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Passo Fundo IMED Editora 2015 Claudete M. F. Bressan Dunia Comerlatto Organizadoras POLÍTICAS SOCIAIS E DESENVOLVIMENTO: a interface com o Serviço Social http://lattes.cnpq.br/6566851409223544 http://lattes.cnpq.br/4591725434408554 © 2015 Autores Faculdade Meridional IMED Diretor Geral: Eduardo Capellari Diretora Acadêmica: Daiane Folle Diretora Administrativa: Marilú Benincá de David Diretor de Relações com o Mercado: William Zanella Diretor de Pesquisa e Pós-Graduação: João Alberto Rubim Sarate Conselho Editorial Drª. Daiane Folle Dr. Daniel Knebel Baggio Me. Eduardo Capellari Me. Fahad Kalil Me. Marcele Salles Martins Dr. Fausto Santos de Morais Me. Vanessa Sebben Dr. Vinícius Renato Thomé Ferreira Edição: IMED Editora Projeto gráfico e diagramação: Diego Ecker, Elias Fochesatto e Wanduir R. Sausen IMED Editora R. Senador Pinheiro, 304 - Rodrigues 99070-220 - Passo Fundo/RS, Brasil Fone: (54)3045-9081 E-mail: editora@imed.edu.br www.imed.edu.br/editora CIP – Dados Internacionais de Catalogação na Publicação P769 Políticas sociais e desenvolvimento : a interface com o serviço social / organização Claudete M. F. Bressan e Dunia Comerlatto. – Passo Fundo : IMED, 2015. ISBN: 978-85-99924-80-8 1. Serviço social. 2. Desenvolvimento. 3. Políticas públicas. 4. Políticas sociais. I. Bressan, Claudete M. F. II. Comerlatto, Dunia. III. Título. CDU: 364 Bibliotecária responsável Marina Miranda Fagundes - CRB 10/2173 2015 Faculdade Meridional IMED - IMED Editora http://www.imed.edu.br/ mailto:editora@imed.edu.br http://www.abeu.org.br/ SUMÁRIO Prefácio....................................................................................................... 6 Apresentação .............................................................................................. 8 Parte I Políticas sociais, Desenvolvimento e Gestão territorial Teorias do desenvolvimento: panorama internacional e a racionalidade da formulação e implementação de políticas públicas .................................................................................. 12 Cláudio Machado Maia Políticas sociais e Desenvolvimento: desafios à organização e gestão territorial ..................................................................................... 22 Mariangela Belfiore Wanderley Desenvolvimento e dinâmicas regionais em territórios rurais .............. 34 Rosana Maria Badalotti O programa minha casa minha vida em um loteamento na cidade de Chapecó: alguns aspectos da realidade .............................. 48 Maria Luiza de Souza Lajús Parte II Políticas públicas, Planejamento e Prática profissional O desafio das políticas sociais: uma proposta de integração articulada de políticas públicas sociais para o enfrentamento da desigualdade social.................................................. 58 Carlos Nelson dos Reis, Heloisa Teles Política e Planejamento Social: decifrando a dimensão técnico-operativa na prática profissional ................................................ 67 Odária Battini O trabalho com famílias de crianças e adolescentes acolhidos: limites e desafios em debate ...................................................................... 84 Eliane Aparecida Pinheiro, Dunia Comerlatto Políticas públicas e enfrentamento de violências: Contribuições do Serviço Social ............................................................... 103 Deborah Cristina Amorim, Helenara Silveira Fagundes 6 PREFÁCIO Quando se vê, já são seis horas! Quando se vê, já é sexta-feira! Quando se vê, já é natal... Quando se vê, já terminou o ano... Quando se vê passaram 50 anos! Mário Quintana Este livro é uma homenagem aos 25 anos do curso de Serviço Social da Unochapecó. Como podemos observar pelo título, não se trata de um livro de memórias ou de regis- tros históricos. A obra reúne artigos de pesquisadores/as que lançam luzes sobre o desenvolvimento social e a interface do Serviço Social. Vem a público, com o impres- cindível apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação do Estado de Santa Catarina (FAPESC). A memória, o registro é uma forma de guardar o passado, iluminar o presente e projetar o futuro. Neste sentido, entendemos ser oportuno trazer nesta obra comemorativa alguns dados que forjam o retrato dos 25 anos do curso. E como falar sobre os 25 anos do curso? Em números? São precisamente 647 profissionais formados, mais de uma centena de pesquisas realizadas; a avaliação do curso e dos estudantes no ENADE (nota 4) nos coloca entre os bons cursos do país. Poderíamos citar a formação continuada: os cursos de pós-graduação lato sensu realizados, vários reeditados ao longo dos anos em temáticas como família, respon- sabilidade social, saúde mental e dependência química, gestão social de políticas pú- blicas, este último embrião do Mestrado em Políticas Sociais e Dinâmicas Regionais. Falar dos projetos de extensão implementados nesta trajetória, sem dúvida, re- sultaria em um conteúdo rico e diverso pela seriedade do curso no profícuo diálogo a realidade social. Da mesma forma, resgatar os vários campos de estágios obri- gatórios e não obrigatórios, destacando sua relevância no processo de formação expressaria a interlocução com a realidade local e regional. Enfim, o compromisso com o ideal da realização da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão certamente seria um bom caminho para resgatarmos os 25 anos do curso. Há outros recortes possíveis como o de inventariar a presença ativa dos estudantes, egressos e docentes nos diversos espaços democráticos de participação da gestão pú- blica, como as conferências e os conselhos das três instâncias de governo. Presença que tem qualificado e fortalecido a participação democrática da população na formulação e implementação das políticas públicas. Resgatar o significativo trabalho das/os profissionais egressas/os que fazem do seu cotidiano o lugar de defesa da cidadania e da justiça social certamente traria dados quantitativos e qualitativos. Estamos certos de que a defesa da cidadania am- pliou-se, notadamente na região Oeste de Santa Catarina e noroeste do Rio Grande do Sul, com o trabalho desenvolvido por esses profissionais. A institucionalização 7Voltar ao sumário Prefácio das políticas públicas na perspectiva da cidadania, bem como para a consolidação do projeto ético-político da profissão tem no curso de Serviço Social da Unochapecó uma grande contribuição. São inúmeros profissionais egressos aprovados em con- cursos públicos, em programas de pós-graduação stricto sensu, à frente da gestão pública e setores da iniciativa privada e organizações não governamentais fazendo a diferença na qualidade de vida da população. Traduzir o esforço coletivo de 25 anos de caminhada que não cabem neste espaço e fogem do escopo da obra. Contudo, é imprescindível destacar o compromisso do curso de Serviço Social da Unochapecó na consolidação do projeto ético-político da profissão. Trata-se de um projeto profissional que contempla uma dimensão éti- co-valorativa, um novo projeto de sociedade que lhe confere conteúdo utópico e também político. A direção social da formação, o perfil do egresso almejado pelo curso vincula-se a essa nova utopia civilizatória, fundamentada em valores, como a liberdade, a emancipação humana e a democracia. Portanto, um curso com forte acento na formação. Na última década os esforços do curso têm sido redobrados para que não sejamos derrotados pela expansão desmesurada da educação superior. A política educacional brasileira vive o paradoxo da ampliação de políticas de acesso e, ao mesmo tempo, a mercantilização do ensino diante da minimização do Estado em sua função re- guladora. São tendências e lógicas que perpassam o cotidiano das instituições e o curso de Serviço Social não passou (e nãopassa) incólume. Apesar do contexto ad- verso, o corpo docente mantém-se convicto no propósito de dotar a profissão de um referencial teórico-metodológico, ético-político e técnico operativo, portanto, não prescindindo de uma formação acadêmica crítica e eticamente comprometida com a realidade social. Dito de outro modo, defendemos uma universidade voltada para a formação da cidadania que se realiza, por excelência, na experiência democrática do acesso e da produção livre do conhecimento. A propósito, é imprescindível destacar o comprometimento do curso com a cons- trução da instituição social universidade ao longo destes 25 anos, comprometimento que, podemos dizer, tornou-se sua marca. A presença ativa na construção, no debate e na gestão da universidade à frente de diretorias, vice-reitorias e Grupos de Traba- lho lhe credencia esta marca. Mesmo porque, a história do curso se mescla com a história da universidade que carrega em seu nome – Universidade Comunitária da Região de Chapecó – e na sua missão o vínculo orgânico com a comunidade, aliás, foi a comunidade que encontrou no modelo comunitário uma alternativa para que a população regional tivesse acesso ao ensino superior quando o Estado, por décadas e décadas desconheceu a demanda por ensino superior na região. Um livro comemorativo requer um agradecimento especial aos atuais e ex-professores do curso que, ao longo dos anos, conseguiram – na pluralidade – amalgamar uma uni- dade capaz de gerar utopias. Utopia que no sentido atribuído por Adolfo Vázquez, consiste em subverter o real e abrir janelas para o possível. E assim, abrindo janelas para o possível o curso tem conseguido alçar voos e comemorar sua exitosa caminha- da e, parodiando Mário Quintana, dizemos: quando se vê passaram 25 anos! Claudete Marlene Fries Bressan Agosto de 2014. 