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Respiração em ambiente hiperbárico 
e mergulho 
Bruna Neiva; Leonor Guimarães 
Escola de Ciências e Tecnologia – 
Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, 
Vila Real 5000-811, Portugal 
 
Resumo—Este artigo incide sobre a respiração em 
ambiente hiperbárico e em mergulho onde vão ser 
aprofundados os principais processos fisiológicos 
envolvidos nesta prática assim como alguns riscos que 
incorrem os mergulhadores 
Index Terms—respiração, hiperbarismo, mergulho 
 
I. INTRODUÇÃO 
Assim que mergulhamos, submetemos o nosso 
corpo ao aumento de pressão do meio externo e é a 
esta condição que chamamos hiperbarismo. Ao atingir 
uma determinada profundidade a pressão aumenta 
abruptamente e na tentativa de impedir que os 
pulmões colapsem, o ar tem de ser fornecido a 
pressão, igualmente, muito elevada para manter os 
pulmões insuflados. Estas altas pressões causam várias 
alterações fisiológicas e podem até ser letais. Apoiar-
nos-emos em conceitos físicos para sustentar alguns 
processos fisiológicos como a lei de Boyle. O 
equilíbrio ácido-base e a troca gasosa pulmonar no 
mergulho são alguns dos processos fisiológicos que 
serão explorados assim como algumas fisiopatologias 
associadas a esta atividade tal como a doença 
descompressiva. 
II. DESENVOLVIMENTO 
Lei de Boyle 
 Este princípio enuncia que o volume para o 
qual uma dada quantidade de gás é comprimida é 
inversamente proporcional à pressão, como é 
percetível na figura 1 em que se observa um 
recipiente com 1L de ar ao nível do mar. 
A 10 metros abaixo da superfície do mar, onde 
a pressão é de 2 atmosferas, o volume foi 
comprimido para meio litro; 
em 4 atmosferas (30metros) o volume é 
comprimido para um quarto de litro e assim 
consecutivamente. Este conceito é muito 
importante na fisiologia do mergulho visto que a 
pressão elevada pode colapsar as câmaras de ar 
do corpo do mergulhador, em especial os 
pulmões causando lesões graves. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Figura 1- Efeito da profundidade do mar sobre a 
pressão e sobre o volume dos gases 
 
 
 
Os gases individuais aos quais o mergulhador é exposto 
quando está a respirar são o nitrogénio, o oxigénio e o 
dióxido de carbono. Cerca de 4/5 do ar é nitrogénio. 
Este, à pressão atmosférica não tem grande impacto 
fisiológico, no entanto a altas pressões pode conduzir a 
episódios de narcose, isto é, estado de inconsciência 
e de adormecimento que ocorre quanto mais 
profundamente o individuo mergulhar ( geralmente 
acontece a partir dos 50 metros de profundidade). 
 
 Troca gasosa pulmonar no mergulho 
A respiração com equipamento de mergulho, quer 
seja um simples snorkel ou um regulador influencia o 
sistema respiratório (e o circulatório) aumentando o 
nível de dióxido de carbono, com o aumento de 
espaços de ar morto anatómico (este termo refere-se 
às partes condutoras do aparelho respiratório e por 
isso não estão envolvidas nas trocas gasosas), e a 
resistência de inspiração e expiração. 
Com o aumento dos espaços de ar morto e 
com a redução do volume dos pulmões, o ar 
morto atinge uma percentagem considerável em cada 
respiração, aumentando o nível de dióxido de 
carbono alveolar. Este aumento de dióxido de 
carbono também se dá no fluxo sanguíneo, no 
entanto não ocorre uma acentuada diminuição dos 
níveis de oxigénio. 
O aumento da pressão causa uma compressão do tórax, 
além de uma redução de cerca de 20% da capacidade 
vital, e ainda um aumento do esforço feito pelos 
músculos abdominais e intercostais 
internos(WERNECK, 2009). Outra alteração 
verificada, é a distensão dos alvéolos pulmonares e 
bronquíolos sendo causada pelo aumento da pressão 
pulmonar e da pressão atmosférica, o que resulta numa 
redução da complacência pulmonar. 
Consequentemente, ocorre o aumento da resistência 
respiratória, que conduzirá ao aumento do trabalho 
respiratório. Também ocorre a redução da ventilação 
alveolar, fenómeno que acontece devido ao aumento 
do espaço morto e por uma redução do 
volume/minuto, face a uma redução da frequência 
respiratória e do volume corrente pulmonar. 
 
