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SOCIOLOGIA MUNDO DO TRABALHO Capítulo 1 A CONCEPÇÃO DE TRA BALHO NOS CLÁSSICOS DA SOCIOLOGIA Nesta unidade, abordaremos as concep ções de trabalho nos clássicos. Primeiramente, trataremos da divisão do trabalho social para Émile Durkheim, das funções e das consequ ências por ele apontadas. Em seguida, veremos a colaboração de Marx na análise da divisão da produção social e seus desdobramentos, passando pela verificação da divisão de classes, pela forma de extração do lucro por meio da mais-valia e por questões a respeito da infraestrutura e da superestrutura. Em Weber, traremos o processo de racio nalização do mundo e do trabalho e os refle-. xos sociais desse processo. Na análise da es- tratificação social, perceberemos alguns outros elementos que podem perpassar a relação de trabalho e a noção de classes sociais. Por fim, traremos uma análise comparativa entre os três clássicos da sociologia no que se refere a trabalho e classes sociais, comparando o que cada um entende por divisão do trabalho e suas consequências, perpassando, inclusive, a questão da influência metodológica na forma ção do pensamento. 1.1. Divisão Social do Trabalho na Concepção de Émile Durkheim A análise do sociólogo positivista Émile Durkheim não se mostra engajada, muito me nos disposta a gerar grandes mudanças sociais, pois é caracterizada por se preocupar em traçar CBSGJ07 28p **um método para o estudo da ordem social e os seus mecanismos de manutenção. Para Durkheim (1999), o conceito de fato social é “toda maneira de fazer, fixada ou não, suscetível de exercer sobre o indivíduo uma coerção exterior; ou ainda, toda maneira de fazer que é geral na extensão de uma sociedade dada e, ao mesmo tempo, possui uma existên cia própria, independente de suas manifesta ções individuais”. A partir desse conceito, extraímos os três elementos do fato social: a) generalidade; b) exterioridade e; c) coercitividade. Logo, temos que o fato social é geral, porque abrange todos os indivíduos de determinada sociedade; é ex terior, porque não depende de manifestações do indivíduo para que exista; e é coercitivo, porque determinada força social e leva o indi víduo a agir de determinada maneira dentro da sociedade. O fio condutor para que se entenda o mé todo durkheimiano é compreender que se trata de um estudo essencialmente analítico, pauta do na constante busca por regras de observação, com objetivo de encontrar padrões que regem determinada sociedade. Note que a regra ele mentar de observação dos fatos sociais é tratá- los como coisa, de forma a descartar completa mente todas as noções prévias para que possa escapar das noções do senso comum. O que po demos considerar normal em uma determinada época em uma sociedade? Seguindo essa linha de raciocínio, Durkheim trouxe-nos regras de distinção entre fato social normal e fato social patológico. Vejamos o verbete patologia’ extra ído do dicionário Houaiss (2009): Patologia: substantivo feminino 1 Rubrica: medicina. Especialidade médica que estuda as doen ças e as alterações que estas provocam no organismo. 2 Rubrica: medicina. Qualquer desvio anatômico e/ou fisiológico, em relação à normalidade, que constitua uma doença ou caracterize determinada doença. 3 Derivação: por extensão de sentido. Desvio em relação ao que é próprio ou adequa do ou em relação ao que é considerado como o estado normal de uma coisa inanimada ou imaterial. O verbete possui três sentidos de modo, mas o primeiro não nos é de grande interesse. No segundo sentido, tem-se que patologia é um desvio em relação à normalidade que cons titua ou caracterize determinada doença. Por extensão de sentido, temos que o patológico é um desvio daquilo que é próprio ou adequado em relação àquilo considerado normal. Ficou claro que sempre que pensamos em algo patológico, temos como referência algo normal. Não saberiamos o que é patologia se não soubéssemos o que é normalidade. O normal é aquilo que segue os preceitos nor mativos e observa a regularidade, aquilo que é usual. O que Durkheim faz nada mais é do que transpor os conceitos de normal e patológico aos fatos sociais. Um fato social é considerado normal quando, em um dado período históri co, em determinada sociedade, obedece a cer ta regularidade. Será patológico quando o fato social desviar-se daquilo que é próprio naque la época e naquela sociedade. O método de análise de Durkheim não é o objeto central deste volume, no entanto, uma breve introdução mostrou-se essencial para que pudéssemos encontrar a linha de ra ciocínio do sociólogo. Vamos, agora, analisar a divisão social do trabalho. Nas palavras desse pensador: “Para saber o que é objetivamente a divisão do trabalho, não basta desenvolver o conteúdo da ideia que dela temos, mas é pre- ciso tratá-la como um fato objetivo, observar, comparar, e veremos que o resultado dessas observações muitas vezes difere daquele que o sentido íntimo nos sugere”. Na introdução da obra Da D ivisão do Tra balho Social, Durkheim aborda a função da divisão do trabalho no sentido de identificar o seu papel na sociedade e seus efeitos. Iden tifica, primeiramente, que não se trata de um fenômeno puramente econômico, reconhe cendo a crescente influência nas mais diversas regiões da sociedade, inclusive nos setores ju rídico e administrativo. As palavras “função” ou “papel” são des tacadas pelo próprio Durkheim. Com uma preocupação metodológica de evitar pré-julga- mentos, ele esclarece que o termo fu n çã o tem dupla significação. Em determinado momen to, designa movimentos vitais e a abstração de suas consequências; já em outro momento, exprime uma relação de correspondência en tre tais movimentos e sua relação com o orga nismo. O sociólogo trabalhara nos termos da segunda acepção da palavra. A função mais clara da divisão do trabalho social é elevar a produção de bens, tanto ma teriais como intelectuais, por meio da especia lização. Nas palavras de Durkheim: “Coloca- te em condições de cumprir proveitosamente uma função determinada”. No entanto, a divisão do trabalho social possui outra função que podemos perceber de maneira mais imediata, eis que a primeira é mais clara aos nossos olhos. Durkheim identi fica uma função moral de solidariedade entre os indivíduos, o que gera coesão social. A solidariedade social é um fenômeno mo ral responsável pela coesão entre os indivíduos em determinada sociedade. De acordo com a evolução da formação social, têm-se tipos de solidariedade, cada uma com suas particulari dades. Durkheim classifica a solidariedade em dois tipos: solidariedade mecânica e solidarie dade orgânica. Vejamos: A solidariedade mecânica é característica das sociedades pré-capitalistas, nas quais não houve desenvolvimento industrial, normal mente sociedades tribais ou rurais. São carac terizadas por apresentarem certa similitude funcional, decorrente da divisão simples do trabalho. A coerção social sobre os indivídu os é mais intensa por prevalecer a consciên cia coletiva sobre a individual. Normalmente, nessas sociedades, o Direito tem o intuito de punir o indivíduo para que sirva de exemplo aos demais membros. Nas sociedades caracterizadas pela solida riedade orgânica, visualizamos as sociedades capitalistas, aquelas que tiveram um desen volvimento industrial e urbano. Tais socie dades, em decorrência da industrialização, apresentam um grau mais elevado de dife renciação funcional. Cada membro cumpre determinada função e tais funções são bem variadas. Consequentemente a influência da sociedade sobre o indivíduo diminui, redu zindo a sobreposição da consciência coletiva na consciência individual. O Direito não visa a punir para servir de exemplo, mas tem o intuito primordial de reparar o dano causado pelo crime. Observe a tabela a seguir para ter o assunto resumido. SOLIDARIEDADE MECÂNICA Característica das sociedades pré-capitalistas Similitude funcionalPrevalência da consciência coletiva Divisão simples do trabalho Prevalência do direito repressivo SOLIDARIEDADE ORGÂNICA Característica das sociedades capitalistas Elevado grau de diferenciação funcional Afastamento da consciência coletiva Divisão complexa do trabalho Prevalência do direito restitutivo Durkheim aponta como mais evidente a classificação das regras jurídicas, de acordo com as sanções, que podem ser repressivas e restitutivas. A primeira corresponde a todo direito penal; a segunda, ao direito civil, co mercial, administrativo e constitucional. Ao explicar o papel do direito nas socie dades caracterizadas pela solidariedade mecâ nica, Durkheim esclarece: É essa solidariedade que o direito repressi vo exprime, pelo menos no que ela tem de vital. De fato, os atos que ele proíbe e qua lifica como crime são de dois tipos: ou ma nifestam diretamente uma dessemelhança demasiado violenta contra o agente que as realiza e o tipo coletivo, ou ofendem o ór gão da consciência comum. (DURKHEIM, 1999, p.80) Durkheim traz dois tipos de consciência: a) consciência individual; b) consciência social (também chamada de consciência coletiva). A consciência individual pertence ao ser subjetivo, individualiza o sujeito dentro do grupo, é um estado mental que diz respeito apenas ao indivíduo, ao passo que a consci ência social ou coletiva representa a socie dade dentro do indivíduo, é um conjunto de crenças, tradições e práticas morais que, em seu conjunto, formam um ser social. É possível observar um movimento cíclico na construção das consciências. As consciências individuais constroem a consciência coletiva, que, por sua vez, é responsável por moldar as consciências individuais. Nas sociedades simples, nas quais é ve rificada a divisão simples do trabalho, a se melhança entre os indivíduos unifica o corpo social pelos sentimentos de