8 APRESENTAÇÃO “Não sou esperançoso por pura teimosia, mas por imperativo existencial e histórico”. (Paulo Freire, 1994) Fazer 25 anos é reafirmar a maioridade. O curso de Serviço Social da Universi- dade Comunitária da região de Chapecó (Unochapecó) assim o faz demonstrando maturidade, serenidade, próprias de quem já experienciou momentos de felicidade e de profundas dificuldades. A realização deste livro demonstra um processo construído por um grupo de profissionais que trilharam uma caminhada pautada em valores éticos de compro- misso com a garantia e ampliação de direitos sociais voltados para a cidadania de fato e de direito. Foram anos de trabalho e de compromisso com a formação de Assistentes So- ciais cidadãos, capazes de propor ações transformadoras baseadas no conhecimento das expressões da questão social como apoiadoras na construção de uma nova so- ciedade, pautando o enfrentamento das desigualdades sociais, econômicas, políticas e culturais. Os capítulos aqui apresentados representam o esforço coletivo dos profissionais de diferentes áreas do conhecimento e profissionais, que se propuseram a contri- buir por meio de um processo de reflexão sobre temas atuais, capazes de possibi- litar aos leitores pensar sobre suas práticas, propor estratégias e construir novos conhecimentos. Este livro é dividido em duas partes, sendo a primeira referente às Políticas Sociais, Desenvolvimento e Gestão Territorial, que debate teorias voltadas para o desenvolvimento numa perspectiva de construção de uma sociedade voltada para o compromisso com a sustentabilidade e o combate às desigualdades em seus múl- tiplos aspectos. Também reflete sobre o desenvolvimento voltado para as políticas sociais na perspectiva da organização e gestão dos territórios. É objeto de discussão os territórios rurais numa perspectiva de pensar o desenvolvimento e as dinâmicas regionais do oeste de Santa Catarina. Ainda faz uma análise da realidade da Política Habitacional a partir de um estudo de caso do Programa Minha Casa Minha Vida. O capítulo intitulado “Teoria do Desenvolvimento: Panorama Internacional e as Racionalidades da Formulação e Implementação de Políticas Públicas” de autoria do Professor Doutor Cláudio Machado Maia reflete sobre o processo de desenvol- vimento e a inserção das políticas públicas num contexto de globalização vis-a-vis elementos que cada vez mais dão importância à participação social regional como o principal elemento integrador do seu processo de desenvolvimento regional. Fala-se de globalização, sua caracterização e gênese, impactos, mudanças e a questão do Estado-nação, sobretudo, como as políticas públicas tem se evoluído historicamente no sentido de apropriação da ação social organizada. 9Voltar ao sumário Apresentação “Políticas Sociais e Desenvolvimento: Desafios à Organização e Gestão Territorial”, capítulo escrito pela Professora Doutora Mariângela Belfiore Wanderley está estru- turado em duas partes: a primeira, relativa ao complexo tema das políticas sociais e desenvolvimento, com destaque para a política social brasileira, a partir de uma bre- ve contextualização das sociedades capitalistas contemporâneas no tratamento da questão social. A segunda, debate gestão social das políticas sociais, enfatizando os desafios de organização e gestão territorial. O capítulo da Professora Doutora Rosana Maria Badalotti intitulado “Desenvol- vimento e Dinâmicas Regionais em Territórios Rurais” traz uma análise sobre os pressupostos que orientam as concepções de desenvolvimento e território do Pro- grama Nacional de Desenvolvimento Sustentável de Territórios Rurais (PRONAT), vinculado à Secretaria de Desenvolvimento Territorial (SDT) do Ministério do De- senvolvimento Agrário (MDA), seus rebatimentos e dinâmicas regionais associadas às ações planejadas para o território rural oeste. E, o capítulo intitulado “Programa Minha Casa Minha Vida em um Loteamento na cidade de Chapecó: alguns aspectos da realidade”, escrito pela Professora Dou- tora Maria Luiza de Souza Lajús, apresenta uma breve descrição que contextualiza historicamente a habitação de interesse social no Brasil e revela questões referentes ao Programa Minha Casa Minha Vida em uma dada realidade estudada. A segunda parte deste livro, voltada às Políticas Públicas, Planejamento e Prática Profissional, aborda estudos articulados com a construção e integração de políticas públicas, capazes de enfrentar as desigualdades sociais. Ainda, aborda a dimen- são técnico-operativa da prática profissional do Assistente Social na perspectiva da política e do planejamento social. Discutindo questões referentes ao trabalho com famílias de crianças e adolescentes que estão em processo de acolhida e políticas públicas voltadas no enfrentamento de violências que os atinge. O texto do Professor Doutor Carlos Nelson dos Reis e de Heloisa Teles apresenta uma proposição que tem por objetivo tornar mais eficiente e eficaz os resultados espe- rados dos programas implantados nas diferentes áreas sociais de responsabilidade do Estado: eliminar a superposição de ações de políticas sociais públicas; orientar maior grau de articulação entre os órgãos executores e tornar mais transparente e organizada para o usuário das políticas sociais a oferta de bens e serviços que são disponibilizados. A Professora Doutora Odária Battini escreve seu capítulo sobre o tema “Políti- ca e Planejamento Social: decifrando a dimensão técnico-operativa na prática pro- fissional”. O texto trata da dimensão técnico-operativa da prática profissional de assistentes sociais na esfera da política pública de assistência social, dirigida para assegurar e ampliar os direitos sociais. O capítulo que versa sobre “O trabalho com famílias de crianças e adolescentes acolhidos: limites e desafios em debate”, escrito pela Assistente Social Eliane Aparecida Pinheiro e professora Doutora Dunia Comerlatto traz reflexões que permitem analisar aspectos em torno dos limites e desafios no trabalho com as famílias de crianças e adolescentes acolhidos, na perspectiva do direito à convivência familiar e comunitária. O capítulo escritopela Professora doutoranda Deborah Amorim e Helenara Silveira Fagundes, “Políticas Públicas e enfrentamento de violências: contribuições do Serviço Social”, reflete sobre a forma como as políticas públicas brasileiras têm sido implementadas para o enfrentamento de violências, garantia dos direitos humanos e consolidação da cidadania para crianças e adolescentes. São traçadas 10Voltar ao sumário Apresentação algumas aproximações, com argumentos que possibilitam uma compreensão acerca da intersetorialidade e do trabalho em rede na efetivação do sistema de garantia de direitos, reconhecendo a importância da ética profissional e as contribuições do Serviço Social como profissão nesse processo. Todos esses capítulos representam um importante processo de reflexão, trazendo à baila a temática das Políticas Sociais e do Desenvolvimento na interface com o Ser- viço Social, significativo tema do Seminário comemorativo aos 25 anos do Curso de Serviço Social. Boa leitura a todos e a todas. Profª. Drª Maria Luiza de Sousa Lajús Dezembro de 2014. PARTE I POLÍTICAS SOCIAIS, DESENVOLVIMENTO E GESTÃO TERRITORIAL 12 TEORIAS DO DESENVOLVIMENTO: PANORAMA INTERNACIONAL E A RACIONALIDADE DA FORMULAÇÃO E IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS* Cláudio Machado Maia** 1 Introdução O verdadeiro nome da globalização é mundialização do capital, um processo de desenvolvimento do capitalismo mundial que possui características particulares e que não pode ser confundido com a expansão do mercado mundial ou de outras fases de desenvolvimento do capitalismo moderno. Falar de mundialização do capital é referir-se a um regime de acumulação que se caracteriza pela predominância hegemônica do capital financeiro na dinâmica da acumulação de riqueza capitalista (MACHADO, 2003, p. 13). Em primeiro lugar, pe- las suas próprias características de privilegiar os agentes financeiros em detrimento do crescimento econômico e da produção sob a promessa de uma suposta moder- nização, tendo dessa forma o impacto direto no mundo do trabalho e na produção contribuindo para o aumento do desemprego estrutural e das formas de precarização do estatuto salarial da força de trabalho. Em segundo lugar, por acirrar uma lógica intrínseca à própria modernização capitalista, o processo de financeirização tende a ser seletivo, excludente e desigual, pois passa a selecionar países, regiões e setores da economia que lhe interessam à rentabilidade líquida e segura. Em terceiro lugar, a crescente mundialização do capital explicita sua face mais áspera na sua incontro- labilidade como processo sócio-metabólico, atingindo a modernidade capitalista1 (MACHADO, 2003, p. 13-14). Entretanto, neste ambiente de predominante descontrole, os países e regiões que tem obtido melhores resultados na economia nos últimos anos foram aqueles que conse- guiram com maior eficiência dirigir e controlar políticas públicas externas que bene- ficiassem seus interesses, priorizando seus atores locais no processo de desenvolvi- * Esta reflexão é parte da Tese de Doutoramento, como Bolsista da CAPES, no Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Rural (PGDR) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), assim como, foi apresentada comunicação no XIV Congresso Internacional sobre Integração Regional, Fronteiras e Globalização no Continente Americano, realizado em Porto Alegre/RS (Brasil) de 20 a 22 de novembro de 2013. ** Doutor em Desenvolvimento Rural. Professor Titular. Docente do Programa de Pós-Graduação em Políticas Sociais e Dinâmicas Regionais da Universidade Comunitária da Região de Chapecó, UNOCHAPECÓ – Santa Catarina, Brasil. E-mail: <claudiomaia.dr@hotmail.com>. 