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4. Impactos, riscos, vulnerabilidade e resiliência socioambientais A dinâmica acelerada das paisagens instáveis incita a discussão acerca dos impactos socioambientais que o mundo experiencia há décadas. Diversas são as variáveis que implicam nesse cenário, entre elas estão as concepções dos riscos e vulnerabilidades sociais e ambientais por meio de uma pretensiosa análise sobre a ótica do pensamento crítico. Teorias que fundamentam estudos socioambientais e metodologias que servem de exemplo serão evidenciadas, principalmente o Sistema Socioambiental Urbano (S.A.U). Expostas tais relações, são então apresentadas medidas que podem culminar no despertar da consciência popular sobre a temática ambiental, exemplificando a política e as condições de vida das populações no globo. Nesse aspecto, apresenta-se o conceito de resiliência e a capacidade dos seres humanos e dos ambientes de se recuperarem. Os impactos ambientais podem ser compreendidos como Qualquer alteração das propriedades físicas, químicas, biológicas do meio ambiente, causada por qualquer forma de matéria ou energia resultante das atividades humanas que afetem diretamente ou indiretamente: a saúde, a segurança e o bem estar da população; as atividades socioeconômicas; o meio biótico e abiótico; as condições estéticas e sanitárias ambientais e a qualidade dos recursos ambientais. (Brasil, 1986) Impactos ambientais dizem respeito, diretamente, aos processos de transformação e degradação do meio ambiente causados pelas atividades humanas. Esses ambientes degradados passaram a constituir motivo de preocupação, de forma mais explícita, há algumas décadas, quando a queda na qualidade de vida no meio urbano tornou-se mais evidente, o que decorreu na crise ambiental urbana (Mercer, 2016). As transformações impregnadas pelas sociedades à natureza são, na maioria dos casos, muito difíceis ou mesmo impossíveis de recuperação. Essa situação torna- se mais intensa quando nos deparamos com tecnologias e novas descobertas científicas que apontam para a aceleração do desenvolvimento econômico, inconsequente que se dá em face de princípios ecológicos e de justiça social. Observa-se, assim, uma clara contradição na relação sociedade-natureza, pois, ao mesmo tempo em que degradam a natureza e o meio ambiente, os seres humanos não conseguem desenvolver sua vida em ambientes marcados pela poluição do ar, do solo e da água, e também pela incorreta destinação de rejeitos etc. Considerando essa contradição e complexidade de situações, neste capítulo abordaremos os riscos e as vulnerabilidades socioambientais, temas dos mais caros à analise ambiental contemporânea, e que demanda de ambientalistas, científicos e políticos conhecimento para uma tomada de decisão mais coerente. Um estudo exitoso dos problemas socioambientais é, geralmente, elaborado tendo por base teorias e metodologias de caráter sistêmico e multi ou interdisciplinar, pois os problemas dessa ordem não cabem somente no âmbito de uma disciplina, como visto anteriormente. Os problemas atinentes ao ambiente urbano, por exemplo, não pertencem somente ao campo da arquitetura, do urbanismo, da engenharia ou da geografia. A poluição atmosférica urbana, por exemplo, demanda um conjunto de profissionais – cientistas e técnicos, da gestão pública da cidade, do terceiro setor etc. – para ser devidamente solucionada. Nesta parte da obra enfocaremos os problemas relacionados ao fenômeno da urbanização, notadamente porque a população da Terra é, neste momento, sobretudo urbana, o que demanda uma atenção especial da ciência e da gestão publica. Segue-se a discussão fazendo-se referência à constituição da sociedade de risco que apresenta fatores concernentes ao processo de globalização. A ideia de sustentabilidade aparece como a grande promessa capaz de resolver o impasse meio ambiente versus economia, e, por fim, o conceito de resiliência fornece argumentos para compreender melhor as desventuras que assolam populações em todas as partes do planeta. 4.1 Riscos e vulnerabilidades socioambientais As cidades evidenciam, cada vez mais, ambientes degradados e problemas graves de fundo social (violência, altos índices de criminalidade e homicídios, pobreza, desemprego) e de fundo físico-natural (poluição hídrica, poluição do ar, poluição dos solos, perda ou degradação da vegetação etc.), e demandas psicossociais rogam por gestores dispostos a resolvê-los. Os cenários de degradação da natureza não são especificidades dos séculos XX e/ou XXI, mas sim problemáticas marcantes de todos os momentos históricos em que as sociedades humanas exploraram a natureza para além de suas condições de autorregeneração. Durante e após o processo da Revolução Industrial a degradação da natureza se efetivou de maneira cada vez mais intensa. As cidades, por exemplo, passaram a atestar cada vez mais a ausência ou insuficiência de saneamento básico e de moradia adequada, a poluição atmosférica e dos rios e a precariedade das condições de vida para a maioria da população. Figura 4.1 – Escravos despejando excrementos no rio – Litografia de Fleuiss Figura 4.2 – Papa Paulo VI visita favela em Manila (Filipinas), 1970 A indústria, como integrante fundamental do processo da modernidade – urbanização –, desenvolveu-se à custa da precarização social e máxima exploração dos recursos naturais. A partir do final do século XVIII, na Europa central, por exemplo, tornaram-se flagrantes as péssimas condições de vida dos proletários e dos operários, bem