simpatia e pelas semelhanças que existem entre os membros do grupo social. Nas sociedades complexas, a diferenciação social, ao contrário do que parece, não reduz a coesão social. No entanto, as relações sociais não são mais as mesmas, pois não prevalecem sentimentos de identificar o outro em si, mas há uma interdependência funcional - cada um depende daquilo que o outro faz e isso tam bém gera coesão social. ̂ 1.1.1. Principais Conceitos Fato social: “é fato social toda maneira de fazer, fixada ou não, suscetível de exercer sobre o indivíduo uma coerção exterior; ou ainda, toda maneira de fazer que é geral na extensão de uma sociedade dada e, ao mesmo tempo, possui uma existência própria, independente de suas manifestações individuais”. Coesão social: corresponde aos laços en tre os indivíduos que mantêm a sociedade or ganizada e harmônica. Tem bases diferentes, de acordo com o tipo de solidariedade social. Divisão social do trabalho: divisão do trabalho em determinadas funções atribuídas aos indivíduos. Quanto mais evoluída é a so ciedade, mais complexa é a divisão do traba lho. Nas sociedades pré-capitalistas, ocorre de forma simples; nas sociedades capitalistas in dustriais, de forma complexa. Solidariedade social: fenômeno moral res ponsável pela coesão entre os indivíduos em de terminada sociedade. De acordo com a evolução da formação social, tem-se tipos de solidarieda de, cada uma com suas particularidades. Consciência individual/consciência so cial: a consciência individual pertence ao ser subjetivo, individualiza o sujeito dentro do gru po. São estados mentais que dizem respeito ape nas ao indivíduo, ao passo que a consciência so cial ou coletiva representa a sociedade dentro do indivíduo, é um conjunto de crenças, tradições e práticas morais que, em seu conjunto, formam um ser social. ̂ 1.2. Marx e a Divisão do Trabalho Segundo a socióloga marxista-leninista chilena Marta Harnecker (1983), estudiosa do materialismo histórico e dialético, ao analisar a divisão do trabalho em termos marxistas, eia apresenta três tipos de divisão do trabalho: 1) divisão da produção social; 2) divisão técnica do trabalho e; 3) divisão social do trabalho. A divisão da produção social consiste na divisão da produção em diferentes setores pro dutivos, esferas ou ramos de produção. São exemplos apresentados pela autora a divisão entre trabalho agrícola e trabalho industrial e divisão entre trabalho industrial e comercial. | ____________ 1 m A divisão técnica do trabalho ocorre den-^ tro do mesmo setor, do mesmo processo de produção. É típica da indústria moderna. Cada trabalhador realiza uma etapa do proces so produtivo, de modo que nenhum produz a mercadoria do ponto inicial ao ponto final, pois o produto final é de todos aqueles parti cipantes da produção. Isso gera os fenômenos de alienação e estranhamento da mercadoria, que serão vistos mais adiante. A divisão social do trabalho é a distribui ção de determinadas funções dentro de uma sociedade a cada indivíduo. Divide, por exem plo, o trabalho manual do trabalho intelectual. Tal divisão não depende de critérios puramente técnicos, mas, sobretudo, de critérios sociais. 1.2.1. O Método em Marx: o Mate- rialismo Histórico e Dialético “A história da sociedade é a história da luta de classes”. Assim, Karl Marx e Friedrich Engels ensinam-nos no M anifesto do Partido Comunista. A partir dessa frase, podemos ini ciar o estudo do materialismo histórico e dia lético, pois nela podemos identificar o núcleo do novo critério de análise histórica. Marx foi um pensador engajado e radical. Mais do que teórico do socialismo, foi pro fundo estudioso do capitalismo em toda a sua dinâmica e em suas contradições, abordando a evolução dialética da economia, pois passa a periodizar a história de acordo com os mo dos de produção. Para adentrar e compreender o pensamento de qualquer autor, sobretudo os clássicos, inicialmente, deve-se entender a sua metodologia. É importante para nós sabermos como o pensador chegou à determinada con clusão e quais etapas ele percorreu para provar sua tese. Compreender o método em Marx, de nominado por Engels como “materialismo his tórico e dialético”, é essencial para entender os principais conceitos marxianos. A dialética é a produção de argumentos, tendo como base a oposição das teses. Seu conceito foi debatido por Sócrates, Platão, Aristóteles, Hegel, Marx é outros. Lenin (1870 - 1924)1 traz nos cadernos fi losóficos que a dialética, em sentido restrito, é 0 estudo das contradições contidas na essência dos objetos e o desenvolvimento é a luta dos contrários. De maneira simples, temos que o materialismo histórico explica a realidade, a partir da produção material, considerando que esta é a base de toda ordem social, por ser algo que sempre existiu em todas as sociedades. O método dialético de Marx é fundamen talmente diverso do método hegeliano. Marx mantém a espinha dorsal da linha de raciocí nio dialético hegeliano, imprimindo-lhe ba ses materiais, rompendo com o idealismo que lhe era característico. Quanto ao materialis mo, o marxismo apoia-se em Feuerbach2, no entanto, abandona o viés mecanicista que lhe é característico, conferindo-lhe dinamicidade e historicidade. Ou seja, Marx apoia-se parcialmente em Hegel, invertendo a dialética hegeliana e, parcialmente em Feuerbach, conferindo di namicidade ao materialismo. O materialismo marxista é essencialmente econômico, pois vê uma relação necessária entre as mudanças no modo de produção material e os meios de existência dos indivíduos. Para Marx, a es trutura econômica da sociedade é a base real que condiciona a vida social. É o que o pen sador expõe na décima tese sobre Feuerbach: “O ponto de vista do antigo materialismo é 1 Vladimir Hitch Lenin, ou Lenine, foi líder do Partido Comunista e primeiro presidente do Conselho dos Comissários do Povo da União Soviética. Esse revolucionário foi responsável em grande parte pela execução da Revolução Russa de 1917. 2 Ludwig Andreas Feuerbach(1804 —1872) foi um filósofo alemão reconhecido pela teologia humanista. a sociedade ‘civil’; o ponto de vista do novo materialismo é a sociedade humana, ou a hu manidade socializada”. O método em questão é a junção de dois outros: Marx herdou o materialismo de Feu erbach e a dialética hegeliana, de modo que um serviria de complemento ao outro. Marx pega parte de cada um, descartando aqui lo que acredita não ser cabível. Aproveita o materialismo feuerbachiano, descartando seu mecanicismo e imprimindo-lhe historicidade; e herda a dialética de Hegel, invertendo sua lógica, pois parte do abstrato para chegar a um concreto pensado. No caso da dialética hege liana por si, a ideia é partir do concreto para chegar ao abstrato. Conforme nos recorda José Paulo Netto (2002), “todo começo é difícil em qualquer ci ência”. Assim Marx nos ensina, logo no início de sua principal obra, O Capital. Marx não nos traz uma lógica pronta, aplicável diretamente a análise de determinado objeto ou de sujeitos. Ao estudar o capitalismo, esse filósofo desco briu suas estruturas, dinâmicas reais. Na teoria do capital, Marx reproduziu de forma ideal seu movimento real, de forma a extrair as múltiplas determinações que constituem o concreto. Mas o que significa extrair as múltiplas determina ções de um objeto? Na obra A Id eo lo g ia Alemã, Marx e En gels ressaltam que o ponto de partida de seus pressupostos são homens reais, suas ações e condições materiais, tanto já encontradas como produzidas. Não admite abstração, ex ceto daquilo que é imaginado. Assim, literal mente: “O primeiro pressuposto de toda his tória humana é naturalmente a existência de indivíduos humanos vivos. O primeiro fato a constatar é, pois, a organização corporal destes indivíduos e, por meio disto, sua relação dada com o resto da natureza”. O método materialista dialético, desse modo, imprimiu o materialismo nas relações dialéticas e teve sua análise realizada a partir da realidade social, dos “homens de carne e osso”. Como nos explica José Paulo Netto, “[...] a to talidade concreta e articulada que é a socieda de burguesa é uma totalidade dinâmica - seu movimento resulta do caráter contraditório de todas as^talidades que compõe a totalidade inclusiva e macroscópica”. Desse modo, conseguimos perceber como Marx trabalha com as múltiplas determina ções de seu objeto de análise. Em síntese, o que tornou propício o seu arcabouço teórico foi a articulação de três categorias nucleares de pensamento: a totalidade, a contradição e a mediação.Verificamos que a análise materia lista dialética permite não só encontrar as leis que expõem o movimento real dos fenômenos, mas também é fundada nos fatos concretos. O homem passa a se diferenciar dos ani mais quando começa a produzir seus meios de subsistência, pois, ao produzir seus meios de vida, produz sua existência material, mesmo que de forma indireta. O modo de produção de seu meio de vida é pela reprodução daquilo que a natureza lhe proporciona. O que o sujei to é coincide tanto com a forma de produção, como com aquilo que é produzido. “O que os indivíduos são, portanto, depende das condi ções materiais de sua produção”. Diferentemente de Durkheim, que busca va afastar-se do objeto de estudo para que pu desse aplicar as regras do método sociológico, Marx não era um teórico neutro, que queria se aproximar das ciências naturais, mas um pen sador radical, engajado, que se preocupou com a análise de seu tempo. Como o próprio Marx nos diz: “Os filósofos têm apenas interpretado o mundo de maneiras diferentes; a questão, porém, é transformá-lo”. Podemos dizer que o marxismo não se encaixa no conceito ‘burguês’ de ciência, por se tratar de uma análise social propriamente impura. 