1 Sobre esse conceito, a globalização pode ser vista como resultado histórico da derrota política dos trabalhadores em seus polos mais organizados e da ofensiva do capital nos vários campos da vida social. Tal incontrolabilidade do capital financeiro, pode ser vista também, como a perda de controle dos agentes sociais. mailto:claudiomaia.dr@hotmail.com 13 Teorias do desenvolvimento... Voltar ao sumário mento. Conforme Machado, “a decisiva capacidade de controles de alguns atores em tal cenário é, portanto, elemento chave para se entender o desenvolvimento desigual, fragmentado e contraditório que se observa hoje nos diferentes locais” (2003, p. 15). O desafio deste artigo é dar andamento a uma série de estudos e debates que tem sido desenvolvidos2 considerando os desafios para o desenvolvimento territorial que tem emergido das dinâmicas geradas pelos processos de integração regional conju- gados com a consolidação da globalização e de fenômenos associados às complexas relações entre o global e o local, numa perspectiva comparada. Considera-se que os estudos sobre globalização apresentam vastas perspectivas de interpretações e o caráter multifacetário das transformações observadas relacio- nadas com as diferentes associações entre mudanças globais e consequências locais.3 Cabe aqui esclarecer um pouco mais sobre este termo e sua relação com a perspectiva analítica aqui, resumidamente, apresentada. Este processo de mudança tem sido modificado ao longo do tempo e adquirido diferentes significados. Conforme afirma Sztompka (1995), as sociedades antigas vi- venciaram um completo mosaico de unidades sociais, que viviam frequentemente isoladas e eram extremamente diversificadas. Haviam múltiplas entidades políticas separadas, que iam desde as hordas, as tribos, os reinos, os impérios, até a forma relativamente recente de dominação, que são os Estados-Nação. Haviam economias independentes, fechadas, autárquicas, e variadas culturas indígenas que conserva- vam sua identidade única. A sociedade atual apresenta um quadro completamente diferente (SZTOMPKA, 1995, p. 111-112). Neste ínterim, houve enorme processo de mudança, cujos pontos de intersecção, contato e ruptura local estão descritos ao longo da história da humanidade. Por outro lado, Moreira descreve que: Globalização é um conceito recente e polissêmico que, mau grado o vastíssimo e sempre crescente acervo bibliográfico que lhe é dedicado, está longe de se poder considerar conso- lidado e de aceitação universal. Neste texto globalização é entendida como o resultado de um processo dialético e desigual de compressão do espaço e do tempo4 que envolve um sistema de forças muito diversificadas. Forças econômicas, sociais, políticas, ideológicas e até religiosas que, desde as últimas três décadas do século XX, vêm modelando e remodelando a divisão internacional de trabalho, favorecendo a acumulação de capital e promovendo a homogeneização dos comportamentos e dos consumos humanos ou a elas se opõem (2006, p. 17). Nesta perspectiva, no centro da globalização está o capital financeiro internacional5 que desenvolve estratégias para adaptar os padrões de acumulação a condições geoeco- nômicas e geopolíticas em mudança acelerada num ambiente econômico de cresci- mento do poder de compra de parte significativa dos países e populações mais di- retamente envolvidos pelos fenômenos acima descritos. Conforme Moreira (2006), embora a globalização tenha ambição planetária, tem sobretudo que ver com os paí- 2 No âmbito do Projeto ALFA II-0541-FA (Europe Aid Co-operation Office) – Rede de Desenvolvimento Territorial e Integração Regional (ReDeTIR). 3 Conforme Machado (2003), “a palavra globalização converte-se num termo adequado para designar de forma mais geral a uma força que atua em diferentes dimensões, superior a vontade dos atores individuais ou coletivos locais”. 4 No sentido de Giddens (1992). 5 Entendido em sentido lato como o conjunto das empresas transnacionais e as instituições financeiras com dimensão e âmbito de atuação transnacional. 14Voltar ao sumário Cláudio Machado Maia ses da tríade EUA, Europa Ocidental e Japão, deixando muitas áreas e populações mais pobres como meros sujeitos passivos ou completamente a parte das manifestações econômicas do fenômeno.Sobre esta problemática da globalização, apresenta-se aqui uma interpretação dos processos de ampliação dos mercados mundiais que deram forma à globali- zação atual e estabeleceram suas regras. Entretanto, é possível substituir o acerto político que criou este estilo de globalização, por outro (ou políticas) que oriente o aumento da integração entre as sociedades do mundo em torno dos objetivos de equidade social para solução de problemas nacionais que hoje aparecem como sem solução (MOREIRA, 2006, p. 17). Inspirado em Riella, esta reflexão, também […] busca ser un aporte a la reflexión sobre dichas políticas para alentar a que sean diseñadas con un abordaje interdisciplinario que considere el desarrollo territorial como una construcción social fortaleciendo las instituciones, las acciones colectivas, la gestión par- ticipativa y el fomento cuidadano sobre los territorios menos favorecidos por las dinámicas económicas globales (2006, p. 13). Conforme apresentado por Moreira (2006), para se entender a dimensão econômica da globalização, tal como a conhecemos na atualidade, deve-se levar em consideração os fenômenos de agency que passaram a existir pela conjugação de vários fatores. Agency entendida como o resultado da ação política em grande parte determinada por uma agenda ideológica que, também ela, resulta de fenômenos de agency6. Na gênese desse processo, de um lado assumem papel determinante certos fenômenos no âmbito do político e do ideológico os quais estão na base da hegemo- nia ideológica neoliberal, e de outro lado, estão considerações geopolíticas ligadas aos interesses da potência hegemônica.7 Conforme Moreira (2006, p. 18-19), a agenda ideológica neoliberal resulta de fenômenos de agency decorrentes da ação de influentes grupos de reflexão que, ao longo dos anos, foram capazes de desenvolver uma ação persistente de estudo teóri- co, pesquisa empírica e propaganda, revelando resultados eficientes. Tais grupos de reflexão envolvem acadêmicos de reputação, capitalistas com vocação filantrópica ideologicamente orientada, que os financiam, políticos influentes que vão desde jovens promissores até os que ocupam cargos de dirigência e que também canalizam ver- bas estatais para esses fins, ou os que se fazem ouvir pela opinião pública, ou mes- mo proprietários ou diretores de órgãos de comunicação e influentes jornalistas. Em resumo, individualidades que além de serem capazes de financiar esses grupos de reflexão (think tanks), sua influência na opinião pública os transforma em faze- dores de opinião pública (opinion makers) com presença constante nos órgãos de comunicação social, muitas vezes a eles ligados por formas contratuais ou outras. 6 Fenômenos de agency que configuram exemplos de organized agency ou o resultado de atos conscientes e deliberados em contraponto à spontaneous agency (MOREIRA, 2006, p. 18). 7 Conforme Moreira (2006, p. 18), mesmo aceitando-se a posição de Wallerstein (2001) sobre a forte diminuição do poder que vem ocorrendo desde os anos 50 do século passado, defende-se que os EUA são a potência hegemônica. A supremacia militar e o peso, determinante, dos EUA nas organizações internacionais como o Banco Mundial, o Fundo Monetário Internacional ou até mesmo a OCDE reforçam esta tese. Mesmo que necessitando do suporte das outras econo- mias desenvolvidas, os EUA, detém a liderança no centro do G7, o fórum onde acontece grande parte da política econômica internacional e o sentido da globalização acaba por ser determinado. 15 Teorias do desenvolvimento... Voltar ao sumário Em termos geopolíticos apresenta-se a posição convergente dos críticos de esquerda ao afirmarem a globalização ser uma nova roupagem do imperialismo americano, ou a posição de observadores do establishment americano, como o antigo secretário de estado americano Henry Kissinger que afirmou tratar-se de uma nova palavra para caracterizar o papel dominante da América no mundo, ou mesmo Lawrence Summers, responsável do Tesouro na administração Clinton (e atualmente no governo de Barack Obama) que afirma “a nossa ideologia, o capitalismo, está em ascensão em todo o lado”, defendendo que é do interesse para a segurança da América asse- gurar-se que todos os países seguissem o globalizador Consenso de Washington8 (LAXER, 2003, p. 138-139 apud MOREIRA, 2006, p. 19). No entanto, esta visão é bem restrita, pois mesmo que seja importante o impulso dado à globalização pelos EUA, o fenômeno não é eminentemente americano. Assim como não se aceita a ideia de que não importa a nacionalidade da origem das trans- nacionais só pelo argumento que é o capital global o dinamizador da globalização. Entretanto, numa posição intermediária, defende-se que a globalização decorre da relação dialética do capital com os diferentes estados-nação, onde aos aspectos estrutu- rais inerentes a essas relações se juntam as contingências consequentes de contextos diferenciados e dos fenômenos de agency que acabaram por se revelar determinantes para o iniciar da globalização. Outra perspectiva de análise para abordar a globalização é desenvolvida por Rodrik (2002, p. 1), naquilo que define como trilema político da economia global, descrevendo que o sistema estado-nação, políticas democráticas e integração econômica total não são compatíveis. Segundo o autor, a globalização é uma alternativa de melhoria do padrão de vida, ao mesmo tempo em que a democracia garanta que as decisões políticas possam ser tomadas pelos que são diretamente afetados por elas (ou pelos seus representantes) e não se abdicando da autodeterminação que se exprime através dos Estados-nação. E, que não é possível assegurar simultaneamente essas três con- dições, uma vez que seguir a direção de mercados globais sem governança global é insustentável. Quanto muito, para diferentes situações, assegura-se que ocorram no máximo duas destas condições (ou pólos) do trilema. Figura 1 – The political trilemma of the world economy Fonte: Rodrik (2002, p. 25). 