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LEGISLAÇÃO APLICADA AO SUS EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA ORGANIZAÇÃO DO SISTEMA DE SAÚDE NO BRASIL E A CONSTRUÇÃO DO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE Todos nós, em algum momento da vida, já nos deparamos com situações que revelam a precariedade do sistema de saúde, seja por meio das grandes filas de espera nos serviços de saúde, ou até mesmo, em notícias nos jornais comentando sobre a falta de leitos hospitalares e sobre a falta de recursos financeiros para manter os serviços de saúde. Essa situação, nada mais é que uma difícil realidade do setor de saúde no nosso país. Para que possamos entender e analisar essa realidade, é importante conhecermos os determinantes históricos que influenciaram a organização do sistema de saúde no Brasil ao longo do tempo. Com isso, você terá elementos para compreender as articulações entre os processos econômicos, políticos e as práticas de saúde no país até a criação do Sistema Único de Saúde. A seguir, você encontrará uma linha do tempo, que aponta os destaques que ocorreram na história da saúde, deste a época do Brasil colônia até a criação do Sistema Único de Saúde (SUS). 1500-1822 Colonialismo No Brasil colônia, não existia um sistema de saúde estruturado. A população recorria aos curandeiros ou se automedicava contando com os próprios recursos da terra, como ervas medicinais. - O contexto econômico era marcado pelo monopólio do comércio de matérias-primas com Portugal. - Houve um aumento significativo no número de boticários (farmacêuticos), estes eram responsáveis por manipular as fórmulas prescritas pelos médicos, porém os próprios boticários também prescreviam as fórmulas em razão da escassez de médicos na época. 1500-1822 Colonialismo 1808: Com a chegada da Família Real Portuguesa, despertou-se o interesse em relação à saúde. Dom João VI fundou, na Bahia, o Colégio Médico-Cirúrgico no Real Hospital Militar da Cidade de Salvador e em novembro do mesmo ano foi criada a Escola de Cirurgia do Rio de Janeiro. - 1822: Independência do Brasil. 1822- 1889 Império - Em 1832, as duas escolas médico-cirúrgicas, criadas em 1808, foram transformadas em faculdades de medicina. - De 1849 a 1850: A febre amarela se espalhou pelo Brasil, sendo responsável por inúmeras mortes. No Rio de Janeiro, atingiu 90.658 pessoas. - Em 1850, é criada a Junta Central de Higiene Pública, com o objetivo de coordenar as Juntas Municipais e, especialmente, atuar no combate à febre amarela. Esta Junta também passou a coordenar as atividades de polícia sanitária, vacinação contra varíola, fiscalização do exercício da medicina e a Inspetoria de Saúde dos Portos. - Em 1886, a Junta Central de Higiene Pública transformou-se em Inspetoria Geral de Higiene. O raio de ação desse órgão compreendia as cidades litorâneas com destaque para o Rio de Janeiro. - A perseguição aos curandeiros, antes tolerados aumentou significativamente a partir de 1870, quando o poder público ampliou o cerco contra as práticas e concepções populares de cura nos principais centros urbanos. - Em 1883, Domingos Freire, nomeado presidente da Junta Central de Higiene Pública, vacinou contra a febre amarela pelo menos 12.329 habitantes do Rio de Janeiro e de outras cidades brasileiras. 1889-1930 República O controle político permanecia na mão dos grandes proprietários (coronelismo). - Em 1891, após a promulgação da Constituição, as atribuições relacionadas com a saúde foram transferidas para os municípios e estados. A ação do Estado em relação à saúde se restringia a medidas em relação à vida urbana. Essas medidas visavam à manutenção de um estado geral de salubridade, como a fiscalização das habitações populares, da venda de alimentos e de bebidas alcoólicas. Para o governo central restou a responsabilidade pela vigilância sanitária dos portos e pelos serviços de saúde do Distrito Federal. - Em 1892, foi criado em São Paulo o Instituto Bacteriológico, sob direção de Adolpho Lutz, o qual dominava várias disciplinas da nova era da saúde: bacteriologia, imunologia, helmintologia (vermes), entomologia (insetos transmissores de doenças) entre outras. - Foram criados os Institutos Soroterápicos de Butantan, em São Paulo (responsável pela produção de mais de 80% do total de soros e vacinas consumidos no Brasil), e de Manguinhos, no Rio de Janeiro. Oswaldo Cruz assumiu a direção do Instituto Soroterápico, inaugurado no Rio de Janeiro em julho de 1900, embrião da atual Fundação Oswaldo Cruz. Esta fundação é hoje uma das principais referências em pesquisas e tratamento de doenças tropicais no Brasil. - O presidente do Brasil era Rodrigues Alves. Este nomeou Oswaldo Cruz, como Diretor do Departamento Federal de Saúde Pública, que se propôs a acabar com a epidemia de febre- amarela na cidade do Rio de Janeiro. Cerca de 1.500 pessoas que passaram a exercer atividades de combate ao mosquito, vetor da febre-amarela. Porém, a falta de esclarecimentos e as medidas autoritárias cometidas pelos “guardas sanitários” causaram revolta na população. Esse modelo de intervenção ficou conhecido como campanhista. Seu lema era moldado dentro de uma visão militar em que os fins justificam os meios, no qual o uso da força e da autoridade eram considerados os principais meios de ação. - Oswaldo Cruz com a Lei Federal nº 1261, de 31 de outubro de 1904, instituiu a vacinação anti varíola obrigatória para todo o território nacional. Surge na população uma imensa onda de revolta, que acarretou num grande movimento popular conhecido na história como a revolta da vacina. - Apesar da grande insatisfação gerada na população, o modelo campanhista, obteve êxito no controle das doenças epidêmicas, conseguindo inclusive eliminar a febre amarela da cidade do Rio de Janeiro. Este modelo tornou-se o principal meio de intervenção na área da saúde coletiva durante várias décadas. - Em meados de 1910, expedições científicas realizadas no interior brasileiro relataram o abandono das populações interioranas. Esse fato foi apontado como o principal entrave à ampliação da capacidade econômica do país e a causa de nossa inferioridade frente às nações desenvolvidas. - Oswaldo Cruz organizou a diretoria geral de saúde pública criando uma seção demográfica, um laboratório bacteriológico, um serviço de engenharia sanitária e de profilaxia da febre- amarela, a inspetoria de isolamento e desinfecção, e o instituto soroterápico federal, o qual foi posteriormente transformado no Instituto Oswaldo Cruz. - Em 1920, Carlos Chagas, sucessor de Oswaldo Cruz reestruturou o Departamento Nacional de Saúde, introduziu a propaganda e a educação sanitária na técnica rotineira de ação. Nasce uma nova forma de intervenção em saúde, complementando o modelo campanhista de Oswaldo Cruz que era essencialmente fiscal e policial. - A classe dos operários estava cada vez mais descontente com as condições de trabalho. Isso culminou, em 24 de janeiro de 1923, na aprovação pelo Congresso Nacional da Lei Eloi Chaves, marco inicial da previdência social no Brasil. Esta lei deveria ser aplicada apenas aos operariados urbanos. Os trabalhadores rurais não participavam dos benefícios. Essa situação mudou a partir da década de 60 com a criação do FUNRURAL. Por meio da Lei Eloi Chaves foram instituídas as Caixas de Aposentadoria e Pensão (CAP’s). A criação de uma CAP não era automática. Dependia da mobilização dos trabalhadores de determinada empresa para reivindicar a sua criação. - A primeira CAP criada foi a dos ferroviários, o que pode ser explicado por sua grande importância econômica para o país naquela época. A CONSTRUÇÃO DO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE (SUS) PRECEDENTES HISTÓRICOS Proclamada a República, em 1889, o Brasil passou a ser dominado pelas oligarquias formadas pelos coronéis, manda-chuvaspolíticos em uma época onde a competição eleitoral era praticamente inexistente; e os bacharéis, a oligarquia elitizada, formada por intelectuais políticos da época. A Primeira República acentuava as tendências centrífugas, caracterizando-se, entre outros aspectos, domínio das oligarquias estaduais e por uma coalizão federal de poderes locais atomizados (SANTOS, 2002, 2005). Dessa forma, pode-se observar a presença do controle municipal exercido pelas oligarquias regionais, fato que contribuía para a ausência do sentimento de nacionalidade do povo brasileiro. Essa ausência de nacionalidade era um dos principais problemas enfrentado na época pelos intelectuais, que queriam construir a nacionalidade brasileira e fortalecer a presença do Estado em todo o território nacional. Com a criação da radiocomunicação e dos correios e telégrafos, abriu-se um novo horizonte para um sistema de comunicação integrado no país, fortalecendo o governo federal nos municípios, o que gerou forte resistência das oligarquias regionais. A Constituição de 1891 determinou que, cabia aos estados a responsabilidade pelas ações de saúde e saneamento, assim como pelas de educação. Segundo CONIL (2002), as políticas de saúde ocorrerão, na virada do século XIX para o século XX, com as mudanças no modo de produção, aliando autoritarismo ao nascente cientificismo europeu. Oswaldo Cruz, oriundo do Instituto Pasteur, irá enfrentar as epidemias da época (febre amarela e varíola) que ameaçam a saúde dos portos e a agroexportação por meio de campanhas com vacinações e inspeções sanitárias. Ou seja, as primeiras ações do Estado na área de saúde tinham um claro interesse econômico, para viabilizar as exportações dos produtos brasileiros. Durante os séculos XVIII e XIX, os cientistas europeus buscavam explicações para os quadros de morbidade que acometiam a população. As pesquisas acerca das doenças baseavam-se na observação