como a intensa degradação das áreas de exploração de carvão mineral que proporcionou as bases para o desenvolvimento do capitalismo no Estado Moderno. O êxodo rural, um processo marcante do final do Mercantilismo e do início do Capitalismo na Europa central, foi marcado pela saída dos trabalhadores do campo em direção às cidades. Essa migração tinha como fim encontrar condições para a sobrevivência, fazendo com que as cidades, sem preparo para recebê-los dignamente, gerassem espaços e ambientes fortemente degradados. Guerra e Marçal (2006) consideram que as revoluções agrícola e industrial (séculos XVIII e XIX) ocuparam regiões – os campos –, anteriormente utilizadas para o sustento da população, e em razão disso os recursos naturais foram explorados com afinco para suprir as necessidades do sistema de produção capitalista. Tempos depois essa situação torna- se amplamente comprovada quando se observa a devastação de áreas e regiões nas quais se explorou recursos naturais de interesse do processo industrial. Mas num contexto de intensa e flagrante diferença de classes, como é a sociedade capitalista, nem todos sofrem os impactos da degradação do ambiente da mesma forma. Torna-se, então, imperativo averiguar as situações de riscos e vulnerabilidades a que as populações estão submetidas. Assim, parece haver um consenso de que quanto menor a qualidade de vida, mais exposição ao risco uma sociedade terá. Dessa forma, qual a diferença entre os riscos e as vulnerabilidades? De antemão, um exemplo facilita a compreensão e atenta para as diferenças e semelhanças, já que os dois conceitos se complementam. Um indivíduo que reside em uma área de relevo plano com sua casa bem próximo de determinado rio em área tropical é, corriqueiramente, vitimado por alagamentos e/ou inundações. Ele é vulnerável a enchentes, alagamentos, doenças, perdas material e humana, ou seja, está situado em um ambiente vulnerável. A vulnerabilidade é promovida por uma diversidade de fatores (sociais, econômicos, políticos, culturais, educacionais etc.) associados às condições de vida de dada população. Mas não haveria problema para esse indivíduo se ele não morasse nesse local e se, ao mesmo tempo, as chuvas não provocassem as inundações e alagamentos da área. É essa condição, de origem natural, que nos permiteidentificar a formação dos riscos naturais ao caso em tela; ou seja, as inundações (associação entre chuvas concentradas e relevo plano), por exemplo, constituem um risco natural que afeta a vida das pessoas e a economia de dada localidade. Mendonça (2010, p. 156) cita outras influências a essas adversidades: “Uma das principais dimensões dos riscos, e de interesse das sociedades, é sua expressão espacial, ou seja, os riscos são espacial e temporalmente datados”. São espaciais por acontecerem em determinado local, igual ao que serviu de exemplo nos parágrafos anteriores, e também possuem uma temporalidade, pois acontecerão em um período determinado tempo. Um recurso às concepções de risco e vulnerabilidade se impõe nesse momento. Primeiramente é necessário ter ciência de que o termo risco surge: com o próprio processo de constituição das sociedades contemporâneas, a partir do final do Renascimento e início das revoluções científicas, quando ocorreram intensas transformações sociais e culturais associadas ao forte impulso nas ciências e nas técnicas, às grandes navegações e à ampliação e fortalecimento do poder político e econômico de uma nascente burguesia. (Freitas; Gomez, 1996, p. 486) Atualmente, a conotação dada a esse termo provém da teoria das probabilidades, implicando certa previsibilidade, graças ao conhecimento prévio. Embora esse conceito seja “associado ao potencial de perdas e danos e de magnitude das consequências, até o período anterior à Revolução Industrial o que dominava era sua compreensão como manifestação dos deuses” (Freitas; Gomez,1996, p. 487). E tais riscos, atualmente concebidos como “naturais”, figuravam no sentido de castigos divinos, ou sobrenaturais, e somente foram desmistificados na modernidade. Freitas e Gomez (1996, p. 488) apresentam um discurso proferido por Rousseau em 1756 acerca de um terremoto em Lisboa colocando que: A maior parte de nossos males físicos são obra de nós mesmos. [...] admiti, por exemplo, que, se não tivéssemos permitido a construção de um aglomerado de vinte mil prédios, de seis a sete pavimentes naquela grande cidade, e se os habitantes estivessem distribuídos de modo mais uniforme, alojados espaçadamente, a destruição teria sido muito menor, quase nenhuma [...]. (Freitas; Gomez, 1996, p. 488) Mesmo rara para sua época, essa constatação é válida para os dias de hoje, ou seja, a natureza não é culpada pela grande parte dos graves problemas socioambientais que vitimam as sociedades atuais. Não se trata do retorno ao malthusianismo, mas, sobretudo, da forma como se desenvolvem e se estabelecem os assentamentos humanos, notadamente quando se analisam as áreas sujeitas a riscos naturais e a vulnerabilidade dos grupos sociais nelas instaladas. O cenário de riscos naturais é extremamente paradoxal na atualidade, pois, exatamente no momento de maior desenvolvimento científico e tecnológico da humanidade, é quando se registram os mais graves e intensos impactos dos fenômenos naturais sobre parcelas da sociedade. Em determinadas situações a potencialidade dos riscos coloca a todos em condição de fragilidade, mas o que se observa é que ela se revela bastante diferenciada quando da efetivação do perigo posto que a chamada “bomba atômica dos pobres” tem exacerbado os impactos sobre eles. Segundo Mendonça (2010, p. 156) “a noção de risco introduz uma nova perspectiva na abordagem e gestão do espaço e dos territórios, sejam eles urbanos ou rurais, litorâneos ou continentais, naturais ou fortemente alterados [...]”