do interesse em criar um programa de pes- quisa em astrobiologia no país, após uma reunião para a qual fui convidada, organizada pelo Grupo de Pesquisa em Astrobiologia do CNPq, durante a Assembleia Geral da IAU (União Astronômica Internacional) no Rio de Janeiro, em 2009. Após esse evento, to- mei conhecimento e participei de vários workshops sobre o tema no Brasil, culminando com a filiação do país como parceiro inter- nacional do NASA Astrobiology Institute (NAI), em 2011. Cada vez que vou ao Brasil, fico impressionada com o entusiasmo da comu- nidade, tanto de cientistas como estudantes, sendo os últimos uma grande promessa para o futuro da astrobiologia no país. Novas instalações de pesquisa estão sendo construídas, para complemen- tar os laboratórios que o Brasil já possuía. No meu próprio labora- tório, nos Estados Unidos, fui privilegiada por ter um maravilhoso pós-doutorando brasileiro, Dr. Ivan Paulino-Lima, que é meu lem- brete diário do programa bem-sucedido em desenvolvimento no país. Eu me sinto honrada de ser parte desse processo, e espero que essa colaboração e relacionamento duradouros continuem a florescer. Novos conhecimentos, a reorganização dos conhecimentos atuais e novas missões espaciais são claramente necessários para o avanço da astrobiologia. Para ajudar o leitor a colaborar nessa busca, o que se segue é uma coletânea de tópicos que o permiti- rão degustar da riqueza dessa área de pesquisa. E, como em uma refeição fabulosa, deve deixá-lo com vontade de mais. Bem-vindo à astrobiologia! Tradução de Douglas Galante Lynn J. Rothschild, Ph.D. Cientista Sênior, Nasa Ames Research Center 9 APRESENTAÇÃO Alvorecer no terceiro planeta Já houve um tempo em que o Universo foi pequeno. De bolso, quase. Menos de 2 mil anos atrás, o célebre astrônomo Ptolomeu de Alexandria teve a ousadia de estimar o tamanho do Cosmo e calculou que os objetos mais distantes – as estrelas de fundo que vemos no céu todas as noites – estavam a cerca de 130 milhões de quilômetros de nós. Pode parecer grande pelas nossas medidas cotidianas, mas na verdade era uma visão extremamente modesta do Universo. Hoje, sabemos que, numa esfera desse tamanho, não conseguiríamos acomodar nem mesmo a órbita da Terra em torno do Sol, com raio de aproximadamente 150 milhões de quilômetros (medida que os astrônomos definiram como a unidade astronômi- ca, UA). Conforme abandonamos o que diziam nossas intuições e nos- sos preconceitos acerca de como achamos que o Universo deveria 10 ASTROBIOLOGIA – Uma Ciência Emergente ser, descobrimos que a escala cósmica era muito maior. E pode colocar maior nisso. O tamanho do Universo observável, hoje sa- bemos, é cerca de 3 milhões de bilhões de vezes maior do que estimara Ptolomeu – 3 × 1015 unidades astronômicas, número tão grande que obriga os astrônomos abandonarem a “régua” das UAs e partirem para outras maiores, como os anos-luz ou os parsecs. (A mais popular delas, o ano-luz, equivale à distância que a luz percorre no vácuo em um ano de viagem, cerca de 9,5 trilhões de km, ou 63.241 unidades astronômicas. A fronteira do Universo observável, estimam os cosmólogos, está a cerca de 46,5 bilhões de anos-luz de nós.) Nesse espaço inimaginavelmente vasto, a Terra e tudo que existe nela não passam de menos que um grão de areia. Com efei- to, há mais estrelas no Universo que grãos de areia em todas as praias do nosso planeta. E, no entanto, ainda que não passe de um farelinho em meio à vastidão do Universo, nosso mundo tem uma peculiaridade que faz dele um lugar especial. Trata-se de um mundo com vida. Até o momento, o único que conhecemos que reconhecidamente serviu de palco para esse fenômeno incrível. Incrível porque as reações químicas envolvidas no metabo- lismo dos organismos vivos – as complexas trocas e permutações de moléculas que estão acontecendo exatamente neste momento em todas as células