da morbidade com registro contínuo dos quadros de adoecimento e morte (evolução da doença e acompanhamento dos casos) e na busca de casualidade e formas de transmissão das doenças (COSTA, 1985). Começava assim a busca por conhecimento e ações na área de saúde pública, com a criação em 1897, da Diretoria Geral de Saúde Pública e a criação de institutos específicos de pesquisa, como o Instituto Soroterápico Federal criado em 1900, renomeado Instituto Oswaldo Cruz (IOC) um ano depois. A reforma na saúde foi projetada a partir de 1903, sob a coordenação de Oswaldo Cruz, que assume a Diretoria Geral de Saúde Pública. Extensivamente, em prol do saneamento e da reorganização urbana para eliminar os focos de desordem, a atuação no campo da psiquiatria é abarcada pela ação de Juliano Moreira. Em 1904, Oswaldo Cruz propõe um código sanitário que institui a desinfecção, inclusive domiciliar, o arrasamento de edificações consideradas nocivas à saúde pública, a notificação permanente dos casos de febre amarela, varíola e peste bubônica e a atuação da polícia sanitária. Ele também implementa sua primeira grande estratégia no combate às doenças: a campanha de vacinação obrigatória. Seus métodos tornaram-se alvo de discussão e muita crítica, culminando com um movimento popular no Rio de Janeiro, conhecido como a Revolta da Vacina (COSTA, 1985; COC, 1995). Com as ações de Oswaldo Cruz, avançou-se bastante no controle e no combate de algumas doenças, além do conhecimento sobre as mesmas. Mas apesar das ações de saúde pública estarem mais voltadas para ações coletivas e preventivas, grande parte da população ainda não possuía recursos próprios para custear uma assistência à saúde. 2. 1923-1930: Nascimento da Previdência Social no Brasil Em janeiro de 1923, inspirado pela Legislação Argentina sobre a previdência social, o Deputado Eloy Chaves apresentou um Projeto de Lei que propunha a instituição da Caixa de Aposentadoria e Pensões para os ferroviários, em cada uma das empresas de estrada de ferro. Este projeto de Lei foi aprovado pelo Congresso e sancionado pelo Presidente da República, transformando-se no Decreto nº 4.682, de 24 de janeiro de 1923, conhecido depois como “Lei Eloy Chaves”. Esta caixa de proteção social foi influenciada também pelo modelo previdenciário inglês de seguro e propunha atender: “soccorros médicos em caso de doença em sua pêssoa ou pêssoa de sua família, que habite sob o mesmo tecto e sob a mesma economia; a medicamentos obtidos por preço especial determinado pelo Conselho de Administração; aposentadoria; e, a pensão para seus herdeiros em caso de morte” (Artigo 9°, §§ 1° a 4°, do Decreto n° 4.682 de 24 de janeiro de 1923 – Lei Eloy Chaves). Essa Caixa de Aposentadorias e Pensões (CAPs) foi criada especificamente para os servidores públicos e organizado segundo os princípios da seguridade social, dependendo de contribuição por parte dos segurados. As CAPs eram organizadas pelas empresas e administradas e financiadas por empresas e trabalhadores, em uma espécie de seguro social. Nem toda empresa oferecia ao trabalhador a possibilidade de formação de uma CAP – esse era um benefício mais comum nas empresas de maior porte. O Estado em nada contribuía financeiramente e muito menos tinha responsabilidade na administração dessas Caixas – sua atuação restringia-se à legalização de uma organização que já vinha se dando de maneira informal desde 1910, e ao controle a distância do funcionamento dessas caixas, mediando possíveis conflitos de interesses (TEIXEIRA & OLIVEIRA, 1985). Com as CAPs, uma parcela mínima dos trabalhadores do país passava a contar com uma aposentadoria, pensão e assistência à saúde. Assim, o direito à saúde neste período estava restrito à condição de segurado. O movimento sanitarista da Primeira República obteve importantes resultados, principalmente na esfera política, o que pode ser observado com a criação, em 1920, após um intenso processo de negociação política, envolvendo sanitaristas, governo federal, estados e poder legislativo, do Departamento Nacional de Saúde Pública (DNSP), dirigido até 1926 por Carlos Chagas. Inicialmente, defendia-se a criação de um ministério autônomo, como ocorria em outros países latino-americanos, porém tal proposta foi fortemente atacada pelas oligarquias rurais que apontavam essa criação como uma ameaça ao princípio da autonomia estadual. Em justificativa ao projeto de lei, o Deputado Eloy Chaves esclareceu que: “Nas aposentadorias tive muito em vista não só o tempo de serviço como a idade do aposentado. Procurei evitar o auxílio demasiado aos inativos, ampliando aos verdadeiramente inválidos. Diminuí progressivamente a importância das aposentadorias à medida que aumentava os ordenados. Garanti ao empregado ferroviário esses favores de aposentadoria, qualquer que seja seu tempo de serviço, desde que fique incapacitado de exercer seu emprego por acidente havido no exercício do mesmo emprego. Ao organizar a direção da Caixa, procurei dar-lhe plena autonomia, libertando-a das peias da fiscalização do Poder Público. Deve ser dirigida e fiscalizada pelos que por ela vão ser beneficiados. Haverá em sua constituição para assegurar-lhe a tranqüilidade e continuidade, uma parte de diretores fixa e outra parte renovável por eleição. Aliás, uma e outra pertencerão ao quadro dos empregados ferroviários.” As mudanças políticas implementadas com a criação do DNSP debatem sobre as tendências antioligárquicas e os conflitos intraoligárquicos manifestados na década de 1920 e culminados com a Revolução de 1930. A criação do DNSP foi o resultado de intenso processo de negociação política, envolvendo sanitaristas, governo federal, estados e poder legislativo. De acordo com a Constituição de 1891, no que se refere às políticas sociais, verificou-se, na área da saúde, o desenvolvimento de uma política social pública e nacional. O período da Primeira República pode ser caracterizado comoa “era do saneamento” (HOCHMAN, 1998), identificando-se o período de 1910 a 1930 como o crescimento da consciência do governo em relação aos diversos problemas sanitários do país. Com a reformulação dos serviços sanitários e a criação do DNSP, durante o regime oligárquico da Primeira República, foi possível aos estados: “Obter auxílio federal mediante acordos para ações de saúde e saneamento. Esses convênios viabilizam a ação do poder central nos estados, sem ferir suas respectivas autonomias. Ao longo do tempo, houve o crescimento das atividades públicas em saúde e saneamento em todo o território nacional, tanto do governo federal, como de governos estaduais que passaram o desenvolver seus próprios serviços. São Paulo foi praticamente o único estado que se dedicou a uma ampla política sanitária, desde o início da República, e que se manteve autônomo em relação aos serviços federais. A era do saneamento não significou a resolução de todos os complexos problemas de saúde pública, mas legou uma infra-estrutura estatal, com a autoridade sanitária presente em grande parte do território brasileiro.” (HOCHMAN, 1998). Ainda na Primeira República, foram instituídas bases para a criação de um sistema nacional de saúde, caracterizado pela concentração e verticalização das ações no governo central. O período de 1930 é visto como marco inicial das políticas sociais e da centralização estatal. 3.1930-1945: Proposta de Contenção de Gastos e Surgimento das Ações Centralizadas de Saúde Pública Em 1930 foi criado o Ministério da Educação e da Saúde Pública (Mesp) no Governo Provisório do Presidente Getúlio Vargas, o qual passou por sucessivas reformulações. Inicialmente, o período compreendido pelo Governo Provisório (1930-1934) foi marcado por uma grande instabilidade política, reflexo, entre outras razões, da heterogeneidade de forças que haviam se aliado durante o processo revolucionário. Naquela conjuntura política, tornou-se evidente que o setor agroexportador brasileiro passava por uma crise de hegemonia, identificada principalmente nas dissidências regionais. Como os demais setores da sociedade – no caso os grupos agrários não ligados ao café e os grupos urbanos emergentes – não se encontravam suficientemente coesos para se constituir como força política hegemônica, os desdobramentos do movimento de outubro de 1930 ficaram sujeitos às disputas políticas entre as diferentes facções que haviam se agrupado em torno da Aliança Liberal, particularmente entre tenentes e oligarquias dissidentes (GOMES, 1980). Após ser criado o Ministério do Trabalho, os trabalhadores passaram a ter direitos antes inexistentes. Getúlio Vargas, conhecido como o pai dos trabalhadores começou uma política de proteção aos trabalhadores visando o apoio dos mesmos nos projetos do Estado, sustentando, assim, os seus interesses econômicos. É nessa fase que são criados os Institutos de Aposentadorias e Pensões (IAPs), ampliando o papel da CAPs, dando início ao sistema de proteção social brasileiro. Com a criação dos IAPs passou-se a incluir em um mesmo instituto toda uma categoria profissional, não mais apenas empresas, o Estado passou a participar da sua administração, controle e financiamento. A partir daí, dá-se início à criação de um sistema público de previdência social, porém, ainda se mantinha o formato do vínculo contributivo formal do trabalhador para a garantia do benefício, caso não contribuísse estaria excluído do sistema de proteção. Em decorrência desse sistema estavam excluídos: os trabalhadores rurais, o profissional liberal e todo trabalhador que exercesse uma função não reconhecida pelo Estado. Dessa forma, a proteção previdenciária era um privilégio de poucos, ocasionando uma injustiça social em grande parte da população, podendo-se notar uma cidadania regulada e excludente, pois não