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AS IRMÃS, JAMES JOYCE

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Olá ouvinte!
Você está no Literatura Oral, podcast de leitura comentada e de sugestões literárias. Eu sou Sabrina Siqueira, jornalista com doutorado em literatura. 
No último episódio, terminei a leitura de Amor de perdição, romance de 1862, do escritor português Camilo Castelo Branco, representativo da segunda geração do romantismo ou ultrarromantismo. 
Hoje vou comentar o conto de abertura do livro Dubliners, de James Joyce, que é “As irmãs”. Eu tenho tanto pra falar desse livro, que nem sei por onde começar. Como já dizia Roberto Carlos, “eu tenho tanto pra ti falar”, porque Dublinenses foi meu objeto de estudo na dissertação de mestrado em literatura. 
Então Dubliners, ou Dublinenses, como eu vou usar aqui, é o livro de contos desse escritor considerado um marco da literatura moderna ocidental pelos experimentos que fez com a linguagem. É um livro lançado em 1914 e reúne 15 contos. James Joyce é irlandês, nasceu em Dublin, viveu entre 1882 e 1941, e nesses contos ele faz uma crítica à mentalidade dos habitantes de sua cidade natal, mas por metonímia, a crítica se estende a toda República da Irlanda. Lembra que a Irlanda é um país dividido desde 1921, entre República, que fica ao sul, com capital em Dublin, e Irlanda do Norte, um território menor, ao norte, vinculada ao Reino Unido, com capital Belfast. 
Essa mentalidade a que Joyce se opunha é moldada pelo catolicismo, pela moral da Igreja Católica do início do século XIX e que teve muita influência na formação social irlandesa, inclusive interferindo nas vidas privadas. Por exemplo, como criticava o uso de contraceptivos, as famílias católicas acabavam sendo muito numerosas, e com isso tendiam ao empobrecimento, como a gente viu no episódio sobre Jonathan Swift. 
Uma característica muito criticada por Joyce é justamente a que abre o texto do conto “As irmãs”: a paralisia. Ele sentia uma estagnação na Irlanda, e por isso saiu do país aos 21 anos, com a namorada que seria sua companheira da vida toda, Nora. O que eu analisei nos contos, influenciada por essa opinião do escritor, foram os desejos interrompidos dos protagonistas de todos os contos dele. Esses desejos são obliterados por uma violência simbólica, que é a dupla violência imposta, primeiro pela Inglaterra como exploradora do território irlandês, e segundo pelo catolicismo tóxico, que colaborou para que os irlandeses tivessem vidas miseráveis e cheias de culpa. 
O protagonista do conto “As irmãs” é um garoto que tem como amigo e mestre um padre idoso. O conto inicia com a sensação de paralisia do garoto parado na calçada, olhando pra janela do quarto do padre, que teve o terceiro derrame e está pra morrer. Derrame também remete à paralisia que Joyce quer destacar. Somente os 3 primeiros contos do livro são em primeira pessoa: “As irmãs”, “Um encontro” e “Arábia”. E esses contos são justamente referentes à infância. Porque os contos de Dublinenses não são organizados numa sequência ao acaso. Eles obedecem exatamente a ordem que o escritor queria, com alguns se referindo à infância, na sequência os que dizem respeito à adolescência, depois à vida de um jovem adulto, de adultos, de pessoas idosas, e três contos que se referem à vida pública em Dublin, sendo “Dia de hera na sala do comitê”, esse é o nome do conto, “Dia de hera na sala do comitê”, sobre política; “Uma mãe”, sobre o ambiente artístico e cultural, e “Graça”, que combina amizade, alcoolismo e religiosidade, três assuntos que definem, de certa forma, a cultura irlandesa, tida como hospitaleira e devota a dois altares, o dos pubs e o das igrejas, os dois estabelecimentos mais abundantes na capital irlandesa até hoje. Por fim, “Os mortos”, o maior conto e talvez o mais famoso do livro. No conjunto dos contos, a cidade Dublin funciona tanto como cenário como personagem. 