. Mas é preciso entender os riscos para além de sua gênese natural, especialmente no contexto da sociedade de risco, como o ponderou Ulrick Beck. Nesse sentido, Mendonça (2004, p. 155) considera que “estudiosos desta temática são concordantes em conceber o risco segundo três dimensões [...], os riscos naturais, os riscos tecnológicos e os riscos sociais”. Riscos naturais: São fenômenos que têm origem na própria dinâmica da natureza, por exemplo: terremotos, inundações, furacões, incêndios florestais etc. Sua gênese está fortemente atrelada à própria natureza dos lugares, mas também podem ser intensificados pelo homem. Riscos tecnológicos: Em acordo com a sociedade de risco eles derivam notadamente do avanço técnico-tecnológico auferido pela sociedade no período pós- Revolução Industrial, tendo se agudizado no momento atual. Estão, em geral, associados ao processo produtivo no âmbito da urbanização-industrialização do planeta. Por exemplo: armazenamento, produção e transporte de produtos perigosos, redes de transmissão elétrica, usinas nucleares, uso de equipamentos eletroeletrônicos, uso de produtos químicos na agricultura, transporte de pessoas etc. Riscos sociais: Tem origem no processo de segregação da sociedade, especialmente quando se trata da diferenciação de classes e da questão racial, na medida em que parte importante da sociedade encontra-se alijada dos resultados benéficos da produção capitalista moderna. Essa exclusão verifica-se principalmente nas periferias sociológicas, geralmente também geográficas, dos grandes centros urbanos de países como o Brasil, em razão do empobrecimento da população associado à especulação imobiliária. Nesse contexto de disputas resta às populações mais carentes a única possibilidade de assentamento em locais fragilizados, sem segurança para a habitação e destituídos das condições mínimas para a vida digna – um flagrante de injustiça social. Para essas pessoas, que formam um expressivo contingente da população, não resta alternativa senão a ocupação de áreas frágeis e em condições de risco. No entanto, os riscos sociais explicitam outras situações também importantes, como a habitação em locais de risco. Toma-se, por exemplo, o contexto da crescente e absurda criminalidade que assola as grandes e cidades médias do país e se verá, claramente, a cotidiana exposição das pessoas aos mais diferentes atos de delinquência, roubo, homicídios etc. Para além dessas situações, figura, também, a ação policial desenfreada e descontrolada, o tráfico de drogas, a violência banal no momento dos grandes eventos esportivos etc. Ou seja, a perversa concentração da renda no país deixou a sociedade em riscos extremamente altos no seu cotidiano os quais, de maneira evidente, colocam a população negra e pobre como a mais vitimada na sociedade. Contudo, os riscos devem ser compreendidos como uma construção social. Os riscos não se formam isolados dos contextos históricos, eles são frutos das condições reinantes em dado momento e em dado lugar. Os riscos atuais são essencialmente distintos daqueles de outros tempos, e não há risco para a natureza, nem para as máquinas nem para os deuses. Os riscos dizem respeito essencialmente às sociedades, posto que são os homens e mulheres, aqueles que formam a sociedade, os impactados por um fenômeno de origem natural, tecnológica ou social. Todavia, raramente um tipo de risco se manifesta isolado; há sempre uma associação entre sua origem e as condições de dado contexto histórico-social- economico-cultural-tecnológico, assim pode-se afirmar que os riscos são, em sua essência, sempre híbridos. Uma inundação, por exemplo, tem sua gênese na natureza (clima e relevo), mas torna-se um risco somente quando atinge populações e/ou áreas de interesse para a produção econômica social; idem para um risco tecnológico e social, o que confirma a condição de os riscos serem, sobretudo, riscos híbridos. Já o termo vulnerabilidade foi amplamente propagado dentro do movimento dos direitos humanos na década de 1980, e servia para caracterizar melhor indivíduos em condições favoráveis e suscetíveis ao vírus HIV e à aids. Conforme percebido, tal enunciação foi difundida nas ciências da saúde e, por ser algo de ordem pública, impactando e gerando consequências para a sociedade, alicerçou-se tambémjunto às ciências humanas. A vulnerabilidade “envolve um conjunto de fatores que pode diminuir ou aumentar o(s) risco(s) no qual o ser humano, individualmente ou em grupo, está exposto nas diversas situações da sua vida” (Esteves, 2011, p. 69). Assim, verifica-se que os riscos têm seus impactos acentuados quando acometem determinadas populações, ou seja, os impactos dos riscos se distribuem de forma diferenciada sobre a sociedade. Essa diferenciação constitui-se numa consequência direta dos distintos aspectos econômicos, educacionais, tecnológicos, culturais, políticos etc. da sociedade. A identificação dessas diferenças coloca-se como uma premissa fundamental, ou seja, a identificação da vulnerabilidade a dado risco constitui-se em uma das primeiras instâncias da análise e previsão de riscos na atualidade. Nas áreas urbanas, por exemplo, a vulnerabilidade aos riscos expõe sempre situações muito evidentes. Magalhães (1994) trata