8 Consenso de Washington que impõe aos países dependentes a receita da liberalização, da privatização e da desregulação e como corolário a exigência de equilíbrio orçamental, da chamada verdade dos preços e da recusa de subsídios estatais para os mais desfavorecidos, embora não se oponha à concessão de apoios estatais para atrair o capital global. 16Voltar ao sumário Cláudio Machado Maia Satisfazer os três polos ao mesmo tempo, levaria a uma situação extrema que mais pareceria de ficção científica.9 Situação que, por mais que sejam podero- sas as forças globalizadoras, não parece viável num horizonte temporal de médio prazo10, mostrando-se claramente incompatível com os processos democráticos correntes e com a manutenção de uma ordem mundial baseada em Estados-nação soberanos e independentes. Importa esclarecer que se a hegemonia ideológica neoliberal pode legitimamente ser considerada como condição necessária para a globalização que conhecemos, não pode ser tida como condição suficiente. Uma vez que outras condições são necessárias e levadas em consideração, tais como, condições materiais como o desenvolvimento das tecnologias de transporte, da logística e, principalmente a revolução nas tecnologias de informação (CASTELLS, 1996 apud MOREIRA, 2006, p. 20; CASTELLS, 2003).11 Ou seja, o entendimento é de que na gênese do processo de globalização interessante ao capital financeiro internacional estão as decisões políticas. Decisões que puseram em marcha um processo que inaugura uma outra fase do capitalismo mundial.12 Aspectos que apresentam mudanças tanto qualitativas quanto quantitativas no pa- norama do capitalismo mundial justificando a variada produção teórica sobre um novo conceito para delas dar conta, a globalização (MOREIRA, 2006, p. 20-21). Importa nessa gênese um processo que ao longo dos anos, a indispensabilidade da intervenção do Estado na economia, ao estilo keynesiano, não questionado desde a grande depressão, foi substituídapela retórica da recusa dessa intervenção.13 2 Uma progressiva abertura do mundo Na perspectiva de uma análise da globalização apresentada por Paulet (2009), o contexto inspirador do progresso tecnológico tem dois rostos: de um lado, a aldeia planetária que se unifica; e de outro lado, a difusão, que é muito desigual. Um modelo de mecanização agrícola europeu ou norte-americano desenvolvido para aquela realidade e que, no entanto, é adotado pela agricultura brasileira. A inter- nacionalização dos pacotes tecnológicos, a mecanização, representou uma fase da mundialização (chamada de mondialisation, pelos franceses) ou globalização (chamada de globalisation, nos países anglófonos), que só fez acentuar os mo- vimentos da população, com a desestabilização dos campos. Situação em que os 9 Numa exemplificação apresentada por Rodrik (1998, p. 1-2), vê-se: numa economia mundial completamente integrada economicamente teríamos uma situação em que o preço da mão-de- -obra seria aferida pelos salários de Shenzen (China), o preço do dinheiro seria fixado em Wall Street e a fiscalização determinada pelos padrões das ilhas Caimão. 10 Médio prazo no sentido de Keynes, para quem no longo prazo estaremos todos mortos. 11 As condições materiais acabam por determinar a rapidez e o alcance da globalização, mas só mostram efeitos práticos a partir do momento em que a situação amadurecer até um ponto em que, ao nível da ação política, os decisores governamentais, sobre pressão do capital interna- cional, conseguirem fazer passar as mudanças que criam as condições de exequibilidade do processo globalizador. 12 Fase caracterizada, entre outras, pela mudança dos modelos de organização das empresas (crise do modelo fordista e emergência do pós-fordismo); pela liberalização do comércio internacional; pelo crescimento do investimento direto no estrangeiro; pelo surgimento de um verdadeiro mercado financeiro globalizado caracterizado pela liberdade dos movimentos de capitais, bem diferente dos mercados financeiros do passado. 13 Conforme Moreira (2006, p. 24), diz-se retórica porque o capital não deixa de exigir a intervenção estatal sempre que dela necessita. Como foi amplamente documentado na resposta à crise financeira de 2007/2008. 17 Teorias do desenvolvimento... Voltar ao sumário Estados, com suas políticas, tentam limitar o êxodo, assim como os espaços rurais que sequer possuem potenciais têm poucas chances de serem repovoados. Neste contexto, duas etapas preliminares caracterizam o processo de mundialização: a internacionalização e a transnacionalização. Segundo a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), a mundialização desenvolveu-se em diversas fases. A princípio, a internacionalização corresponde à etapa mais antiga deste processo, na qual as empresas se abrem para o exterior desenvolvendo suas exportações. A internacionalização é caracterizada pelo aumento dos fluxos de exportação. Portanto, o comércio internacional é muito antigo, e o mundo da antiguidade já conhecia muitos intercâmbios. Entretanto, conforme Paulet (2009, p. 12), foi na segunda metade do século XIX que se produziu a verdadeira internacionalização do comércio, quando a Inglaterra ao adotar o livre-comércio entre 1848 e 1875, está na origem dessa diversificação geográfica dos mercados. Já, a transnacionalização, caracteriza-se pelo aumento dos investimentos e das implantações no exterior. Sobretudo depois da 2ª Guerra Mundial, a transnacionali- zação correspondeu a uma segunda etapa do processo, caracterizada pelo incremento dos investimentos diretos no exterior (as deslocalizações). Por exemplo, em 1950, estes investimentos limitavam-se aos setores agrícolas e de mineração, ou seja, as matérias-primas. E, a partir de 1960, é a indústria que atrai grande parte dos inves- timentos: as empresas se tornam, então, transnacionais ao atravessar as fronteiras graças à liberação dos intercâmbios e dos fluxos de capitais. E, à internacionalização dos mercados adiciona-se assim um fator maior: a partir da década de 1960, os países industriais mandam fabricar no exterior uma parte cada vez maior de sua produção. As últimas décadas do século XX ofereceram um contraste marcante em relação aos períodos anteriores. A palavra mundialização surgiu em 1964, mas não com o significado atual, pois via-se a época da oposição Leste-Oeste. Os termos mundialização e globalização designavam apenas territórios que se abriam para o comércio internacional. Em 1989, a destruição do muro de Berlim marcou a o início da desagregação de toda a organização geopolítica, econômica e social dos países do Leste Europeu e da URSS, que deixou de existir em 1991, onde o fato importante é a passagem de todos estes Estados para a economia de mercado. O fim da bipolaridade do planeta. Sendo assim, a terceira fase da mundialização sucede, portanto, à internacionalização e à transnacionalização. Esta etapa tem causas complexas, e as representações mentais dos habitantes da maioria dos países mal assimilam a amplitude das transformações e, em particular, das relações internacionais. Seja como for, a abertura dos mercados se torna realidade. Depois da queda do muro de Berlim, foi, sobretudo, a tecnologia que criou uma revolução das relações internacionais: seria ela o fundamento do poder geopolítico e geoeconômico?! A terceira fase desta transformação é, então na sua origem, chamada em francês de mondialisation (mundialização) e de globalisation (globalização) nos países anglófonos. Em tais condições, como diferenciar essas duas palavras, levando em consideração as ideologias que interpretam os fenômenos? Embora seja difícil construir uma explicação simples, é possível dizer que a mundialização é o crescimento da interdependência dos países e dos habitantes, 18Voltar ao sumário Cláudio Machado Maia fazendo desaparecer as fronteiras. Tal integração é simultaneamente econômica, social e cultural: o planeta seria como uma aldeia única (aldeia global) (SOUSA; CURVELLO; RUSSI, 2012). Na década de 1970, a escola neoliberal americana, sob o governo Ronald Reagan, explicava que os produtos estavam dentro deste “sistema-mundo” e que qualquer intervencionismo das organizações e das nações era inútil. Nestas condições compreende-se a ampliação do debate. A globalização designaria, sobretudo, a mundialização econômica, ou seja, os mercados de bens, de serviços, de trabalho e de capitais em escala, de todo o planeta. A liberdade no coração do sistema. A mundialização repousa, antes de tudo, sobre uma ideologia dominante e sobre uma concepção unitária do mundo: o espaço geográfico não teria rupturas nem bar- reiras. Ou, na mente da maioria dos observadores, a mundialização está associada à noção de livre comércio, de capitalismo e de liberalismo. Logo, o enfoque globalizador encontra sustento em um conjunto de perspectivas acadêmicas e de instituições internacionais que sentenciam a diluição dos espaços nacionais e seus respectivos Estados-Nação ante o avanço do processo de globaliza- ção. O quadro de interpretação geral sobre o qual se elaboram os enfoques se susten- ta na existência de um processo de globalização que relativiza os espaços nacionais a partir do crescimento nos fluxos de comércio, bens e serviços e a internacionaliza- ção da produção através de redes que operam globalmente, assim como o destacado processo de integração e expansão dos mercados financeiros. Agora, frente a este contundente (e hegemônico) planejamento, tem surgido uma corrente de aportes acadêmicos (e de agências internacionais) que tem reafirmado o papel estratégico (e inclusive determinante) que cumpre os espaços (regionais) nacionais, no sentido de preservação das especificidades nacionais na configuração das variedades de capitalismo (RODRIK, 1998). 