garante a todos os mesmos direitos. Havia a discriminação dos benefícios de acordo com a categoria profissional, fazendo com que algumas categorias, sobretudo as mais importantes para o processo agroexportador, tivessem mais benefícios que outras, pois as IAPs organizavam e ofereciam aos seus contribuintes um número maior de benefícios, como um padrão melhor de assistência médica e hospitalar. Ao Mesp coube cuidar da saúde pública, ou seja, tudo o que dissesse respeito à população e que não se encontrava resguardado pela medicina previdenciária, ou seja, todos aqueles que não se encontravam habilitados a usufruir os serviços dos serviços oferecidos pelas caixas e pelos institutos previdenciários, como era o caso dos pobres, desempregados e os que exerciam atividades informais. Essa definição a respeito do conhecimento de direitos sociais implicou, ao mesmo tempo, a associação entre assistência médica previdenciária e trabalhadores urbanos e a ênfase das ações de saúde pública como políticas e modelos de serviços voltados predominantemente para a população rural. (LIMA, 2005). Lima (2005) cita um texto publicado em 1948 pelos sanitaristas Ernani Braga e Marcolino Candau sintetizando com rara sensibilidade este fato: “No Brasil, especialmente nos últimos anos, observou-se, sob o controle do governo, o desenvolvimento de um extenso programa de assistência médico-social compulsório para as classes assalariadas, programa esse que, apesar de vir atender a uma razoável parte de nossa população, não pode ainda cogitar da grande massa constituída pelos habitantes da zona rural, os quais por não trabalharem em regime regular de emprego, não sendo, portanto obrigados a contribuir para as organizações de seguro médico-social, vêem-se, em sua maioria, totalmente desprovidos de qualquer tipo de assistência médico-sanitária, a não ser aqui e ali e assim mesmo muito mal, aquela que é prestada pelos serviços oficiais de saúde e pelas instituições de caridade”. (CANDAU & BRAGA, 1948). Desse modo pode notar-se que mesmo o Estado mantendo ações de saúde pública, promovendo o controle e a prevenção de doenças transmissíveis e atuando na assistência a algumas doenças, a assistência à saúde e ainda tinha que contar com a caridade, o assistencialismo dos hospitais e dos profissionais de saúde. 4. 1945-1968: Crise do Regime de Capitalização e Nascimento do Sanitarismo Desenvolvimentista Com a queda de Vargas, em outubro de 1945, a eleição de Eurico Gaspar Dutra e a promulgação de uma nova constituição em 1946, o país inicia um período de 19 anos de experiência democrática. A saúde pública passou a ter uma estrutura mais centralizada com programas e serviços verticalizados para implementar campanhas e ações sanitárias. Assim a saúde pública e a assistência médica passaram a ser decididas em um ambiente mais democrático, caracterizado por disputas político-partidárias, eleições livres, funcionamento dos poderes republicanos, liberdade de imprensa e organização e demandas por direitos e incorporação. Entre diversas doenças tropicais da época, a malária assumia um lugar de destaque. Era apontada por muitos como ‘a doença econômica’ por excelência (LIMA, 2005 apud PACKARD & BROWN, 1997). Esses novos significados e interesses presentes na associação entre saúde e desenvolvimento passaram a marcar os espaços institucionais no campo da saúde pública (LIMA, 2005 apud PACKARD, 1997). Neste período ocorreu um intenso debate sobre os custos econômicos das doenças como obstáculo ao desenvolvimento dos países, particularmente no que se refere à expansão agrícola e à produtividade do trabalho (LIMA, 2005). Diversos programas de controle e erradicação das “doenças tropicais” atraiam o interesse de instituições nacionais e internacionais, como a Organização Mundial da Saúde (OMS), a Organização Pan-Americana de Saúde (Opas) – transformada então em Escritório Regional da OMS para as Américas –, o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) e a Organização das Nações Unidas paraAgricultura e Alimentação (FAO). Nos principais países desenvolvidos da Europa constituem-se, no pós-guerra, os Estados de Bem-Estar Social (também conhecidos como Welfare State) com o objetivo de reerguer as economias afetadas pela guerra e configurar Estados fortes e compromissados com a democracia e a justiça social – uma forma de combater o comunismo e manter as economias européias no padrão competitivo mundial (ESPING - ANDERSEN, 1995). Os Estados de Bem-Estar consistem em uma política sustentada e pactuada entre a área econômica e a social com o objetivo de garantir o bem-estar da população e manter a produção econômica. Os pilares dessa política eram: o pleno emprego, a provisão pública de serviços sociais e universais – como saúde, educação, saneamento, habitação, lazer, transporte, etc. – e a assistência social para aqueles não incluídos no sistema produtivo (FARIA, 1997). Nesse período, ainda não havia uma política de bem-estar social no Brasil, mas havia uma ideologia desenvolvimentista, indicando a relação pobreza-doença-subdesenvolvimento, com a necessidade de melhorar o nível de saúde da população para alcançar o desenvolvimento. Uma política de saúde pública universal e com a necessidade de melhorar o nível de saúde da população para alcançar o desenvolvimento. Uma política de saúde pública universal enfatizando a prevenção das doenças transmissíveis, e uma política de saúde previdenciária, restrita aos contribuintes da previdência e seus dependentes, com ênfase na assistência curativa. O direito à saúde integral e irrestrito ainda não era assegurado a todo cidadão brasileiro. O ‘sanitarismo desenvolvimentista’, analisado por vários autores (LABRA, 1985; ESCOREL, 2000; BRAGA & PAULA, 1981) que tinha em Samuel Pessoa, Mário Magalhães e Gentile de Melo seus principais representantes, reagia ao campanhismo, à centralização, à fragilidade dos governos locais e ao baixo conhecimento do estado sanitário do país pela falta de informações e dados vitais – legados do Estado Novo –, e propugnava a compreensão das relações entre pobreza e doença e sua importância para a transformação social e política do país. Ainda que heterogêneo internamente, esse ‘novo sanitarismo’ integrava a corrente nacional-desenvolvimentista e se expressaria com mais vigor no processo de radicalização política que marcou o início da década de 1960 (LIMA, 2005). De 1945 a 1964, o país continuava a ser predominantemente rural. O combate às endemias rurais e às doenças transmissíveis era a principal preocupação dos organismos de saúde pública, para isso foi criado o Departamento Nacional de Endemias Rurais (DNERu) em 6 de março de 1956, de acordo com a Lei 2.743, sua principal responsabilidade era combater às principais endemias do país, entre elas malária, leishmaniose, doença de chagas, peste, febre amarela, esquistossomose, ancilostomose, hidatidose, bócio endêmico e tracoma. A criação do Ministério da Saúde (MS), a reforma dos serviços nacionais, até então especializados na definição e implementação de medidas isoladas para cada doença, com sua integração em um órgão único, o DNERu, mantinha como posição hegemônica a defesa do foco central nas doenças da coletividades, em especial nas endemias rurais que obstaculizavam o desenvolvimento em um país ainda rural. Ainda que o DNERu integrasse ações antes dispersas em diferentes órgãos que combatiam isoladamente doenças específicas, o modelo ainda se mantinha vertical, orientado para enfermidades rurais e coordenado pelo governo federal (LIMA, 2005). A Lei nº 3.807, de 26 de agosto de 1960, sancionada pelo Presidente Juscelino Kubitschek, institui a Lei Orgânica da Previdência Social (LOPS). As instituições de previdência social foram constituídas como serviço público descentralizado da União, com personalidade jurídica de natureza autárquica. O golpe militar de 1964 trouxe mudanças para o sistema sanitário brasileiro, com destaque na assistência médica, no crescimento progressivo do setor privado e na abrangência de parcelas sociais no sistema previdenciário. A primeira ação significativa no sistema previdenciário brasileiro ocorreu em 1966 com a unificação dos Institutos de Aposentadorias e Pensões (IAPs) no Instituto Nacional de Previdência Social (INPS). O novo órgão permitiu uma padronização dos institutos, principalmente acerca dos benefícios prestados, causando insatisfação naqueles contribuintes de institutos com mais benefícios, afinal, com a unificação, os menos ricos poderiam usufruir de mais benefícios do instituto. Há ainda extensão da cobertura previdenciária para a assistência psiquiátrica, até então realizada em hospitais públicos, sobretudo para pessoas de baixa renda. 5. 