da cronologia dos processos de alteração da paisagem nas áreas urbanas em três fases: 1) A transformação do pré-urbano para o urbano inicial, marcada pela remoção da vegetação e a construção das primeiras casas, o que vai aumentar a vazão dos rios e de sua sedimentação etc. (Santos, 2007); 2) A construção de mais casas e edifícios, a impermeabilização dos solos pelos calçamentos, diminuindo a infiltração da água e seu escoamento superficial, a insuficiente rede de tratamento de esgoto e a poluição das águas etc.; 3) O urbano avançado com a instalação de indústrias, construção de grandes edifícios residenciais e comerciais e a completa impermeabilização dos solos, enchentes, formação de ilhas de calor, chuva ácida etc. Figura 4.3 – Degradação ambiental urbana: poluição industrial, chaminés e esgoto As imagens exemplificam a poluição gerada pelas indústrias na atmosfera e despejos diretos em cursos hídricos, exemplos corriqueiros de impactos nas áreas urbanas e rurais que colocam a população em situações de risco socioambiental. O impacto causado por obras de engenharia (estradas, ferrovias, barragens etc.), por atividades de mineração a céu aberto, atividades industriais (incluindo as exigências de terrenos para indústrias), a malha de transporte e tantas outras ações aumentam as pressões sobre os recursos naturais, e certamente são os fatores que derivam na degradação do ambiente; nas áreas urbanas eles se apresentam de forma concentrada e são fortemente impactantes. (Dias, 2017, p. 2) As cidades, em virtude das intensas mudanças promovidas pela urbanização moderna, são locais onde os impactos da degradação ambiental decorrem em maiores prejuízos, tanto econômicos quanto sociais. Mas as cidades também promovem alterações, por exemplo no clima. Elas alteram o balanço de energia, que se reflete na temperatura do ar e na umidade relativa, ocasionando o surgimento de ilhas de calor/frescor e, consequentemente, em conforto/desconforto térmico (Mendonça, 20010, 2011). A intensidade de alteração dos ambientes e o impacto associado têm sido alertados por estudiosos dos problemas ambientais há tempos. Eles se amparam no quadro legal da gestão do ambiente, revisam-no e cobram do poder do Estado sua aplicação visando garantir a dinâmica dos ecossistemas e da sociedade humana (Dias, 2017). Importante ressaltar que a escala de análise dos estudos implicará diretamente o resultado final objetivado. Há processos que podem ser analisados na microescala, outros na meso e outros na macroescala. Muitas vezes a interação escalar é fundamental para uma compreensão satisfatória dos processos e elementos em interação em dada situação de risco e vulnerabilidade. Para além da perspectiva científica, técnica e política, é preciso também considerar a dimensão dos saberes tradicionais (ou vernaculares) das populações em situação de riscos. O conhecimento que determinadas sociedades gerou sobre seus lugares, justamente por sobre eles habitar há gerações e com eles conviver, causa nelas uma compreensão conhecimento intrínseca as suas dinâmicas, algo expresso muitas vezes nas suas próprias culturas. Apostar nessa dimensão é, certamente, uma atitude não somente de respeito para com as construções históricas de seus saberes, mas também uma potencialidade ímpar para resolver os problemas advindos dos impactos de um fenômeno. 4.2 A “sociedade de risco” É bem verdade que a natureza uma vez modificada pelo homem pode se recompor, contudo não é possível fazê-lo até sua forma primitiva. Surge assim uma nova natureza, diferente da primeira... uma segunda natureza, ou natureza alterada (Mendonça, 2010, p. 155). Com o intenso processo urbano-industrial do último século, observa-se a formação de uma sociedade nova, com uma natureza mais alterada, ou pelos menos com outra configuração. Entretanto, ela é marcadamente resultante de uma nova lógica da relação sociedade-natureza embasada na exploração máxima de uma pela outra no processo de produção e reprodução capitalista. Beck (1998) ao analisar essa condição social predominante nas últimas décadas, cria a ideia de haver no planeta atual uma sociedade de risco, impregnada pela distribuição de perigos intrínsecos ao processo de globalização. Beck concebe o mundo dos anos 1980 através da globalização despontada no início da terceira Revolução Industrial impregnado por uma ampla tecnificação de espaços e processos. A tecnologia, assim, insere riscos às sociedades e ao meio ambiente. Para ele uma sociedade detentora de mais técnica possui mais probabilidade a riscos; por exemplo, uma população que constantemente usa o transporte aéreo está sujeita a um risco eminente de queda. A tecnologia acirra determinadas condições que outrora eram associadas à natureza, por exemplo, as intempéries sobre os homens. As intempéries afetam, atualmente, de maneira distinta os homens devido às diferentes condições tecnológicas dos grupos humanos. Surge, assim, a sociedade de risco, a nossa sociedade, da globalização e da tecnologia, que é tida como o grande acontecimento que nos posicionou em risco. Esse conceito, segundo Guivant (20010, p. 96) “cruza diretamente com o conceito de globalização”, também comentados por Beck (1998): Com a eclosão dos processos de globalização e de mudanças globais, no âmbito dos quais especula-se acerca da rápida e intensa alteração das paisagens, as discussões acadêmicas e políticas passam a articularem-se em torno das incertezas dos cenários futuros para o planeta; ganha destaque a constituição de uma sociedade de