3 A participação social, a governança e o desenvolvimento (regional) Logo, refletir sobre globalização e políticas públicas no âmbito de um processode desenvolvimento nos remete às práticas participativas da sociedade civil vis-a-vis a problemática e as políticas de promoção do desenvolvimento. Conforme Bandeira (1999), a participação da sociedade civil guarda especificidades em âmbito tanto territorial quanto temático. Em âmbito territorial, tais práticas participativas referem-se a espaços sub-regionais, ou seja, espaços intermediários entre o estado e o município, em que não se encontram instâncias político-administrativas correspondentes. Em âmbito temático, buscam promover não a implementação de ações específicas ou setorialmente bem delimitadas, mas, ao contrário, a articulação social em caráter permanente, visando influenciar o processo de tomada de decisões públicas que se refiram ao desenvolvimento regional (BANDEIRA, 1999, p. 4). Nos últimos anos, as principais instituições internacionais14 de promoção e finan- ciamento do desenvolvimento têm incorporado práticas participativas às suas rotinas operacionais. No Brasil, cada vez mais é aceita a ideia de que é necessário criar meca- 14 Banco Mundial, Bando Interamericano de Desenvolvimento (BID), United Nations Development Programme (UNDP). 19 Teorias do desenvolvimento... Voltar ao sumário nismos que possibilitem participação mais efetiva e direta da comunidade na for- mulação, no detalhamento e na implementação das políticas públicas. Enfoque que, em parte, é fruto do processo de democratização do país, e por outro lado, se deve a uma nova abordagem que tem predominado no contexto internacional. Para Bandeira (1999, p. 7), o estabelecimento de mecanismos sólidos de participação nesse nível geográfico exige esforço prévio de construção institucional que leve ao sur- gimento e à consolidação de organizações que se dediquem em caráter permanente a conscientizar a comunidade sobre a natureza dos problemas regionais, buscando, simultaneamente, envolvê-la na formulação e na implementação de ações voltadas para a superação desses problemas. Aí, surge espaço para ressuscitar a região, não somente econômica mais socialmente construída, onde o sistema capitalista recupera (ou quem sabe, se apropria) o espaço para o diferente, o diverso, o plural, o heterogêneo, numa construção que onde diversificar, diferenciar e pluralizar transformaram-se em pressupostos e objetivos viabilizado- res de inserções diferenciadas e diferenciadoras, logo, alternativas das múltiplas re- giões no processo de desenvolvimento global. Onde as histórias locais, as tradições, os desejos e fantasias localizados, possuem espaço para colocar em concorrência as múltiplas regiões. Ou, lembrando Gil (2002, p. 65) onde região pode ser entendida como um cenário para interação social, o qual desempenha um papel fundamen- tal na produção e reprodução das relações sociais. Abordagem que emerge do fato de o espaço, suas dimensões simbólicas e ideológicas e suas bases materiais serem construtos sociais e culturais.15 4 Considerações finais Logo, se para Rodrik (2002), a globalização é uma alternativa de melhoria do padrão de vida, ao mesmo tempo em que a democracia garanta que as decisões políticas possam ser tomadas pelos que são diretamente afetados por elas (ou pelos seus re- presentantes) e não se abdicando da autodeterminação que se exprime através dos Estados-nação. E, seja, o entendimento de que na gênese do processo de globalização interessante ao capital financeiro internacional estão as decisões políticas. Também, é interessante observar que importa nessa gênese um processo que ao longo dos anos leva à indispensabilidade da intervenção do Estado na economia, ao estilo keynesiano. Ainda, considerando os enfoques que sustentam a existência de um processo de globalização que relativiza os espaços nacionais a partir do crescimento nos fluxos de comércio, bens e serviços e a internacionalização da produção através de redes que operam globalmente, caracterizando-se num destacado processo de integração e expansão dos mercados financeiros. Frente a este contundente (e hegemônico) planejamento, tem surgido uma corrente de aportes acadêmicos (e de agências internacionais) que tem reafirmado o papel estratégico (e inclusive determinante) que cumpre os espaços (regionais) nacionais, no sentido de preservação das especificidades nacionais na configuração das varie- dades de capitalismo (RODRIK, 1998). Observando-se uma renovada importância do local e uma tendência para estimular culturas regionais. O regional, o desen- volvimento regional passa a incorporar a articulação de agentes oriundos dos mais 15 Ao que muitos autores enfatizam ao desenvolver interpretações sobre capital social. 20Voltar ao sumário Cláudio Machado Maia variados segmentos da sociedade civil. O regional remetendo à compreensão de busca de autonomia, sobretudo, porque requer considerar aspectos relacionados às demandas sociais, desafios, negociação com instâncias governamentais em busca de um espaço (mercado) a partir de políticas públicas. Como aponta Becker (2002, p. 35), fica-se surpreso quando alguns autores afirmam que é em função de seu histórico de valores culturais acumulados regionalmente, ou do “capital social” existente, que algumas regiões conseguem responder positiva e ativamente aos desafios regionais da globalização contemporânea construindo seus próprios modelos de desenvolvimento. Para tanto tais regiões, conseguem desen- volver suas potencialidades e aproveitar as oportunidades decorrentes da dinâmica global de desenvolvimento. Ao combinarem eficientemente o desenvolvimento de suas potencialidades locais com o aproveitamento eficaz das oportunidades globais oferecidas pelo processo de desenvolvimento contemporâneo, constituindo uma di- nâmica própria regional. Algo que só é possível, abrindo caminho para a crescente participação social no processo de decisão e construção regional e garantindo a adaptação rápida às constantes mudanças provenientes do dinamismo global do desenvolvimento contemporâneo. Assim, distintos processos de desenvolvimento regional passam a depender direta- mente das diferentes dinâmicas de envolvimento social das comunidades. O que remete às considerações de Becker (2002, p. 36, 40), [...] uma antiga tese de que o desenvolvimento não é a causa, mas a consequência da democracia (TOURAINE, 1996) e esta, por sua vez, é resultado da organização social. Em consequência, e conforme afirma Bobbio (1991), uma sociedade organizada é uma sociedade mais democrática, ao que emenda de imediato Touraine, uma sociedade mais democrática é uma sociedade muito mais desenvolvida (BECKER, 2002, p. 40). Portanto, hipoteticamente, “as diferentes dinâmicas de desenvolvimento regional dependem de uma crescente organização social das comunidades regionais. E uma crescente organização social equivale diretamente a um melhor envolvimento polí- tico nas decisões e definições dos rumos do desenvolvimento regional. Da mesma forma, uma melhor participação política leva, consequentemente, a um maior desenvolvimento econômico das comunidades regionais” (BECKER, 2002, p. 40). Referências BANDEIRA, Pedro S. Participação, articulação de atores e desenvolvimento regional. IPEA. Textos para discussão, n. 630, fev. 1999. BECKER, Dizimar Fermiano. A economia política do (des)envolvimento regional. Redes. v. 7, n. 3. p. 35-59, set./dez. 2002. CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede. Trad. Roneide Venâncio Majer. 7. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2003. [A Era da Informação: economia, sociedade e cultura; v. 1]. GIDDENS, Anthony. As conseqüências da Modernidade. Oeiras: Celta Editora, 1992. MACHADO, Jorge Alberto. La Globalização (des)Controlada: crisis globales, desajustes econômicos e impactos locales. São Paulo: Tendenz, 2003. 300 p. MOREIRA, Manuel Belo. Globalização econômica: gênese e reflexões prospectivas. In: RIELLA, Alberto (Org.). Globalizacion, Desarrollo y Territorios Menos Favorecidos. Montevideo: Rosgal S.A., 2006. 21 Teorias do desenvolvimento... Voltar aosumário PAULET, Jean-Pierre. A mundialização. Trad. Celina Portocarrero. Rio de Janeiro: FGV, 2009. RIELLA, Alberto (Org.). Globalizacion, Desarrollo y Territorios Menos Favorecidos. Montevideo: Rosgal S.A., 2006. RODRIK, Dani. Feasible globalizations. Harvard University, 2002. Disponível em: <http://ksghome. harvard.edu/~drodrik/Feasglob.pdf>. Acesso em: 20 out. 2009. RODRIK, Dani. Symposium on Globalization in Perspective: an Introduction. The Journal of Economic Perspectives. v. 12, n. 4, p. 3-8, autumn, 1998. SOUSA, Janara; CURVELLO, João José; RUSSI, Pedro (Orgs.). 100 anos de McLuhan. Brasília/DF: Casa das Musas, 2012. SZTOMPKA, Piotr. Sociologia del Cambio Social. Madrid: Alianza, 1995. WALLERSTEIN, Immanuel. America and the World: The Twin Towers as Metaphor. Charles R. Lawrence ll Memorial Lecture. Brooklyn College, dec. 5, 2001. Disponível em: <http://essays.ssrc. org/sept11/essays/wallerstein_text_only.htm>. Acesso em: 18 fev. 2012. http://ksghome.harvard.edu/~drodrik/Feasglob.pdf http://ksghome.harvard.edu/~drodrik/Feasglob.pdf http://essays.ssrc.org/sept11/essays/wallerstein_text_only.htm http://essays.ssrc.org/sept11/essays/wallerstein_text_only.htm 22 POLÍTICAS SOCIAIS E DESENVOLVIMENTO: DESAFIOS À ORGANIZAÇÃO E GESTÃO TERRITORIAL Mariangela Belfiore Wanderley 1 Introdução Desde as últimas décadas do século passado, o mundo contemporâneo vive uma crise global, exacerbada em 2008, basicamente pela crise do capital financeiro, a qual coloca em cheque nossas propostas desenvolvimentistas e nossas utopias transformadoras. São de conhecimento amplo as inúmeras análises feitas sobre o “triunfo do neoliberalismo” que ocasionou mudanças nas sociedades contemporâneas, com im- pactos diferenciados, consideradas as realidades de cada país, quais sejam: a restru- turação produtiva, a crise do fordismo, a financeirização da economia, a acumulação flexível, para citar algumas delas. Vivemos, desde então, sob [...] o signo de uma nova ética capitalista de regulação social, que condena a proteção pú- blica como direito devido do Estado, as