1968 – 1979: Crise, Reforma e Consolidação da Rede Privada em Saúde Frente às críticas ao seu projeto político, social, o regime militar procurou resistir ampliando, por um lado, de forma controlada, o espaço de manifestação política; por outro, utilizando-se simultaneamente de dois mecanismos voltados para responder às demandas das camadas populares: concessões econômicas restritas e uma política social ao mesmo tempo repressivo e paternalista (TEIXEIRA & OLIVEIRA, 1985). A partir de meados da década de 70, após um cenário de crise política e econômica iminente do governo militar, começou a se definir novas estratégias para manter o governo, dentre elas houve a definição do II Plano Nacional de Desenvolvimento (II PND) e a política de abertura do governo. O II PND foi um plano qüinqüenal voltado ao desenvolvimento econômico e social, o qual continuava ideologicamente orientado pela visão do ‘Brasil Grande Potência’. Apareciam nele, entretanto, algumas prioridades no campo social: educação, saúde e infra-estrutura de serviços urbanos. O diagnóstico apresentado para a saúde pública e, inclusive, para a assistência médica da previdência denunciava a carência de capacidade gerencial e estrutura técnica, o que reduzia a eficácia dos recursos públicos e elas destinadas e elevava o risco das decisões de aumentá-las substancialmente. Para fazer frente a esses desafios, o governo criou o Conselho de Desenvolvimento Social (CDS), à semelhança do Conselho de Desenvolvimento Econômico e o Ministério da Previdência e Assistência Social (MPAS). O regime precisava lançar mão de políticas sociais para a sua legitimação, por isso investiu, canalizou recursos e priorizou projetos nestes setores. No entanto, não tinha quadros para ocupar todos os espaços abertos e terminou por criar espaços institucionais para pessoas de pensamento contrário, senão antagônicos, ao dominante em seu setor. Por esta brecha, lideranças do movimento sanitário entraram na alta burocracia estatal, na área da Saúde e da Previdência Social (ESCOREL, 1998). As pressões por reforma na política de saúde possibilitaram transformações concretas ainda nos anos 70, mudanças que se efetivaram de forma incipiente e resguardando os interesses do Estado autoritário. Dentre as políticas implementadas, segundo Baptista (2005), destacam-se: “- a criação do Fundo de Apoio ao Desenvolvimento Social (FAS), em 1974, que distribuiu recursos para o financiamento de programas sociais; - a formação do Conselho de Desenvolvimento Social (CDS), em 1974, que organizou as ações a serem implementadas pelos diversos ministérios da área social; - a instituição do Plano de Pronta Ação (PPA), em 1974, que constitui em uma medida para viabilização da expansão da cobertura em saúde e desenhou uma clara tendência para o projeto de universalização da saúde; - a formação do Sistema Nacional de Saúde (SNS), em 1975, primeiro modelo político de saúde de âmbito nacional que desenvolveu imediatamente um conjunto integrado de ações nos três níveis de governo; - a promoção do Programa de Interiorização das Ações de Saúde e Saneamento (Piass), em 1976, que estendeu serviçosde atenção básica à saúde no nordeste do país e se configurou como a primeira medida de universalização do acesso à saúde; - a constituição do Sistema Nacional da Previdência e Assistência Social (Sinpas), em 1977, com mecanismos de articulação entre saúde, previdência e assistência no âmbito do Ministério da Previdência e Assistência Social (MPAS), e a criação do Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (Inamps), que passou a ser o órgão coordenador de todas as ações de saúde no nível médico-assistencial da previdência social”. Outra organização bastante importante na luta do movimento sanitário foi o Centro Brasileiro de Estudos em Saúde – CEBES criado em 1976 e a Associação Brasileira de Pós- Graduação em Saúde Coletiva (Abrasco). Criada em 1979 como uma associação dos programas de pós-graduação em saúde coletiva e saúde pública, enfatizando a residência em medicina preventiva e social, para formar gestores sanitários para o Sistema Nacional de Saúde. Os reformistas buscavam a universalização do direito à saúde, a unificação dos serviços prestados pelo Inamps e a integralidade das ações. No Brasil, crescia o debate sobre o direito à saúde, em um sentido mais amplo. Portanto, o direito à saúde significava a garantia de condições dignas de vida e de acesso universal e igualitário às ações e serviços para promoção, proteção e recuperação em todos os níveis, assegurado pelo Estado. 6. Década de 80: A Eclosão da Crise Estrutural e Consolidação das Propostas Reformadoras O governo Figueiredo, marcado pela abertura política e a influência do II PND, pareceu mais promissor para a área da saúde, pois as experiências municipais de reorganização de serviço de saúde e o Piass apresentavam sinais de sucesso. O movimento da Reforma Sanitária indicava propostas de expansão da área de assistência medica da previdência, aumentando os conflitos de interesse com a previdência e envolvendo poder institucional e pressões do setor privado. Tais pressões resultam na criação de mecanismos de coordenação entre os ministérios com o intuito de se elaborar um projeto para reordenar o setor. A década de 80 iniciou-se em clima de redemocratização, crise política, social e institucional do país, tendo como primeiro passo a realização da 7ª Conferência Nacional de Saúde (CNS) com o propósito de reformular a política de saúde e formular o Programa Nacional de Serviços Básicos de Saúde (Prev-Saúde), que visava uma extensão nacional do Piass, ou seja, buscava dotar o país de uma rede de serviços básicos que oferecesse, em quantidade e qualidade, os cuidados primários de proteção, promoção e recuperação da saúde, tendo como meta a cobertura de saúde para toda a população até o ano 2000 (Conferência Nacional de Saúde, 1980). Tinha como seus pressupostos básicos a hierarquização das formas de atendimento por níveis de complexidade, a integração dos serviços existentes em cada um dos níveis de complexidade, seja na rede pública ou privada, e a regionalização do atendimento por áreas de populações definidas. Entretanto, não passava de uma proposta de investimento no nível primário de atenção, que não tocava na rede hospitalar privada. No entanto, o Prev-Saúde acabou não sendo incorporado pelo governo e muito menos estabelecido na prática, dadas as resistências interburocráticas assentadas no Inamps, a forte oposição das entidades do segmento médico empresarial e ainda as pressões oriundas do campo da medicina liberal e do setor privado contratado (CORDEIRO,1991). Tais fatores contribuíam para que o Prev-Saúde não se concretizasse, tornando-se um projeto “natimorto”, e como tal, permaneceu como padrão das reformas sanitárias desejados pela sociedade, jamais atendidas pelo governo. Essas idéias reformistas começavam a se integrar em uma proposta abrangente de definição da política de saúde. A década de 1980 é ainda marcada por movimentos de contestação ao sistema de saúde. A primeira medida tomada foi a formação do Conselho Consultivo de Administração da Saúde Previdenciário (Conaps), em 1981, como órgão do Ministério da Previdência e Assistência Social. O Conasp deveria buscar respostas concretas que explicassem a razão da crise no setor, devendo operar como organizador e racionalizador da assistência médica buscando diminuir e racionalizar gastos. Sendo assim, deveria sugerir critérios para destinar recursos previdenciários do setor saúde, aconselhar políticas de financiamento e de assistência à saúde, aconselhar políticas de financiamento e de assistência a saúde, além de analisar e avaliar a operação e o controle da Secretaria de Assistência Médica da Previdência Social. A avaliação do Conasp determinou diversas alterações no modelo de saúde até então vigente, como: inadequação de serviços à realidade; inclusão insuficiente de diversas prestadoras; recursos financeiros insuficientes; desvalorização dos serviços próprios; e, superprodução dos serviços contratados. Essa avaliação indicava uma rede de saúde, ineficiente, desintegrada e complexa, indutora de fraude e desvios de recursos. A partir dessa avaliação, foram elaboradas propostas operacionais básicas para a reestruturação do setor, mas não para a finalização do sistema. Dentre as propostas apresentadas, destacam-se: o Programa das Ações Integradas de Saúde (Pais), a Programação e Orçamentação Integrada (POI), o Programa de Racionalização Ambulatorial (PRA) e o Sistema de Assistência Médico-Hospitalar da Previdência Social (SAMHPS). O Pais, posteriormente denominado apenas Ações Integradas de Saúde (AIS), mostrou- se como a principal saída para a universalização do direito à saúde e significou uma proposta de “integração” e “racionalização” dos serviços públicos de saúde e de articulação destes com a rede conveniada e contratada, o que combinaria um sistema unificado, regionalizado e hierarquizado para o atendimento. A proposta resumia-se na assinatura de convênios entre os Inamps e os estados e municípios para o repasse de recursos destinados à construção de unidades da rede com o compromisso dos governos de oferecer assistência gratuita a toda a população e não só para os beneficiários da previdência. Com essa proposta, as AIS, recuperavam a estratégia apresentada no Prev-Saúde e avançavam significativamente na conformação de políticas que levariam à reforma do setor saúde, fortalecendo a coordenação de ações entre a união e os estados e a incorporação do planejamento à prática institucional. Em 1985, o regime militar chega ao fim com a eleição indireta da chapa de oposição, apoiada pela dissidência do próprio partido governista. O presidente eleito, Tancredo Neves, falece antes de tomar posse, assumindo o governo, chamada Nova República, o vice- presidente José Sarney. No setor econômico, o governo Sarney é marcado por dois planos, o Plano Cruzado I e II, que visam atacar a hiperinflação, buscando a estabilidade e o crescimento econômico. No setor político, busca-se um equilíbrio entre as forças vitoriosas sob a hegemonia dos políticos democratas e liberais. Com a chegada da Nova República, o plano das AIS foi retomado, impulsionando, junto com uma nova POI, a reformulação do sistema de saúde visando uma rede unificada. Líderes do movimento sanitarista passam a ocupar posições de destaque no âmbito político-institucional no país, coordenando as políticas e negociações no setor da saúde e previdência. Em decorrência disso, no ano de 1986, ocorreu a 8ª Conferência Nacional de Saúde, presidida por Sérgio Arouca, então presidente da Fundação Oswaldo Cruz. “Esta conferência foi um marco histórico da política da saúde brasileira, pois, pela primeira vez, contava-se com a participação da comunidade