risco. (Beck, 1998 citado por Mendonça, 2011, p.113) A sociedade de risco reflete a modernidade e os efeitos da globalização, que podem ser imprevisíveis. Contudo, há estudiosos que acreditam ter ocorrido um leve exagero por parte de Beck que, ao traçar cenários para o mundo a partir do contexto europeu, comete um exagero ao generalizar condições eminentemente locais para dimensões globais; por exemplo, não se pode comparar o interior da Amazônia brasileira com a cidade de Berlim. No contexto europeu a tecnologia encontra-se muito mais impregnada e robusta, e coloca a sociedade muito mais em risco; todavia, no caso brasileiro e em tantos outros cenários parecidos, não. Figura 4.4 – Exemplos de riscos tecnológicos Legenda: A. Teste para detectar radiação; B. Explosão de plataforma de petróleo e derramamento de óleo; C. Explosão de refinaria em Israel em área urbana; D. Acidente com caminhão que transportava inflamáveis. Os problemas ambientais, que também evidenciam diferentes faces dos riscos, conforme já comentado, resultam de interações complexas. Eles se tornam mais graves quando verificados em países não desenvolvidos, onde sua repercussão sobre a sociedade se dá de maneira bastante catastrófica em razão da ausência de políticas públicas voltadas à promoção da qualidade de vida com segurança e respeito aos direitos humanos.Os impactos socioambientais e a vitimização da sociedade se processam de maneira profundamente distinta quando da ocorrência de um natural hazard em um país desenvolvido como o Japão ou os Estados Unidos e um país não desenvolvido como Bangladesh ou o Haiti. Mendonça (2010, p. 153) reflete sobre essas implicações ao considerar com: a perspectiva das mudanças climáticas globais, e a consequente intensificação do calor e da urbanização, particularmente nos países não desenvolvidos, estima-se que haverá uma exacerbação dos riscos e das vulnerabilidades socioambientais urbanos, embora esta condição não seja decorrência única e exclusiva daquela. (Mendonça, 2010, p. 153) As escalas de ocorrência desses processos também devem ser alvo de discussão visto que tais situações podem acontecer tanto nos grandes centros urbanos quanto em cidades pequenas ou comunidades locais e mesmo nas áreas rurais. As diferenças de desenvolvimento social e econômico das populações refletem- se diretamente na capacidade de fazer face aos impactos dos desastres naturais e, por conseguinte, na intensidade dos perigos ou riscos socioambientais. Os aglomerados subnormais – termo empregado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) para designar favelas, ou áreas destituídas de condições mínimas para a vida urbana – constituem áreas nas quais os riscos socioambientais atingem proporções alarmantes, pois ali se observam indicadores de altíssima vulnerabilidade social. Em espaços exíguos se observa grande densidade de pessoas e construções, enquanto em extensos espaços da cidade há o privilégio do pouco adensamento. Os aglomerados subnormais estão, geralmente, situados em áreas sujeitas a inundações, movimentos de massa etc., e são também aqueles de mais alta vulnerabilidade no âmbito das cidades. Figura 4.5 – Segregação socioespacial (esquerda) e habitação em área de risco na capital paulistana (direita) A grande segregação das cidades brasileiras, proveniente da má distribuição de renda e da especulação imobiliária, está na gênese dos graves riscos socioambientais urbanos brasileiros. O processo de adensamento populacional nas cidades não será freado tão cedo, pois ele é fruto e impulsionador do sistema econômico excludente que impera no país. Conforme Santos (1993, p. 10): Ao longo do século, mas, sobretudo, nos períodos mais recentes, o processo brasileiro de urbanização revela uma crescente associação com a pobreza, cujo locus passa a ser, cada vez mais, a cidade, sobretudo a grande cidade. O campo brasileiro moderno repele os pobres, e os trabalhadores da agricultura capitalizada vivem cada vez mais nos espaços urbanos. Constata-se assim que os impactos socioambientais são mais expressivos no ambiente urbano, pois é ali que há mais vítimas quando comparado às áreas rurais. A cada vez mais expressiva densidade urbana, que resulta em maiores contingentes populacionais expostos aos riscos, é uma consequência direta da associação entre o êxodo rural e o crescimento vegetativo urbano; a cidade tem sido alardeada como o locus do desenvolvimento, do sucesso financeiro e da realização plena da vida, enfim o exemplo máximo do meio técnico-científico-informacional concebido por Milton Santos. É nesse período histórico que a concepção da cidade como ambiente urbano vai se consolidar, sobretudo pelo processo de urbanização corporativa (novamente uma concepção de Milton Santos). No entanto, é fato que o processo de desenvolvimento desigual e injusto gerou espaços e cidades totalmente distintos no mundo, visto que dinâmicas e processos seguiram períodos históricos de ocupação, lógica de planejamento e ordenamento e avanços tecnológicos bastante diferenciados. Dessa forma, considerando que a lógica da urbanização resulta também de sua busca por ofertas, a discussão e os esforços devem ser em prol de iniciativas e alternativas que revertam e/ou limitem o processo de degradação do ambiente urbano. Constituindo-se, pois, num ambiente complexo, os problemas socioambientais urbanos colocam em xeque as capacidades da ciência, da técnica, da tecnologia e da política na perspectiva de encontrar soluções teóricas e práticas para os mesmos. O Sistema Socioambiental Urbano (S.A.U.) constitui-se numa das perspectivas para a compreensão e gestão dos problemas socioambientais urbanos, como se verá a seguir. 