políticas sociais enredaram-se na engrenagem da competitividade capitalista mundial, que têm como linha mestra as regras antissociais do mercado (PEREIRA, 2012, p. 731). As políticas sociais universais decorrentes da afirmação e reconhecimento do direito do cidadão de acesso universal aos bens e serviços, foram sendo substituí- das por políticas focalizadas, rompendo-se com o marco civilizatório que vinha se consolidando, mesmo em países que ainda não tinham alcançado um real estado de bem estar social. Assiste-se, pois, a um verdadeiro desmonte dos direitos sociais, civis e políticos. De modo a enfrentar as consequências do novo regime de acumulação capitalista, políticas de ajuste impuseram-se, repercutindo na qualidade de vida das populações e violando seus direitos historicamente adquiridos. Lavinas (2012) analisa o que ocorreu: essa “janela de oportunidade” vem no bojo da crise, cujos impactos dramáticos nos orçamentos públicos das economias desen- volvidas ameaçam de imediato os sistemas de proteção social vigentes - que perdem efetividade para contrabalançar tamanha perda de bem-estar em tão grande escala. Assim, a profunda crise por que passa o capitalismo questiona modelos implan- tados em países desenvolvidos, nos chamados “trinta anos gloriosos”, período que vai do fim da Segunda Guerra Mundial até meados dos anos 1970, quando o ca- pitalismo industrial promoveu uma gestão regulada das desigualdades, que passa- ram a ser o coração da questão social. Predominavam, então, as regulações coletivas pilotadas pelo Estado. O coletivo era um alicerce fundamental da proteção social. 23 Políticas sociais e Desenvolvimento... Voltar ao sumário Especialmente pela mediação das políticas sociais, o Estado era o principal provedor e garantidor do bem estar social. Sem ter um modelo único, os países capitalistas centrais implantaram seus “Estados de Bem Estar Social” ou ‘Estados Sociais”, que veem sendo corroídos pela regulação social especialmente nas últimas décadas. Ve- mos, então, desmoronar a sociedade salarial (CASTEL, 1998), fundada sobre o pleno emprego, colocando em xeque a universalização dos direitos sociais. Reconfigura- ções profundas (CASTEL, 2009) se processam - na organização do trabalho (indivi- dualização das tarefas, adaptabilidade, responsabilização dos operadores (pois, a ex- pressão trabalhador está fora de moda), - nas trajetórias profissionais, uma vez que cada trabalhador é responsável por seu percurso profissional e as carreiras passam a ser descontínuas e deixam de estar inscritas em regulações coletivas (desregulamen- tação das profissões). Estamos cada vez mais numa sociedade de indivíduos (ELIAS, 1991) que valoriza a capacidade de cada um agir como ator social responsável e au- tossuficiente. Acentua-se a lógica mercantil no campo social e a extensão do apelo à responsabilidade individual: é o triunfo do princípio da individualização. Assistimos, em consequência, a escalada das desigualdades, iniciada nos anos 1970 ou 1980, fruto do processo de desconstrução desta arquitetura econômica e política que serviu de sustentação aos anos dourados do capitalismo. Como sabemos a desigualdade é inerente ao capitalismo, está no seu DNA.1 Nesse contexto, rapidamente descrito, expandiram-se, como já dissemos, as Políticas Sociais focalizadas, não universalizantes, enfatizando-se, por exemplo, os programas de transferência de recursos monetários para que grupos extremamente pobres administrem seus riscos. A transferência de renda objetiva, igualmente, a disseminação de relações monetárias visando expandir mercados através de um piso de sobrevivência, o que o pensamento conservador sempre reconheceu como necessário (BARR, 2004 apud LAVINAS, 2012). Por outro lado, o Estado desonera-se, tam- bém, de suas responsabilidades, descomprometendo os cofres públicos, deixando-se substituir em grande parte pelo mercado. Trata-se de uma nova configuração da Proteção Social, que se pretende universal e não só para os países pobres, denominada Piso de Proteção Social, conforme Lavi- nas (2012) explica, que objetiva estabelecer um mínimo para todos, a partir de um conjunto de provisões, de modo a prevenir ou aliviar a pobreza, a vulnerabilidade e a exclusão social. Como sabemos, essa concepção de proteção social e das políticas públicas focali- zadas dela decorrentes, desconhece as verdadeiras razões estruturais que engendram as desigualdades de toda as ordens, como analisa Yazbek (2012, p. 2), A questão social, constitutiva da sociedade capitalista amplia seu fosso de desigualdade e injustiça, assumindo novas configurações e expressões em um mundo globalizado pelo ca- pital financeiro, pelos interesses das grandes corporações, das mídias, do conhecimento planetarizado, saturado, e a serviço de minorias. O padrão de desenvolvimento da proteção social brasileira, embora tenha suas particularidades, não pode ser descolado da situação global que o engendrou. Como é amplamente sabido, o Brasil nunca viveu um Estado de Bem Estar Social em sua com- pletude. Embora com peculiaridades, o capitalismo brasileiro também curvou-se aos 1 Sobre a escalada das desigualdades sociais após os anos dourados ver DIEESE, O avanço das desigualdades nos países desenvolvidos: lições para o Brasil, Nota Técnica, no. 18, julho 2014. 24Voltar ao sumário Mariangela Belfiore Wanderley ditames do neoliberalismo com consequências profundas no desenho e implantação da política social brasileira nos anos mais recentes. Mesmo reconhecendo os avanços inegáveis que têm ocorrido no Brasil, somos ainda um país de desproteções e de históricas e crônicas desigualdades, resultado de projetos em disputa presentes na sociedade brasileira. Projetos esses que são coleti- vos, estruturados por escolhas que expressam e produzem significados que integram matrizes culturais mais amplas (DAGNINO et al., 2006, p. 38-40)e que, contradi- toriamente, convivem, inclusive no interior dos próprios governos. Predominam na cultura brasileira valores individualistas e de consumo, com a afirmação do merca- do como principal provedor de bens coletivos. Ora, a política social deve afiançar e concretizar direitos, não mercadorias. Desta forma o social perde seu significado de direitos universais de cidadania, conforme concebido na Constituição Federal de 1988, a serem assegurados por um Estado democrático2 (FLEURY, 2013). Temos aqui uma questão essencialmente política3, que reflete claramente uma determinada concepção de desenvolvimento para o país. Afirma Fleury (2013, p. 3) Essa disputa de significados sobre a qualificação do social é ideológica, mas também político-institucional [...] Do ponto de vista político-ideológico a disputa foi claramente favorável às políticas focalizadas, que ganham espaço na mídia como as principais responsáveis pela atual reestratificação social que culminou com ampliação da classe média. Em vez da noção de direitos como articuladora das relações e das normas que orientam as políticas, o que qualifica o social, nesse caso, é a capacidade de consumo dessa nova classe emergente.4 Não é demais reafirmar a importância do papel mediador do Estado, como administrador da crise, por meio das políticas sociais. Ressalte-se, no entanto, seu papel contraditório, pois, se por um lado, as políticas sociais representam conquis- tas históricas da sociedade, dos movimentos sociais, de outro, têm se constituído em respostas setorizadas, fragmentadas face a manifestações da questão social, não tocando na raiz estrutural dela geradora. Enfrentar a questão social com políticas focalizadas não é um caminho viável e sustentável. O que se tem visto, então, nas últimas décadas, especialmente neste milênio, conforme já mencionado, é o enfrentamento da pobreza, e da miséria (pobreza extrema) pela via do consumo, como fosse esta uma questão acidental. Pobreza e desigualdades têm tido um tratamento desvinculado da sociedade como um todo, ou seja, desconhecendo-se os condicionantes estruturais da pobreza, como afirma Yazbek (2012, p. 289), 2 Sonia Fleury, em seu citado artigo, afirma de forma contundente que está havendo uma transmutação regressiva e conservadora do social, o que vem afastando cada vez mais a nossa possibilidade de construção um país democrático, corporificado na Constituição Federal de 1988. 3 Há um debate atual e polêmico em nosso país sobre o modelo de desenvolvimento predominante desde a ascensão do neoliberalismo. Há autores que consideram que vivemos uma nova fase de desenvolvimento capitalista iniciada nos governos FHC e aprofundada nos governos do PT – designado como novo desenvolvimentismo ou nacional desenvolvimentismo. Ver, dentre outros, artigos sobre esta temática publicados na Revista Serviço Social & Sociedade, nº. 112, out./dez. 2012 4 A ampliação da classe média brasileira é outra questão bastante polêmica. Para tomarmos apenas dois autores como exemplo, temos Marcelo Neri (A nova classe média. SP: Saraiva, 2011) que defende a existência de uma nova classe média, em nosso país, fruto da combinação do cres- cimento com a equidade, e Marcio Pochmann (A nova classe média? SP: Boitempo, 2012) que discorda da emergência de uma nova classe – muito menos de uma classe média. 