mais tarde por seus companheiros: “Somos cinco mil / en esta pequeña parte de la ciudad / Somos cinco mil / ¿Cuantos seremos en total? / en las ciudades y en todo el país?” Contou-se por muito tempo a história de que Jara teve suas mãos decepadas como uma ironia macabra pelos versos famosos de Lo único que tengo, uma de suas canções mais conhecidas: “Y mis manos son lo único que tengo y mis manos son mi amor y mi sustento.” No entanto, a inglesa Joan Jara, viúva do artista, nega este fato na biografia que escreveu sobre ele. 19 Aquele Chile que a ditadura tentava arrasar nos chegava por outros caminhos, e os tempos de Allende apareciam através de uma profusa produção cultural, agora banida do país! Diversas manifestações artísticas chilenas, engajadas ao projeto da Unidad Popular, eram divulgadas entre os opositores da ditadura militar, mesmo com o risco de serem acusados de propagandear material “subversivo”. Tornavam-se mais conhecidos os músicos, que desde os anos 60 tinham se organizado em torno da Nueva Canción Chilena, procurando tirar das raízes populares inspiração para os movimentos políticos contemporâneos, de maneira similar ao que ocorria principalmente na Argentina, no Uruguai, no México. A própria Violeta Parra – a mais importante artista musical do Chile, que se suicidou em 1967 – apesar de anteceder esta geração, de alguma forma se associava a este grupo. Mesmo sendo uma compositora já bem conhecida, algumas de suas canções mais radicais – Violeta era comunista! – se difundiram a partir de seus seguidores: La carta, Al centro de la injusticia, Que dirá el santo padre Los pueblos americanos, Me gustan los estudiantes, são algumas delas. 20 Seus filhos, Ángel e Isabel Parra, ambos compositores e cantores, além de seus trabalhos artísticos próprios, criaram em 1965 a famosa Peña de los Parra, uma penha folclórica que reunia os principais intérpretes da 18 Este era um estádio multiesportivo, construído em 1949, com capacidade para 4.500 espectadores. Muitos o confundem com o Estadio Nacional de Chile, voltado para o futebol, com 47.000 lugares; ele não foi usado como campo de concentração. Em 2004 o Estadio de Chile foi renomeado como Estadio Victor Jara. 19 JARA, Joan. Canção Inacabada. Vida e obra de Victor Jara. Rio de Janeiro: Record, 1998. 20 Somente em 1976 canções de Violeta Parra seriam gravadas no Brasil. Elis Regina no álbum “Falso Brilhante” gravou Gracias a la Vida, e Milton Nascimento em “Geraes” interpretou Volver a los diecisiete junto com a argentina Mercedes Sosa. Nueva Canción Chilena. Destas reuniões resultaram os álbuns La Peña de los Parra, ainda de 1965, com vários intérpretes, e La Peña de los Parra volume 2, agora apenas com os irmãos Ángel e Isabel. Por lá andou Patrico Manns, que em 1971 escreveu No cierre los ojos, sobre aqueles que tinham votado em Allende para presidente, e que “y esgrimiendo su confianza / fueron a las elecciones / a ganar.” Também Pedro Alarcón, com sua canção Si somos americanos, ainda de 1965: “si somos americanos, seremos todos iguales”. Ou ainda o conjunto Quilapayun, cujo álbum Por Vietnam, de 1968, exibia na capa uma paródia da bandeira dos Estados Unidos com listras pretas e caveiras em lugar das estrelas que, segundo eles, havia sido feita por Mark Twain! Sobre o massacre de trabalhadores ocorrido em 1907, eles gravaram a impressionante Cantata de Santa Maria de Iquique, do compositor Luis Advis. Vale o mesmo para o grupo Inti-Illimani, especialmente por Viva Chile, álbum lançado já no exílio: nele, entre tantas canções, há Cueca de la CUT, o hino da Central Única de Trabajadores de Chile do cantautor Héctor Pavez, outro dos tantos artistas da Nueva Canción Chilena, composta poucos meses antes do golpe militar; sem esquecer Venceremos, canção da Unidad Popular durante a campanha de Allende. No entanto, é impossível pensar no impacto – mesmo que tardio – do cancioneiro do cantautor Victor Jara, antes referido. Mais além da indignação pelo seu assassinato em mãos do Terror de Estado que se abatia sobre