1.2.2. A Divisão do Trabalho, Forças Produtivas e Relações de Produção Segundo Marx, sabemos que “o modo de produção da vida material condiciona o pro cesso da vida social, política e esjnhitual em geral”. Entendemos também que o referido autor defende claramente que a anatomia da sociedade civil deve ser buscada com base na economia política. Vimos que o que o indivíduo é depende essencialmente das condições materiais de produção, assim como, em geral, toda confi guração social. Os conceitos de infraestrutura e superestrutura são primordiais para a com preensão da configuração de um Estado, pois a infraestrutura é a base real sobre a qual se ergue a superestrutura, que é arcabouço ins titucional do Estado. A infraestrutura aproxi- ma-se da ideia de existência, ao passo que a superestrutura está próxima da ideia de cons ciência. Vejamos: a) Infraestrutura: base material que con siste nos os meios materiais de produção, ou seja, meios de produção e força de trabalho. b) Superestrutura: o sistema institucional de idéias, culturas, sentimentos, instituições jurídicas e políticas, que constituem a consci ência social erguida sobre a base material. Seguindo esse raciocínio, no prefácio da obra C ontribuição à Crítica da E conom ia Polí tica (1859), Marx esclarece o fio condutor do desenvolvimento de seus estudos: O resultado geral a que cheguei e que, uma vez obtido, serviu de fio condutor aos meus estudos, pode resumir-se assim: na produ ção social da sua vida, os homens contra em determinadas relações necessárias e Q>] independentes da sua vontade, relações de produção que correspondem a uma deter minada fase de desenvolvimento das suas forças produtivas materiais.O conjunto dessas relações de produção forma a estru tura econômica da sociedade, a base real sobre se levanta a superestrutura jurídica e política e à qual correspondem determina das formas de consciência social. O modo dé produção da vida material condiciona o processo da vida social, política e espiritual em geral. Não é a consciência do homem que determina o seu ser, mas, pelo contrário, o seu ser social é que determina a sua consci ência. (MARX, s/d, p. 301) A seguir, um quadro esquemático para melhor fixar esse importante tema: A SUPERESTRUTURA E A INFRAESTRUTURA NO PENSAMENTO MARXIST DETERMINA INFRAESTRUTURA MEIO DE PRODUÇÃO (EXISTÊNCIA) O processo de trabalho, em termos ge rais, é todo processo de transformação de um determinado objeto em outro produto, utili- zando-se instrumentos de trabalho. O objeto inicial pode estar em seu estado natural ou já ter sido trabalhado.3 r • ' " O B J E T O ----- ------ ► TRANSFORMAÇÃO----------- ► PRODUTO F ATIVIDADE HUMANA INDUSTRIA AGRICULTURA COMÉRCIO MINERAÇÃO ESTADO (RELAÇÕES POLÍTICAS) SOCIEDADE (RELAÇÕES SOCIAIS) __________RcUGlAO__________ CULTURA _______ JUSTIÇA (LEIS)________ 3 Fonte: HARNECKER, Marta. Os conceitos elementares do materialismo histórico. São Paulo: Global, 1983, p. 32. FORÇA DE PRODUÇÃO^ Assim, tem-se um objeto inicial que passará por um processo de transformação e se tornará um produto útil. Tal transformação é realizada pela atividade humana, por meio do uso de ins trumentos de trabalho. São apresentados três instrumentos de trabalho, quais sejam: o objeto a ser trabalhado; os meios de trabalho ou meios de produção; e força de trabalho. FORÇA DE TRABALHO + MF.IOS DE PRODUÇÃO RELAÇÕES OE PRODUÇÃO OBJETO : ______! + 1 M FIO D t TRABALHO a) O objeto: pode ser matéria bru ta. Esta é proveniente diretamente da na tureza, não há manufatura prévia. São exemplos de matéria bruta: frutos, mi nerais etc. Também pode ser matéria- -prima, ou seja, aquela que sofreu modifi cação pelo trabalho humano. São exemplos de matéria-prima: madeira, borracha etc. b) Meios de trabalho ou meios de produção: em sentido amplo, são as con dições materiais indispensáveis à realiza ção do trabalho; em sentido estrito, são as ferramentas que intermediam o traba lhador e o objeto trabalhado. c) Força de trabalho: é a atividade humana desenvolvida no processo de produção, é a energia humana aplicada no processo de trabalho. O salário é o equivalentemonetário à força trabalho. Como resultado, tem-se o produto, que é o objeto final, que resulta do processo de tra balho - matéria bruta ou matéria-prima tra balhada pela atividade humana, utilizando-se meios de produção. Para que seja mercadoria, o produto tem de ter um valor de uso, ou seja, deverá suprir alguma necessidade. O concei to de valor de uso será melhor abordado mais adiante. Por hora, vamos ver o quadro e com preender o assunto com maior facilidade. Todo processo de trabalho implica deter minadas relações de produção. As relações de produção consistem na somatória das relações técnicas e sociais dentro do processo produti vo. No processo de trabalho, os homens esta belecem determinadas relações pessoais entre si. Tais relações são determinantes no caráter assumido historicamente pela sociedade, pois, na visão marxiana, a produção está incondi cionalmente determinada pela história. As forças produtivas são os elementos do processo de trabalho considerados a partir de sua capacidade de produção, sua potência produtiva, em especial, a força de trabalho e o meio de produção. As forças produtivas de uma determinada nação são medidas a partir do grau de desenvolvimento atingido pela di visão do trabalho, Assim, segundo a conceitu- ação dada por Marx e Engels: A divisão do trabalho no interior de uma nação leva, inicialmente, à separação entre o trabalho industrial e comercial, de um lado, e o trabalho agrícola de outro, e, com isso, a separação da cidade e do campo e a oposi ção de seus interesses. Seu desenvolvimento ulterior leva à separação entre o trabalho co mercial e o trabalho industrial. Ao mesmo tempo, através da divisão do trabalho dentro destes diferentes ramos, desenvolvem-se dife rentes subdivisões particulares umas em rela ção a outras é condicionada pelo modo pelo qual se exerce o trabalho agrícola, industrial ^ e comercial (patriarcalismo, escravidão, es- \ tamentos e classes) estas mesmas condições mostram-se ao se desenvolver o intercâmbio entre as diferentes nações. (MARX; EN GELS, 1999, p.29) Como é possível extrair do trecho citado da obra de Marx e Engels, a divisão do trabalho acaba por separar indústria e comércio, cidade e campo, e criar oposição entre seus interesses. Isso se mostra nas mais diversas configurações sociais e em suas subdivisões. Assim, os autores dividem as formas de propriedade em três, na ordem que segue: a) Propriedade tribal: trata-se de uma extensão da família. Existem chefes patriarcais da tribo, outros membros e os escravos; corresponde a uma fase ainda não desenvolvida da produção, na qual o grupo se alimenta daquilo que caça e pesca, da criação de animais e até mesmo da agricultura. Pressupõem terrenos não cultivados, por isso a agricultura seria eventual. A divisão do trabalho encon tra-se pouco desenvolvida e limitada a uma extensão da divisão natural do tra balho existente na família, sobretudo a divisão sexual. b) Propriedade comunal estatal: caracterizada pelo surgimento da pro priedade privada encontrada na antigui dade, a partir da reunião de várias tribos que formam cidade com propriedade coletiva dos chamados cidadãos ativos. Já pode ser encontrada oposição entre cidade e campo e permanece a explora ção do trabalho escravo. É resultado da união entre tribos que formam uma ci dade por meio de acordo ou conquista. O primeiro tipo de propriedade privada que existe é a propriedade privada mó vel, desenvolvendo-se, posteriormente, a propriedade imóvel, que, naquele mo mento, era exceção e estava subordinada à propriedade comunal. Era a proprie dade privada comum daqueles conside rados cidadãos, devendo lembrar que mulheres, crianças e escravos não se en quadravam nessa categoria. Em virtude do crescimento da propriedade privava imóvel e o desenvolvimento da divisão do trabalho, decai a estrutura comunal de produção. c) Propriedade feudal ou estamen- tal: é a terceira forma de propriedade, marcada pela expansão da agricultura, do movimento da cidade em direção ao cam po. Diferentemente do que aconteceu nas sociedades grega e romana, o desenvolvi mento feudal começa em um território mais extenso, com a população (também chamada de estamentos — grupos sociais) dispersa em uma grande área. Nos últimos anos do Império Romano, houve signifi cativa queda das relações comerciais e das demais forças produtivas. Assim, a estru tura hierárquica da propriedade fundiária e o poder sobre as armas deram à nobre za o poder sobre os servos. Aos poucos, houve novo movimento migratório, dessa vez do campo em direção à cidade. Assim, originaram-se as corporações de ofício (associações de pessoas qualificadas para trabalhar em uma determinada função), que herdaram das configurações sociais do campo, o que originou nas cidades uma hierarquia semelhante. O modo de pensar, o modo de existir e os produtos resultantes disso são determina dos pelos modos como os homens desenvol vem sua produção material. A consciência não determina a existência, mas, ao contrário, corresponde à vida real, aos indivíduos reais e vivos, assim como vemos nas palavras de Marx © 2001-2009 HAAP Media Ltd, a subsidiary of Getty Images e Engels: Não tem história, nem desenvolvimento; mas homens, ao desenvolverem sua produção material e seu intercâmbio material, trans formam também, com esta sua realidade, seu pensar e os produtos de seu pensar. Não é a consciência que determina a vida, mas a vida que determina a consciência. Na primeira maneira de considerar as coisas, parte-se da consciência como do próprio indivíduo vivo; parte-se dos próprios indivíduos reais e vivos, e se considera a cons ciência unicamente como sua consciência. (MARX; ENGELS, 1999, p. 38) Os homens trans formam a