A ordem dos contos não é por acaso. Joyce levou 9 anos sendo recusado em editoras, porque ele insistia que queria a publicação exatamente nessa ordem, que simboliza o amadurecimento de um cidadão dublinense. É como se o conjunto dos contos mostrasse um organismo representativo de um conterrâneo do escritor, um símbolo da mentalidade que ele criticava ou alguém vivendo sob a pressão da violência simbólica imposta por aquele meio social. Aliás, acaso é uma palavra que não combina com James Joyce. Esse autor estabeleceu para si um projeto literário. Projeto esse que remonta a sua juventude, quando lia Tomás de Aquino e aprendeu sobre a conexão entre os conceitos de verdade e de bem. 
Sobre o conceito de violência simbólica, que eu to citando aqui, ele foi cunhado pelo francês Pierre Bourdieu. Seria o processo pelo qual a classe que domina economicamente impõe sua cultura aos dominados. A violência simbólica se expressa na imposição “legítima e dissimulada” de interiorização da cultura dominante. Como essa interiorização se dá como um processo gradual, parte dos dominados podem tomá-la por natural e inevitável.
Eu escolhi fazer o episódio sobre Joyce agora, postando dia 8 de fevereiro, porque dia 2 seria aniversário do escritor. Ele era ligado em datas e gostava de publicar seus livros no dia do aniversário. E era supersticioso em relação a alguns números. Por exemplo, não gostava de viajar em dias 13 e acabou morrendo em um 13 de janeiro, em função de complicações em uma operação. O 16 de junho ficou marcado como o dia em que se passa o enredo de seu romance super celebrado, Ulysses. Como o protagonista é Orlando Bloom, o dia ficou conhecido como Bloomsday. 
A primeira versão de “As irmãs” foi publicada no jornal irlandês Homestead, em 13 de agosto de 1904, e foi o primeiro conto do livro a ser escrito. Eu não vou ler o conto na íntegra, mas selecionei alguns fragmentos pra discutir depois. Essa tradução que eu to usando é de Guilherme da Silva Braga.
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Eu destaquei alguns fragmentos do conto “As irmãs”, do escritor irlandês James Joyce. Esse conto abre o livro Dubliners e é um dos três narrados em primeira pessoa e com protagonista criança. “As irmãs” narra a visita do protagonista ao velório na casa de um padre que era seu amigo, apesar da diferença de idade. A primeira frase do conto e do livro, “Dessa vez não havia esperança”, carrega um sentimento de derrota que perdura por todo livro e mostra um pouco da opinião de frustração de Joyce para com a sociedade irlandesa. Sobre esse garoto, a narrativa dá pistas de que mora com os tios e de que seria introspectivo, talvez passando mais tempo entre livros, aprendendo, do que brincando na rua com garotos da idade dele, pela fala dos adultos enquanto ele janta. 
Antes de saber da morte do amigo, ele passa pela casa do padre e olha para a janela do quarto. Pela luz que vê pela janela, pensa que o amigo ainda não morreu, porque não reconhece a luz como sendo de velas dispostas na cabeceira do defunto, como era costume. 
Como acontece em outros contos do autor, “As irmãs” possui fragmentos indeterminados, cujo significado não está explícito e pode ser interpretado de diferentes formas. Depois do jantar em que recebeu a notícia da morte, o garoto dorme e sonha com o padre, sorridente e em uma espécie de confissão. A parte mais enigmática do conto pra mim é essa, do sonho do protagonista. Ele vê o rosto do padre, que era paralítico, na cor cinza, que os cadáveres parece que adquirem. Tenta afastar esse pensamento com a lembrança do Natal, mas o Natal na Irlanda remete muito ao catolicismo, com as pessoas marcando presença em missas e, sendo assim, vendo figuras de padres. Não fica claro se já é sonho ou se é um pensamento insistente enquanto o garoto ainda está dormindo. A imagem do rosto do defunto persiste e o garoto entende que ele quer se confessar, mas geralmente o padre é quem ouve a confissão, então nesse momento a criança e o padre assumem posições contrárias. O garoto ouvindo a confissão e o padre se confessando. 