o Chile, sua qualidade artística a serviço das causas sociais chilenas foi notável! Impossível dissociar seu álbum de 1969, Pongo en tus manos abiertas, com a foto das mãos calejadas de um camponês na capa, dos martírios que sofreu antes de ser morto pela ditadura. Nele está Zamba del Che, recordando outro dos tantos mártires americanos: “Mataron al guerrillero Che Comandante Guevara”... Também a conhecida Te recurdo Amanda! Em 1971, no disco El derecho de vivir, Jara apresenta uma das canções mais canônicas da América Latina, Plegaria a un labrador, um verdadeiro hino para as históricas lutas camponesas do continente; os versos finais são da própria Ave Maria, dando o tom de oração que prometia no título: “Juntos iremos unidos en la sangre / ahora y en la hora de nuestra muerte / Amén”. Talvez a mais importante obra artística de Victor Jara seja La Población, de 1972, que trata da toma dos terrenos da Calle San Pablo em Barrancas, região metropolitana de Santiago. Esta ocupação por camponeses em março de 1967 foi severamente reprimida pelo governo Frei, e suas narrativas foram transformadas numa obra musical de elevado cunho social. 21 Menos impactantes que as canções – mas não em seu conteúdo! – muitos livros foram escritos sobre os acontecimentos no Chile, por exilados do país ou de estrangeiros que lá viviam. Nos tempos da Distensão proposta pelo presidente Geisel, eles circulavam nos meios estudantis e intelectuais que já tinham um pouco mais de oportunidades para tanto. Uma vez mais apareceu Neruda! Em Montevidéu, abril de 1973 foi publicado o último livro de poemas do poeta chileno, que dois anos antes fora agraciado com o prêmio Nobel de Literatura. O provocativo título Invitación al Nixonicidio y alabanza a la revolución chilena já apontava para os riscos que o Chile de Allende corria em relação à política externa agressiva do presidente dos Estados Unidos, Richard Nixon. Em Juntos hablamos, poema de encerramento do livro, Pablo Neruda escreveu em seus versos finais: “Chile, mi Patria no será vencida / ni al extranjero domínio sometida”. 22 Isto foi em janeiro de 1973; Neruda ainda presenciaria o golpe de Estado daquele ano, falecendo em 23 de setembro! Considerações Finais Cabe ainda, antes de encerrar este texto, mostrar um pouco dos trabalhos realizados na Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Alguns colegas historiadores – aos quais eu me somo – realizaram pessoalmente ou orientaram alunos a escreverem dissertações de Mestrado e teses de Doutorado sobre as ditaduras na América Latina, incluída aqui aquela que se abateu sobre o Chile. Temas relacionados ao terrorismo de Estado já adquiriram bastante relevância entre nós, e certamente isto me traz orgulho de pertencer à Universidade e fazer parte deste grupo de docentes e alunos!Assim, em nosso Programa de Pós-Graduação em História foram realizadas dezenove Dissertações de Mestrado e cinco Teses de Doutorado, sobre o Terror de Estado no Brasil e em outros países latino-americanos. Considerando que já existem ainda muitos Trabalhos 21 SIMÕES, Sílvia S.“Canto que ha sido valiente siempre será canción nueva” : o cancioneiro de Víctor Jara e o golpe civil-militar no Chile. Porto Alegre: UFRGS (Dissertação de Mestrado), 2011, p.152-153. 22 NERUDA, Pablo. Invitación al Nixonicidio y alabanza a la revolución chilena. Montevideo:Ediciones Vanguardia, 1973. Postumamente foi editado seu livro de memórias, onde se refera à sua trajetória como intelectual e militante comunista. NERUDA, Pablo. Confieso que he vivido. Buenos Aires: Losada, 1974. (Este livro só apareceria no Brasil em 1978, quando já se anunciava a Abertura do futuro governo de João Figueiredo. NERUDA, Pablo. Confesso que vivi – Memórias. Rio de Janeiro: Difel, 1978). de Conclusão do Curso (TCC) de Graduação em História, temos um número bastante significativo de pesquisas! 