do seu corpo, inclusive nos neurônios do seu cérebro que de algum modo estão transformando a informação visual presente nas páginas deste livro numa mensagem inteligível para você – são muito mais intrincadas do que tudo mais que já vi- mos por aí. As reações termonucleares que permitem que estrelas como o Sol brilhem e emitam copiosas quantidades de radiação ou a força gravitacional brutal que esmaga a matéria até produzir os misteriosos buracos negros são coisas complicadas, devemos admitir. Tão complicadas que, mesmo depois de muitas décadas de estudo intenso, ainda há perguntas não respondidas a respeito delas. Contudo, elas começam a parecer muito mais amigáveis à investigação quando deparamos com as reações moleculares envolvidas no metabolismo dos organismos vivos. É um nível de 11 APRESENTAÇÃO complexidade tão alto que, até hoje, não sabemos como ele apa- receu pela primeira vez. De algum modo, aproximadamente 4 bilhões de anos atrás, aqui na Terra, apareceu um grupo de moléculas complexas com a capacidade emergente de se replicar – fabricar cópias de si mesma – segundo instruções codificadas em sua própria estrutura mole- cular. Não sabemos que molécula foi essa, nem como ela se for- mou, mas os pesquisadores têm trabalhado duro para compreen- der como isso pode ter acontecido: possivelmente o maior desafio intelectual já empreendido pela ciência. A despeito das incertezas sobre sua origem, o que sabemos com certeza é que, por alguma rota química ainda não exatamen- te determinada, isso realmente aconteceu. E resultou no início do processo de evolução darwiniana por meio da seleção natural. A replicação imperfeita dessas moléculas primordiais produziu variedades de si mesmas, com pequenas diferenças nas instru- ções codificadas em sua estrutura. Algumas delas, mais eficientes no processo de replicação, logo dominaram o ambiente; outras, menos competentes, ficaram para trás e não deixaram descen- dentes. E assim a evolução teve início, num processo que levou, até agora, cerca de 4 bilhões de anos (uma escala de tempo tão inimaginável quanto a de espaço a que nos referimos há pouco), produzindo formas de vida as mais variadas e complexas. Até que, nos últimos milhões de anos, uma coisa ainda mais estranha aconteceu. Uma espécie ligeiramente diferente de primata come- çou a desenvolver um apreço cada vez maior pela atividade inte- lectual – possivelmente pelo incremento das relações sociais e a necessidade de fabricar ferramentas para sobreviver. Seu cérebro foi aumentando com o passar das gerações, moldado pela sele- ção natural, e esses primeiros humanos começaram a se intrigar com as misteriosas luzes que viam no céu à noite, assim como o brilho radioso do Sol durante o dia. O que significava tudo aquilo? A Terra, que já era um lugar especial por ter sido abrigo das intrincadas reações químicas que originaram a vida, agora chegava a uma fase ainda mais intrigante de sua existência: pela 12 ASTROBIOLOGIA – Uma Ciência Emergente primeira vez surgia um tipo particular de vida capaz de refletir sobre a natureza do Universo e buscar compreender o contexto de sua própria existência. Ao longo dos últimos séculos (uma ninharia, se levarmos em conta os 4 bilhões de anos de evolução que nos precede- ram), essa espécie fez grandes avanços nesse esforço. Somos nós. Começamos a ter uma apreciação da escala e da organização do Universo, descobrimos que as mesmas leis da física regem fenô- menos em toda parte e que a química básica que permeia o Sol e sua família de planetas, incluindo aí o nosso, não é diferente da que encontramos em outras partes do Cosmo. Sabemos que há outros sóis extremamente similares ao nosso por aí, e Terras igual- mente parecidas. Não sabemos ainda com que frequência exa- ta esses astros surgem e evoluem como os membros do Sistema Solar, em meio a todas as permutações possíveis na formação