e dos técnicos na discussão de uma política setorial”. A conferência contou com a participação de mais de quatro mil pessoas nos debates, evidenciando-se que as modificações nosetor da saúde ultrapassava, os limites de uma reforma administrativa e financeira. Existia a necessidade de uma reforma mais profunda, com a aplicação do conceito de saúde e sua correspondente ação institucional. Foi aprovada, por unanimidade, a diretriz da universalização da saúde e do controle social efetivo de acordo com as práticas de saúde estabelecidas, permanecendo as propostas de fortalecimento do setor público, garantindo um direito à saúde integral. No relatório da 8ª Conferência Nacional de Saúde consta que: “- Saúde como Direito - em seu sentido mais abrangente, a saúde é a resultante das condições de alimentação, habitação, educação, renda, meio ambiente, trabalho, transporte, emprego, lazer, liberdade, acesso e posse da terra e acesso a serviços de saúde. É, assim, antes de tudo, o resultado das formas de organização social da produção, que podem gerar desigualdades nos níveis de vida. - Direito à saúde significa a garantia, pelo Estado, de condições dignas de vida e de acesso universal e igualitário às ações e serviços de promoção, proteção e recuperação de saúde, em todos os seus níveis, a todos os habitantes do território nacional, levando ao desenvolvimento pleno do ser humano em sua individualidade.” Este relatório serviu de referência na discussão da Assembléia Nacional Constituinte em 1987/1988, sendo reconhecido como um documento de expressão social. Na 8ª CNS, também se discutiu a unificação do Inamps com o Ministério da Saúde, devendo a Previdência Social ficar encarregada das ações próprias do seguro social, enquanto que a saúde seria entregue a um órgão federal com novas características. Sendo assim, foi aprovada a criação de um sistema único de saúde com a separação total da saúde em relação à previdência. As propostas da 8ª CNS não foram realizadas imediatamente, pois, ainda havia a discussão acerca do financiamento e a sobre a operacionalização do novo sistema de saúde. Dessa forma, em julho de 1987, criou-se o Sistema Unificado e Descentralizado de Saúde (Suds), através de uma proposta do Inamps/MPAS, que se apresentou como base na construção do SUS. O Suds avançou na política de descentralização da saúde e, principalmente na descentralização do orçamento, permitindo uma maior autonomia dos estados na programação das atividades do setor; deu prosseguimento às estratégias de hierarquização e universalização da rede de saúde e retirou do Inamps a soma de poder que ele centralizava (VENÂNCIO, 2005). Destarte, os superintendentes do Inamps, que tinham um poder político enorme, anteriormente, passaram a não possuir mais poder algum, ficando em segundo plano, e quem passou a ter o poder foram os secretários estaduais de saúde, tornando-se gestores principais. Ocorria ao mesmo tempo da implementação do SUS, a discussão da Assembléia Nacional Constituinte de 1987/88, tendo como base o relatório da 8ª CNS para discutir a reforma sanitária, e finalmente a aprovação do SUS. O debate constituinte foi acirrado e revelou resistências por parte dos prestadores de serviço privado do setor de saúde e da medicina autônoma, além de conflitos de interesses entre os reformistas da previdência social. As disputas de interesse não foram suficientes para barrar a aprovação do SUS e seus princípios, mas impediram a definição de algumas políticas importantes para o processo de implementação da reforma, tais como o financiamento, a regulação do setor privado, a estratégia para a descentralização e unificação do sistema, dentre outras (FARIA, 1997). Em 5 de outubro de 1988 é promulgada a Oitava Constituição do Brasil, denominada ‘Constituição Cidadã’, sendo um marco fundamental na redefinição das prioridades da política do Estado na área da saúde pública. Ao longo de 1989, as negociações se concentraram em torno da lei complementar que daria bases operacionais para o SUS. Nesse mesmo ano, é realizada a primeira eleição direta para presidente da República, assumindo a presidência em janeiro de 1990, Fernando Collor de Mello. Nesse período ocorria a projeto de formulação da Lei Orgânica da Saúde, entretanto a LOS 8.080, promulgada pelo governo Collor, sofreria uma grande quantidade de vetos. Foi nessa conjuntura que iniciaria a construção do SUS. 7 Perspectivas Contemporâneas em Saúde Pública A história do controle social da saúde pública no Brasil é sinônimo de luta e empenho de representantes da sociedade que dedicam tempo, esforço e recursos materiais no processo que garante a participação da sociedade civil na história do Sistema Único de Saúde (SUS). Concebida pela Constituição Federal de 1988, o Sistema Único de Saúde (SUS) é o resultado de um processo de articulação do Movimento pela Reforma Sanitária e de diversas pessoas comprometidas com o reconhecimento dos direitos sociais de cada cidadão brasileiro, ao determinar um caráter universal às ações e aos serviços de saúde no País. O processo de consolidação do SUS implicou em mudanças na legislação brasileira, buscando uma melhor implementação do sistema onde possa acompanhar as transformações econômicas e sociais do Brasil. O resgate dessa história é parte do compromisso do Conselho Nacional de Saúde com o reconhecimento e implementação do controle social em Saúde no Brasil. Para uma melhor implementação do SUS, que permitisse aos conselheiros de saúde de todo o país ter acesso à legislação federal que regulamenta o setor saúde, o Conselho Nacional de Saúde disponibilizou Leis, Normas e dispositivos constitucionais que definem os princípios e diretrizes do sistema de saúde brasileira. A criação do Sistema Único de Saúde (SUS) tem sido analisada como a maior política de inclusão social no País inserida sob o novo regime democrático. A instituição do SUS, a partir da Constituição Federal de 1988, representa um marco histórico das políticas de saúde em nosso país, pois na nova constituição, a atenção à saúde passa a ser assegurada legalmente como direito fundamental de cidadania, cabendo ao Estado a obrigação de provê-la a todos os cidadãos brasileiros e estrangeiros que vivem no Brasil. E desde a sua instituição, quatro pontos sobre a gestão têm sido apontados como fundamentais: a descentralização, o financiamento, o controle social e a gestão do trabalho. O direito à saúde, afirmado na Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, está claro na Constituição Federal de 1988 que define a Saúde como direito de todos e dever do Estado, indicando os princípios e diretrizes legais do Sistema Único de Saúde – SUS. Segundo o artigo 196 da Constituição Federal Brasileira de 1988: “A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universitário e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”. (grifo nosso) A saúde preconizada na Constituição está inspirada no debate da Reforma Sanitária Brasileira iniciado na década de 70, com grande expressão no resultado do intenso e participativo debate ocorrido na 8ª Conferência Nacional de Saúde em 1986. Durante a década de 90 assiste-se à árdua luta pela implantação do SUS, ainda que se esteja distante de completar esta tarefa, muito se avançou. Saúde é qualidade de vida e, portanto, deve estar vinculada aos direitos humanos, ao direito ao trabalho, à moradia, educação, alimentação e lazer. O direito à saúde, especialmente quando examinado sob a ótica da qualidade de vida, exige também que a superação das desigualdades envolva o acesso democrático a alimentos, medicamentos e serviços que sejam seguros e que tenham sua qualidade controlada pelo Poder Público. Qualidade de vida implica o reconhecimento do ser humano como ser integral. O conceito de cidadania que a Constituição assegura deve ser traduzido nas condições de vida da população. Ressalta-se quea promoção a atenção à saúde são fundamentais e fazem parte do elenco de políticas sociais necessárias para a construção de uma sociedade justa e democrática, sendo esta a missão central do SUS. Nesse sentido, a efetivação do direito à saúde depende do provimento de políticas sociais e econômicas que assegurem desenvolvimento econômico sustentável e distribuição de renda; cabendo, especificamente ao SUS a promoção, proteção e recuperação da saúde dos indivíduos e das coletividades de forma eqüitativa. Em 19 de setembro de 1990, foi aprovada a Lei Federal nº 8.080, a chamada Lei Orgânica da Saúde (LOS), elaborada pela Comissão Nacional de Reforma Sanitária (CNRS), que dispõe sobre as condições para a promoção, a proteção e a recuperação da Saúde. No entanto, a legitimidade do processo constituinte e do movimento pela reforma sanitária constitui-se na melhor garantia da operacionalização dos ideais dos SUS, ou seja, de seus princípios e diretrizes. Ainda o controle social, foi assegurado pela Lei 8.142, de 28 de dezembro de 1990, mantendo a perspectiva de participação social na gestão do SUS e consequentemente, conquista dos cidadãos, que passaram a ocupar espaços estratégicos a partir de dentro dos aparelhos do Estado. SUS: PRINCÍPIOS E DIRETRIZES A primeira e maior novidade do Sistema Único de Saúde é seu conceito de saúde. Esse “conceito ampliado de saúde”, resultado de um processo de embates teóricos e políticos, como visto anteriormente, traz consigo um diagnóstico das dificuldades que o setor da saúde enfrentou historicamente e a certeza de que a reversão deste quadro extrapolava os limites restritos da noção vigente. Encarar saúde apenas como ausência de doenças evidenciou um quadro repleto não só das próprias doenças, como de desigualdades, insatisfação dos usuários, exclusão, baixa qualidade e falta de comprometimento profissional. Para enfrentar