sua maneira de pensar e os pro dutos provenientes dela de acordo com o desenvolvimento da produção material e do intercâmbio dessa produção. Isso deter mina as relações so ciais, as maneiras de agir e a consciência do próprio indivíduo. Partimos da vida real para ter um parâmetro de consciência e não o contrário. Partin do desse pressuposto, tem-se o processo de desenvolvimento das condições materiais de existência. Assim, tem-se a crítica ao idealismo pelas abstrações separadas da história real. Marx e Engels trabalham a história como o primeiro pressuposto de toda a existência hu mana: (...) Mas, para viver, é preciso antes de tudo comer, beber, ter habitação, vestir-se e algu mas coisas mais. O primeiro ato histórico é, portanto, a produção dos meios que permi tam a satisfação dessas necessidades, a produ ção da própria vida material, e de fato este é um ato histórico, uma condição fundamen- tal de toda a história, que ainda hoje, como há milhares de anos, deve ser cumprido to dos os dias e todas as horas, simplesmente para manter os homens vivos. (MARX; EN GELS, 1999, p. 39) Em seguida, são descritos os momentos da atividade social que coexistem desde os pri- mórdios da história: a) Deve ser observado o fato fundamental em toda a sua extensão e significação, e ren der-lhe toda a justiça. Os alemães ignoraram a história e as condições materiais sobre as quais foi construída. b) Satisfeita a primeira etapa, o segundo passo é produzir novas necessidades. c) A terceira é a reprodução por meio do estabelecimento da relação familiar. d) Por fim, serão estabelecidas as relações sociais. Na sequência da obra A Ideologia Alemã, é analisada a divisão do trabalho. Marx e Engels esclarecem que a primeira forma foi a divisão sexual do trabalho, esclarecendo que a men cionada divisão acontece efetivamente a partir do momento em que são estabelecidas as divi sões entre o trabalho material e o espiritual, o que inicia contradições nas relações existentes com as forças produtivas. No mais, é possível observar uma identida de entre propriedade privada e divisão do tra balho, de forma que “a primeira enunciaem relação à atividade, aquilo que se enuncia na segunda em relação ao produto da atividade”. Assim, os autores apontam como seria a divisão de trabalho na sociedade comunista: (...) na sociedade comunista, onde cada um não tem uma esfera de atividade exclusiva, mas pode aperfeiçoar-se no ramo que lhe apraz, a sociedade regula a produção geral, dando-lhe assim a possibilidade de hoje fazer tal coisa, amanhã outra, caçar pela manhã, pescar à tarde, criar, animais ao anoitecer, cri ticar após o jantar, segundo meu desejo, sem jamais tornar-me caçador, pescador, pastor ou crítico. (MARX; ENGELS, 1999, p. 47) Os pensadores ensinam que as lutas pon tuais são formais e ilusórias e, dentro delas, desenvolvem-se lutas reais entre as diferen tes classes, pois todas aspiram a dominação. Finalizando o raciocínio, trazem o conceito de comunismo como um ideal para o qual a sociedade deve se dirigir. “A utilização da força de trabalho é o pró prio trabalho”. Assim Marx começa o quinto capítulo de O Capital e continua o raciocínio, dizendo que o consumo da força de trabalho faz que o trabalhador trabalhe e, para que o trabalho reapareça em forma de mercadorias, ele deverá ser empregado no que Marx deno mina valor de uso, que serve para satisfazer as necessidades de qualquer natureza. Retomando o que Marx elenca como os três elementos do processo de trabalho: 1. A atividade adequada a um fim, isto é, o próprio trabalho. 2. A matéria a que se aplica o trabalho, o objeto de trabalho. 3. Os meios de trabalho, o instrumental de trabalho. Meio de trabalho é uma coisa ou um com plexo de coisas que intermediam o trabalhador e o objeto de trabalho, que dirigem a atividade do trabalhador sobre o objeto. Assim, no pro cesso de trabalho, o homem realiza determi nada atividade com o fim no objeto, atuando pelo instrumental de trabalho. Os produtos do processo de trabalho têm dupla função, segundo Marx, ao explicar “que podem servir ao consumo individual como meio de subsistência ou a novo processo de trabalho como meios de produção”. Assim, o autor conclui: “Os produtos de trabalho anterior que, além de resultado cons tituem condições de existência do processo de trabalho, só se mantêm e se realizam como va lores de uso através de sua participação nesse processo, do seu contato com o trabalho vivo”. A mercadoria existe para satisfazer as ne cessidades humanas “do estômago ou da fan tasia”, seja de forma imediata ou como meio de produção de outra mercadoria, pois, en quanto não há consumo, não se fala em mer cadoria. Logo, o que se faz para uso próprio não se encaixa nesse conceito, pois a merca doria é a forma elementar da riqueza. A mer cadoria é essencialmente composta por dois fatores: valor de uso e valor de troca. a) Valor de uso: Marx ensina-nos que a “utilidade de uma mercadoria faz dela um valor d e uso”, ou seja, seu valor é determinado pelas qualidades particu lares da mercadoria e não depende da quantidade de trabalho nela empregada, mas de suas qualidades úteis. Tal valor realiza-se com a utilização ou consumo da mercadoria. O valor de uso constitui conteúdo material da riqueza, seja qual for sua forma social. b) Valor de troca: apresenta-se como uma relação quantitativa, expressa em ter mos monetários. E a proporção por meio da qual os valores de uso de uma espécie se trocam por valores de uso de outra. Não se trata de uma relação fixa, pois muda constantemente de acordo com o tempo e o espaço. O valor de troca, portanto, apresenta-se como algo “casual e pura mente relativo”. E o modo que se pode ' quantificar o valor de uma mercadoria, tornando-o comparável ao valor de outra. Podemos verificar que há uma contradição entre os termos valor de uso e valor de troca, pois deve ser considerado o valor de troca como um meio pelo qual as mercadorias podem ser quantificadas, comparadas. A quantificação justifica-se, pois, para a realização das trocas, é imprescindível um parâmetro comparativo. Marx ensina que: “Uma coisa pode ser valor de uso sem ser valor. É o que sucede quando a utilidade para o ser humano não decorre do trabalho. (...) Uma coisa pode ser útil e produto do trabalho humano sem ser mercadoria”. A mercadoria é o cerne do capital, pois toda produção capitalista passa a ter forma de mercadoria, que, por sua vez, é um valor de uso que é voltado para satisfazer as necessidades humanas. Por sua vez, o valor de troca que é quantificável e possui um equivalente monetá rio — preço, dinheiro — é uma relação. Pergun ta-se, portanto: qual é o papel do trabalho? O trabalho tem o papel de definir os valo res de troca. Mas esse trabalho em questão não é o trabalho individual, não é o tempo que cada trabalhador gasta para produzir determinada mercadoria. Trata-se de um trabalho homogê neo. Dessa análise, são excluídas as diferenças entre os mais variados tipos de processos de tra balho. Assim, existem dois tipos de trabalho: o útil e o abstrato. O trabalho útil analisa as especificidades dos processos de trabalho, em que essas qualidades peculiares são necessárias para produzir valores de uso de cada mercadoria de forma singular. Ao desaparecer o caráter útil dos produtos do trabalho, também- desaparece o caráter útil dos trabalhos neles corporificado, desvane cem-se, portanto, as diferentes formas de tra balho concreto, elas não mais se distinguem í, umas das outras, mas reduzem-se, todas a \3 uma única espécie de trabalho, o trabalho humano abstrato.(MARX, 1984, p. 45) valor de uso. O preço da mercadoria é o equiva lente monetário do valor. Passamos, portanto, ao estudo da mais-valia. De maneira diversa, o trabalho abstrato não leva em consideração tais peculiaridades, o que proporciona a criação do valor de troca. Assim, o valor da mercadoria é medido com base no trabalho abstrato e no gasto de tra balho humano de forma homogênea. Temos aqui a “força média de trabalho social”. Marx nos traz o seguinte esquema argumentative: Se o valor de uma mercadoria é determinado pela quantidade de trabalho gasto durante sua produção, poderia parecer que quanto mais preguiçoso ou inábil um ser humano, tanto maior o valor de sua mercadoria, pois ele precisa de mais tempo para acabá-la. To davia, o trabalho que constitui a substân cia dos valores é o trabalho humano ho mogêneo, dispêndio de idêntica força de trabalho. Toda força de trabalho da socie dade, - que se revela nos valores do mundo das mercadorias, - vale, aqui, por força de trabalho única, embora se constituía de inú meras forças de trabalho individuais. Cada uma dessas forças individuais de trabalho se equipara às demais, na medida em que pos sua o caráter de uma força média de trabalho social, e atue como essa força média, preci sando, portanto, apenas do tempo de traba lho em média necessário ou socialmente ne cessário para a produção de uma mercadoria. (MARX, 1984, p. 46) Tempo de trabalho socialmente necessário é o tempo de trabalho requerido para produ zir um valor de uso qualquer, nas condições de produção socialmente normais, existentes, e com o grau social médio de destreza e intensi dade do trabalho. O que determina a grandeza do valor, portanto, é a quantidade de trabalho socialmente necessário ou o tempo de trabalho socialmente necessário para a produção de um 1.2.3. A Mais-Valia A diferença entre produção de valor e pro dução de mais-valia está no fato de o processo de produção de valor durar até o ponto em que o valor da força de trabalho pago pelo ca pital é substituído por um equivalente. Se ul trapassado esse ponto, o processo de produzir valor torna-se produção de mais-valia. Em síntese, o valor de uso refere-se ao uso ou consumo de uma mercadoria, ao