23 Houve ainda algumas atividades destacáveis. De janeiro a março de 2004, o Museu Universitário da Universidade Federal do Rio Grande do Sul recebeu a exposição La Memoria Herida, idealizada e organizada pelo historiador chileno Miguel Rojas Mix, um impressionante acervo de artistas plásticos do Chile sobre os anos da 23 Dissertações de Mestrado. Orientador Benito B. Schmidt: GASPAROTTO, Alessandra. O terror renegado: uma reflexão sobre os episódios de retratação pública protagonizados por integrantes de organizações de combate à ditadura civil-militar no Brasil (1970-1975). Porto Alegre: UFRGS, 2008 Orientadora Carla S. Rodeghero: ALVES, Taiara S. Dos quartéis aos tribunais: a atuação das auditorias militares de Porto Alegre e Santa Maria no julgamento de civis em processos políticos referentes às leis de segurança nacional (1964-1978). Porto Alegre: UFRGS, 2009; DOBERSTEIN, Juliano M. As duas censuras do regime militar: o controle das diversões públicas e da imprensa entre 1964 e 1978. Porto Alegre: UFRGS, 2007; GUAZZELLI, Dante G. A lei era a espada: atuação do advogado Eloar Guazzelli na Justiça Militar (1964-1979). Porto Alegre: UFRGS, 2011. Orientador Cesar A. B. Guazzelli: ROSA, Michele R. O pensamento de esquerda e a revista Civilização Brasileira (1965-1968). Porto Alegre: UFRGS, 2004; SOUZA, Hélder C. Os cartões de visita do Estado: a emissão de selos postais e a ditadura militar brasileiro. Porto Alegre: UFRGS, 2006; AGUIAR, José Fabiano G. C. de. “Yo vengo a cantar por aquellos que cayeron": poesia política, engajamento e resistência na música popular uruguaia : o cancioneiro de Daniel Viglietti : 1967-1973. Porto Alegre: UFRGS, 2009; SIMÕES, Sílvia S.“Canto que ha sido valiente siempre será canción nueva”: o cancioneiro de Víctor Jara e o golpe civil- militar no Chile. Porto Alegre: UFRGS, 2011. Orientadora Claudia Wasserman: BAUER, Caroline S. Avenida João Pessoa, 2050 – 3º. andar: terrorismo de Estado e ação de polícia política do Departamento de Ordem Política e Social do Rio Grande do Sul (1964-1982). Porto Alegre: UFRGS, 2006; ARENHART, Davi R. Entre risos e prantos: as memórias acerca da luta armada contra a ditadura no Rio Grande do Sul. Porto Alegre: UFRGS, 2011; BRASIL, Clarissa. O Brado de Alerta para o Despertar das Consciências: uma análise sobre o Comando de Caça aos Comunistas no Brasil, 1968- 1981. Porto Alegre: UFRGS, 2010. Orientador Enrique Serra Padrós: FERNANDES, Ananda S. Quando o inimigo ultrapassa a fronteira: as conexões repressivas entre a ditadura civil-militar brasileira e o Uruguai (1964-1973). Porto Alegre: UFRGS, 2009; BECHER, Franciele. O “Perigo moral” em tempos de segurança nacional: políticas públicas e menoridade em Caxias do Sul- RS (1962-1992). Porto Alegre: UFRGS, 2012; REIS, Ramiro J. Operação Condor e o sequestro dos uruguaios nas ruas de um porto não muito alegre, Porto Alegre: UFRGS, 2012; LAMEIRA, Rafael F. O Golpe de 1964 no Rio Grande do Sul: A Ação Política Liberal-Conservadora na Construção do Golpe Civil-Militar. Porto Alegre: UFRGS, 2012. TERNES, Andressa S. Aspectos permissivos e restritivos da relação da ditadura civil-militar com a inserção internacional do cinema brasileiro : a criação da Embrafilme e a atuação da censura de 1964 ao "Pra Frente, Brasil". Porto Alegre: UFRGS, 2012. ARAÚJO, André B. A Brigada Militar e a segurança nacional: inimigo interno e guerra revolucionária na Academia de Polícia Militar do Rio Grande do Sul - 1980/1985. Porto Alegre: UFRGS, 2013. GONZAGA, Sandro. A visão global da história : a ditadura civil-militar através da minissérie Anos Rebeldes. Porto Alegre: UFRGS, 2013. COSTA, Leandro B. Festivais de música em Áreas de Segurança Nacional: a periferia da Música Popular Brasileira na cidade do Rio Grande (1970-1976). Porto Alegre: UFRGS, 2014. Teses de Doutorado: Orientador Cesar A. B. Guazzelli: PADRÓS, Enrique S. “Como el Uruguay no hay”: terror de Estado e segurança nacional Uruguai (1968-1985): do pachecato à ditadura civil-militar. Porto Alegre: UFRGS, 2005; ROSA, Michele R. "Esquerdisticamente afinados”: os intelectuais, os livros e as revistas das editoras Civilização Brasileira e Paz e Terra: (1964-1969). Porto Alegre: UFRGS, 