essa situação era necessário transformar a concepção de saúde, de serviços de saúde e, até mesmo, de sociedade. Uma coisa era se deparar com a necessidade de abrir unidades, contratar profissionais, comprar medicamentos. Outra tarefa é conceber a atenção à saúde como um projeto que iguala saúde com condições de vida. Ao lado do conceito ampliado de saúde, o Sistema Único de Saúde traz dois outros conceitos importantes: o de sistema e a ideia de unicidade. A noção de sistema significa que não estamos falando de um novo serviço ou órgão público, mas de um conjunto de várias instituições, dos três níveis de governo e do setor privado contratado e conveniado, que interagem para um fim comum. Na lógica do sistema público, os serviços contratados e conveniados são seguidos dos mesmos princípios e das mesmas normas do serviço público. Os elementos integrantes do sistema referem-se, ao mesmo tempo, às atividades de promoção, proteção e recuperação da saúde. Esse sistema é único, ou seja, deve ter a mesma doutrina e a mesma forma de organização em todo país. Mas é preciso compreender bem esta ideia de unicidade. Em um país com tamanha diversidade cultural, econômica e social como o Brasil, pensar em organizar um sistema sem levar em conta essas diferenças seria uma temeridade. O que é definido como único na Constituição é um conjunto de elementos doutrinários e de organização do Sistema Único de Saúde, os princípios da universalização, da equidade, da integralidade, da descentralização e da participação popular. Esses elementos se relacionam com as peculiaridades e determinações locais, por meio de formas previstas de aproximação de gerência aos cidadãos, seja com descentralização político-administrativa, seja por meio do controle social do sistema. O Sistema Único de Saúde pode, então, ser entendido a partir da seguinte imagem: um núcleo comum (único), que concentra os princípios doutrinários, e uma forma de organização e operacionalização, os princípios organizativos. A construção do SUS norteia-se, baseado nos seus preceitos constitucionais, pelas seguintes doutrinas: • Universalidade: É a garantia de atenção à saúde, por parte do sistema, a todo e qualquer cidadão (“A saúde é direito de todos e dever do Estado” – Art. 196 da Constituição Federal de 1988). Com a universalidade, o indivíduo passa a ter direito de acesso a todos os serviços públicos de saúde, assim como aqueles contratados pelo poder público de saúde, independente de sexo, raça, renda, ocupação ou outras características sociais ou pessoais. Saúde é direito de cidadania e dever do Governo: Municipal, Estadual e Federal. • Equidade: O objetivo da equidade é diminuir desigualdades. Mas isso não significa que a equidade seja sinônima de igualdade. Apesar de todos terem direito aos serviços, as pessoas não são iguais e por isso têm necessidades diferentes. Então, equidade é a garantia a todas as pessoas, em igualdade de condições, ao acesso às ações e serviços dos diferentes níveis de complexidade do sistema. O que determinará as ações será a prioridade epidemiológica e não o favorecimento, investindo mais onde a carência é maior. Sendo assim, todos terão as mesmas condições de acesso, more o cidadão onde morar, sem privilégios e sem barreiras. Todo cidadão é igual perante o SUS e será atendido conforme suas necessidades até o limite do que o sistema pode oferecer para todos. • Integralidade: As ações de promoção, proteção e reabilitação da saúde não podem ser fracionadas, sendo assim, os serviços de saúde devem reconhecer na prática que: se cada pessoa é um todo indivisível e integrante de uma comunidade, as ações de promoção, proteção e reabilitação da saúde também não podem ser compartimentalizadas, assim como as unidades prestadoras de serviço, com seus diversos graus de complexidade, configuram um sistema capaz de prestar assistência integral. Ao mesmo tempo, o princípio da integralidade pressupõe a articulação da saúde com outras políticas públicas, como forma de assegurar uma atuação intersetorial entre as diferentes áreas que tenham repercussão na saúde e qualidade de vida dos indivíduos. Para organizar o SUS a partir dos princípios doutrinários apresentados e considerando-se a ideia de seguridade social e relevância pública existem algumas diretrizes que orientam o processo. Na verdade, trata-se de formas de concretizar o SUS na prática. • Regionalização e hierarquização: Os serviços devem ser organizados em níveis de complexidade tecnológica crescente, dispostos em uma área geográfica delimitada e com a definição da população a ser atendida. Planejados a partir de critérios epidemiológicos, implica na capacidade dos serviços em oferecer a uma determinada população todas as modalidades de assistência, bem como o acesso a todo tipo de tecnologia disponível, possibilitando alto grau de resolutividade (solução de problemas). A rede de serviços, organizada de forma hierarquizada e regionalizada, permite um conhecimento maior da situação de saúde da população da área delimitada, favorecendo ações de atenção ambulatorial e hospitalar em todos os níveis de complexidade. Deve o acesso da população à rede se dar por intermédio dos serviços de nível primário de atenção, que devem estar qualificados para atender e resolver os principais problemas que demandam os serviços de saúde. Os demais deverão ser referenciados para os serviços de maior complexidade tecnológica. Estes caminhos somam a integralidade da atenção com o controle e a racionalidade dos gastos no sistema. CONTROLE SOCIAL NO SUS A legislação federal (Constituição Federal, Art. 198, inciso III e Lei 8.080/90, Art. 7º, inciso VIII) estabeleceu as normas gerais que orientam a participação da comunidade na gestão do Sistema Único de Saúde por meio das Conferências e dos Conselhos de Saúde,regulamentados pela Lei 8.142/90, Art. 1º - parágrafos 1 a 5. As Conferências de Saúde são instâncias colegiadas, de caráter consultivo, que possibilitam o exercício do controle social no âmbito do poder executivo, tendo como objetivo avaliar a situação de saúde e propor as diretrizes da política de saúde em cada nível de governo, constituindo-se no mais importante fórum de participação ampla da população. Sua periodicidade deverá ser estabelecida pelos Conselhos de Saúde correspondentes, não devendo ultrapassar quatro anos. Os Conselhos de Saúde buscam participar da discussão das políticas de saúde tendo uma atuação independente do governo, embora façam parte de sua estrutura e onde se manifestam os interesses dos diferentes segmentos sociais, possibilitando a negociação de propostas e o direcionamento de recursos para diferentes prioridades. Em seu parágrafo 2º, a Lei 8.142/90 define: "O Conselho de Saúde, em caráter permanente e deliberativo, órgão colegiado composto por representantes do governo, prestadores de serviço, profissionais de saúde e usuários, atua na formulação de estratégias e no controle da execução da política de saúde na instância correspondente, inclusive nos aspectos econômicos e financeiros, cujas decisões serão homologadas pelo chefe do poder legalmente constituído em cada esfera de governo". Na perspectiva do controle social, a participação da população na gestão da saúde coloca as ações e serviços na direção de interesses da comunidade e estabelece uma nova relação entre o Estado e a Sociedade, na qual o conhecimento da realidade de saúde das comunidades é o fator determinante na tomada de decisão por parte do gestor. A legislação, porém, deixou uma lacuna principalmente nos aspectos de representatividade e legitimidade dos diversos segmentos sociais e naqueles referentes à organização, estruturação e funcionamento dos conselhos. Para preencher essa lacuna e orientar a formação dos Conselhos de Saúde, acelerando e consolidando o controle social do SUS, o Conselho Nacional de Saúde editou, em dezembro de 1992, a Resolução nº 33 – Recomendações para Constituição e Estruturação de Conselhos Estaduais e Municipais de Saúde. Em novembro de 2002, considerando o acumulado no exercício do controle social em 10 anos, bem como as demandas dos Conselhos Estaduais e Municipais expressas nas 9ª, 10ª e 11ª Conferências Nacionais de Saúde, nas Plenárias de Saúde e em outros fóruns representativos, a Resolução N.º 33 foi atualizada pelo documento Diretrizes para Criação, Reformulação, Estruturação e Funcionamento dos Conselhos de Saúde. Este documento definiu que "aos Conselhos de Saúde que tem suas competências definidas nas leis federais bem como em deliberações advindas das Conferências de Saúde compete": * Implementar a mobilização e articulação contínuas da sociedade na defesa dos princípios constitucionais que fundamentam o SUS para o controle social de Saúde; * Elaborar o Regimento do Conselho e outras normas de funcionamento; * Discutir, elaborar e aprovar proposta de operacionalização das diretrizes aprovadas pelas Conferências de Saúde; * Definir diretrizes para elaboração dos planos de saúde e sobre eles deliberar, conforme as diversas situações epidemiológicas e a capacidade organizacional dos serviços; * Estabelecer estratégias e procedimentos de acompanhamento da gestão do SUS, articulandose com os demais colegiados como os de seguridade, meio ambiente, justiça, educação, trabalho, agricultura, idosos, criança e adolescente e outros; * Proceder à revisão periódica dos planos de saúde; * Deliberar sobre os programas de saúde e aprovar projetos a serem encaminhados ao Legislativo, propor a adoção de critérios definidores de qualidade e resolutividade, atualizandoos face ao processo de incorporação dos avanços científicos e tecnológicos, na área da saúde; * Estabelecer diretrizes e critérios operacionais relativos à localização e tipo de unidades prestadoras de