passo que o valor de troca refere-se à quantidade, à proporção em que valores de uso de espécies diferentes são trocados entre si. Sabe-se que o trabalho produz o valor, que manifesta-se de duas formas: a) quando oprocesso produz mercadorias; b) quando o processo de pro dução gera a mais-valia. O valor da força de trabalho é o valor do próprio sustento do tra balhador e de seus dependentes, o restante é o sobretrabalho, que é apropriado pelo proprie tário dos meios de produção. Marx conceitua mais-valia da seguinte for ma: “A mais valia se origina de um excedente quantitativo de trabalho, da duração prolon gada do mesmo processo de trabalho, tanto no processo de produção de fios, quanto no pro cesso de produção de artigos de ourivesaria”. A mais-valia ainda pode ser dividida em mais-valia absoluta e mais-valia relativa: a) Mais-valia absoluta: é o prolonga mento do dia de ofício, a partir da intensi ficação do ritmo de trabalho, por meio de controles impostos aos operários, de modo a obrigar o trabalhador a trabalhar em um ritmo mais acelerado e intenso para que produza mais mercadorias e, consequen- ^ temente, mais valor, sem que sejam altera das a duração da jornada e a apropriação desse sobretrabalho pelo capital. b) Mais-valia relativa: tem como ponto de partida a mais-valia absoluta. Nesse caso, dividimos o dia de trabalho em duas partes: a primeira é o trabalho necessário e a segunda, o sobretrabalho. A dinâmica é prolongar o sobretrabalho e reduzir o trabalho necessário. Para tan to, o trabalho necessário é encurtado por intermédio de métodos que permitem que o equivalente do salário do trabalho seja produzido em menos tempo. A diferença entre as duas consiste no fato de que a produção da mais-valia absoluta se re fere apenas em redor da extensão do dia de tra balho; a produção da mais-valia relativa altera significativamente os processos técnicos do trabalho e os agrupamentos sociais. O capital é o dinheiro aplicado no processo produtivo e será ampliado por meio da mais-valia. A com posição orgânica do capital consiste em capital constante e capital variável. a) Capital constante: é composto por matéria-prima somada aos meios de trabalho. É fixo. b) Capital variável: consiste na for ça trabalho. Varia com o tempo. O lucro é a forma mais visível da mais-va lia. Ele é gerado por meio do capital variável, pois apenas este cria valor. O capital constan te não gera lucro, pois não tem a capacidade de criar mais valor, uma vez que ele é apenas transferido para o produto. Com o aumento da mecanização do processo produtivo, é re duzida a extração da mais-valia. Portanto, há uma tendência na queda da taxa de lucro em longo prazo. 1.2.4. Alienação, Estranhamento e Fetiche da Mercadoria Marx trabalha os conceitos de alienação e estranhamento nos M anuscrito s E con ôm ico s - F ilo só fíco s (1844).O fundamento do conceito marxiano de alienação encontra-se no exercí cio da atividade laborai que tem a capacidade de coisificar o trabalhador, a ponto de tornar a existência deste e de suas habilidades em fun ção do objeto, existindo apenas para o capital. Assim, no âmbito da economia política, aque le que não trabalha, que não produz mercado ria simplesmente não existe. Convém conferirmos a transcrição do tre cho dos M anuscrito s E con ôm ico s-F ilo só fíco s , de Marx: O trabalhador torna-se tanto mais pobre quanto mais riqueza produz, quanto mais sua produção aumenta em poder e extensão. O trabalhador torna-se uma mercadoria tanto mais barata, quanto maior o número de bens que produz. Com a valorização do mundo das coisas, aumenta em proporção direta a desvalorização do mundo dos homens. O trabalho não produz apenas mercadorias; produz-se também a si mesmo e ao trabalha dor como uma mercadoria, justamente na mesma proporção com que se produz bens. (MARX, 2006, p . l l l ) O produto opõe-se ao trabalhador como algo que lhe é estranho e como se existisse de forma independente da que ele produziu. O produto do trabalho é o trabalho coisificado e fixado em uma mercadoria, um objeto que se transformou em coisa física, é a objetivação e coisificação do trabalho. Assim, Marx con ceitua que a realização do trabalho implica si multaneamente sua objetivação. Por isso, segundo Marx, a realização do trabalho aparece na esfera da economia po lítica como a não realização ou frustração do trabalhador, e a objetivação mostra-se como uma perda e a servidão do objeto. Conse quentemente, a apropriação mostra-se como alienação. Em sua análise, esse autor segue nos mos trando que tais consequências derivam, aci ma de tudo, da relação entre o trabalhador e o produto de seu trabalho. O trabalhador percebe sua produção como um objeto estra nho. Isso porque, quanto mais o trabalhador se esgota enquanto ser, mais poderosa fica sua criação diante dele mesmo, mais poderoso fica o mundo das coisas, mais pobre ele fica na sua vida interior, menos pertence a si próprio. Leia mais um trecho da obra de Marx: (...) O trabalhador põe sua vida no objeto; porém agora ela já não lhe pertence, mas sim ao objeto. Quanto maior sua atividade, mais o trabalhador se encontra objeto. O que se incorporou no objeto do seu trabalho já não é seu. Assim, quanto maior é o produto, mais ele fica diminuído. A alienação do trabalhador no seu produto significa não só que o trabalho se transforma em objeto, assume uma existên cia externa, mas que existe independentemen te, fora dele e a ele estranho e se torna um poder autônomo em oposição a ele; que a vida que deu ao objeto se torna uma força hostil e antagônica. (MARX, 2006, p. 112) A regra que percebemos é a de que a alie nação do trabalhador no objeto produzido se mostra nas leis da economia política da se guinte forma: quanto mais o trabalhador pro duz, menos ele consome. A leitura de mais um trecho dos escritos desse pensador escla rece melhor. Já que o trabalho alienado aliena a natureza do homem, aliena o homem de si mesmo, o seu papel ativo, a sua atividade fundamen tal, aliena do mesmo modo o homem a res- ' peito da espécie; transforma a vida genérica em meio da vida individual. Primeiramente, aliena a vida genérica e a vida individual; de pois, muda esta última na sua abstração em objetivo da primeira, portanto na sua forma abstrata e alienada. (MARX, 2006, p. 116) No trabalho alienado, verificamos a de- sumanização do trabalho, tornando-o como coisa, a ponto de permitir a quantificação do trabalho humano. O caráter fetichista da mercadoria ocorre pela falta de capacidade da queles que produzem. Por meio da troca mer cantil, dos produtos de seus trabalhos, acabam por estabelecer uma relação social que, por ser um atributo social do trabalho, fica oculta na aparência de objeto. 1.2.5. As Relações de Produção e a Estrutura de Classes Ao se pensar na concepção marxiana, muito se fala sobre a divisão da sociedade em classes. Para Marx, no entanto, ele não nos apresentou uma teoria ampla e sistematizada de classes sociais, embora o entendimento da sociedade em classes seja imprescindível para a compreensão do pensamento marxista em geral. Classes sociais são posições que os in divíduos ocupam no sistema produtivo. Ao contrário do que aparenta, Marx não apre senta uma visão bipartida de classes sociais, inclusive pode ser encontrada em suas obras a menção de cerca de dezesseis classes sociais. No entanto, ele aponta três grandes classes da moderna sociedade burguesa: 1) os proprietários de capital; 2) os proprietários da terra; e 3) os trabalhadores (proprietários da for ça de trabalho). Sabemos que, no processo produtivo, são estabelecidas relações de produção, que com preendem a somatória das relações técnicas j e sociais. O que nos interessa neste momen- í to são as relações sociais de produção, pois o conjunto dessas relações forma a estrutura econômica da sociedade, eis que o materia- lismo histórico concebe a história a partir da luta de classes e da determinação das formas ideológicas pelas relações de produção. No trecho a seguir, Marx explica que a so ciedade moderna industrial tem a capacidade de unir desconhecidosque possuem os mais diversos interesses num mesmo ambiente. No entanto, eles possuem um interesse comum contra seu explorador, um interesse geral, um mesmo pensamento de resistência: a coalizão. O primeiro objetivo comum é a manutenção do salário. À medida que os detentores dos meios de produção também se reúnem em um mes mo pensamento de repressão, a manutenção da associação mostra-se mais importante do que a manutenção do salário. Caso uma associação de trabalhadores chegue a esse ponto, adquirirá o caráter político, pois a “dominação do capital criou para essa massa uma situação comum, in teresses comuns”. Nas palavras de Marx: A grande indústria aglomera num mesmo local uma multidão de pessoas que não se conhecem. A concorrência divide os seus in teresses. Mas a manutenção do salário, este interesse comum que têm contra o seu pa trão, os reúne num mesmo pensamento de | resistência - coalizão. A coalizão, pois, tem sempre um duplo objetivo: fazer cessar en tre elas a concorrência, para poder fazer uma concorrência geral ao capitalista. Se o primei ro objetivo da resistência é apenas a manu tenção do salário, à medida que os capitalis tas, por seu turno, se reúnem em um mesmo pensamento de repressão, as coalizões, ini cialmente isoladas, agrupam-se e, em face do capital sempre reunido, a manutenção da associação torna-se para elas mais importan te que a manutenção do salário. [...] Nessa ̂ luta - verdadeira guerra civil -, reúnem-se e se desenvolvem todos os elementos necessá rios a uma batalha futura. Uma vez chegada a esse ponto, a associação adquire um caráter político. (MARX, 2004) As classes sociais basicamente podem ser divididas entre aqueles que detêm