4.3 Sistema Socioambiental Urbano (S. A. U.) Dados da FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura) de 2015 indicam que a perda de cinco milhões de hectares de terras aráveis por ano se dá devido às más práticas agrícolas, secas e pressão populacional, além de inúmeras atividades humanas de exploração inadequada dos recursos naturais. (Dias, 2017, p. 1) As cidades podem ser consideradas o palco das principais, concentradas e grandes atividades agressivas ao meio ambiente natural, o que resulta no fato de que os ambientes urbanos são, em geral, altamente degradados. Verificando a situação alarmante da degradação ambiental urbana, sobretudo concernente à formação de ilhas de calor, ocorrência de inundações e crescente poluição atmosférica, Carlos Augusto de Figueiredo Monteiro (1976) utilizou princípios da teoria geral dos sistemas e criou o “Sistema de Clima Urbano” (SCU). Seu propósito era auxiliar na promoção da melhor gestão socioambiental da cidade dentro da lógica sistêmica. Para tanto tratou do ambiente urbano através da interação entre elementos e fatores que compõem a atmosfera urbana e a cidade. Figura 4.6 – SCU – Sistema Clima Urbano de Monteiro (1976) (Simplificado) Fonte: Andreotti; DIAS, MENDONÇA, 2017. Sistematizando uma metodologia prática e simples de compreender, o professor Monteiro formou as bases para a compreensão e gestão dos problemas do clima urbano, um dos elementos fundamentais do estudo do ambiente da cidade. Na sua proposta, um tanto inovadora para o momento histórico no qual foi construída, entende-se que há um considerável avanço na perspectiva de analisar, de forma integrada, a sociedade e a natureza, sobretudo porque os problemas socioambientais urbanos têm uma característica de transversalidade disciplinar. O conceito de ambiente urbano reside na ideia de um ambiente artificial que, mesmo possuindo elementos oriundos da natureza, é transformado pelo ser humano conforme suas necessidades (Freire, 2010). Mendonça esquematiza o ambiente urbano separando a dimensão da qualidade de vida (elementos de ordem física-natural) das condições de vida (elementos de ordem humana-social) da cidade, da seguinte maneira: Figura 4.7 – Ambiente urbano (Mendonça, 2004). Fonte: Mendonça; Dias, 2017. O Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento/Oficina de Serviços para Projetos das Nações Unidas (PNUD/UNOPS) elaborou na década de 1990 um documento com direcionamentos sobre a gestão do meio urbano na América Latina. Os urbanistas e estudiosos autores da obra conceberam que o “meio ambiente urbano é o processo de intercâmbio entre a base natural de uma cidade, a respectiva sociedade ali existente e a infraestrutura construída, consequentemente, o ambiente urbano é o resultado de diversos processos de interação [...]” (Mendonça, 2004, p. 195). Diferentemente do ambiente urbano de Mendonça (que o concebe em duas partes, a natural e a social), esse documento entende que o ambiente urbano é formado por três subsistemas: o natural, o construído e o social. Figura 4.8 – Dinâmica da Problemática Ambiental Urbana Fonte: PNUD/UNOPS, 1997, p. 65. Entretanto, esse ambiente não envolve apenas o perímetro das cidades, compreendendo as atividades que fornecem matéria-prima para a indústria, algo que Lefebvre (2003) aponta como fruto desse processo, o fenômeno da urbanização, quando indústrias invadiram espaços que depois se tornaram as cidades de hoje. Mendonça (1993, p. 154) tambémcompartilha dessa ideia colocando que os processos de industrialização são os grandes responsáveis pela degradação do meio ambiente urbano, que sequenciou o modelo de desenvolvimento concentrador dos benefícios e de forte impacto sobre a queda da qualidade de vida da sociedade como um todo; sendo a qualidade do ar um dos importantes impactos negativos deste processo sobre a população. Mendonça et al. (2016, p. 134) colocam que: os níveis de poluição atmosférica em áreas urbanas apresentam diferentes valores e espacialidades, que estão na dependência de vários fatores. Dentre eles destacam-se a urbanização, a industrialização, o sítio urbano, as áreas verdes, a quantidade e o fluxo de veículos, as condições meteorológicas etc. (Monteiro, 1976; Mendonça; Danni-Oliveira, 2007) Castelhano et al. (2014, p. 2871), ao analisar os problemas da qualidade do ar da cidade de Curitiba, explicam a concepção da poluição atmosférica como sendo a inserção de qualquer substância dispare em seus componentes naturais, seja de origem natural ou antrópica, como exemplos: polens, bactérias e erupções vulcânicas (naturais), e a queima de combustíveis fósseis (derivadas das atividades humanas). A discussão atual sobre as mudanças climáticas coloca no centro dos debates o aquecimento global, a depleção da camada de ozônio, a elevação do nível dos mares etc. como consequências da queima de combustíveis fósseis, do desmatamento das florestas, da poluição dos oceanos, do aumento da frota de veículos etc. Grande parte desses processos tem sua gênese na urbanização- industrialização do planeta, especialmente na fase da globalização. Considerando a problemática das mudanças climáticas globais, e a contribuição das cidades nesse processo, constata-se a necessidade de estudos voltados ao clima urbano, especialmente à poluição atmosférica, a fim de sanar e desenvolver o conhecimento acerca dos impactos da sociedade na natureza