 
O snorkel, usado na prática recreativa do 
mergulho e na pesca submarina, aumenta 
artificialmente a quantidade de espaço morto no 
sistema respiratório do mergulhador. Isso faz o 
mergulhador ter que respirar ainda mais fundo e 
mais devagar com o objetivo de eliminar 
adequadamente o ar expirado. Quaisquer meios 
artificiais de condução de ar resultam em 
resistência maior ao fluxo de ar a ser respirado. 
Durante o processo respiratório, não é a falta de 
oxigénio que nos indica a hora de respirarmos, 
mas sim a alta concentração de dióxido de 
carbono no sangue que faz com que o Bolbo 
raquidiano estimule a respiração. De todos os 
mecanismos envolvidos no controlo da 
respiração, o dióxido de carbono é o mais 
impactante na regulação da respiração. Dessa 
forma, muitos mergulhadores, na tentativa de 
aumentar o seu tempo de apneia, realizam a 
hiperventilação, uma manobra arriscada na qual 
se inspira e expira rápida e profundamente além 
das necessidades metabólicas do momento, 
resultando numa redução do dióxido de 
carbono (redução da PCO2) e num pequeno 
aumento na pressão parcial do oxigénio na 
corrente sanguínea. 
O mergulho em apneia, quando precedido por 
hiperventilação, vai prolongar 
significativamente o período de apneia o que 
corresponde a um grande aumento nos riscos 
para o mergulhador. 
Devido à hiperventilação prévia, o nível de 
dióxido de carbono continua baixo e o 
mergulhador está de certa forma "livre" da 
necessidade de respirar. Concomitantemente, 
à medida que o mergulhador se aprofunda, a 
pressão externa da água comprime o tórax. Esta 
maior pressão mantém uma PO2 relativamente 
alta dentro dos alvéolos. Assim sendo é mantida 
uma P02 adequada para saturar a hemoglobina à 
medida que o mergulho progride. Nesta altura o 
mergulhador percebe a necessidade de respirar 
e começa a subir e ocorre uma inversão 
significativa na pressão. 
 
 
 
 À medida que a pressão da água sobre o tórax 
diminui, o volume pulmonar expande-se e a 
pressão parcial do oxigénio alveolar sofre uma 
redução. Quando o mergulhador se aproxima 
da superfície, a P02 pode ser tão baixa que o 
oxigénio dissolvido abandona o sangue e vai 
para os alvéolos. Nessa situação, extrema e 
aguda, o mergulhador pode perder a 
consciência antes de alcançar a superfície . 
Ao nível do mar, apenas uma pequena porção 
de oxigénio se dissolve no plasma sendo que 
cerca de 98% do oxigénio é transportado pela 
hemoglobina. Contrariamente ao oxigénio o 
dióxido de carbono é mais facilmente 
transportado. Este pode ser transportado em 
grandes quantidades e de várias formas como é 
possível observar na figura 2. O dióxido de 
carbono dissolvido difunde-se das células para 
os capilares sanguíneos. Uma pequena parte 
permanece dissolvido no plasma para se dirigir 
aos pulmões. A hemoglobina liga-se a uma 
pequena quantidade desse dióxido de carbono 
passando a chamar-se carbaminohemoglobina. 
Uma quantidade ainda menor de dióxido 
carbono pode ligar-se a proteínas plasmáticas. 
Estas 3 vias são mais lentas e representa uma 
quantidade reduzida de CO2. A maior parte do 
CO2( cerca de 70%) reage rapidamente com a 
água que está no interior dos glóbulos 
vermelhos para formar primeiramente o ácido 
carbónico fraco e instável e logo a seguir perde 
hidrogénios para formar iões bicarbonato, 
muitos dos quais se difundem no plasma e 
posteriormente são transportados para os 
pulmões. O ião bicarbonato é alcalino logo 
funciona como agente tampão no sangue contra 
ácidos como o ácido carbónico. A 
hemoglobina funciona igualmente como um 
poderoso tampão ácido-base eliminando os iões 
hidrogénio. 
Normalmente a reação de transformação do 
ácido carbónico em iões bicarbonato é lenta, 
por isso a ação de uma enzima denominada 
anidrase carbónica que se encontra no interior 
 