os meios de produção e aqueles que vendem sua força de trabalho. Ambas coexistem numa relação na qual os que possuem os recursos materiais de produção exploram os que necessitam vender sua força de trabalho, estes que estão em maior número. As classes sociais originam-se a partir de uma divisão diferenciada do trabalho, que per mite a acumulação de excedentes de produção por uma minoria social que se coloca em opo sição à massa de trabalhadores, em uma relação de exploração. Isso pode ser representado gra ficamente por meio de uma pirâmide, na qual os trabalhadores são numericamente em maior número e a burguesia, em menor número. No entanto, esta última encontra-se no topo em virtude da relação de exploração: Mas por que trabalhar de forma bipartida? Onde fica a classe média? A classe média é composta por pequenos burgueses, que não são exploradores nem ex- “[...] Podem as classes dominantes tremer ante uma revolução comunista! Nela os pro letários nada têm a perder a não ser as suas cadeias. Têm um mundo a ganhar. Proletários de Todos os Países, Uni-vos!” (MARX e ENGELS, 1848) Disponível em: <http://prescesaressurgir.blogspot.com.br/2013/02/um-espectro-ronda-o-mundo-l65-anos-do_25. html>. Acesso em: 14 fev. 2014. piorados e tendem, em certo momento, a se polarizar, de forma que a classe média tende a se proletarizar, pois, em determinado estágio do capitalismo, vai perder este espaço. De maneira simplificada, trabalharemos as classes sociais de forma bipartida, na qual há exploradores e explorados, dominantes e dominados, de forma que os primeiros pos suem os recursos materiais e os últimos neces sitam vender sua força de trabalho. Tais rela ções constituem o eixo central da organização política do Estado capitalista. O Estado moderno e todo seu aparato ju rídico e cultural têm como objetivo garantir os interesses da classe dominante e a permanência das relações de exploração, pois compõe uma superestrutura que tem por base uma infraes- trutura que possui essa configuração. Aqueles indivíduos pertencentes à classe dominante têm consciência de que dominam enquanto classe e que determinam todo um período histórico em virtude disso. Eles têm uma posição domi- http://prescesaressurgir.blogspot.com.br/2013/02/um-espectro-ronda-o-mundo-l65-anos-do_25 nante enquanto seres pensantes e produtores de idéias. São aqueles que podem regulamentar a produção e a distribuição de pensamentos, pois suas idéias também são dominantes. % De forma diversa, um trabalhador vende sua força de trabalho por necessidade de sub sistência. Ele tem de fazê-lo, pois é o meio que tem de empregar seus dotes produtivos. O con ceito da divisão em classes passa a ser útil na medida em que agrupa interesses comuns de pessoas unidas por uma necessidade coletiva. A teoria da consciência de classe preten de identificar como os indivíduos se tornam conscientes desse interesse e de situação co muns, uma vez que passam a se unir e a se organizar em uma estratégia cooperativa. Marx defende que a condição de liberdade da classe trabalhadora é a abolição de todo e qualquer tipo de classe social, a abolição da mistura de diversas classes, ainda diferenciadas erroneamente (operários, artífices, pequenos comerciantes etc. - o terceiro estado), da or dem burguesa, de todos os estados, das ordens da sociedade feudal e de todas as ordens. No prefácio de C on tribu içã o à C rítica da E con o m ia Política, Marx defende: Nenhuma forma social desaparece antes que se desenvolvam todas as forças produtivas que ela contem, jamais aparecem relações de produção novas e mais altas antes de amadu recerem no seio da própria sociedade antiga as condições materiais para sua existência. (...). As forças produtivas, porém, que se desenvolvem no seio da sociedade burguesa criam ao mesmo tempo, as condições ma teriais para as soluções desse antagonismo. Com esta formação social se encerra, por tanto, a pré-história da sociedade humana. (MARX, s/d, p. 302) Nesse sentido, esgotadas todas as formas pro dutivas do capitalismo, temos que, no curso do seu desenvolvimento, a classe trabalhadora subs tituirá a antiga sociedade civil por uma associação na qual não existirão classes sociais ou antagonis mo de classes, pois não haverá mais poder políti co nos moldes do Estado burguês, uma vez que o poder político é a síntese do antagonismo na sociedade civil e garantidor da permanência das relações de exploração. Nas palavras de Marx: Ao chegar a uma determinada fase de desen volvimento, as forças produtivas materiais da sociedade se chocam com as relações de pro dução existentes ou o que não é senão a sua expressão jurídica, com as relações de pro priedade dentro das quais se desenvolveram até ali. De formas de desenvolvimento das forças produtivas, estas relações se convertem em obstáculos a elas. E se abre,' assim, uma época de revolução social. Ao mudar a base econômica, revoluciona-se, mais ou menos rapidamente, toda a imensa superestrutura erigida sobre ela. (MARX, s/d, p. 302-303) Existem dois meios possíveis por meio dos quais o capitalismo está fadado ao fracasso: o mecanismo sociológico e o mecanismo econô mico. O mecanismo sociológico é a revolução iniciada a partir da tomada da consciência de classe e o choque das forças produtivas com as relações de produção. O mecanismo econômi co, de forma simplória, ocorrería pela autodes- truição do sistema pela excessiva mecanização e redução do capital variável e a constante queda dos lucros, pois o capital constante é gerado pela matéria-prima e pelos meios de produção — não geram lucro, apenas o transferem. O ca pital variável é gerado pela força trabalho. So mente este é capaz de criar lucro. Aproveite o resumo a seguir, com os prin cipais conceitos criados por Karl Marx. PRINCIPAIS CONCEITOS: Materialismo histórico: o materialismo histórico explica a realidade a partir da produ ção material, considerando que esta é a base de toda ordem social, por ser algo que sempre existiu em todas as sociedades. ^ Infraestrutura e superestrutura: infra- estrutura é a base material da produção, ou seja, constitui os meios de produção e a for ça de trabalho sobre os quais se ergue uma superestrutura,que consiste em um sistema institucional de idéias, culturas, sentimen tos, instituições jurídicas e políticas que for mam a consciência social,- erguido sobre a base material. Divisão do trabalho: a divisão da pro dução social em determinados ramos de pro dução. Divide-se em divisão da produção social, divisão técnica do trabalho e divisão social do trabalho. Processo produtivo: é todo o processo de transformação de um determinado objeto em outro produto, utilizando-se instrumen tos de trabalho. Força de trabalho: é a atividade huma na desenvolvida no processo de produção, a energia humana aplicada no processo de tra balho. O salário é o equivalente monetário à força de trabalho. Meio de trabalho/meio de produção: pode ser dividido em meio de trabalho em sentido amplo e meio de trabalho em sentido estrito. Em sentido amplo, são as condições materiais indispensáveis à realização do tra balho; em sentido estrito, são as ferramentas que intermedeiam o trabalhador e o objeto trabalhado. Relações sociais de produção: no pro cesso de trabalho, os homens estabelecem de terminadas relações pessoais entre si. Tais re lações são determinantes no caráter assumido historicamente pela sociedade, pois, na visão marxiana, a produção está incondicionalmen te determinada pela história. Valor de uso/valor de troca: o valor de uso é determinado pelas qualidades particu lares da mercadoria e não depende da quanti dade de trabalho nela empregada, mas de suas qualidades úteis. Tal valor realiza-se com a utilização ou o consumo da mercadoria. Valor de troca é o modo pelo qual se pode quanti ficar o valor de uma mercadoria, tornando-o comparável ao valor de outra. Apresenta-se como uma relação quantitativa, expressa em termos monetários. E a proporção por meio da qual os valores de uso de uma espécie se trocam por valores de uso de outra. Não se trata de uma relação fixa, pois muda constan temente de acordo com o tempo e o espaço. O valor de troca, portanto, apresenta-se como algo “casual e puramente relativo”. Mercadoria: toda a produção capitalista passa a ter forma de mercadoria, que, por sua vez, é um valor de uso voltado para satisfazer as necessidades humanas. Trabalho útil e trabalho abstrato: o tra balho útil analisa as especificidades dos pro cessos de trabalho, em que essas qualidades particulares são necessárias para produzir valores de uso de cada mercadoria de forma singular. O trabalho abstrato não leva em consideração tais peculiaridades, o que pro porciona a criação do valor de troca. Assim, o valor da mercadoria é medido com base no trabalho abstrato e no gasto de trabalho hu mano de forma homogênea. Mais-valia: a mais-valia origina-se de um excedente quantitativo de trabalho, da duração prolongada do mesmo processo de trabalho, tanto no processo de produção de fios quanto no processo de produção de artigos de ouri- vesaria. Divide-se em: a) mais-valia absoluta: é prolongamento do dia de trabalho, a partir da intensificação do ritmo de trabalho; e b) determina a existência, mas o contrário. A existên cia determina a consciência. Isso mostra os reflexos da esfera econômica nas demais relações sociais. 