e, num processo de feedback, da natureza sobre a sociedade. Assim, os estudos de Monteiro (1976, 2003) e posteriormente de Mendonça (1993, 2003, 2015) acerca do clima, e as problemáticas a ele associadas, situam-se como marcos para os estudos do ambiente urbano. O estudo do clima e do ambiente urbano como um todo constitui em abordagens transversais e intermultidisciplinares dos problemas urbanos, envolvendo a ciência, a política e os citadinos. Ambas as metodologias, de Monteiro (1976 – S.C.U) e do PNUD/UNOPS (1997 – Sistema Ecológico Urbano) deram base para que Mendonça criasse, no início da última década, a proposta do SAU – Sistema Ambiental Urbano (S.A.U). Nessa proposta os problemas atinentes ao ambiente urbano são concebidos como resultantes da interação entre a natureza e a sociedade na cidade. Figura 4.9 – S. A. U. – Sistema Ambiental Urbano (Simplificado) Fonte: Mendonça, 2004, p. 201. O SAU é então um sistema aberto e característico de um enlace de relações que a sociedade estabelece com a natureza local (sítio urbano), sendo dinamizadas pelos atributos urbanos que geram, sobretudo nos países não desenvolvidos, problemas socioambientais urbanos de toda ordem. Compreender estes e suas relações é de fundamental importância para elaborar planos de correção dos problemas e garantir qualidade de vida urbana para os habitantes da cidade. Mendonça (2004, p. 203) coloca que os problemas socioambientais urbanos mais comuns são: a degradação/poluição do relevo, do ar, da água, do solo e da vegetação que, uma vez comprometidos, comprometem sobremaneira a qualidade da vida urbana; os resíduos sólidos urbanos, as inundações, os deslizamentos/movimentos de terra, as erosões, as ocupações irregulares (subnormais), o favelamento, a fome, a miséria, as doenças transmissíveis, parasitárias, as neoplasias etc. Essa proposta, como várias outras, contribui para a elaboração do Planejamento e Gestão Socioambiental Urbana, atividade necessária para a correção dos atuais problemas socioambientais urbanos e também para a prevenção de problemas futuros. O planejamento e a gestão ambiental constituem-se nos temas principais a serem tratados no capítulo seguinte. 4.4 A consciência popular para a mudança com sustentabilidade e resiliência É complexo e paradoxal pensarmos na proteção e conservação da natureza, na defesa do meio ambiente, quando nos damos conta da expressiva parcela da população que vive em condições desumanas, na pobreza e na miséria. A abordagem das questões ambientais não logrará sucesso se for feita como se o meio ambiente estivesse à parte das questões sociais, pois não se pode promover a melhoria da qualidade ambiental sem se promover a qualidade de vida dos homens... sem justiça social não há justiça ambiental. Os impactos à natureza e o efetivo comprometimento dos ecossistemas serão claramente mais evidentes nos locais nos quais os homens e suas sociedades também estão degradados, nos quais perderam a dignidade da vida humana, nos quais impera a exploração dos homens pelos homens. Para a efetiva recuperação das áreas degradadas há que primeiro e conjuntamente se recuperar a qualidade de vida humana e o respeito aos seres sociais que habitam esses locais. Figura 4.10 – Habitações perto de curso hídrico (Kathmandu, Nepal) A construção de moradias perto de rios e áreas de risco é uma alternativa encontrada pelas populações que não possuem capital para se estabelecerem em locais com segurança habitacional. Essa realidade registra graves problemas socioambientais com grandes riscos devido à alta vulnerabilidade dos assentamentos humanos: doenças, inundações, miséria etc. Figura 4.11 – Condições precárias de subsistência (Kathmandu, Nepal) As figuras 4.10 e 4.11 ilustram as condições precárias a que estão submetidas populações, sobretudo as dos países considerados subdesenvolvidos, como o Brasil. Dessa maneira, pode-se afirmar que a degradação ambiental é uma consequência direta do sistema de concentração de renda que impera no mundo atual. As classes altas da sociedade apropriam-se da natureza, a transformam e, com isso, degradam de maneira profunda os recursos naturais e os lugares de sua exploração e reprodução da riqueza, mas afastam de sua proximidade os resíduos daí derivados. As classes menos abastadas, os pobres e miseráveis, convivem com esses resíduos, evidenciando uma falsa imagem que associa a pobreza à degradação do ambiente; seus espaços são, aparentemente, os mais degradados, mas a gênese da degradação não lhes compete na totalidade. Alier (1992) afirma que tanto a riqueza quando a pobreza estão imbricadas nos processos de degradação. Ele coloca em evidência exemplos de camponeses que queimam até o último ramo de árvore para conseguir cozinhar ou se aquecer, ou ainda perdem seus solos pelo intenso produzir contrário ao ciclo natural, por não possuírem tempo nem dinheiro para a compra de fertilizantes que beneficiem mais o volume pedológico. Ao mesmo tempo apresenta as grandes empresas transnacionais que exploram até os últimos elementos de jazidas minerais, madeireiras, do agrobusiness etc., sem qualquer respeito para com a necessária dinâmica da natureza. “Os ambientes desagradáveis, degradados e altamente problemáticos são também produzidos onde uma grande parcela da população reside sendo necessário buscar melhorias” (Mendonça, 2004, p. 193). O desenvolvimento sustentável vai representar, segundo Jacobi (2004), essa possibilidade de mudanças sociopolíticas, entretanto, desde que não comprometa sistemas ecológicos nos quais