 
 
 
dos glóbulos vermelhos diminui o tempo de 
reaçãode modo a permitir que grandes 
quantidades de CO2 possam reagir com a água 
antes do sangue deixar os capilares de volta para 
os pulmões. Os inibidores desta enzima 
bloqueiam a reação da anidrase carbónica 
retardando o transporte de CO2 que faz com 
que os níveis teciduais aumentem. 
O ácido carbónico é usado em refrigerantes. 
Assim como o bicarbonato nos refrigerantes 
liberta dióxido de carbono quando abrimos a 
lata, o bicarbonato no sangue transforma-se 
novamente em acido carbónico, libertando CO2 
nos alvéolos de forma a exalar o CO2. 
O dióxido de carbono também é libertado no 
pulmão pela hemoglobina. Quando a 
hemoglobina chega aos capilares alveolares com 
excesso de dióxido de carbono, ela primeiro 
capta oxigénio, e este torna a hemoglobina um 
ácido mais forte. Tendo acabado de se tornar 
mais ácida, a hemoglobina não quer mais o ácido 
existente do dióxido de carbono, então liberta-
o. Esse processo é , denominado Efeito Haldane 
e sucintamente consiste na libertação de dióxido 
de carbono promovido pela captura de oxigénio 
no pulmão. O inverso também é verdadeiro - 
como a hemoglobina capta dióxido de carbono 
no corpo, este torna a hemoglobina mais ácida, 
então ela pretende libertar oxigénio , o que é 
um fator importante no fornecimento de 
oxigénio às células. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Figura 2 – Trocas de dióxido de carbono 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 Equilíbrio Ácido-base 
 
O equilibro ácido-base do sangue depende da 
quantidade de dióxido de carbono uma vez que 
este ao reagir com a H2O forma o ácido 
carbónico que facilmente se dissocia em iões 
H+ e HCO3-. Ao reduzir o nível de dióxido de 
carbono do sangue pela hiperventilação, a 
concentração de H+ diminui, resultando num 
desvio de pH sanguíneo na direção de uma 
maior alcalinidade, ou seja, a alteração do 
equilíbrio ácido-base favorece a interrupção 
momentânea e até prolongada da respiração. 
 
Problemas que podem ocorrer durante a 
prática de mergulho 
 
Esta atividade gera alguns problemas como o 
Reflexo barorrecetor que se sucede da seguinte 
forma: O sangue chega ao cérebro através das 
artérias carótidas que ficam localizadas em 
ambos os lados do pescoço. Os barorrecetores 
controlam a pressão do sangue nessas artérias e 
assim que detetam variações bruscas da pressão 
arterial transmitem essa informação ao sistema 
nervoso central e esta informação vai gerar 
respostas do sistema nervoso autónomo 
controlando assim o funcionamento da 
circulação sanguínea. Assim, se um 
mergulhador vestir um fato ou outro 
equipamento que aperte a zona do pescoço 
pode desencadear a deteção de altas pressões 
por parte dos barorrecetores e estimular a 
redução do ritmo cardíaco. Como a pressão 
não vai baixar com essa redução de ritmo 
cardíaco, o coração vai reduzir o ritmo 
cardíaco cada vez mais o que pode levar à perda 
de consciência do mergulhador. 
 