1.3. A Concepção Weberiana de Trabalho e os Processos de Racio nalização do Mundo Weber foi provavelmente o mais rigoroso cientista social entre os clássicos da sociologia. Sua obra parte do princípio fundamental de distinção entre o desenvolvimento conceituai racional do pesquisador e as paixões humanas, que seriam, fatalmente,. uma ameaça à vali dade das idéias apresentadas. Como poderia, A ação social, como toda ação, pode ser determinada: 1) de modo racional referente a fins: por expectativas quanto ao com- * portamento de objetos do mundo exterior e de outras pessoas, utilizando essas expectativas como condições ou meios para alcançar fins próprios, ponderados e perseguidos racionalmente, como sucesso; 2) de modo racional referente a valores: pela crença consciente no valor — ético, estético, religioso ou qualquer que seja sua interpretação — absoluto e inerente a determinado comportamento como tal, independentemente do resultado; 3) de modo afetivo, especialmente emocional: por afetos ou estados emocionais atuais; 4) de modo tradicional: por costume arraigado. (WEBER, 2009) com o exigido rigor científico, um autor usar seus textos como disseminação de suas opini ões e visões individuais de mundo? lP Dessa maneira, podemos perceber uma clara distinção perspectiva entre as três prin cipais correntes clássicas da sociologia. En quanto Durkheim se apoiava no positivismo para criar uma concepção conservadora da re alidade e legitimar as instituições burguesas e Marx criava seu materialismo histórico dialé tico para contestar essas instituições e elaborar uma teoria da revolução, Weber, ao menos em tese, evitava se posicionar a respeito dos even tos sociais, os quais observava e se limitava a elaborar um processo de descrição e interpre tação dos eventos. Não cabería ali, portanto, a busca pelo “dever ser”, se não apenas uma observação do que é. Esse “ser” social é, segundo a obra de We ber, decorrente fundamentalmente do indiví duo e das ações individuais orientadas pelas ações de outros sujeitos. É sujeito todo aquele que exerce o papel de agente social, em que não é necessário mais do que uma orientação sub jetiva para a realização da ação e de um senti do, ou seja, ser realizada por alguém para outro alguém ou orientada pela ação desse outro. O caráter vetorial do sentido da ação social con fere toda a dinâmica da sociedade na concep ção weberiana. Segundo o clássico, a sociedade nada mais é do que essa teia de ações e relações desenvolvidas entre os indivíduos, importando menos as instâncias macrodimensionais, como a economia e as instituições, e mais o sentido subjetivo, atribuído pelos próprios indivíduos às suas ações sociais. Weber é, inclusive, um grande crítico da sobreposição da esfera econômica sobre outras no processo de análise dos fenômenos pela ciência da sociedade. Dada sua lógica im parcial, não faz sentido traçar uma oposição dele com as outras teorias clássicas, inclusive a filosofia política e econômica do marxismo. O que existe é, na verdade, uma diferença perspectiva. Enquanto Marx entende a ques tão econômica como decisiva para a dinâmica da luta de classes e, consequentemente, para toda a construção histórica social, Weber ape nas parte do princípio subjetivo, apontando a economia como mais um elemento da vida em sociedade, dentre tantos outros. E nesse momento que surgem seus pri meiros apontamentos sobre o conceito de trabalho e as idéias de racionalização e buro cracia, que o acompanharão ao longo de suas principais obras. 1.3.1. Racionalização e Trabalho Despreocupado em legitimar determina do tipo de organização social, Weber não se guiu o padrão adotado por outras correntes sociológicas para definir o trabalho e as classes sociais. Ao contrário, a sua noção de trabalho é muito mais interpretativa, a partir das suas idéias a respeito do mundo ocidental moderno e do capitalismo. Nas classes sociais, Weber es tipula um novo quadro que não dá preponde rância à divisão classista econômica, mas nos lembra de inúmeras divisões culturais existen tes ao redor do planeta. Segundo Weber, não é o sistema de trocas monetárias que marca a caracterização funda mental do capitalismo ocidental moderno, mas principalmente, um processo ferrenho de racio nalização das ações e relações sociais. O autor reafirma que, de uma forma ou outra, sempre houve um sistema de trocas mediante algum peso em moeda ou pedras preciosas. Contudo, a modernidade no ocidente passa, sim, por um processo que a particulariza em relação a todos os períodos históricos anteriores: a racionaliza ção da vida social. Em sua principal obra, A Etica Protestante e o Espírito do Capitalismo, Weber traça uma es clarecedora investigação pelos elementoshistó ricos da transição feudo-capitalista que levaram a construir o cenário ocidental tal qual acom panhamos hoje. Somos levados logo a entender de que maneira as doutrinas religiosas vigentes são capazes de determinar um modus operan- d i das relações sociais. Dessa maneira, a anti ga civilização europeia organizava-se tal qual o modelo vigente da época em virtude de sua su bordinação completa aos dogmas da Igreja Ca tólica. Sem uma reelaboração da própria ideia de religião, não seria possível a reelaboração da própria dinâmica da vida social. O desenvolvimento da ética protestante se dá, inicialmente, pelo rompimento com a antiga ideia de salvação divina católica, na qual o pecado era possível de ser eliminado mediante o pedido de perdão. Na nova con cepção de vida ascética, o reino do céus não era mais algo conquistável, mas destinado a eleitos. Seria preciso, portanto, um comporta mento adequado, uma postura de “escolhido” (embora Weber não use o termo), de alguém que possua o que é chamado de providência divina. E, portanto, muito mais arriscado e problemático na lógica protestante cometer pecado do que fora anteriormente no mundo católico. Tal definição permite que o trabalho ocupe, ao contrário do que acontecia antes, uma posição de destaque na vida social do ho mem moderno. Ao trabalhar, ainda que inicie uma vida mais mundana, o fiel não está tão propenso a praticar ou desejar o pecado. O trabalho seria, então, o primeiro fato fundamental exigido pela ética protestante e que permitiria a ascensão do capitalismo. Em seguida,, viria a ideia de acumulação, uma vez que, ainda sendo a vida moderna mais munda na, não se permitia por meio da ética religiosa o uso da riqueza conquistada via trabalho para prazeres carnais e afins. Logo, esta deveria ser acumulada, sendo por si só um objetivo vital. O dueto trabalho acumulação foi o prato cheio que a ascendente burguesia esperava para a cria ção não apenas de um sistema religioso, mas também legal, social e econômico, baseado nas duas premissas. Pelas constatações weberianas na obra A Etica Protestante e o Espírito do Capitalismo, é absolutamente explicável a atual lógica de moralização do trabalho sofrida pelo homem moderno e a consequente racionalização de suas ações. Enquanto, no feudalismo, as pai xões eram ponto importante da vida cotidia na, as ações sociais passaram a se tornar cada vez mais racionais ao longo dos séculos. É fácil observarmos essa moralização do trabalho nas nossas relações atuais. Basta perceber a impor tância que o “trabalhar” atingiu em nível social nos dias de hoje. O trabalho ganha um status de fim em si, independentemente da satisfa ção, da subsistência ou do valor que gere — o importante é trabalhar. A palavra “trabalha dor” torna-se elogiosa, na mesma medida em que ser uma pessoa “à toa” ganha contornos gravemente pejorativos. Concluímos, assim, a concepção weberia- na de trabalho. Não existe uma orientação no sentido de elaborar um conceito e desenvolvê-lo, mas a observação da construção histórica, per mitindo ao leitor a interpretação da conclusão final. Weber consegue seguir sua premissa e não direcionar o pensamento do leitor. 1.3.2. Burocracia Apesar da conotação negativa que o termó “burocracia” adquiriu ao longo dos anos, como um conjunto infindável de normas que atrapa lhariam o pleno funcionamento das instâncias públicas ou até privadas, Weber lança mão do conceito sem fazer, mais uma vez, uso de juízos de valor com relação ao caráter positivo ou não do emprego da mencionada palavra na esfera estatal moderna. Antes de mais nada, Weber enxergou o Estado moderno como um aparato extremamente burocratizado. Weber define bu rocracia como um aparato técnico-administra- tivo, formado por profissionais especializados, selecionados segundo critérios racionais e que se encarregam de diversas tarefas importantes dentro do sistema. Se a racionalização da vida é um processo de destaque no mundo moderno, ninguém é tão racionalizado quanto o funcionário públi co. Ali, a burocracia atinge seu nível máximo. Sem lançar juízos, Weber apenas consta ta que a modernidade, em especial no apara to estatal, está profundamente racionalizada. Contudo, na contramão da noção de que o excesso de normas seja um prejuízo, o autor entende a hierarquia e a normatização como geradores de um modelo mais eficiente de ad ministração, válido para o âmbito privado ou público. Portanto, quando se trata de Weber, não temos de entender burocracia como um aspecto positivo ou negativo, mas, como nas palavras do próprio autor, “um modelo legiti mo de dominação”. 