serviços de saúde públicos e privados, no âmbito do SUS, tendo em vista o direito ao acesso universal às ações de promoção, proteção e recuperação da saúde em todos os níveis de complexidade dos serviços, sob a diretriz da hierarquização/regionalização da oferta e demanda de serviços, e princípio da eqüidade; * Avaliar, explicitando os critérios utilizados, a organização e o funcionamento do sistema de saúde do SUS; * Avaliar e deliberar sobre os contratos e convênios, conforme as diretrizes dos Planos de Saúde Nacional, Estaduais, do Distrito Federal e Municipais; * Propor critérios para a programação e para a execução financeira e orçamentária dos Fundos de Saúde e acompanhar a movimentação e destinação dos recursos; * Fiscalizar e controlar gastos e deliberar sobre critérios de movimentação de recursos da Saúde, incluindo o Fundo de Saúde e os transferidos e próprios do Município, Estado, Distrito Federal e da União; * Analisar, discutir e aprovar o relatório de gestão com a prestação de contas e informações financeiras, repassado em tempo hábil aos conselheiros, acompanhado do devido assessoramento; * Fiscalizar e acompanhar o desenvolvimento das ações e dos serviços de saúde e encaminhar denúncias aos respectivos órgãos, conforme legislação vigente; * Examinar propostas e denúncias de irregularidades, responder no seu âmbito a consultas sobre assuntos pertinentes às ações e aos serviços de saúde, bem como apreciar recursos a respeito das deliberações do Conselho nas suas respectivas instâncias; * Estabelecer critérios para a determinação de periodicidade das conferências de saúde, propor sua convocação, estruturar sua comissão organizadora, submeter o respectivo regimento e programa ao Pleno do Conselho correspondente, explicitando deveres e papéis dos conselheiros nas pré-conferências e conferências; * Estimular articulação e intercâmbio entre os Conselhos e entidades governamentais e privadas, visando à promoção da Saúde; * Estimular, apoiar e promover estudos e pesquisas sobre assuntos e temas na área da saúde, pertinentes ao desenvolvimento do Sistema Único de Saúde; * Estabelecer ações de informação, educação e comunicação em saúde e divulgar as funções e competências do Conselho, seus trabalhos e decisões por todos os meios de comunicação, incluindo informações sobre as agendas, datas e local das reuniões; * Apoiar e promover a educação para o controle social. Constará do conteúdo programático os fundamentos teóricos da saúde, a situação epidemiológica, a organização do SUS, a situação real de funcionamento dos serviços do SUS, as atividades e competências do Conselho, bem como a Legislação do SUS, suas políticas de saúde, orçamento e financiamento; * Aprovar, encaminhar e avaliar a política para os Recursos humanos do SUS; * Acompanhar a implementação das deliberações constantes do relatório das plenárias dos Conselhos. Ao abordarmos a competência dos Conselhos de Saúde é importante ressaltar que o trabalho do Conselho não pode ser confundido com o papel executivo do gestor de saúde. O gestor é responsável pela execução da política de saúde, enquanto ao Conselho cabe deliberar as diretrizes dessa política, acompanhando as ações e fiscalizando a utilização dos recursos. O documento Diretrizes para Criação, Reformulação, Estruturação e Funcionamento dos Conselhos de Saúde também estabelece a composição dos Conselhos de Saúde. Um Conselho deverá ser composto por representantes do governo, de trabalhadores de saúde, de prestadores de serviços de saúde e usuários e deve ter como premissa básica a paridade do número dos usuários em relação aos demais segmentos representados. Ou seja, 50% do número total de conselheiros será de representantes de usuários, enquanto que os outros 50% deverá ser composto por representantes dos demais segmentos, sendo 25% detrabalhadores de saúde e 25% restantes de governo, entidades ou instituições prestadores de serviços públicos, filantrópicos e privados. O número de conselheiros para a composição dos Conselhos de Saúde tem variado de acordo com a realidade dos Estados e municípios e deve ser definido pelos plenários dos Conselhos e das Conferências de Saúde, porém qualquer que seja o número dos membros a paridade deverá ser mantida. Respeitadas as normas legais, cada Conselho tem a liberdade de se organizar de acordo com a realidade de seu Estado ou município, sua composição deve respeitar a correlação de forças sociais da área de atuação de cada conselho, sendo que a indicação dos representantes dos Conselhos de saúde é de exclusiva responsabilidade dos segmentos representados. Já foram identificadas, as seguintes categorias de representação: * de associações de portadores de patologias; * de associações de portadores de deficiências; * das entidades indígenas; * de movimentos sociais e populares organizados; * de movimentos organizados de mulheres, em saúde; * de entidades de aposentados e pensionistas; * de entidades congregadas de sindicatos, centrais sindicais, confederações e federações de trabalhadores urbanos e rurais; * de entidades de defesa do consumidor; * de organizações de moradores; * de entidades ambientalistas; * de organizações religiosas; * de trabalhadores de saúde: associações, sindicatos federações e confederações e conselhos de classe; * da comunidade científica; * de entidades públicas, de hospitais universitários e hospitais de campo de estágio, de pesquisa e desenvolvimento; * entidades patronais; * das entidades de prestadores de serviços de saúde; * do governo; Quanto a impedimentos que comprometem a legitimidade dos segmentos nos Conselhos de saúde, são identificados: * A participação do Poder Legislativo e do Ministério Público nos Conselhos de Saúde: não devem integrar os Conselhos de Saúde pessoas que pertençam aos poderes legislativo e judiciário, bem como representantes do Ministério Público, considerando a independência de poderes, prevista no artigo 2º da Constituição Brasileira e o papel do Ministério Público. * A participação de representantes dos usuários e de trabalhadores da saúde em cargos comissionados ou de chefia: os representantes dos usuários e de trabalhadores da saúde não poderão exercer cargo comissionado ou de chefia, na esfera de sua representação, durante seu mandato de conselheiro. É importante ressaltar que o conselheiro deve atuar como interlocutor de suas bases, não se distanciando da entidade ou movimento que o indicou, porém deve representar e defender os interesses de toda a sociedade. As funções dos conselheiros são consideradas de relevância pública, devendo se pautar pela ética, não tendo, os conselheiros, direito à remuneração ou privilégios. O mandato dos conselheiros é definido no Regimento interno do Conselho e não deve coincidir com o mandato do governo ao qual ele está vinculado. Sugere-se a duração de dois anos, com possibilidade de recondução a critério das respectivas representações. Os Conselhos de Saúde devem cumprir o estabelecido na Lei Orgânica Estadual ou Municipal, desde que a mesma esteja coerente com a legislação federal. O ato de criação dos Conselhos, bem como sua composição, organização, estrutura e competências, se dão por lei ordinária, de iniciativa do poder executivo - municipal, estadual ou federal - que deverá acolher as demandas da população e de acordo com as Conferências de Saúde. Para garantir o pleno funcionamento dos Conselhos de Saúde os organismos de Governo Estadual e Municipal deverão dar apoio e suporte administrativo e técnico. A estrutura dos Conselhos de Saúde deve ter como órgãos o Plenário e uma Secretaria Executiva a ele subordinada, cabendo aos conselheiros de saúde a definição de sua estrutura administrativa, das assessorias permanentes ou transitórias, do quadro de pessoal e das comissões intersetoriais necessários ao seu pleno funcionamento. Cabe, ainda, aos conselheiros o gerenciamento de seus recursos e o desenvolvimento de projetos de capacitação e atualização por eles definidos, buscando evitar a criação de hierarquia entre os conselheiros e a burocratização do conselho, engessando suas atividades. Após sua instalação o Conselho de Saúde, elabora seu Regimento Interno, contemplando os elementos que irão garantir seu funcionamento, tais como: abertura dos trabalhos, impedimentos e faltas dos conselheiros, suplência, votação, prazos, estrutura e dimensão da secretaria executiva, periodicidade, quorum mínimo para deliberações em plenário - metade mais um do total de integrantes - entre outros e que deverá ser aprovado pelo próprio Plenário. Qualquer alteração na organização e composição do conselho deverá ser proposta por ele e aprovada em plenário. O caráter deliberativo e permanente dos Conselhos pressupõe uma atuação constante para que seus membros tenham condições de examinar e aprovar as diretrizes da política de saúde, formulando estratégias, aperfeiçoado-as e propondo meios aptos para sua execução e correção de rumos. O Conselho não pode ser transitório, ou seja, funcionar somente quando convocado, mas reunir-se, no mínimo, uma vez ao mês e extraordinariamente sempre que necessário. Suas reuniões devem ser abertas ao público, com pauta e datas previamente divulgadas pela imprensa, cabendo ao gestor encaminhar com antecedência o material de apoio às reuniões. Uma vez, a cada três meses, a pauta da reunião do Conselho deve incluir a prestação de contas feita pelo gestor da esfera de governo correspondente, que deverá, para tanto, apresentar relatório detalhado, contendo o andamento da agenda de saúde pactuada, o relatório de gestão, dados sobre o montante e a forma de aplicação dos recursos, as auditorias iniciadas e concluídas no período, a produção e a oferta de serviços na rede assistencial própria e contratada e conveniada, entre