 
 
 
 
 
 
 
A Hipercapnia normalmente ocorre no 
mergulhador quando este não respira lenta e 
profundamente, resultando numa proporção 
elevada de dióxido de carbono no ar respirado 
devido às quantidades de ar morto respirado. 
Níveis extremos de dióxido de carbono podem 
levar à perda de consciência do mergulhador. 
A hipocapnia é a insuficiência de dióxido de 
carbono que geralmente se segue a uma 
hiperventilação excessiva. 
 
 
Doença Descompressiva 
 
Quando uma pessoa respira sob alta pressão 
durante longos períodos de tempo, a quantidade 
de nitrogénio dissolvida nos líquidos do corpo 
aumenta. Isto acontece, pois, o sangue que flui 
pelos capilares pulmonares fica saturado com 
nitrogénio, sob a mesma alta pressão que na 
mistura da respiração alveolar. Ao longo de 
várias horas, é transportado nitrogénio para 
todos os tecidos do corpo, para elevar sua PN2 
tecidual até um nível igual à PN2 no ar 
respirado. Uma vez que o nitrogénio não é 
metabolizado pelo corpo, ele permanece 
dissolvido em todos os tecidos corporais até que 
a pressão do nitrogénio nos pulmões diminui de 
 
 
 
 
 
novo para um nível mais baixo, momento no qual o 
nitrogénio é removido pelo processo respiratório 
inverso; entretanto, essa remoção às vezes, leva 
horas para ocorrer e constitui a origem de múltiplos 
problemas chamados coletivamente de doença da 
descompressão. 
Resumidamente, a doença descompressiva resulta da 
formação de bolhas no sangue ou nos tecidos, e é 
causada pela eliminação inadequada de gás dissolvido, 
após um mergulho ou outra forma de exposição 
hiperbárica. 
Os princípios subjacentes à formação de bolhas estão 
representados na Figura 3 onde os tecidos do 
mergulhador se encontram equilibrados com a alta 
pressão de nitrogénio dissolvido (PN2 = 3.918 
mmHg), cerca de 6,5 vezes a quantidade normal de 
nitrogénio nos tecidos. Enquanto o mergulhador 
permanecer na profundidade do mar, a pressão contra 
o lado de fora do seu corpo (5.000 mmHg) comprime 
todos os tecidos do corpo suficientemente para 
manter dissolvido o nitrogénio em excesso. No 
entanto quando o mergulhador sobe de forma súbita 
para o nível do mar a pressão sobre o lado exterior do 
seu corpo passa a ser de apenas 1 atmosfera (760 
mmHg), enquanto a pressão gasosa nos líquidos do 
corpo é a soma das pressões do vapor de água, do 
dióxido de carbono, do oxigénio e do nitrogénio, ou 
total de 4.065 mmHg, 97% causados pelo nitrogénio. 
Esse valor total de 4.065 mmHg é muito maior que a 
pressão de 760 mmHg sobre o lado de fora do corpo. 
Por essa razão, os gases podem passar do estado 
dissolvido e formar bolhas, compostas quase que 
inteiramente por nitrogénio, tanto nos tecidos quanto 
no sangue, onde obstruem muitos vasos sanguíneos 
de pequenas dimensões. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Figura 3 - Pressões gasosas no interior do corpo e fora do 
corpo 
 
 
III. CONCLUSÃO 
 
Em suma, a prática de mergulho não é tão 
segura quanto aparenta, é necessário estar bem 
informado sobre o que acontece em termos 
fisiológicos para que se possam tomar as devidas 
precauções, não correndo riscos que tanto 
podem ser ligeiros como fatais. 
 
 
 
 
 
 
 
 
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