2011. Orientadora Claudia Wasserman: BAUER, Caroline S. Um estudo comparativo das práticas de desaparecimento nas ditaduras civil-militares argentina e brasileira e a elaboração de políticas de memória em ambos os países. Porto Alegre: UFRGS (co-tutoria com a Universtat de Barcelona), 2011; COUTO, Cristiano P. de P. Intelectuais e exílios: confronto de resistências em revistas culturais: Encontros com a civilização brasileira, Cuadernos de Marcha e Controversía (1978 – 1984). Porto Alegre: UFRGS, 2013. Orientados Pedro C. D. Fonseca: RAMIREZ, Hernán R. Os institutos de estudos econômicos de organizações empresariais e sua relação com o Estado em perspectiva comparada: Argentina e Brasil, 1961-1996. Porto Alegre: UFRGS, 2005. http://www.lume.ufrgs.br/handle/10183/71931 http://www.lume.ufrgs.br/handle/10183/71931 http://www.lume.ufrgs.br/handle/10183/71931 http://www.lume.ufrgs.br/handle/10183/90179 http://www.lume.ufrgs.br/handle/10183/90179 http://www.lume.ufrgs.br/handle/10183/90179 http://www.lume.ufrgs.br/handle/10183/70702 http://www.lume.ufrgs.br/handle/10183/70702 ditadura naquele país. Inspirados pela exposição, os professores Claudia Wasserman, Enrique Serra Padrós e eu organizamos o Seminário A Ditadura na América Latina, aproveitando o ensejo dos aniversários de 30 anos das ditaduras chilena e uruguaia no ano anterior, e dos 40 anos da brasileira que aconteceria naquele ano. Este Seminário teve sua Conferência de Abertura proferida pelo próprio professor Miguel Rojas Mix, quando inaugurou a supracitada exposição. O Seminário teve sequência com Mesas Redondas apresentadas pelos professores organizadores e também alguns dos seus orientandos, tanto de Graduação quanto de Pós-Graduação em História. A Conferência de Encerramento ficou a cargo do escritor e jornalista Zuenir Ventura. Destes trabalhos resultou a publicação do livro Ditaduras Militares na América Latina, organizado pela professora Claudia Wasserman e por mim; além dos organizadores e dos conferencistas do Seminário, há mais nove textos escritos por alunos que participaram do mesmo. 24 E que mais? Um trauma que ainda permanece, o fantasma das ditaduras de Terror de Estado assombrando a todos! Dois autores chilenos são muito eloquentes neste sentido. O escritor Ariel Dorfman comenta que, apesar dos horrores do Terror de Estado no Chile, existem por todo lado pessoas que admiram o “bom trabalho” do governo de Pinochet, trazendo a ordem das casernas, afastando a insubordinaçãode trabalhadores, e principalmente favorecendo a economia de mercado. Por tais razões, escreve ele: “Essa encarnação ambígua de Pinochet – mescla de bicho-papão aterrador com paradigma histórico eminente e digno de ser imitado – não desapareceu, como eu esperava, quando em 1990 o Chile recuperou uma democracia precária e restrita.” 25 Já Miguel Rojas Mix mostra mais preocupação com a exaltação da figura de Pinochet porque uma parcela significativa da população chilena lamentou a morte do sanguinário condutor da ditadura chilena. Acrescenta ainda que, mesmo entre aqueles que se tornaram críticos em relação ao general muito mais o fizeram por conta da apropriação indébita de alguns milhões de dólares do que pelos milhares de mortos e desaparecidos pelo Terror de Estado. Como símbolo da exaltação que o chefe ainda recebe no Chile, Rojas Mix apresenta na contracapa do livro uma fotografia de homenagens prestadas durante o velório de Pinochet, que comenta no Prólogo do livro: 24 WASSERMAN, Claudia & GUAZZELLI, Cesar A. B. Ditaduras Militares na América Latina. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2004. 25 DORFMAN, Ariel. O longo adeus a Pinochet. São Paulo: Companhia das Letras, 2003, p. 192. “Y la foto de los tres jóvenes haciendo el saludo fascista sobre el ataúd presagia el futuro. Fue entonces que me dije que era hora de publicar estas reflexiones.” 26 Mais que nunca é necessário muito cuidado para que não reapareça o Terror de Estado. Referências AGGIO, Alberto. 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