outros. Os atos dos Conselhos são consubstanciados em resoluções, recomendações, moções e outros atos deliberativos, sendo que as resoluções serão homologadas pelo chefe do poder legalmente constituído em cada esfera de governo, em um prazo de 30 dias, garantindo ainda sua publicação em veículo oficial. Caso o gestor não proceda à homologação nem apresente justificativa, o Conselho poderá buscar validação da resolução junto ao Ministério Público. No presente, após uma década de exercício do controle social no SUS e em decorrência do processo de descentralização e de qualificação de gestores, estima-se haver aproximadamente 60 mil conselheiros em todo País. Ainda há importante conflito de competências envolvendo os Conselhos e o Executivo. São detectadas situações de não observância pelo Executivo das resoluções dos Conselhos. Por outro lado muitos Conselhos, por inexperiência, tentam assumir atribuições do Executivo, o que não só é ilegal, como reduz a representatividade do Conselho, que perde seu papel primordial. Construir uma boa relação com o controle social deve ser uma meta do gestor de saúde, podendo oferecer resultados concretos de pactuação para enfrentamento dos problemas, com importante repercussão política. Ministério da Saúde Conselho Nacional de Saúde RESOLUÇÃO Nº 453, DE 10 DE MAIO DE 2012 O Plenário do Conselho Nacional de Saúde, em sua Ducentésima Trigésima Terceira Reunião Ordinária, realizada nos dias 9 e 10 de maio de 2012, no uso de suas competências regimentais e atribuições conferidas pela Lei no 8.080, de 19 de setembro de 1990, e pela Lei no 8.142, de 28 de dezembro de 1990, e pelo Decreto no 5.839, de 11 de julho de 2006, e Considerando os debates ocorridos nos Conselhos de Saúde, nas três esferas de Governo, na X Plenária Nacional de Conselhos de Saúde,nas Plenárias Regionais e Estaduais de Conselhos de Saúde, nas 9a, 10a e 11a Conferências Nacionais de Saúde, e nas Conferências Estaduais, do Distrito Federal e Municipais de Saúde; Considerando a experiência acumulada do Controle Social da Saúde à necessidade de aprimoramento do Controle Social da Saúde no âmbito nacional e as reiteradas demandas dos Conselhos Estaduais e Municipais referentes às propostas de composição, organização e funcionamento, conforme o § 5o inciso II art. 1o da Lei no 8.142, de 28 de dezembro de 1990; Considerando a ampla discussão da Resolução do CNS no 333/92 realizada nos espaços de Controle Social, entre os quais se destacam as Plenárias de Conselhos de Saúde; Considerando os objetivos de consolidar, fortalecer, ampliar e acelerar o processo de Controle Social do SUS, por intermédio dos Conselhos Nacional, Estaduais, Municipais, das Conferências de Saúde e Plenárias de Conselhos de Saúde; Considerando que os Conselhos de Saúde, consagrados pela efetiva participação da sociedade civil organizada, representam polos de qualificação de cidadãos para o Controle Social nas esferas da ação do Estado; e Considerando o que disciplina a Lei Complementar no 141, de 13 de janeiro de 2012, e o Decreto nº 7.508, de 28 de junho de 2011, que regulamentam a Lei Orgânica da Saúde, resolve: Aprovar as seguintes diretrizes para instituição, reformulação, reestruturação e funcionamento dos Conselhos de Saúde: DA DEFINIÇÃO DE CONSELHO DE SAÚDE Primeira Diretriz: o Conselho de Saúde é uma instância colegiada, deliberativa e permanente do Sistema Único de Saúde (SUS) em cada esfera de Governo, integrante da estrutura organizacional do Ministério da Saúde, da Secretaria de Saúde dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, com composição, organização e competência fixadas na Lei no 8.142/90. O processo bem-sucedido de descentralização da saúde promoveu o surgimento de Conselhos Regionais, Conselhos Locais, Conselhos Distritais de Saúde, incluindo os Conselhos dos Distritos Sanitários Especiais Indígenas, sob a coordenação dos Conselhos de Saúde da esfera correspondente. Assim, os Conselhos de Saúde são espaços instituídos de participação da comunidade nas políticas públicas e na administração da saúde. Parágrafo único. Como Subsistema da Seguridade Social, o Conselho de Saúde atua na formulação e proposição de estratégias e no controle da execução das Políticas de Saúde, inclusive nos seus aspectos econômicos e financeiros. DA INSTITUIÇÃO E REFORMULAÇÃO DOS CONSELHOS DE SAÚDE Segunda Diretriz: a instituição dos Conselhos de Saúde é estabelecida por lei federal, estadual, do Distrito Federal e municipal, obedecida a Lei no 8.142/90. Parágrafo único. Na instituição e reformulação dos Conselhos de Saúde o Poder Executivo, respeitando os princípios da democracia, deverá acolher as demandas da população aprovadas nas Conferências de Saúde, e em consonância com a legislação. A ORGANIZAÇÃO DOS CONSELHOS DE SAÚDE Terceira Diretriz: a participação da sociedade organizada, garantida na legislação, torna os Conselhos de Saúde uma instância privilegiada na proposição, discussão, acompanhamento, deliberação, avaliação e fiscalização da implementação da Política de Saúde, inclusive nos seus aspectos econômicos e financeiros. A legislação estabelece, ainda, a composição paritária de usuários em relação ao conjunto dos demais segmentos representados. O Conselho de Saúde será composto por representantes de entidades, instituições e movimentos representativos de usuários, de entidades representativas de trabalhadores da área da saúde, do governo e de entidades representativas de prestadores de serviços de saúde, sendo o seu presidente eleito entre os membros do Conselho, em reunião plenária. Nos Municípios onde não existem entidades, instituições e movimentos organizados em número suficiente para compor o Conselho, a eleição da representação será realizada em plenária no Município, promovida pelo Conselho Municipal de maneira ampla e democrática. I - O número de conselheiros será definido pelos Conselhos de Saúde e constituído em lei. II - Mantendo o que propôs as Resoluções nos 33/92 e 333/03 do CNS e consoante com as Recomendações da 10a e 11a Conferências Nacionais de Saúde, as vagas deverão ser distribuídas da seguinte forma: a)50% de entidades e movimentos representativos de usuários; b)25% de entidades representativas dos trabalhadores da área de saúde; c)25% de representação de governo e prestadores de serviços privados conveniados, ou sem fins lucrativos. III - A participação de órgãos, entidades e movimentos sociais terá como critério a representatividade, a abrangência e a complementaridade do conjunto da sociedade, no âmbito de atuação do Conselho de Saúde. De acordo com as especificidades locais, aplicando o princípio da paridade, serão contempladas, dentre outras, as seguintes representações: a)associações de pessoas com patologias; b)associações de pessoas com deficiências; c)entidades indígenas; d)movimentos sociais e populares, organizados (movimento negro, LGBT...); e)movimentos organizados de mulheres, em saúde; f)entidades de aposentados e pensionistas; g)entidades congregadas de sindicatos, centrais sindicais, confederações e federações de trabalhadores urbanos e rurais; h)entidades de defesa do consumidor; i)organizações de moradores; j)entidades ambientalistas; k)organizações religiosas; l)trabalhadores da área de saúde: associações, confederações, conselhos de profissões regulamentadas, federações e sindicatos, obedecendo as instâncias federativas; m)comunidade científica; n)entidades públicas, de hospitais universitários e hospitais campo de estágio, de pesquisa e desenvolvimento; o)entidades patronais; p)entidades dos prestadores de serviço de saúde; e q)governo. IV - As entidades, movimentos e instituições eleitas no Conselho de Saúde terão os conselheiros indicados, por escrito, conforme processos estabelecidos pelas respectivas entidades, movimentos e instituições e de acordo com a sua organização, com a recomendação de que ocorra renovação de seus representantes. V - Recomenda-se que, a cada eleição, os segmentos de representações de usuários, trabalhadores e prestadores de serviços, ao seu critério, promovam a renovação de, no mínimo, 30% de suas entidades representativas. VI - A representação nos segmentos deve ser distinta e autônoma em relação aos demais segmentos que compõem o Conselho, por isso, um profissional com cargo de direção ou de confiança na gestão do SUS, ou como prestador de serviços de saúde não pode ser representante dos(as) Usuários(as) ou de Trabalhadores(as). VII - A ocupação de funções na área da saúde que interfiram na autonomia representativa do Conselheiro(a) deve ser avaliada como possível impedimento da representação de Usuário(a) e Trabalhador( a), e, a juízo da entidade, indicativo de substituição do Conselheiro( a). VIII - A participação dos membros eleitos do Poder Legislativo, representação do Poder Judiciário e do Ministério Público, como conselheiros, não é permitida nos Conselhos de Saúde. IX - Quando não houver Conselho de Saúde constituído ou em atividade no Município, caberá ao Conselho Estadual de Saúde assumir, junto ao executivo municipal, a convocação e realização da Conferência Municipal de Saúde, que terá como um de seus objetivos a estruturação e composição do Conselho Municipal. O mesmo será atribuído ao Conselho Nacional de Saúde, quando não houver Conselho Estadual de Saúde constituído ou em funcionamento. X - As funções, como membro do Conselho de Saúde, não serão remuneradas, considerando-se o seu exercício de relevância pública e, portanto, garante a dispensa do trabalho sem prejuízo para o conselheiro. Para fins de justificativa junto aos órgãos, entidades competentes e instituições, o Conselho de Saúde emitirá declaração de participação de seus membros durante o período
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