25 Políticas sociais e Desenvolvimento... Voltar ao sumário A pobreza como expressão direta das relações vigentes na sociedade, localiza-se no âmbito das relações constitutivas de um padrão de desenvolvimento capitalista, extre- mamente desigual, em que convivem acumulação e miséria. Os “pobres” são produtos dessas relações que produzem e reproduzem a desigualdade no plano social, político, econômico e cultural, definindo para eles um lugar na sociedade [...] onde são desqua- lificados por suas crenças, seu modo de se expressar [...] qualidades negativas e inde- sejáveis que lhes são conferidas por sua procedência de classe, por sua condição social. Assim concebida, a pobreza5 é multidimensional e não apenas ausência de renda, o que exige enfrentá-la na sua totalidade. Cabe, no entanto, deixar claro que a garantia de renda é um direito de todo cidadão. Em artigo denominado Utopias desenvolvimentistas e política social no Brasil, Potyara Pereira (2012) aponta algumas características da política social na con- temporaneidade, presentes não exclusivamente na Política Social brasileira. Sob o domínio do neoliberalismo algumas ortodoxias ideológicas e moralistas (DEAN, 2006) foram construídas. Uma delas é a autorresponsabilização dos pobres, ou seja, eles devem ser responsáveis pelas suas necessidades sociais ou, quando recebem auxílios do Estado, devem dar algo em troca (daí, as contrapartidas). Uma conse- quência disto é a focalização da política social na extrema pobreza e nas políticas de ativação que incitam os trabalhadores a estarem disponíveis para o mercado de trabalho, geralmente em empregos e condições precarizadas. Como pertinência, a autora analisa que essas são manifestações de um continuo e crescente esvaziamento do padrão capitalista de Estado social como direito, em favor do padrão capitalista de Estado neoliberal meritocrático, laborista ou do que a literatura especializada vem chamando de transição do Welfare State para o Workfare State6, laborista (2012, p. 738). Essa ética de “auto proteção social”, continua a autora, produz consequências dentre as quais se destaca a focalização da política social na extrema pobreza, o que pode ser exemplificado, no caso brasileiro pelo Programa Brasil Sem Miséria, do Governo Federal, ultra focalizado em famílias abaixo da linha da pobreza7. Essa parcela da população é sem dúvida credora de uma dívida social que só fez aumentar nos mais de cinco séculos da história brasileira. A representação do pobre como não cidadão é naturalizada na cultura brasileira. Parcelas dominantes da socie- dade e seus governos fizeram escolhas por premissas, muitas delas equivocadas, como 5 Sobre essa questão ver: WANDERLEY, M. B.; ARREGUI C.C. A vulnerabilidade social é atributo da pobreza? Serviço Social e Sociedade, v. 97, p. 143-165, 2009. WANDERLEY, M. B.; ARREGUI C.C. Gestão Pública e Pobreza: um estudo de família chefiadas por mulheres. Sawaya. In: A.L. et al. (Orgs.) Desnutrição, Pobreza e Sofrimento Psíquico. São Paulo: EDUSP, 2011. 6 Workfare State (bem estar em troca de trabalho) e Welfare State (bem estar como direito incondicional). 7 O Brasil nunca explicitou oficialmente uma linha de pobreza. No entanto, para fins político- -administrativos de gestão de programas sociais, estabeleceu a linha oficial de extrema pobreza no País em R$ 70 per capita/mês, com base em conceito do Banco Mundial que define como mise- rável quem vive com menos de US$ 1,25 por dia. Em 2011, a presidente Dilma Rousseff anunciou a ampliação das transferências de renda às famílias mais pobres que constam do Cadastro Único do governo. Com a mudança, os mais pobres passariam receber repasse complementar para que a renda per capita de suas famílias alcance ao menos R$ 70 ao mês – patamar abaixo do qual são consideradas extremamente pobres pelo governo. A alteração, segundo o governo, criaria condições de que 2,5 milhões de brasileiros se somem a 22 milhões de beneficiários do Bolsa Família que ultrapassaram a linha da pobreza extrema nos últimos dois anos. Os números atuais referentes ao Programa Bolsa Família indicam que praticamente ¼ da população brasileira par- ticipa do Programa, ou seja, aproximadamente 11 milhões de famílias ou 45 milhões de pessoas. 26Voltar ao sumário Mariangela Belfiore Wanderley por exemplo, de que o atendimento das necessidades básicas dos diferentes grupos sociais se faria como um “subproduto”, uma consequência do crescimento econômico ou, ainda, de que o mercado é o principal agente do bem-estar da população. Esse tipo de escolha política é acompanhada da necessidade de inserção da populaçãono mercado de trabalho, ou seja, a ativação dos demandantes da proteção social para o trabalho (PEREIRA, 2012). Porém, quais são os postos de trabalho possí- veis para uma população que tem déficits históricos de educação, saúde, condições de moradia, etc.? O mercado de trabalho está cada vez mais exigente de qualificação. Ora, essa inserção laboral é, no mais das vezes, precária e resultante das condicionalidades da própria política social. Seria esta uma estratégia de efetivação de direitos sociais? A lógica implícita nessas estratégias de enfrentamento da pobreza é a lógica do mercado, considerando o pobre, não só como consumidor, mas também como “em- preendedor”, questão esta bastante polêmica. O empreendedorismo8 envolve dife- rentes atores como o poder público, os bancos, as organizações não governamentais e cria normas, explicitas ou não, de conversão do pobre em consumidor, o que exige disciplina e controle. É necessário, pois, penetrar na lógica do mercado que acaba por definir quem entra e quem sai nesse jogo do capital. Quem fica fora acaba cain- do na invisibilidade. Com isso, se fortalece a ideia, e o estimulo decorrente, de que a inclusão se faz via trabalho, consumo e crédito. Os serviços de saúde, educação devem ser acessados via mercado, baseados na falsa premissa de que “os que podem pagar é justo que o façam, num contexto em que os gastos do estado devem ser di- recionados, em última instância, para o fomento ao chamado setor produtivo, rumo ao desenvolvimento” (FALLEIROS, 2012). Na crítica desta concepção, a autora con- clama, com veemência, os pensadores, políticos e militantes defensores de políticas universalistas, a mobilizarem com urgência o debate sobre a mercantilização das políticas sociais, na disputa por um projeto societário que enfrente as injustiças e as desigualdades e contribua na rearticulação das forças publicizantes, com vista a superação dessa concepção mercantilista. Vera Telles, em Seminário9 realizado na PUC-SP, em 2012, apresentou interessante análise do que ela chamou de um fenômeno novo: a celebração da pobreza como vir- tude e mercado, lembrando que esse não é apenas uma concepção brasileira mas tem perpassado o “sul global”, num entendimento de que a pobreza é fonte de expansão do capital, daí a ênfase em programas de microcréditos, por meio da criação de bancos populares, empreendedorismo, etc. Com isso, vai se conformando uma nova forma de subjetivação da pobreza e do pobre como empreendedor, diferente da subjetivação do cidadão de direitos. Nas escolhas políticas feitas no Governo Lula, não se pode deixar de ressaltar um importante avanço: o aumento real do salário mínimo10 dos trabalhadores for- 8 O governo Lula, com o objetivo de enfrentar a informalidade do trabalho de grande número de brasileiros, incentivou a expansão de micro e pequenas empresas (Programa Simples 2007 2 - Lei do Microempreendedor Individual – MEI (2008), além de programas de financiamento e de economia solidária. 9 Seminário: Territórios e suas abordagens no âmbito da pesquisa. Mesa: Território Singular e Plural. Promoção do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Seguridade Social, coordenado pela Profa. Dra. Aldaiza Sposati – Missão Capes Cofecub – agosto de 2012. 10 O Relatório Global sobre os Salários 2012/13, da Organização Mundial do Trabalho (OIT), informa que a média anual de crescimento do salário real no Brasil superou a média mundial entre 2009 e 2011.No mundo, os salários cresceram 1,3% em 2009; 2,1% em 2010 e 1,2% em 2011. No Brasil, os níveis atingiram quase o dobro: 3,2% em 2009, ano da crise; chegando ao ápice em 2010, com 3,8%; e 2,7%, em 2011. 2011.No 27 Políticas sociais e Desenvolvimento... Voltar ao sumário mais, que tem tido continuidade na gestão Dilma. Aliado à retomada do crescimen- to, estes fatores contribuíram não só para o crescimento do nível de emprego e sua formalização, como para o sucesso da atuação positiva dos sindicatos nas negocia- ções coletivas, fazendo crescer o salário médio em mais de 17% em termos reais, no período de 2003-2010 (PAULANI, 2012). As alterações no mercado de trabalho são, de longe, as mais importantes na queda da desigualdade, sendo este o fator responsável por 60% dessa redução. Portanto, são esses dois fatores em conjunto – aumento real do salário mínimo e retomada do crescimen- to – os verdadeiros responsáveis pela queda verificada no índice de Gini11, cabendo ao Bolsa Família um papel apenas subsidiário. E qual é a natureza desses dois fatores? O mínimo que é preciso admitir é que nem um nem outro tem qualquer parentesco com as políticas sociais focalizadas que tanto combinam com o receituário neoliberal. Conclui-se destas análises que os fatores econômicos – crescimento e mercado - têm sido os principais vetores de enfrentamento da pobreza e não propriamente as políticas sociais. E, ainda, que a desigualdade social tem se movido muito timidamente. Sedimenta-se, em nosso país, a percepção que a política social adequada é aquela que possibilita a retirada de parcelas da população da pobreza extrema. Principal- mente, pela transferência de renda, possibilitando seu acesso, ainda que precário, ao consumo. Cuida-se que os valores transferidos sejam mínimos, de modo a não desestimular a inserção no trabalho. E, ainda, tais medidas resultam na ampliação do mercado de consumo. Dissemina-se a falsa ideia de que são as políticas sociais focalizadas, especialmente a transferência de renda, as responsáveis pelas mudanças que se processam na reali- dade brasileira. Políticas sociais focalizadas, como amplamente exposto, não são garantidoras de direitos para todos cidadãos e nem afiançam sua sustentabilidade. A inserção precarizada no mercado de trabalho não é garantia dos direitos da po- pulação. Ao invés de ter garantidos os seus direitos de cidadania, pelo Estado, com serviços públicos de qualidade, a população vê-se obrigada a buscar respostas para as suas necessidades no mercado, pelo consumo de bens e serviços, cuja qualidade nem sempre é óbvia. Estamos diante do que Pereira (2012) analisa como monetari- zação da política social que aponta, inclusive, como um efeito secundário dela, para a transformação desse tipo de consumidor em portador de cartão de crédito, que não raro se enreda num sistema de dívidas impagáveis. É importante esclarecer, no entanto, que os programas de transferência de renda que se disseminaram pelo mundo todo, ao focalizarem na extrema pobreza, ali- viam as situações também extremas de miserabilidade, e, portanto, são necessários. Porém, não podem ser a única estratégia, como temos visto acontecer em muitos países que acabam sendo celebrados pelas agências internacionais como tendo encontrado a solução eficaz para o enfrentamento da pobreza. O real enfrentamento da pobreza e da desigualdade social dependem sim do enfrentamento de questões estruturais e da opção pelo modelo de desenvolvimento que se quer para o país, no seio do qual a proteção social pública é dever o Estado e direito inalienável de todo cidadão. 