Como podemos interpretar a frase “Senti minha alma esconder-se em uma agradável região de vício”? Não é possível entender o que o padre murmura, mas ele sorri o tempo todo e essesorriso meio que “contamina” o seu interlocutor. Só que o sorriso do garoto, ele explica, é para “absolver o simoníaco do pecado”. Simoníaco é aquele que pratica simonia, que é a comercialização ilícita de benefícios eclesiásticos, como indulgências e sacramentos. Então, de certa forma, o ouvinte já sabe qual é o pecado do padre. Talvez porque eram amigos, passavam tempo conversando, ou pelo falatório que corria sobre um problema do padre com um castiçal, que uma irmã dele menciona durante a visita, e que parece ter sido o início da perda do prestígio do padre. 
O protagonista não tem nome, mas o padre é James, como o autor. James Flynn. Flynn também aparece no último conto, “Os mortos”, como o antigo dono de um moinho. Tanto “As irmãs” como “Os mortos” são narrativas assentadas em um universo feminino, e no último conto também aparecem umas irmãs, tias do protagonista Gabriel, que têm bastante importância na história. Essas referências podem ser alusões ao bisavô materno de Joyce, que era proprietário de um moinho. Ou seja, as histórias de abertura e encerramento estão assentadas sobre as memórias do lado feminino da ascendência do escritor. 
E quanto ao título do conto? Aparecem duas irmãs do padre na narrativa, Nannie, que parece ser bem mais velha e surda, e Eliza, que é quem administra a casa. Mas elas desempenham um papel suficientemente relevante na trama pra dar nome ao conto? Parece que não. E o conto tem um final aberto, terminando um tanto abruptamente. Termina com Eliza contando que o padre uma vez foi achado no confessionário, tarde da noite, desperto e meio que rindo pra si mesmo (como no sonho do protagonista) e com um cálice na mão. Quando ele está morto em casa, o corpo repousa também com um cálice na mão. Do padre sabemos ainda que teve uma vida meio frustrada e que quebrou um cálice quando exercia funções eclesiásticas. Qual será o significado desse cálice que aparece na narrativa? Será que ele tinha pego esse cálice de antigamente na igreja pra vender, e por isso é chamado de simoníaco pelo garoto? Mas porque ficar no confessionário rindo com o cálice na mão? Será que ele bebia?
Vale destacar que a presença do padre na vida do garoto é pesada e cinzenta, e quando ele tem certeza da morte do mestre pelo cartaz na porta da casa dele, o menino é invadido por uma sensação de liberdade e se permite andar pelo lado ensolarado da rua. Como se tivesse ficado livre de um fantasma, uma sombra. 
O conto traz alguns elementos que poderiam sugerir uma narrativa de terror, como quando o Cotter, que visita os tios do protagonista e é quem dá a notícia da morte, diz, em frases inacabadas e reticentes, que o padre tinha alguma coisa de estranho e de sobrenatural. Tem o sonho com a cabeça cinzenta do defunto murmurando algo ininteligível. Depois acontece a entrada do garoto com a tia no quarto onde o corpo está, dentro do caixão. E a narrativa é cheia de lacunas sobre a vida do padre, o que ele teria feito pra motivar a antipatia no tio e no velho Cotter. Os contos do Joyce, toda a obra na verdade, é assim, nos deixa com mais perguntas que respostas. São textos com muitas camadas de significados. Por isso, talvez, as pessoas retornem a esses textos e eles sejam considerados cânone e tão respeitados no ambiente acadêmico. Porque permitem muita pesquisa, dão margem a uma ampla análise literária. 
Dublinenses não oferece um retrato terno e virtuoso da Irlanda. Ao invés disso, entrega ao mundo histórias da vida urbana irlandesa, com seus defeitos e sordidez. Os três contos que se referem à infância aludem à perda da inocência infantil com as primeiras decepções. Em “As irmãs”, a decepção é intuída nos murmúrios sobre o passado de erros do amigo e mentor recém falecido. 
No episódio de hoje, comentei brevemente o conto “As irmãs”, do irlandês James Joyce. Esse conto é o primeiro do livro de contos do autor, Dublinenses. Espero que vocês tenham gostado e se sintam convidados a ler o livro inteiro. Esse livro de contos funciona, inclusive, como uma chave de leitura para o clássico do autor, Ulysses, porque insere o leitor no estilo de Joyce e porque algumas personagens se repetem. 
Por hoje, fico por aqui. Nos falamos no próximo episódio do Literatura Oral. Fiquem bem, um abraço e até lá!

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