as populações se concentram; o desafio está em amenizar a exploração e a degradação que assola, através de riscos variados, desigualmente a população. Porto Gonçalves (1990) desperta-nos para alguns questionamentos fundamentais para a reflexão acerca dos problemas derivados da relação entre a sociedade e a natureza, tais como: Quando falamosque “o homem está destruindo a natureza”, de que homens estamos falando? Os indígenas também são esses homens e não destroem a natureza, pelo menos no nosso imaginário de paraíso perdido, de um “bom selvagem”. É preciso pensar nesse homem sob determinadas formas de organização social, no seio de uma cultura, e não no homem como categoria genérica... afinal que homens degradam a natureza? Também se levanta a questão sobre as pessoas que buscam a vida no campo e/ou meio rural, lugares mais distantes dos centros urbanos. Será que esses também não degradam o ambiente? Como tratam o esgoto que produzem? Como se aquecem no inverno? Quais os ecossistemas destruídos para a construção de suas casas? Fica claro dizer que a organização da sociedade e seus padrões de consumo é que levam à degradação ambiental, pois, “sem dúvida, a riqueza é a causa principal da degradação ambiental, já que o consumo derrocador de energias e materiais é maior entre os ricos, assim como os seus rejeitos” (Alier, 1992, p. 13). Tais questionamentos aguçam o entendimento das problemáticas e das relações que fazem parte de nossa vida, sendo que tudo está em permanente interação. Trata-se da visão fragmentada e reduzida da realidade do homem moderno, a qual não lhe permite entender a intrínseca relação entre particularidades e o todo. Atingindo essa consciência, torna-se mais fácil tratar os problemas ao mesmo tempo que um desafio, até porque, após esse entendimento, passamos a ser responsáveis pelas nossas ações degradantes para com o ambiente. De posse disso, é possível pensar e de fato promover mudanças, mesmo que elas circundem o perímetro de nossas ruas e cidades. Essa sensibilidade e consciência, que aqui enfatizamos como necessária para a promoção da mudança, em alguns casos, se apresentam de forma brusca e forçosa como quando indivíduos têm que conquistar capacidades para resistir aos impactos dos riscos socioambientais. Nesse âmbito, evoca-se a concepção de resiliência, apresentada por Mendonça (2011) como sendo as “variações individuais e/ou em resposta aos fatores de risco, e refere-se, em geral, à capacidade de um ambiente, ou sociedade, de voltar às condições anteriores após ser impactada/vitimada por um evento de caráter extremo (natural ou social/tecnológico)” (Mendonça, 2011, p. 114). Uma vez vitimados por desastres naturais, por exemplo, as pessoas e os lugares reagirão de forma distinta. A resiliência ambiental diz respeito, exatamente, à capacidade de voltar às condições anteriores ao impacto, seja o indivíduo, a coletividade, seja o lugar afetado. Todavia, é bastante claro na modernidade que a capacidade de resiliência de uma sociedade ou lugar tem a ver, diretamente, com o estágio do desenvolvimento material, intelectual e emocional dos grupos. Nos países não desenvolvidos a resiliência socioambiental constitui-se um desafio de extrema envergadura, posto a elevada vulnerabilidade das sociedades desses países. A educação ambiental constitui-se, nesse contexto, uma importante perspectiva para não somente atuar na construção da resiliência dos lugares e comunidades, mas, sobretudo, para auxiliar na prevenção dos riscos e desastres. Pode se falar em um “ecologismo pela sobrevivência”, algo que Alier (1992) indica ser um ecologismo carregado de subordinação e dependência. Questionando qual o real valor da natureza para os pobres, Alier crê que essa valorização vai acontecer quando a perda impossibilitar o sustento, promover a escravização e extinguir a saúde e dignidade. O autor apresenta a luta de Gandhi e nos direciona a refletir sobre esse e tantos outros movimentos sociais que eclodiram por questões socioambientais – sabe-se que a desobediência civil praticada por Gandhi teve seu estopim após a exploração dos recursos naturais e sociais da Índia, por conta da colonização inglesa. No Brasil, Chico Mendes, seringueiro, lutou e morreu em prol de seus ideais ecologistas, mas também o fez por não mais aceitar a exploração de seu lugar e seu povo. Nota-se nessa perspectiva outra dimensão que deve ser considerada nas averiguações de impactos: a cultural. O meio ambiente agrega a dimensão cultural e a diversidade deve fazer parte do conjunto que possibilita essa análise. Algo que explica o motivo pelo qual os índios de pouco contato com o mundo ocidental exploram seu hábitat e, apoiados no conhecimento vernacular, compreendem os processos que a natureza realiza e com ela interagem. Assim, a consciência popular para a mudança é necessária. Todavia, em muitos casos, ela resulta de ações através da força, ou contra a vontade dos indivíduos, principalmente os mais pobres, sujeitos a riscos e vulnerabilidades e que se tornam capazes de lidar com adversidades, o que é aqui apresentado pelo conceito de resiliência. O discurso de sustentabilidade, tratado no capítulo 2, foi retomado a fim de elucidar novas reflexões e questionar até que ponto ele é verdadeiro, atendendo a seu propósito máximo de utilizar os recursos naturais sem esgotar, de garanti-los às futuras gerações, ou é falso, privilegiando os propósitos dos mercados econômicos e os lucros das grandes potências mundiais.
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