11 O Índice de Gini que mede o grau de desigualdade na distribuição da renda domiciliar per capita entre os indivíduos apresentou queda representativa, ainda que pequena: passou de 0, 544 (2008) para 0, 519 (2012). 28Voltar ao sumário Mariangela Belfiore Wanderley Estado e a Sociedade Civil são atores fundamentais na construção de uma nação democrática, responsável por seus cidadãos, sem distinção, tanto no plano nacional como internacional, fortalecendo o que alguns autores denominam de globalização contra-hegemônica. As manifestações populares que ocuparam as ruas em 2013, são reveladoras de uma crise da cidadania social percebida pela mercantilização e pelas lacunas das políticas sociais universais e urbanas, que atinge feições críticas principalmente nas grandes metrópoles (MARICATO, 2013). Conforme Fagnani (2014, p. 4), a insatisfação popular está sinalizando que os avanços recém-conquistados na inclusãode parcela significativa da população ao mercado de consumo, apesar de positivos, não são suficientes. Os protestos apontam que é preciso ir além e promover a inclusão pela cidadania; pedem direitos e não mercadoria; exigem serviços públicos de qualidade e não serviços regidos pelo lucro. Ao exigir qualidade dos serviços públicos, os cidadãos brasileiros expressam o desejo de um outro tipo de desenvolvimento para o Brasil, que não seja subjugado às dimensões econômica e de mercado. Politicas focalizadas não são suficientes para se alcançar o bem-estar. Ao mesmo tempo, as manifestações populares reforçam a visão de que o desenvolvimento requer os mesmos valores do Estado de Bem-Es- tar Social que foram formalmente inscritos na Carta de 1988, oficializando assim as políticas sociais e os serviços sociais básicos como direitos. Uma sociedade de democrática, portanto igualitária e justa, requer a universalização da cidadania e a desmercantilização das políticas sociais, que no seu papel de redistribuidoras de renda e bens socialmente produzidos são fundamentais para a equidade social. Os protestos de 2013 recolocaram o conflito distributivo no centro do debate nacional (FAGNANI, 2014, p. 4). 2 Gestão das políticas sociais: sentidos e desafios Para a reflexão deste segundo ponto, iniciamos apresentando nosso entendimento sobre gestão de políticas públicas. Temos trabalhado com o conceito de gestão social. Concebendo, prioritariamente, a política pública como a ação desenvolvida pelo Estado, seu regulador, a gestão social é compreendida como a gestão das ações pú- blicas. Não se confunde, não se resume e nem é sinônimo de gerenciamento (em- bora este seja um de seus aspectos constitutivos). Assim, é preciso contextualizar o entendimento sobre concepções de gestão social, no cenário das profundas mudanças ocorridas nas últimas décadas na sociedade brasileira, já expostas anteriormente. Após a promulgação da Constituição Federal, em 1988, a afirmação dos direitos dos cidadãos trouxe mudanças na política e, consequentemente, na sua gestão, exi- gindo da gestão pública, novos arranjos institucionais e organizacionais na coorde- nação e condução de ações articuladas em redes multinstitucionais e intersetoriais (BRANT DE CARVALHO, 2013, p. 48). Ora, para que isso possa se dar efetivamente, a participação dos atores implicados na gestão social é fundamental. Estado e sociedade devem partilhar democratica- mente o espaço público, sem esquecer, como já mencionado, que na arena pública estão em disputa os projetos societários e os projetos ético-políticos dos atores en- 29 Políticas sociais e Desenvolvimento... Voltar ao sumário volvidos (Estado com seus órgãos e organismos governamentais e seu corpo técnico; a sociedade civil, os movimentos sociais, as organizações não governamentais, o terceiro setor, as igrejas, as famílias, o cidadão; a mídia; o mercado, as organizações privadas e os partidos políticos). Cabe, portanto, ao Estado assumir seu papel de regulador e à sociedade exercer o controle social na garantia do acesso, da qualida- de da prestação de serviços e da garantia dos direitos dos cidadãos. Da participação desses sujeitos depende a governança, ou seja, a capacidade mais alargada de gestão das políticas de governo e do controle de seus efeitos (LESSA, 2013, p. 426). Partindo-se da premissa de que as políticas públicas são o Estado em ação, a governança é imprescindível para o se possa atingir a qualidade de vida e bem estar de todos os cidadãos. É nesse contexto que se insere a gestão social, como afirma Brant Carvalho A Gestão Social refere-se fundamentalmente à governança das políticas e programas sociais públicos; intervém na qualidade de bem estar ofertada pela nação; na cultura política impregnada no fazer social; nas prioridades inscritas na agenda pública; nos processos de tomada de decisão e implantação de políticas e programas sociais; nos processos de adesão dos sujeitos implicados. Guarda, (assim) um caráter retotalizador no conjunto das variáveis, constrangimentos, oportunidades, processos e projetos políticos que dão direção e forma à gestão das ações sociais públicas (2013, p. 43, grifos nossos). Em recente artigo publicado no periódico Serviço Social em Revista (2013), discutimos os sentidos de social e de público, conceitos que estão umbilicalmente vin- culados. Retomamos aqui alguns aspectos que julgamos fundamentais nesta reflexão. A primeira ideia a reter é que o social é objeto das políticas sociais, o que pode parecer óbvio, mas que faz toda a diferença na concepção aqui abordada. Portanto, não é sinônimo de favor, ajuda, compaixão, assistencialismo, benemerência, carida- de. O social não é apenas reparador de destruições e destituições, sejam elas de que natureza forem! O social envolve as relações sociais de cada sociedade e, no campo especifico do econômico e do político, a relação entre capital e trabalho. Expressa dimensão do coletivo, do público, das relações sociais direcionados na perspectiva dos direitos, que é a finalidade da gestão social. Ao se falar em gestão da política social se está afirmando os direitos sociais e o reconhecimento da cidadania como seus fundamentos (OFFREDI, 2013). O social que adjetiva a gestão, é objeto da gestão social que, por sua vez, tem finalidade pública. E, assim sendo, o sentido de público é dado por atributos como: universalidade, transparência ou visibilidade social, controle social, cultura cívica e sustentabilidade (WANDERLEY, 2013). Portanto, nunca é demais perguntar: as políticas sociais que se operacionalizam por ações públicas estão a serviço de quem e do que? Da qualidade de vida das populações? Do acesso universal e da garantia de direitos? Da equidade? Da distribuição e redistribuição dos bens e riquezas so- cialmente produzidos, materiais e imateriais? São transparentes? Acolhem em seus desenhos a participação democrática e o controle social? A gestão das políticas sociais está, portanto, fundada na lógica da cidadania e dos direitos. A arquitetura contemporânea das Políticas Públicas põe novos desafios à gestão. É um processo democraticamente partilhado por diferentes atores envol- vidos na ação pública, o que implica em disputas, em constantes movimentos de conflito e cooperação. 30Voltar ao sumário Mariangela Belfiore Wanderley Para que possamos dialogar sobre os diferentes desafios postos à gestão das políticas públicas, passamos a salientar alguns deles. O desenho de grande parte das políticas sociais tem sua matriz calcada na família e no território, o que vai exigir novas respostas e estratégias. O primeiro desafio a ser destacado é o da interdisciplinaridade12. Cada vez mais as equipes são multiprofis- sionais. Se tomarmos como exemplo a Política Nacional de Assistência Social, vere- mos que são múltiplas as formações dos trabalhadores do SUAS. A complexidade das demandas implica em questões epistemológicas, teóricas e metodológicas. O diálogo entre saberes, o encontro entre o teórico e o prático, entre a ciência e a tecnologia aba- lam as fronteiras do conhecimento, na tessitura de um saber complexo (CAPES, 2008). Há na concepção de interdisciplinaridade a ideia de reciprocidade, de diálogo e colaboração entre saberes distintos, que não perdem suas características particulares, mas recompõem-se num novo conhecimento, com diversas interações possíveis. A interdisciplinaridade é um fundamento importante da intersetorialidade, conforme discutimos a seguir. Sabemos que uma das fragilidades da ação pública está na setorialidade das políticas. As necessidades e demandas das pessoas, coletivos e seus territórios, são interconectadas, articuladas. O desenho das políticas setoriais decorre de uma ar- quitetura de Estado setorializada que fragmenta a ação pública, desconectando programas, serviços e ações. A incompletude das políticas setoriais exige articu- lação e complementaridade, inclusive entre as esferas de governo, o que nos
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