1.3.3. Classe Social A revisão do papel da economia na teo ria de Max Weber não é, em nenhum outro momento, tão bem observada quanto na sua concepção de classes sociais. Vale, aqui, ape nas uma breve apresentação das idéias webe- rianas, já que até pelo fato de o autor diminuir o papel da economia na estratificação social fica mais difícil associar o conceito em questão à sua noção sobre o mundo do trabalho. Weber apresenta, além da riqueza, fatores como o prestígio, a linhagem e a educação como elementos dessa estratificação. Assim, além das classes sociais, existiriam castas e estamentos capazes de promover uma hierar quização social. É importantíssimo destacar o “além das classes sociais”, pois Weber não desconsidera a existência de classes, mas, sim, agrupa outros elementos formadores da es tratificação, como também, numa clara opo sição a Marx, outras vias de transformação social além da revolta das classes populares. É preciso aplicar o conceito à realidade para fazer uma associação interessante em re- laçã^ ao trabalho e à noção weberiana de clas ses sociais. Em primeiro lugar, temos o fator econômico, que a teoria marxista elabora com mais cuidado: a desigualdade entre os pos suidores do meios de produção e os não pos suidores, a qual Weber não nega a distinção. Existe, portanto, outras distinções, como, por exemplo, quando o autor aponta o prestígio como fato de hierarquização social. Podemos observar na prática como as distinções do so ciólogo estavam corretas. Não é apenas econômica a diferença exis tente entre um profissional intelectual e um profissional de trabalho braçal, ou seja, não é simplesmente por ganhar mais que se torna mais interessante e desejável ser um intelec tual do que valer-se do trabalho físico, mas também pelo prestigio envolvido nas duas profissões. Na primeira, há toda uma carga de valorização social advinda da ideia do “conhe cimento”, de todo o estudo requerido para a ocupação do cargo. Na contramão, o trabalha dor braçal não goza do mesmo valor, sendo tido como alguém sem estudo, malpreparado para o mundo do trabalho e, consequente mente, útil apenas para as que seriam conside radas funções banais. nidade e sua função moral é integrar funções diferentes e complementares que, de outra for ma, causariam a perda dos laços comunitários. (D) A ação social, na sociedade moderna, é motivada apenas por interesses econômicos, porque os meios para produzir estão concen trados nas mãos de apenas uma classe social. (E) A expansão da produção capitalista teve como base a separação entre trabalhadores e os meios de produção, assim como a dissemi nação da propriedade privada. Resposta: alternativa B. Justificativa Para Weber, a baseyu t̂ural não é exclusivamente determinante, mas a cultura é essencial para a com preensão da sociedade moderna, pois, no sistema capitalista, é essencial a busca pelo bom desempe nho na aquisição e no acúmulo do capital, que deve ser feito por meio da racionalização característica do trabalho existente em algumas culturas. 1.4. Análise Comparativa das Relações de Trabalho e Classes So ciais em Durkheim, Marx e Weber Vamos começar falando de Durkheim, mais precisamente da divisão do trabalho. Devemos inicialmente lembrar que, para ele, a divisão do trabalhoé realizada a partir de determinadas funções que são atribuídas aos indivíduos. A partir daí, temos que a evolução da sociedade deve ser analisada de acordo com a complexidade da divisão do trabalho, lem brando que, em sociedades pré-capitalistas, esta ocorre de forma simples, e nas sociedades capitalistas industriais, de forma complexa. A complexidade da divisão do trabalho, portan to, relata a complexidade de uma sociedade, a evolução dela, já que a função da divisão do trabalho é uni-la e integrá-la. Devemos lembrar que Émile Durkheim era um evolucionista, de forma que a socie dade deve ser vista como um organismo vivo, e leis semelhantes às da teoria da evolução, de Charles Darwin, deveriam ser identifi cadas no meio social. Tomemos os dois ele- mentos mencionados neste tópico: “A partir do grau de complexidade da divisão do tra balho podemos medir o grau de evolução de determinada sociedade”; e também “uma so ciedade evolui de forma semelhante aos seres vivos”. Pois bem, para Durkheim, temos que o trabalho divide a sociedade de forma es pontânea, de acordo com as atribuições pes soais dos indivíduos. Logo, as desigualdades sociais seriam um reflexo que expressariam as desigualdades naturais. 9% Devemos nos ater, ao pensar em trabalho do ponto de vista de Durkheim, ao fato de que ele foi precursor do pensamento chama do darwinismo social. Logo, se depararmos com questionamentos acerca da função e dos motivos da divisão social do trabalho, temos de pensar primeiramente que o sociólogo eni análise pretendia aproximar a sociologia das demais ciências da natureza, em diversos mo mentos transpondo os conceitos destas para a análise social. Devemos lembrar neste mo mento que, ao contrário de Marx, Durkheim era um estudioso da ordem social, de modo que analisava os elementos que mantiveram a coesão social. Enquanto a ordem estivesse sendo mantida, haveria progresso social. A divisão do trabalho era o que gerava coesão e caracterizava a solidariedade predominante. A função mais clara da divisão do trabalho social é elevar a produção tanto de bens ma teriais como dos intelectuais, por meio da es pecialização. Entretanto, a divisão do trabalho social tem outra função que podemos perce ber de maneira mais imediata: a função moral da solidariedade entre os indivíduos, que gera coesão social. Já Marx observa as contradições e as rela ções de exploração do capitalismo. Para este pensador, enquanto determinada classe social é proprietária de meios de produção, outra tem necessidade de vender sua força de tra balho para suprir suas necessidades e ainda se submete a ser explorada para-gerar lucro aos detentores dos meios de produção, que usam a mais-valia. Seguindo essa lógica, a divisão não teria nada de natural e em nada estaria ligada com as capacidade individuais dos trabalhado res, pois, naquelas condições, eles não teriam formas de ascensão social. Nesse sentido, na concepção de Marx, a divisão do trabalho segue a lógica da proprie dade privada, no sentido de garantir a explo ração de uma classe sobre a outra. Ambas as classes encontram-se sempre em contradição, decorrente da relação de dominação e explo ração. Marx traz a evolução dialética da eco nomia, pois passa a periodizar a história de acordo com os modos de produção. Um meio possível de derrubada do sistema capitalista e o fim da exploração de uma classe sobre outra seriam a revolução do proletariado. Para Durkheim, a revolução não seria um fato social normal, pois um fato social normal em um momento histórico obedece a certa frequência em um determinado tempo. Uma revolução seria um fato social patológi co, porque, além de não colaborar no sentido de manter a ordem vigente, é um aconteci mento que, em um determinado recorte tem poral, não obedece a uma frequência em um segmento social. / Weber parte sua análise da perspectiva do /indivíduo. O agir socialmente é individual, e tal ação gera relações sociais que caracterizam a sociedade como um todo. As regras sociais e as instituições têm por base as relações es tabelecidas entre os indivíduos na forma de agir socialmente. Em se tratando da relação trabalho e clas ses sociais no pensamento weberiano, deve- mos relembrar o fator econômico, enquanto retomamos que a teoria marxista a elabora com mais cuidado, observando a desigualda de entre os possuidores do meios de produção e os não possuidores. Weber não nega a dis tin go , entretanto, traz-nos outras distinções que designam hierarquia social - por exemplo, quando o autor aponta o prestígio comcTfato de hierarquização social, podemos observar na prática outros quesitos além do fator econô mico apontado por Weber, dentre eles a pró pria cultura. ^0 Vimos que não é apenas econômica a di ferença existente entre um médico e um var redor de rua, ou seja, não é simplesmente por ganhar mais dinheiro que se torna mais comu- mente interessante e desejável ser médico do que ser varredor, mas também pelo prestigio envolvido nas duas profissões, que é cultural mente estabelecido. Na primeira, há toda uma carga de valorização social advinda da ideia do “intelectual”, daquele “salvar vidas”, de todo o estudo requerido para a ocupação do car go. No caso do varredor, na nossa cultura, ele não goza do mesmo valor, sendo tido como alguém não estudado, malpreparado para o mundo do trabalho e, consequentemente, útil apenas para o que seria considerado pela socie dade uma função banal. Para Durkheim, isso seria diferente: o var redor seria varredor porque ele naturalmente não tem dons necessários para ocupar a po sição de médico. A divisão do trabalho segue a mesma linha da natureza, ocorre de acordo com as capacidades naturais do ser social. ' No aspecto relacionado ao binômio cul- \ tura e áo trabalho, Weber percebe que houve ascensão social e desenvolvimento econô- . mico em determinados países protestantes analisando as relações sociais. O capitalis m o , pãra Weber, consiste na racionalização do • mundo e, a partir disto, pressupõe que uma ■ administração complexa em que há adminis- tração do lucro e mão de obra livre propicia ' o desenvolvimento do pensamento capitalista, do espírito do capitalismo, da ética capitalista, . da acumulação e busca constante de dinheiro, por meio do trabalho. Weber percebe isso ao analisar empirica- mente o surgimento do capitalismo nos países predominantemente protestantes, nos quais os indivíduos acreditaram na ideia da pre destinação divina, de que a aquisição de bens materiais, por meio do sucesso no trabalho, era tido pelo indivíduo como um presente de Deus. Outro fator que permi tiu o sucesso industrial dos pa íses protestantes calvinistas foi a ideia de fuga do pecado e da negação ao ócio. Podemos pegar um possí vel contraponto em Marx, u ti lizando a noção de superestru- tura, pois, conforme falamos, esse pensador defende que o Estado moderno e todo o seu aparato jurídico e cultural têm como objetivo garantir os interesses da clas se dominante e a permanência das relações de exploração, pois compõe uma superestrutura que tem por base uma infraestrutura com essa configuração. Essa valorização e hierarquização nada mais seria, do que a tentativa daqueles indi víduos pertencentes à classe dominante, estes que têm consciência de que dominam enquan to se mantiverem na posição de seres pensantes produtores de idéias e criadores de prestígio.^
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